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Decifrando o enigma brasileiro: da subcidadania, ou seja, a da singularidade do


processo modernizador periférico centrado na
novas pistas transferência sem mediações de práticas “impes-
soais” trazidas da Europa para o Brasil, dialoga
Jessé SOUZA. A construção social da subcidada- fortemente com a crítica precedente de Souza à tra-
nia: para uma sociologia política da modernida- dição sociológica que vinculou o “iberismo” a uma
de periférica. Belo Horizonte, Editora da UFMG, comparação envolvendo Brasil e Estados Unidos.
2003. 212 páginas. Trata-se de uma grande gama de questões intima-
mente articuladas proveniente de um mesmo es-
Ruy Braga forço, tão difícil quanto decisivo. E muito bem-su-
cedido, vale realçar.
No decorrer do período de institucionalização Senão, vejamos... A proposta do livro consis-
e profissionalização das ciências sociais no Brasil, te em, por meio da crítica à centralidade de cate-
particularmente a partir da década de 1960, as vi- gorias tais como personalismo, familismo e patri-
sões totalizantes de nossa realidade social foram, monialismo – aquilo que o autor acertadamente
até certo ponto, secundarizadas pelos estudos que designa por tradição “culturalista essencialista” –
sucederam as obras seminais de Sérgio Buarque, na apreensão e explicação das “mazelas” sociais
Raymundo Faoro e Gilberto Freyre. O amadureci- de países periféricos como o Brasil, tentar cons-
mento do “campo sociológico” brasileiro priorizou truir um “paradigma alternativo” de interpretação
trabalhos mais voltados para o esclarecimento sis- capaz de conservar o acesso a realidades culturais
temático de aspectos até então não suficientemen- e simbólicas. Assim, o grande desafio seria o de
te estudados de nossa formação histórica. Progres- demonstrar
sivamente, as reinterpretações de caráter
totalizante perderam terreno em favor de estudos [...] como a naturalização da desigualdade social de
profissionais-especializados. países periféricos de modernização recente como o
Contrariando esta tendência que podemos, Brasil pode ser mais adequadamente percebida
sem maiores problematizações, qualificar de pre- como conseqüência, não a partir de uma suposta
dominante, Jessé Souza há algum tempo trabalha herança pré-moderna e personalista, mas precisa-
na perspectiva de revitalizar as interpretações to- mente do fato contrário, ou seja, como resultante de
talizantes a respeito da singularidade de nossa tra- um efetivo processo de modernização de grandes
jetória nacional, como bem demonstra seu estudo proporções que toma o país paulatinamente a partir
anterior dedicado à crítica das teses “iberistas” da de inícios do século XIX. Nesse sentido, meu argu-
formação do Brasil (Jessé Souza, A modernização mento implica que nossa desigualdade e sua natu-
seletiva: uma interpretação do dilema brasileiro, ralização na vida cotidiana é moderna, posto que
Brasília, Universidade de Brasília, 2000). A cons- vincula a eficácia de valores e instituições modernas
trução social da subcidadania aprofunda tal em- com base em sua bem-sucedida importação “de fora
preitada na perspectiva da complexificação teóri- para dentro”. Assim, ao contrário de ser personalis-
ca de uma via alternativa de compreensão das ta, ela retira sua eficácia da “impessoalidade” típica
antinomias inerentes ao processo nacional de mo- dos valores e instituições modernas (p. 17).
dernização capitalista.
