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Este texto busca discutir a aprendizagem como forma de sabedoria, mais do que
algo apenas técnico, como seria o domínio de habilidades metodológicas. Quando
se fala de saber pensar e aprender a aprender, muitos logo dizem tratar-se de
propostas do tempo da Escola-Nova e, em grande parte, têm razão (Gadotti,
1993). Primeiro, a qualidade total esmerou-se, embora usando linguagem
aparentemente comprometida com o ser humano, na qualidade formal, ou seja, na
face técnica do conhecimento, porque é esta que é usada no mercado produtivo
(AEC, 1994). A outra – qualidade política –, não se destinando à produção de
mercadorias, perde interesse quando não é ostensivamente reprimida. Segundo,
saber pensar pode restringir-se a comportamentos funcionais de teor apenas
técnico, como é memorizar matemática, decorar regras lógicas e fichar livros. Muito
embora sempre se possa aludir ao fato de que, se fazemos apenas isso, não
sabemos pensar, pois não vamos além do processamento cumulativo linear de
informação – na prática, a escola facilmente se reduz a isso.
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treinamento, não porque sejam procedimentos apenas técnicos, mas porque, por
trás da face técnica, escondem interferência política prepotente, não visam à
autonomia do sujeito, pois querem a subalternidade. Nada é mais político – em
sentido negativo – do que produzir a subalternidade, lançando mão de toda
instrumentação técnica disponível, desde meras aulas reprodutivas, abuso dos
meios de comunicação, manuseio estereotipado da inteligência artificial, submissão
a livros didáticos e a currículos vindos de fora, e artimanhas instrucionistas
imbecilizantes. Aprender é, profundamente, a competência de desenhar o destino
próprio, de inventar um sujeito crítico e criativo, dentro das circunstâncias dadas e
sempre com sentido solidário.
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fonte de informação. Mesmo assim, não serve como defesa da aula, pois estamos
defendendo o atraso; sobretudo para os alunos, isso não consola. Para quem
trabalha o dia todo, chega cansado à universidade e não tem tempo para
pesquisar, a aula nada substitui, pois só completa o enterro. Melhor que ficar
ouvindo aulas meramente reprodutivas é elaborar e pesquisar a partir do que está
disponível. A aula reprodutiva continua defendida pelo professor e pelo aluno que
não querem estudar ou aprender.
Pior ainda faz o pedagogo que imagina ser a aula reprodutiva o centro do assim
dito contato pedagógico. Estar junto com o aluno ainda não é pedagogia suficiente;
conversar fiado sobre qualquer coisa ainda não é ciência da educação. Se
direcionarmos a pedagogia para o horizonte educativo aqui proposto, o contato
pedagógico típico é aquele em que o professor assume o papel de facilitador que
bem aprende, e o aluno, de aprendiz, de quem bem aprende. O sentido da
formação da competência humana para a autonomia solidária precisa ser
inequívoco. Não se obtém esse resultado somente com aula. Melhor dizendo, a aula
como tal já é expediente secundário e, sendo a aula meramente expositiva, mata a
autonomia. Nesta, nada aparece que indique a autonomia, pois é fundada na cópia
subalterna. Para falar de contato pedagógico, é mister definir o que se entende por
pedagogia e por contato. Se exigirmos alguma definição com fundamento adequado
na teoria e na prática, não podemos aceitar como fenômeno satisfatório o que
ocorre como regra na sala de aula. No mínimo, é necessário distinguir de que
desafio se trata. Em certo nível, todo contato pode ser tido como pedagógico,
porque alguém influencia alguém. Entretanto, esse tipo de influência ainda não é
aquele exigido para gestar a autonomia do sujeito. Na escola, é mister ocorrer
aquele estilo de aprendizagem dotado de suficiente qualidade formal e política para
podermos falar em formação da cidadania mais específica desse tipo de processo.
Muitas são as cidadanias que a sociedade possibilita: da família, da vizinhança, do
sindicato, da Igreja. A cidadania gestada na escola tem como objetivo específico
fundar-se, em termos instrumentais, no manejo crítico e criativo do conhecimento
e, em termos de valores e ética, na construção de sociedades alternativas. Não
será qualquer contato que irá proporcionar tamanho resultado histórico, e muito
menos qualquer aula.
Fonte
DEMO, Pedro. Introdução. In: ______. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites
e desafios. Porto Alegre: ArtMed, 2000. p. 9-12.