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O Protocolo Universitário

Português: Coimbra,
paradigma e referente

Artur Filipe dos Santos


O Protocolo Universitário Português: Coimbra,
paradigma e referente
Artur Filipe dos Santos

A Vida de um estudante de Coimbra: Consciência da sua história

Atualmente, tanto na Universidade de Coimbra, como nas demais


universidades portuguesas, sobretudo aquelas que ainda fazem das práticas
tradicionais da vida académica uma realidade, como a Universidade do Porto
(universidade fundada a 22 de Março de 1911), Universidade do Minho (fundada
a 11 de Agosto de 1973) ou ainda a Universidade de Lisboa (fundada em 1911
mas que, por fusão com a Universidade Técnica, foi refundada em 2013)
discute-se a praticidade e as motivações que levam à manutenção, nos tempos
que correm, de práticas que para muitos setores da sociedade portuguesa são
vistas como “militaristas”, “medievais”, “reacionárias”, “fascistas” (Nunes, 2003).
Certo é que todos os anos milhares de estudantes de Coimbra, vestidos de
capa e batina reúnem-se para celebrar a vida universitária em manifestações
académicas como a Latada (evento que decorre no início do ano-letivo
universitário que visa dar a conhecer os novos alunos da academia à cidade de
Coimbra), nas serenatas um pouco por todo o ano, culminando no ponto alto das
comemorações coimbrãs que é a semana académica da Queima das Fitas, com
os rituais ainda muito vivos da Serenata Monumental nas escadas da Sé Velha
(construída no séc. XII), a Benção das Pastas, presidida pelo Bispo ou ainda o
Cortejo, o Baile de Gala, inúmeros concertos de música erudita, festivais de
tunas universitárias, entre outras.
A estas práticas que passam muito por rituais de iniciação à vida estudantil,
conhecidas como “Praxe”, não é alheio um certo sentimento de desconfiança,
muito por culpa de más práticas que, ainda no passado muito recente, se
verificavam e que passavam por exemplos graves de violência física e
psicológica dos estudantes mais velhos para com os recém-chegados à
academia, conhecidos por “caloiros”.
Atualmente estas práticas, são, felizmente, muito residuais, tendo-se criado
inclusivamente uma moldura penal para este tipo de situações e que
extravasavam o limite da autonomia prevista constitucionalmente de que gozam
as universidades portuguesas:

“As Universidades, pela Constituição da República, «gozam, nos termos


da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e
financeira, sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino» (Art.º
76, n.º 2).” (Serrano, 2011).

Tendo-se feito um digno esforço em separar praxe da verdadeira tradição


plasmada nos ideais de vida universitária em grupo, através da profusão de
valores culturais, científicos e de convivência em grupo, grande parte dos
estudantes de Coimbra são ainda influenciados pelos estudantes mais velhos ou
mesmo aqueles que já não o sendo, vivem, no limiar da saudade os tempos
passados nos corredores das Faculdades ou nos serões vividos nas repúblicas.
As Repúblicas (palavra de origem latina res publica “coisa pública”)
coimbrãs, segundo Teresa Carreiro “tiveram origem no séc. XIV, quando o Rei
D. Dinis, mandou edificar umas casas na zona de Almedina para albergar os
estudantes da universidade, mediante pagamento” (Carreiro, 2004) guardam
ainda hoje as memórias de gerações passadas e congregam as experiências
dos estudantes de hoje, em mais de 12 repúblicas que ainda subsistem e
espalhadas tanto pela alta e pela baixa.
Mas não são apenas aqueles que vivem no seio da instituição fundada em
1290 pelo rei “Lavrador” que ajudam a construir nos atuais estudantes um
sentido ou uma consciência da história da universidade que frequentam. Ao
longo das gerações muita da tradição e dos rituais que os estudantes foram
conhecendo foi-lhes passado, como se de lendas se tratassem, por tradição oral,
pelos estudantes mais antigos, mas também, como refere António Manuel Nunes
“e antigos estudantes para filhos e de futricas1 para caloiros, num processo onde
intervinham barbeiros, alfaiates, taberneiros, engomadeiras, criadas domésticas,
funcionários da UC e proprietárias de bordéis” (Nunes, 2003).
O estudante atual está ciente no enorme simbolismo que as práticas
ritualistas e as tradições ainda hoje vigentes na academia coimbrã e das marcas