Antes de mais nada, é preciso dizer que a lei- Ou seja, a desigualdade social brasileira não
tura deste livro transforma-se em uma experiência advém do fato de sermos “insuficientemente” mo-
mais plena de significados – podendo, que fique dernos, como era de se esperar, tendo em vista as
explícito, ser lido sem nenhuma precondição – diferentes teses modernizantes que teimam em
quando levamos em conta os argumentos conti- nos enfeitiçar – sobretudo quando pensamos no
dos em A modernização seletiva. Uma das pro- discurso político a respeito do crescimento eco-
blemáticas mais decisivas de A construção social nômico – até hoje. Mas é exatamente no caráter
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moderno da conflitualidade periférica brasileira no contexto estadunidense, Taylor prioriza o ideal


que devem ser buscadas as chaves explicativas de de autenticidade, no contexto periférico é a ques-
nossas dramáticas contradições sociais. Compreen- tão da dignidade que irá estimular Souza – que já
der tal “modernidade periférica” implica, segundo havia tratado da autenticidade em seu livro ante-
o autor, subtrair-se do terreno marcado pelas des- rior, vale lembrar – a tornar explícitos os princí-
contextualizadas polarizações do tipo “pré-moder- pios classificatórios capazes de iluminar a forma
no/moderno” e que praticamente nada acrescen- por meio da qual instituições aparentemente neu-
tam à reflexão a respeito da singularidade da tras operam de maneira discriminatória.
formação social brasileira. Ao mesmo tempo, im- De Bourdieu, Souza busca resgatar principal-
plica também desenvolver uma visão alternativa mente a crítica à “naturalização” das relações so-
balizada pela crítica da própria modernidade oci- ciais de dominação contida na teoria do habitus e
dental, em seus traços mais gerais. sua ênfase no aspecto “automático” – caráter irre-
É particularmente nesse sentido que Souza, fletido – dos diferentes comportamentos sociais
na primeira parte do livro – intitulada “A recons- classificatórios:
trução da ideologia espontânea do capitalismo” –,
dedica-se a um criterioso esforço de síntese en- É esse aparato também que permite a Bourdieu
volvendo dois autores contemporâneos de reco- perceber dominação e desigualdade onde outros
nhecida importância teórica, a saber: Charles Tay- percebem harmonia e pacificação social. É isso
lor – significativamente menos difundido no Brasil, que o faz fundamental para qualquer análise, seja
é verdade – e Pierre Bourdieu. De Taylor, Souza das sociedades centrais ou periféricas, interessada
procura reter a percepção segundo a qual a transi- em desvelar e reconstruir realidades petrificadas e
ção para a modernidade se apresenta conforme naturalizadas (p. 47).
uma radical reconstrução da “topografia moral”
da cultura ocidental, em grande medida contra- Tal aspecto revela-se ainda mais decisivo
posta à Antigüidade clássica: quando pensamos no caráter central atribuído por
Bourdieu ao mascaramento das precondições eco-
A revolução de que fala Taylor é aquela que rede- nômicas inerente ao exercício da dominação clas-
fine a hierarquia social a tal ponto que agora as es- sista. Ou seja, da dominação simbólica – e, nesse
feras práticas do trabalho e da família, precisamen- particular, da própria ideologia da igualdade que
te aquelas esferas nas quais todos, sem exceção, serve de base ao consenso social e político oci-
participam, passam a definir o lugar das atividades dental – obscurecendo as relações de desigualda-
superiores e mais importantes (p. 31). de.1
Na segunda parte do livro, denominada “A
Sob a hegemonia do vínculo social contratual, constituição da modernidade periférica”, Souza de-
ou seja, aquele alicerçado no caráter supostamen- dica-se à análise do padrão de modernização2 da-
te universal das normas e dos direitos subjetivos, quilo que qualifica por “nova periferia” – onde as
Taylor apreende tanto as conquistas sociais da práticas modernas seriam anteriores às idéias mo-
modernidade como suas contradições e ambigüi- dernas – e cujos traços gerais são captados por
dades. A principal delas constituída pela “oposi- meio de um engenhoso recurso envolvendo a des-
ção entre a concepção instrumental e pontual do construção-reconstrução da obra de clássicos da
self e a configuração expressiva do mesmo” (p. interpretação da formação social brasileira: de Gil-
32). Um sujeito moderno tensionado pelos pólos berto Freyre a Luiz Werneck Vianna, passando por
da razão e dos sentimentos. Daí o resgate do tema Florestan Fernandes e Maria Sylvia de Carvalho
tayloriano das modernas fontes antinômicas de Franco, principalmente.
