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Português: Coimbra,
paradigma e referente
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“Futricas” são aspirantes a estudantes universitários. Alunos dos liceus que almejam um dia chegar à
universidade.
que vão deixar ao longo de toda a sua vida episódios que vai vivenciar em
conjunto com a sua geração. Muito provavelmente, estas tornar-se-ão pilares na
sua atuação em sociedade e mesmo na sua atividade profissional, a partir do
final do curso e o legado que irá deixar, quando um dia passar a filhos e netos a
torrente de histórias vividas na universidade, muitas delas gravadas em verso
nos inúmeros fados e baladas da despedida, ao som do “choro” da guitarra do
cantor que vê terminar os seus amores e a sua juventude.
A tudo isto e a juntar ao relevante acervo de edifícios históricos das atuais
Faculdades, a Biblioteca Joanina (exemplo extraordinário da arquitetura e arte
barroca e uma das mais ricas bibliotecas do Mundo) e Sala dos Capelos (ou Sala
Grande dos Atos), Museu Machado de Castro, da restante alta da cidade,
passando pelos antigos colégios da rua da Sofia, a UNESCO, classificou em
junho de 2103 a Universidade de Coimbra como Património da Humanidade, no
âmbito da 37ª Sessão do Comité para o Património Mundial, reunida em Phnon
Penh, Camboja.
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Proocissão ou acompanhamento.
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Pequena orquestra de sopros que atua nos eventos oficiais da Universidade de Coimbra
hierarquia das Faculdades, e, dentro de cada, respeitando as precedências
de antiguidade, os mais modernos à frente, todos de hábito talar 4 e insígnias
Doutorais, a borla5 na cabeça: Ciências do Desporto e Educação Física,
Psicologia e Ciências da Educação, Economia, Farmácia, Ciências e
Tecnologia, Medicina, Direito e Letras; atrás dos Doutores seguem os
oradores, caminhando entre eles o Apresentante; vêm depois os bedéis6, com
o traje tradicional e entre eles o Pajem, conduzindo em salva de prata a borla,
o anel e o livro para o Doutorando. Segue-se o secretário da Universidade, de
hábito talar e bastão distintivo das suas funções. Após ele seguem o Reitor, o
Doutorando e o Diretor da Faculdade a que o Doutorando pertence (o
Doutorando vai entre o Reitor, à direita, e o Diretor da Faculdade à esquerda,
trajando de capa e batina, capelo pelos ombros, mas sem borla, pois só no
decorrer da cerimónia lhe será imposta); atrás do Prelado seguem os
convidados especiais; vem por fim o guarda-mor à frente dos contínuos, todos
com o traje tradicional.
Atravessando o pátio da Universidade, sobe o préstito à Via Latina,
previamente ornamentada com festões de louro, e dá entrada na Sala dos
Grandes Atos.
Avança o Préstito através da teia, na direção dos degraus do estreado de
honra: aí chegado, os Doutores abrem alas para o Reitor e o Diretor da
Faculdade subirem e ocuparem as suas cadeiras de espaldar, estofadas de
cor verde (detrás delas a armação das sanefas é da cor igual à da Faculdade).
O Doutorando e o apresentante instalam-se em baixo, na teia7, dando o
apresentante a direita ao Doutorando; os oradores sobem ao estrado para
ocuparem as suas cadeiras; os Doutores, ainda com a borla na cabeça,
sobem aos Doutorais8, de um lado e de outro da sala, e dirigem-se aos seus
lugares pela ordem tradicional das Faculdades e respeitando precedências de
4
Espécie de batina inspirada nas vestes eclesiásticas
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Barrete doutoral, feito de fios de lã.
6
Do francês antigo bedel, hoje bedeau, empregado de uma igreja, do frâncico “bidil”, representante da
autoridade). Antigamente era utilizado para se referir ao responsável de uma determina disciplina na
universidade, sendo que atualmente identifica um funcionário da instituição universitária.
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Espaço que antecede a escada que dá para o estrado onde se encontra o cadeiral reitoral na sala dos
Capelos.
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Espaço ou bancada composta por cadeiras destinadas aos Doutores que ladeiam o estrado central da
Sala dos Capelos.
antiguidade entre si: à direita do Reitor Letras, Medicina, Farmácia, Ciências
do Desporto e Educação Física, Psicologia e Ciências a Educação; à
esquerda Direito, Ciências e Economia.
Ajustados todos os lugares, o Reitor senta-se, tirando a borla, no que é
imitado por todos os Doutores. Logo o Secretário pede vénia ao Reitor, toma
o seu lugar e, depois de acomodado o público, manda calar a charamela; a
seguir pede vénia ao Reitor, e dirige-se ao Doutorando que, convidado, se
levanta, caminhando até ao primeiro degrau do estrado Reitoral, faz uma
inclinação perante o Reitor e regressa ao seu lugar. Aí, de pé, lê «breve e
elegante oração».