1
“Futricas” são aspirantes a estudantes universitários. Alunos dos liceus que almejam um dia chegar à
universidade.
que vão deixar ao longo de toda a sua vida episódios que vai vivenciar em
conjunto com a sua geração. Muito provavelmente, estas tornar-se-ão pilares na
sua atuação em sociedade e mesmo na sua atividade profissional, a partir do
final do curso e o legado que irá deixar, quando um dia passar a filhos e netos a
torrente de histórias vividas na universidade, muitas delas gravadas em verso
nos inúmeros fados e baladas da despedida, ao som do “choro” da guitarra do
cantor que vê terminar os seus amores e a sua juventude.
A tudo isto e a juntar ao relevante acervo de edifícios históricos das atuais
Faculdades, a Biblioteca Joanina (exemplo extraordinário da arquitetura e arte
barroca e uma das mais ricas bibliotecas do Mundo) e Sala dos Capelos (ou Sala
Grande dos Atos), Museu Machado de Castro, da restante alta da cidade,
passando pelos antigos colégios da rua da Sofia, a UNESCO, classificou em
junho de 2103 a Universidade de Coimbra como Património da Humanidade, no
âmbito da 37ª Sessão do Comité para o Património Mundial, reunida em Phnon
Penh, Camboja.

Sobrevivência dos Costumes Ancestrais

Todos os dias do ano-letivo universitário os estudantes de Coimbra são


“despertados” por um dos símbolos mais importantes da ancestralidade
académica que ainda hoje impregna as gerações: o toque da Cabra,
(oficialmente designado como “Sino Grande”) o mais simbólico dos quatro sinos
da torre da Universidade de Coimbra. Localizado na face da torre virada para do
rio, este icónico sino marca, desde 1733 (data da inauguração da torre, que se
encontra junto ao Palácio Escolar, atual Faculdade de Direito, Paço Reitoral e
Sala dos Capelos) o despertar e o recolher dos estudantes de Coimbra.
Desde logo, no exercício material que representa o património edificado,
podemos ver a prevalência dos usos e costumes de antigamente na vida
académica dos estudantes atuais, conciliado com a ainda utilização, pela larga
maioria dos membros da academia, do traje académico, conhecida como “capa
e batina” (batina, colete e calças pretas camisa branca lisa, gravata preta lisa, de
igual tecido da batina e calças, sapatos pretos de ponta arredondada e de sola
e ainda longa capa preta, que pode ter, a partir do 2º ano, emblemas da
universidade, Faculdade, cidade ou país entre outros, tendo ainda como opcional
a utilização de um gorro longo; nas raparigas casaco preto, saia preta, gravata
preta do mesmo tecido que casaco e calças, camisa branca, sapatos pretos com
tacão de tamanho regulamentado e ainda a tradicional capa preta, semelhante
à dos rapazes. Refira-se que o traje feminino foi inventado nos liceus de Porto e
Lisboa no início do séc. XX).
Saliente-se a importância da capa no contexto do traje académico, tanto dos
rapazes como das raparigas, já que cumpro um conjunto que passa desde a
forma de utilização em luto (capa sem dobras, fechando igualmente as abas da
batina ou do casaco, sonforme rapaz ou rapariga), rasganços e nós que guardam
“como um diário” um amores que se teve durante a vida estudantil, ou ainda as
dobras que se dão no topo da capa, junto ao pescoço, conforme o ano que se
está a frequentar. Existem, inclusive, formas de se dobrar a capa indicando festa
e ou cerimónia.
A capa irá acompanhar o estudante ao longo da vida, seja ou não membro