reconhecimento – a universalizante, caracterizada Nessa empreitada, a obra de Gilberto Freyre
pela dignidade, e a particularizante, ancorada na assume uma clara posição de destaque. Na verda-
autenticidade – empreendido por Souza. Mas, se de, como o próprio autor salienta, trata-se de
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“usar Freyre contra Freyre”, ou seja construir a cessos essenciais à sociedade” (p. 122). Da mesma
tese da singularidade da formação social brasilei- forma o autor analisa os livros de Florestan Fernan-
ra utilizando aspectos descritivos contidos na obra des a respeito d’A revolução burguesa no Brasil, e
freyreana sem compartilhar de suas generaliza- de Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato
ções fortemente ideológicas. Tal recurso explica- no Brasil, sempre no intuito de melhor apreender
se, por um lado, pelo fato de Souza, como mui- a singular construção de um capitalismo periférico
tos outros estudiosos, considerar Freyre nosso marcado por processos sociais que, genericamen-
principal intérprete do século XIX, o século estra- te, poderíamos qualificar de “modernização con-
tégico da modernização periférica brasileira. Por servadora” – ou processos de “revolução passiva”,
outro, pelo fato de a instituição social “total” da como diria Antonio Gramsci –, da Independência
escravidão assumir em Gilberto Freyre, ao contrá- nacional até o “pós-1930” e a hegemonia ideológi-
rio da imensa maioria dos estudiosos de nossa co-política do “organicismo estatal”.
formação nacional, um caráter central: “Se não es- Na terceira e última parte do livro, intitulada
tou sendo injusto, o tema da escravidão só atinge “A construção social da subcidadania”, encontra-
este status na obra de Joaquim Nabuco e do pró- mos um esforço final por tornar mais precisa a
prio Gilberto Freyre” (p. 103). apreensão da especificidade do processo de mo-
É nesse sentido que Souza irá identificar em dernização capitalista empreendido no Brasil e cuja
Freyre uma “versão reprimida” do núcleo da sin- forma predominante repousa sobre aquilo que o
gularidade da escravidão brasileira, resgatando da autor identifica como correspondendo à constitui-
conhecida ideologia celebratória do sincretismo ção de uma espécie de “ralé” estrutural naturaliza-
cultural – ou “democracia racial” – uma interpre- da pela reprodução característica de nossa desi-
tação específica do patriarcalismo segundo a qual gualdade periférica. Souza busca antes mais nada
a noção estrutural passa a ser, não a do consen- lançar novas luzes sobre a “formação de um pa-
so, mas um tipo de conflito “sadomasoquista” ine- drão especificamente periférico de cidadania e
rente à relação social da escravidão: subcidadania” ao longo do período de emergência
e estruturação de nossa vida republicana.
Estamos lidando, no caso brasileiro, na verdade, Para tanto, o autor dialoga criticamente com a
com um conceito limite de sociedade, onde a au- obra de Florestan Fernandes, A integração do ne-
sência de instituições intermediárias faz com que o gro na sociedade de classes, no que concerne à
elemento familístico seja seu componente princi- problemática inserção do liberto às novas condi-
pal. [...] É precisamente como uma sociedade cons- ções marcadas pela modernização capitalista. Sou-
titutiva e estruturalmente sadomasoquista, no sen- za procura deslocar o argumento do processo de
tido de uma patologia social específica, em que a marginalização permanente de grupos sociais,
dor alheia, o não reconhecimento da alteridade e a apreendido sobre a base do preconceito de cor,
perversão do prazer transforma-se em objetivo má- para a formação de um “habitus precário” estrutu-
ximo das relações interpessoais, que Gilberto Frey- rado sobre concepções morais e políticas.3 O “ha-
re interpreta a semente essencial do patriarcalismo bitus precário”, conceito construído sobre a base
brasileiro (p. 115). de um criativo trabalho de síntese entre Bourdieu
e Taylor, como já aludido, traduziria um tipo de
Souza passa também pela obra já clássica de padrão comportamental que afastaria indivíduos e
Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens livres na grupos dos padrões utilitários oriundos do univer-
ordem escravocrata, no intuito de estabelecer os so mercantil, inviabilizando um moderno reconhe-
vínculos entre escravos – função produtiva essen- cimento social do significado de ser “produtivo”
cial – e dependentes livres – franjas da atividade na sociedade capitalista, tanto a central como a
econômica –, e melhor caracterizar a “‘ralé’ que periférica.