Terminada ela, aproxima-se de novo do estrado, fazendo nova inclinação
perante o Reitor, e vai sentar-se (toca a charamela).
O Secretário, passados breves instantes, manda calar a charamela,
dirige-se ao Reitor pede vénia e convida o Orador mais antigo a usar da
palavra- No final do discurso toca a charamela. Repete-se pela mesma forma
o convite ao segundo Orador, tocando igualmente a charamela no fim do
discurso. (Os oradores, ao iniciarem os discursos e no termo deles, sempre
que se dirijam ao Reitor, devem levantar-se e descobrir-se; de resto devem
falar sentados e cobertos).
O Secretário, depois de mandar calar a charamela, pede vénia ao Reitor
e convida o Doutorando e o Apresentante a aproximarem-se do primeiro
degrau. Aproximam-se os bedéis e formam um semicírculo. O Secretário, o
Apresentante, o Doutorando e os Bedéis fazem uma vénia ao Reitor, subindo
o Secretário, Apresentante e o Doutorando os degraus do estrado. O Pajem
vai postar-se à esquerda do Diretor da Faculdade. O Doutorando coloca-se
em frente do Reitor e o Apresentante fica à direita do Reitor de pé. O Reitor
levanta-se e cobre-se bem como todos os Doutores permanecendo cobertos
em quanto é conferido grau. O secretário vai buscar o livro com o formulário
que abre perante o Reitor. Este pergunta: «Quid petis?» - respondendo-lhe o
Doutorando: «Gradum doctoratus in praeclara [a Faculdade respetiva]». O
Reitor, então, impondo as mãos sobre a cabeça do Doutorando, pronuncia
«Ego… hujus almae Coninbriguensis Academiae Rector, creo te doctorem
praeclae… Facultis in nomine e auctoritate ejusdem Acadamie. Et commito
clarissimo domino Doctori… Patrono tuo, ut re insigniis doctoralisbus
decoret». O novo Doutor, acompanhado do secretário, aproxima-se então do
Diretor da Faculdade. O Diretor da Faculdade explica, numa ligeira oração, o
simbolismo da borla, do anel e do livro e coloca a borla na cabeça de novo
Doutor. Nesta altura todos se descobrem.
Começa a tocar a charamela. Os oradores vão ocupar os seus lugares
nos Doutorais. O Apresentante se é Doutor vai também para o lugar que lhe
compete na respetiva Faculdade; Caso contrário senta-se e nos bancos que
ficam no topo da sala à direita e à esquerda do Reitor. Os bedéis retomam o
seu lugar, com excepção do Bedel da Faculdade em que se realiza o
Doutoramento; este sobe ao estrado e acompanha o secretário, o Diretor da
Faculdade e o novo Doutor durante a cerimonia dos abraços. O Diretor
apresenta o novo Doutor ao Reitor, que o abraça. Em seguida O novo Doutor,
precedido do Diretor da Faculdade, do Secretário e do Bedel, dirige-se à
bancada dos convidados especiais, que fica à direita do Reitor abraçando os
que ali se encontrarem e passa ao Doutoral desse lado e dá um abraço a
todos os Doutores. Descem os quatro ao fundo do Doutoral, voltam para o
meio da sala, indo à direita o novo Doutor e o Diretor da Faculdade, à
esquerda o Secretário e à frente o Bedel, sobem o estrado fazem vénia ao
Reitor, E o novo Doutor, acompanhado sempre, vai então abraçar as pessoas
que se encontram na bancada da esquerda e no Doutoral desse lado. (quando
se aproxima de cada uma das Faculdades devem os respetivos Doutores
erguerem-se em conjunto, e sentar-se só depois de dado um abraço a
todos. Nessa altura o Diretor da Faculdade, voltando para trás, faz uma vénia
de agradecimento). Terminados os abraços nos Doutorais, o Secretário
convida então o novo Doutor a sentar-se na cadeira que fica entre a do Reitor
e a do Diretor da Faculdade, a qual até o momento se conservou vaga. O
novo Doutor senta-se e cobre-se (cala-se em seguida a charamela, que está
a tocar desde o início da cerimónia dos abraços) O novo Doutor levantando-
se tirando a borda da cabeça profere a fórmula de agradecimento: «Nunc
restat mhi agere gratias protot tantis-que beneficiis erga me collatis». Acabada
esta, senta-se. Volta a charamela a fazer-se ouvir, e o novo Doutor, precedido
do Diretor da Faculdade, do Secretário e do Bedel, vai tomar o seu lugar na
respetiva Faculdade (o último). Feito isto, o Diretor senta-se também no lugar
dos doutorais que lhe compete. O Secretário e o Bedel regressam aos seus
lugares. Chegado ao seu lugar, manda o Secretário calara a charamela; e
logo a seguir manda tocar o hino académico, ouvido de pé. Terminado o
mesmo, todos se sentam.