de uma tuna académica ou universitária, conforme regulamentos do Código da
Praxe Académica das várias universidades portuguesas, podendo, em ocasiões
especiais, envergá-la sem haver necessidade de vestir as restantes peças do
traje.
O atual traje académico dos estudantes de Coimbra (que, entretanto, foi
adotado pelas restantes universidades portuguesas, mas que incluem algumas
diferenças de academia para academia) inspira-se nas antigas vestes dos
clérigos do séc. XVII (apesar da história do traje ser tão antigo como a fundação
da própria universidade, isto é, 1290, primeiramente em Lisboa e após um
período de migrações entre as duas cidades do centro do país, finalmente em
Coimbra em 1537), sobressaindo a utilização da “loba”, um tipo de batina
eclesiástica, de inspiração jesuíta, sem mangas, guarnecida na frente com duas
filas de botões desde o pescoço até abaixo do joelho, juntamente com um calção,
capa preta e barrete redondo ou com cantos. A “loba” era também utilizada pelos
regentes das disciplinas lecionadas na universidade, os chamados “bedéis” ou
“lentes”. A palavra “bedel” identifica atualmente os funcionários da universidade.
Desde cedo a utilização do traje académico serviu para distinguir os
membros da academia da restante sociedade coimbrã, de forma a reconhecer-
se facilmente “lente” ou estudante da universidade.
Existem interessantes simbologias referentes ao traje académico que juntam
o religioso e o quase esotérico simbólico, como o sagrado feminino e que nos
remetem para um passado da relação entre a igreja católica e a vida
universitária, mas também a busca, pelos estudantes mais poéticos, do
simbolismo, de um certo neo-paganismo clássico. Veja-se:
“É de Praxe ter os botões do traje em número ímpar, os furos dos sapatos
em número ímpar, os emblemas na capa em número ímpar, em suma, esta
fixação pelo número ímpar vai ao ponto de não se dizer números pares e, em
vez deles, dizer o número ímpar anterior mais 1. É uma particularidade, ou
melhor, uma tradição, que encontra a sua melhor explicação nessa mesma
influência que a Igreja teve na Universidade”. (Cerveira, 2016).

No que se refere aos atos, a abertura do Ano-letivo é um dos exemplos mais


importantes dessa relação com a atual vivência da Universidade de Coimbra com
o passado, a par da entrega das insígnias e da cerimónia de Doutoramento
Honoris Causa. Estas cerimónias ocorrem no mais emblemático espaço da
universidade, a Sala dos Capelos ou “Sala dos Grandes Actos” cuja configuração
atual data do séc. XVII e são as mais dignas e ricas manifestações de protocolo
e cerimonial no seio da academia
Essa abertura, que acontece habitualmente entre a penúltima e a última
semana de setembro, é iniciada por um cortejo académico, seguido do discurso
por parte do Reitor da Universidade de Coimbra, Lição de Sapiência por parte
de um professor catedrático convidado, habitualmente da própria instituição, a
que se segue, finalmente, o discurso do presidente da Direção-Geral da
Associação Académica de Coimbra (representante dos estudantes da
academia).
Quanto à entrega das insígnias que conferem o grau de Doutor, é das mais
prestigiantes da vida académica coimbrã, com a sua tradição a perder-se nos
anais da história.
A atual cerimónia, com sede na Sala dos Capelos, como assinalado
anteriormente, decorre, em traços gerais, da seguinte forma:

“Das diversas cerimónias que aí têm lugar destaca-se como primeira e


mais emblemática a defesa de tese do Doutoramento, prova obrigatória para
a obtenção do grau de Doutor. O candidato deve apresentar-se devidamente
trajado com o hábito talar (calça preta – ou saia, para as senhoras, batina,
camisa branca, capa preta comprida e sapatos pretos) perante o júri, também
envergando as vestes talares.
Após a prova, o novo Doutor dirige-se de novo à Sala dos Capelos para
solicitar ao Reitor as insígnias Doutorais: a Borla (pequeno chapéu que
simboliza a inteligência) e o Capelo (pequena capa curta de seda e veludo
que simboliza a ciência), ambos da cor correspondente à Faculdade que
concedeu o grau académico. Esta cerimónia solene, designada por Imposição
de Insígnias, conta com a presença de todos os Doutores da Universidade,
que se apresentam com as insígnias.
Presente na cerimónia está igualmente a charamela (pequena orquestra
que ocupa o estrado de madeira, ao fundo da sala, do lado direito) que termina
a cerimónia tocando o Hino Académico.
Mas de todas as cerimónias da Universidade de Coimbra, a mais
dignificante e a que celebra inclusivamente a história da mais antiga academia
portuguesa é a cerimónia de Doutoramento Honoris Causa.
Transcreve-se em seguida o protocolo desenvolvido aquando da
cerimónia de Doutoramento Honoris Causa do ex-presidente da República
Federal do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, que teve como assistentes Cavaco
Silva e Dilma Roussef, à época presidentes de Portugal e Brasil
respetivamente.
A cerimónia decorreu a 30 de março de 2011 e que serve de súmula para
todas as cerimónias do género:

“No dia designado, são os Doutores e Estudantes convocados a capelo


pelo toque do Sino Grande da torre da Universidade, que já na véspera
anunciara a solenidade.
Organiza-se o préstito2 na Biblioteca Joanina e dirige-se à Sala Grande
dos Atos, por esta ordem: abre caminho a charamela3, tocando uma marcha
apropriada; a seguir a guarda dos Archeiros, em grande uniforme, de
alabardas erguidas; depois os Doutores, alinhados dois a dois, segundo a

2
Proocissão ou acompanhamento.
3
Pequena orquestra de sopros que atua nos eventos oficiais da Universidade de Coimbra
hierarquia das Faculdades, e, dentro de cada, respeitando as precedências
de antiguidade, os mais modernos à frente, todos de hábito talar 4 e insígnias
Doutorais, a borla5 na cabeça: Ciências do Desporto e Educação Física,
Psicologia e Ciências da Educação, Economia, Farmácia, Ciências e
Tecnologia, Medicina, Direito e Letras; atrás dos Doutores seguem os
oradores, caminhando entre eles o Apresentante; vêm depois os bedéis6, com
o traje tradicional e entre eles o Pajem, conduzindo em salva de prata a borla,
o anel e o livro para o Doutorando. Segue-se o secretário da Universidade, de
hábito talar e bastão distintivo das suas funções. Após ele seguem o Reitor, o
Doutorando e o Diretor da Faculdade a que o Doutorando pertence (o
Doutorando vai entre o Reitor, à direita, e o Diretor da Faculdade à esquerda,
trajando de capa e batina, capelo pelos ombros, mas sem borla, pois só no
decorrer da cerimónia lhe será imposta); atrás do Prelado seguem os
convidados especiais; vem por fim o guarda-mor à frente dos contínuos, todos
com o traje tradicional.
Atravessando o pátio da Universidade, sobe o préstito à Via Latina,
previamente ornamentada com festões de louro, e dá entrada na Sala dos
Grandes Atos.
Avança o Préstito através da teia, na direção dos degraus do estreado de
honra: aí chegado, os Doutores abrem alas para o Reitor e o Diretor da
Faculdade subirem e ocuparem as suas cadeiras de espaldar, estofadas de
cor verde (detrás delas a armação das sanefas é da cor igual à da Faculdade).
O Doutorando e o apresentante instalam-se em baixo, na teia7, dando o
apresentante a direita ao Doutorando; os oradores sobem ao estrado para
ocuparem as suas cadeiras; os Doutores, ainda com a borla na cabeça,
sobem aos Doutorais8, de um lado e de outro da sala, e dirigem-se aos seus
lugares pela ordem tradicional das Faculdades e respeitando precedências de