cresceu e vagou ao longo de quatro séculos: ho- Como é possível perceber, o livro de Jessé
mens a rigor dispensáveis, desvinculados dos pro- Souza apresenta todas as condições para interes-
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sar seus leitores, acadêmicos ou não, por se tra- teoria marxista da dependência e da idéia segun-
tar, sem dúvida, de uma vigorosa e madura (re)in- do a qual o subdesenvolvimento corresponderia
terpretação das antinomias brasileiras. Mas, como ao produto da evolução capitalista periférica.
sempre acontece, uma leitura de qualidade esti- Diga-se de passagem, idéias contidas em algumas
mula o desejo de discutir e argumentar. Nesse formulações de Ruy Mauro Marini ou mesmo de
sentido, gostaria de tomar certa distância de uma Francisco de Oliveira não se encontram muito dis-
passagem que se encontra no final da obra, se- tantes da crítica empreendida por Jessé Souza às
gundo a qual: polarizações do tipo “pré-moderno/moderno” na
análise da singularidade de nossa formação so-
Todas essas ênfases deslocadas, ainda que certa- cial. É claro que tal ressalva crítica não diminui
mente possam obter resultados inegavelmente posi- em nada os superlativos méritos do livro, particu-
tivos topicamente, sempre passam ao largo da con- larmente no que diz respeito ao profícuo esforço
tradição principal deste princípio de sociedade que, de complexificar os marcos teóricos interpretati-
aos meus olhos, tem a ver com a constituição de vos a respeito da sociedade brasileira.
uma gigantesca “ralé” de inadaptados às demandas
da vida produtiva e social modernas, constituindo-
se numa legião de “imprestáveis”, no sentido sóbrio Notas
e objetivo deste termo, com as óbvias conseqüên-
cias, tanto existenciais, na condenação de dezenas 1 Nos limites de uma resenha, é impossível resumir
de milhões a uma vida trágica sob o ponto de vista a complexidade dos argumentos invocados por
material e espiritual, quanto sociopolíticas como a Souza nesse projeto “pouco ortodoxo” de comple-
endêmica insegurança pública e marginalização po- mentar Taylor com Bourdieu e vice-versa. Contu-
lítica e econômica desses setores (p. 184). do, é preciso salientar que o esforço é, ao mesmo
tempo, criterioso e inovador, além de muito bem-
Na verdade, a contradição principal da socie- sucedido teoricamente.
dade brasileira tem menos a ver com a constitui-
2 Segundo o autor, o processo modernizador da
ção de uma “ralé” de inadaptados às demandas
“nova periferia” consiste na transferência, sem me-
produtivas do que com a instrumentalização estru-
diações, de práticas impessoais da Europa para so-
tural do processo de marginalização social no sen-
ciedades tradicionais, como a brasileira: “A partir
tido da expansão e da reprodução das bases eco-
de 1808 temos no Brasil um exemplo típico do que
nômicas do capitalismo brasileiro. Dito de uma
venho chamando de processo modernizador da
outra forma, a pobreza é funcional tanto no que
‘nova periferia’, ou seja, sociedades que são forma-
diz respeito ao regime de acumulação, como ao
das, pelo menos enquanto sociedades complexas,
modo de organização da vida política nacional –
precisamente pelo influxo do crescimento – não da
com seus padrões de cidadania e “subcidadania”
mera expansão do capitalismo comercial como no
– e, assim, as classes subalternas brasileiras, ten-
período colonial, que deixa intocadas estruturas
do em vista suas características históricas funda-
tradicionais e personalistas – do capitalismo indus-
mentais, não são de forma alguma inadaptadas
trial europeu a partir da transferência de suas prá-
em relação à produção moderna.