Momentos depois, o secretário dirige-se ao Reitor, pede-lhe vénia e
coloca-se-lhe à esquerda, um pouco atrás. O Reitor levanta-se e põe a borla,
no que é imitado pelos Doutores, e, com um simples gesto, indica o fim da
cerimónia.
Reorganiza-se o préstito, com as seguintes modificações: o Diretor da
Faculdade, os Oradores, o Novo Doutor, e o Apresentante, se for Doutor,
tomam os seus lugares nas respetivas faculdades. O Reitor vai entre o Diretor
da Faculdade de Letras, à direita, e o Diretor da Faculdade de Direito, à
esquerda. O Apresentante, se não for Doutor, segue atrás do Reitor” (Serrano,
2011).
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Sebenta é um caderno sem linhas utilizado pelos estudantes no âmbito das disciplinas liceais e
universitárias para escrever os apontamentos facultados pelo professor,
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Os anos porque passam os estudantes de Coimbra e das demais academias portuguesas são marcados
tanto no traje académico como na pasta universitária de símbolos de passagem, conhecidos como
insígnias, que são recebidas aquando da cerimónia da “Imposição das Insígnias” que tem lugar no dia a
seguir à Serenata Monumental: os “caloiros”, ou alunos do primeiro ano recebem a semente ao passar
para o segundo ano e no início do ano recebiam a nabiça, ambos semelhantes a laços de lã comas cores
do curso; os “segundo-anistas” recebem o grelo (fita de lã usada para fechar os livros e os cadernos,
composto pelas cores do curso); os terceiro-anistas passam o grelo da pasta para a capa; o quarto-
anistas recebem as fitas (quatro fitas de terylene com as cores do curso e que são cozidas à pasta e que
no momento da Serenata Monumental e na bênção das pastas são “soltas” ao vento, em jeito de “adeus
à academia e à vida estudantil”; os finalistas recebem a cartola e a bengala.
desta forma um ato simbólico assenta no objetivo que já se encontrava a apenas
um ano de distância: o fim do curso.
Mas, de todas as atividades que marcam a semana da Queima das Fitas, a
que mais se destaca pelo seu simbolismo e, porque não dizer, romantismo, é a
Serenata Monumental, que junta a larga maioria dos estudantes da academia à
volta da Sé velha de Coimbra e que procura recordar a tradição medieval de os
estudantes cantarem às mulheres de Coimbra, conhecidas como as “Tricanas”.
Ao som das guitarras (únicas no mundo, pela sua afinação, diferente da
guitarra de Lisboa) e da voz cuidada dos cantores, ecoa a partir da meia-note o
fado de Coimbra, uma das mais importantes expressões culturais da cidade de
Coimbra, que, junto com o Vira, compõe a chamada “Canção de Coimbra”.
No entanto as manifestações do Fado de Coimbra vão muito além da
Serenata Monumental. Em qualquer viela ou junto ao Arco de Almedina (uma
das portas que sobreviveu ao desmantelamento, a partir do séc. XVIII, da antiga
muralha [ou cerca] que protegia a cidade, originalmente de construção romana
e reforçada na Idade Média) ouve-se ainda o “lamento” das guitarras e as capas
negras “traçadas” por amor. Atualmente o fado de Coimbra ouve-se nas
restantes cidades universitárias, com o nome de fado académico, para além de
ser já reconhecido pelo mundo inteiro, sobretudo entre os membros da diáspora
portuguesa.
Comum às restantes academias que sempre prezaram a música como forma
de perpetuar a vida estudantil mesmo depois de terminado surgem-nos as tunas,
outro vivo testemunho do passado que, à semelhança dos históricos “sopistas”
os tunos de Coimbra eram também estudantes pobres que se reuniam e
cantavam a troco de comida, vinho ou dinheiro.
Hoje a grande maioria das faculdades alberga uma tuna e as várias
academias promovem as suas tunas universitárias e são realizados vários
festivais (alguns internacionais com presença de agrupamentos espanhóis ou da
América do Sul) de tunas ao longo do ano. Apesar de nos dias de hoje quase se
assemelharem a orquestras ligeiras, a realidade é que ainda conservam muito
do espírito de antigamente e não é raro ver ainda tunas em ronda, a tocar pelas
ruas de centros históricos, a troco de umas moedas para os “copos”.
Finalmente, um ritual de há séculos que ainda hoje se mantém é a prática
do “Rasganço”, rito de passagem, que se caracteriza como sendo o último ato
simbólico do estudante que agora termina o curso:
Bibliografia
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