4
Espécie de batina inspirada nas vestes eclesiásticas
5
Barrete doutoral, feito de fios de lã.
6
Do francês antigo bedel, hoje bedeau, empregado de uma igreja, do frâncico “bidil”, representante da
autoridade). Antigamente era utilizado para se referir ao responsável de uma determina disciplina na
universidade, sendo que atualmente identifica um funcionário da instituição universitária.
7
Espaço que antecede a escada que dá para o estrado onde se encontra o cadeiral reitoral na sala dos
Capelos.
8
Espaço ou bancada composta por cadeiras destinadas aos Doutores que ladeiam o estrado central da
Sala dos Capelos.
antiguidade entre si: à direita do Reitor Letras, Medicina, Farmácia, Ciências
do Desporto e Educação Física, Psicologia e Ciências a Educação; à
esquerda Direito, Ciências e Economia.
Ajustados todos os lugares, o Reitor senta-se, tirando a borla, no que é
imitado por todos os Doutores. Logo o Secretário pede vénia ao Reitor, toma
o seu lugar e, depois de acomodado o público, manda calar a charamela; a
seguir pede vénia ao Reitor, e dirige-se ao Doutorando que, convidado, se
levanta, caminhando até ao primeiro degrau do estrado Reitoral, faz uma
inclinação perante o Reitor e regressa ao seu lugar. Aí, de pé, lê «breve e
elegante oração».
Terminada ela, aproxima-se de novo do estrado, fazendo nova inclinação
perante o Reitor, e vai sentar-se (toca a charamela).
O Secretário, passados breves instantes, manda calar a charamela,
dirige-se ao Reitor pede vénia e convida o Orador mais antigo a usar da
palavra- No final do discurso toca a charamela. Repete-se pela mesma forma
o convite ao segundo Orador, tocando igualmente a charamela no fim do
discurso. (Os oradores, ao iniciarem os discursos e no termo deles, sempre
que se dirijam ao Reitor, devem levantar-se e descobrir-se; de resto devem
falar sentados e cobertos).
O Secretário, depois de mandar calar a charamela, pede vénia ao Reitor
e convida o Doutorando e o Apresentante a aproximarem-se do primeiro
degrau. Aproximam-se os bedéis e formam um semicírculo. O Secretário, o
Apresentante, o Doutorando e os Bedéis fazem uma vénia ao Reitor, subindo
o Secretário, Apresentante e o Doutorando os degraus do estrado. O Pajem
vai postar-se à esquerda do Diretor da Faculdade. O Doutorando coloca-se
em frente do Reitor e o Apresentante fica à direita do Reitor de pé. O Reitor
levanta-se e cobre-se bem como todos os Doutores permanecendo cobertos
em quanto é conferido grau. O secretário vai buscar o livro com o formulário
que abre perante o Reitor. Este pergunta: «Quid petis?» - respondendo-lhe o
Doutorando: «Gradum doctoratus in praeclara [a Faculdade respetiva]». O
Reitor, então, impondo as mãos sobre a cabeça do Doutorando, pronuncia
«Ego… hujus almae Coninbriguensis Academiae Rector, creo te doctorem
praeclae… Facultis in nomine e auctoritate ejusdem Acadamie. Et commito
clarissimo domino Doctori… Patrono tuo, ut re insigniis doctoralisbus
decoret». O novo Doutor, acompanhado do secretário, aproxima-se então do
Diretor da Faculdade. O Diretor da Faculdade explica, numa ligeira oração, o