ticas institucionais impessoais enquanto ‘artefatos
A “ralé” da qual fala o autor representa, ao
prontos’, como diria Max Weber.” (pp. 143-144).
contrário, um dos aspectos essenciais do proces-
so de reprodução do padrão de acumulação capi- 3 O essencial da crítica a Florestan radica na centra-
talista periférico organizado em torno da relação lidade que o preconceito de “cor da pele” adquire
entre o desenvolvimento capitalista e a superex- na obra Integração do negro na sociedade de clas-
ploração do trabalho. É precisamente neste senti- ses: “No contexto estamental e adscritivo da socie-
do que a discussão a respeito do caráter singular dade escravocrata, a cor funciona como índice ten-
de nossa modernidade não pode prescindir da dencialmente absoluto da situação servil, ainda
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que esta também assumisse formas mitigadas, con-


forme já vimos. Na sociedade competitiva, a cor
Modernismo brasileiro: nada
funciona como índice ‘relativo’ de primitividade – mais internacional
sempre em relação ao padrão contigente do tipo
humano definido como útil e produtivo no racio- Sergio MICELI. Nacional estrangeiro: história so-
nalismo ocidental e implementado por suas insti- cial e cultural do modernismo artístico em São
tuições fundamentais – que pode ou não ser con- Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.
firmado pelo indivíduo ou grupo em questão. O 280 páginas.
próprio Florestan relata sobejamente as inúmeras
experiências de inadaptação ao novo contexto de- Gustavo Sorá
terminadas, em primeiro plano, por incapacidade
de atender às demandas da disciplina produtiva do Nacional Estrangeiro apresenta uma etnogra-
capitalismo” (p. 160). fia histórica do mundo social que se formou em
torno da vida artística em São Paulo nas primeiras
décadas do século XX. Ainda que o modernismo,
RUY BRAGA é professor do Departamen-
to de Sociologia da Faculdade de Filosofia, tanto em arte como em literatura e pensamento
Letras e Ciências Humanas da Universidade social, tenha imposto nos anos de 1920 e 1930 o
de São Paulo. autenticamente nacional, as razões de seu surgi-
mento e de seu poder simbólico não podem ser
compreendidas a não ser em relação com o mun-
do prévio a partir do qual se diferenciou. O livro
compõe-se de dois atos: no primeiro entram os fi-
gurantes da elite social, econômica e política que
tornaram possível a constituição de um mercado
de arte: Adolfo Augusto Pinto, Altino Arantes,
Francisco Ramos de Azevedo, José de Freitas Val-
le, Olívia Guedes Penteado. Mecenas e coleciona-
dores oriundos de famílias ricas, barões do café ou
membros de linhagens quatrocentonas ligados ao
Império. Quase todos eles líderes políticos, profis-
sionais liberais renomados e empresários bem-su-
cedidos da Primeira República que passavam a
vida entre a capital da província e Paris, centro do
cosmos. No segundo ato aparecem os protagonis-
tas do modernismo, os artistas: Anita Malfatti, Tar-
sila do Amaral, Lasar Segall, os irmãos Gomide e
John Graz. Alguns também filhos das elites tradi-
cionais, mas outros imigrantes ou filhos de imi-
grantes. Esses artistas e seus pares escritores com
os quais formaram casais, amizades e grupos vi-
veram igualmente entre a Europa e o Brasil. Nes-
te estudo, Europa e Brasil não representam terras
tão distantes – dois mundos cortados por frontei-
ras físicas e mentais que às vezes entram em con-
tato: São Paulo, Buenos Aires, México não se
compreendem sem as metrópoles, assim como
Paris não se compreende sem suas periferias. Em

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