simbolismo da borla, do anel e do livro e coloca a borla na cabeça de novo
Doutor. Nesta altura todos se descobrem.
Começa a tocar a charamela. Os oradores vão ocupar os seus lugares
nos Doutorais. O Apresentante se é Doutor vai também para o lugar que lhe
compete na respetiva Faculdade; Caso contrário senta-se e nos bancos que
ficam no topo da sala à direita e à esquerda do Reitor. Os bedéis retomam o
seu lugar, com excepção do Bedel da Faculdade em que se realiza o
Doutoramento; este sobe ao estrado e acompanha o secretário, o Diretor da
Faculdade e o novo Doutor durante a cerimonia dos abraços. O Diretor
apresenta o novo Doutor ao Reitor, que o abraça. Em seguida O novo Doutor,
precedido do Diretor da Faculdade, do Secretário e do Bedel, dirige-se à
bancada dos convidados especiais, que fica à direita do Reitor abraçando os
que ali se encontrarem e passa ao Doutoral desse lado e dá um abraço a
todos os Doutores. Descem os quatro ao fundo do Doutoral, voltam para o
meio da sala, indo à direita o novo Doutor e o Diretor da Faculdade, à
esquerda o Secretário e à frente o Bedel, sobem o estrado fazem vénia ao
Reitor, E o novo Doutor, acompanhado sempre, vai então abraçar as pessoas
que se encontram na bancada da esquerda e no Doutoral desse lado. (quando
se aproxima de cada uma das Faculdades devem os respetivos Doutores
erguerem-se em conjunto, e sentar-se só depois de dado um abraço a
todos. Nessa altura o Diretor da Faculdade, voltando para trás, faz uma vénia
de agradecimento). Terminados os abraços nos Doutorais, o Secretário
convida então o novo Doutor a sentar-se na cadeira que fica entre a do Reitor
e a do Diretor da Faculdade, a qual até o momento se conservou vaga. O
novo Doutor senta-se e cobre-se (cala-se em seguida a charamela, que está
a tocar desde o início da cerimónia dos abraços) O novo Doutor levantando-
se tirando a borda da cabeça profere a fórmula de agradecimento: «Nunc
restat mhi agere gratias protot tantis-que beneficiis erga me collatis». Acabada
esta, senta-se. Volta a charamela a fazer-se ouvir, e o novo Doutor, precedido
do Diretor da Faculdade, do Secretário e do Bedel, vai tomar o seu lugar na
respetiva Faculdade (o último). Feito isto, o Diretor senta-se também no lugar
dos doutorais que lhe compete. O Secretário e o Bedel regressam aos seus
lugares. Chegado ao seu lugar, manda o Secretário calara a charamela; e
logo a seguir manda tocar o hino académico, ouvido de pé. Terminado o
mesmo, todos se sentam.
Momentos depois, o secretário dirige-se ao Reitor, pede-lhe vénia e
coloca-se-lhe à esquerda, um pouco atrás. O Reitor levanta-se e põe a borla,
no que é imitado pelos Doutores, e, com um simples gesto, indica o fim da
cerimónia.
Reorganiza-se o préstito, com as seguintes modificações: o Diretor da
Faculdade, os Oradores, o Novo Doutor, e o Apresentante, se for Doutor,
tomam os seus lugares nas respetivas faculdades. O Reitor vai entre o Diretor
da Faculdade de Letras, à direita, e o Diretor da Faculdade de Direito, à
esquerda. O Apresentante, se não for Doutor, segue atrás do Reitor” (Serrano,
2011).

Abandonando a esfera mais solene da Universidade de Coimbra, cabe aos


estudantes celebrar a vida académica com rituais seculares durante o ano e que
passam pela já referida latada e as práticas de iniciação conhecidas como praxe
(existindo inclusivamente um regulamento interno que rege esta prática
conhecido como o “Código da Praxe”), culminando com a semana académica,
conhecida como a Queima das Fitas, em maio.
A Queima das Fitas surgiu no seguimento do Centenário da Sebenta 9,
ocorrido em 1889, sendo que esta festa procurava recordar os anteriores
centenários também da sebenta, com a realização de um cortejo humorístico
(que ainda hoje faz parte da tradição), saraus culturais e garraiadas. Alguns anos
mais tarde os pré-finalistas de Direito introduzem a tradição de queimar as fitas10
que se usavam desde o séc. XVII para abotoar as pastas dos estudantes, criando

9
Sebenta é um caderno sem linhas utilizado pelos estudantes no âmbito das disciplinas liceais e
universitárias para escrever os apontamentos facultados pelo professor,
10
Os anos porque passam os estudantes de Coimbra e das demais academias portuguesas são marcados
tanto no traje académico como na pasta universitária de símbolos de passagem, conhecidos como
insígnias, que são recebidas aquando da cerimónia da “Imposição das Insígnias” que tem lugar no dia a
seguir à Serenata Monumental: os “caloiros”, ou alunos do primeiro ano recebem a semente ao passar
para o segundo ano e no início do ano recebiam a nabiça, ambos semelhantes a laços de lã comas cores
do curso; os “segundo-anistas” recebem o grelo (fita de lã usada para fechar os livros e os cadernos,
composto pelas cores do curso); os terceiro-anistas passam o grelo da pasta para a capa; o quarto-
anistas recebem as fitas (quatro fitas de terylene com as cores do curso e que são cozidas à pasta e que
no momento da Serenata Monumental e na bênção das pastas são “soltas” ao vento, em jeito de “adeus
à academia e à vida estudantil”; os finalistas recebem a cartola e a bengala.
desta forma um ato simbólico assenta no objetivo que já se encontrava a apenas
um ano de distância: o fim do curso.
Mas, de todas as atividades que marcam a semana da Queima das Fitas, a
que mais se destaca pelo seu simbolismo e, porque não dizer, romantismo, é a
Serenata Monumental, que junta a larga maioria dos estudantes da academia à
volta da Sé velha de Coimbra e que procura recordar a tradição medieval de os
estudantes cantarem às mulheres de Coimbra, conhecidas como as “Tricanas”.
Ao som das guitarras (únicas no mundo, pela sua afinação, diferente da
guitarra de Lisboa) e da voz cuidada dos cantores, ecoa a partir da meia-note o
fado de Coimbra, uma das mais importantes expressões culturais da cidade de
Coimbra, que, junto com o Vira, compõe a chamada “Canção de Coimbra”.
No entanto as manifestações do Fado de Coimbra vão muito além da
Serenata Monumental. Em qualquer viela ou junto ao Arco de Almedina (uma
das portas que sobreviveu ao desmantelamento, a partir do séc. XVIII, da antiga
muralha [ou cerca] que protegia a cidade, originalmente de construção romana
e reforçada na Idade Média) ouve-se ainda o “lamento” das guitarras e as capas
negras “traçadas” por amor. Atualmente o fado de Coimbra ouve-se nas
restantes cidades universitárias, com o nome de fado académico, para além de
ser já reconhecido pelo mundo inteiro, sobretudo entre os membros da diáspora
portuguesa.
Comum às restantes academias que sempre prezaram a música como forma
de perpetuar a vida estudantil mesmo depois de terminado surgem-nos as tunas,
outro vivo testemunho do passado que, à semelhança dos históricos “sopistas”
os tunos de Coimbra eram também estudantes pobres que se reuniam e
cantavam a troco de comida, vinho ou dinheiro.
Hoje a grande maioria das faculdades alberga uma tuna e as várias
academias promovem as suas tunas universitárias e são realizados vários
festivais (alguns internacionais com presença de agrupamentos espanhóis ou da
América do Sul) de tunas ao longo do ano. Apesar de nos dias de hoje quase se
assemelharem a orquestras ligeiras, a realidade é que ainda conservam muito
do espírito de antigamente e não é raro ver ainda tunas em ronda, a tocar pelas
ruas de centros históricos, a troco de umas moedas para os “copos”.
Finalmente, um ritual de há séculos que ainda hoje se mantém é a prática
do “Rasganço”, rito de passagem, que se caracteriza como sendo o último ato
simbólico do estudante que agora termina o curso:

“O rasganço é a última aventura praxística e académica de um estudante.


Numa cidade em que a tradição não morre, ainda se cumpre o ritual de rasgar o
traje no final da licenciatura.
O estudante chega ao Largo da Porta Férrea, trajado e embrulhado na capa.
Quando os colegas o vêem, aproximam-se e começam a rasgar-lhes as vestes
com unhas e dentes. No final, não resta quase nada. O recém-licenciado curva-
se, tenta esconder o corpo nu. Os colegas, que se riem, roubaram-lhe a capa.
Por isso, o “doutor” corre, quase como veio ao mundo, para conseguir alcançar
o que sobrou do rasganço. Depois de algumas voltas pelo largo, lá agarra a capa
para se cobrir, perante o olhar divertido dos amigos e da família (…). Para alguns
esta é a mais violenta praxe da Academia. Para outros, é a mais simbólica e a
mais ansiada pelos estudantes da Universidade de Coimbra (UC). Seja como
for, o rasganço é um ritual de libertação” (Brito, 2006).
Alberto Sousa Lamy, na sua obra “A Academia de Coimbra” salienta:

“A destruição das vestes académicas significará o corte com a situação


anterior, da parte de uma pessoa que vai viver num mundo diferente. Apenas
fica a capa, servindo ao mesmo tempo para cobrir o corpo nu e como
recordação dos tempos de mocidade” (Lamy, 1990).

A Participação dos Estudantes nos atos solenes

Tanto na Universidade de Coimbra como nas demais academias


portuguesas, os estudantes são chamados a participar nas várias cerimoniais
oficiais da Universidade, como por exemplo em actos solenes como a Sessão
Solene de Abertura do Ano-Letivo, seja nas cerimónias de Doutoramento
Honoris Causa, tomando assento na parte central da Sala dos Capelos ou no
salão nobre de cada universidade.
Mesmo que, por alguma razão, os estudantes não possam estar presentes
em massa, muitas vezes por questões de logística de espaço, está sempre
presente, no que concerne à Universidade de Coimbra, o presidente da
Associação Académica de Coimbra, órgão da academia que representa os
estudantes.

A Rivalidade entre Coimbra e Lisboa: Competição e Orgulho

Reza a história que a primeira universidade surgiu em Lisboa. Ao assinar o


“Scientiae thesaurus mirabilis”, D. Dinis instituía a Universidade mais antiga do
país e uma das mais antigas do mundo. Datado de 1290, o docu9mento dá
origem ao Estudo Geral, reconhecido nesse mesmo ano pelo papa Nicolau IV.
Começa a funcionar em Lisboa e após um período de migrações entre a
capital e a cidade “à beira do Mondego” a que não foram alheias perturbações
de ordem política ou militar (como a crise de sucessão do trono português de
1383/1385 e onde se destaca o cerco a Lisboa pelo reu João I de Castela), sendo
transferida definitivamente para Coimbra somente em 1537, por ordem do rei D.
João III.
Durante séculos não houve qualquer rivalidade pois a Universidade de
Lisboa (aur até 2013 era conhecida como a Universidade Clássica de Lisboa) só
viria a ser fundada a 22 de março de 2011. A partir daí nasceu uma rivalidade
com contornos inclusivamente políticos sobretudo entre as Faculdades de Direito
e mais tarde de Medicina de ambas as intuições.
Foram vários os presidentes, primeiros-ministros, ministros, deputados,
governadores civis ou presidentes de câmara que se sentaram nas cadeiras da
faculdade de Direito destas duas universidades, havendo ainda hoje a disputa
sobre a qual prepara melhor o estudante para a barra dos tribunais.
Mas esta rivalidade foi-se esbatendo, à medida que outras universidades
foram sendo criadas, como a do Porto, também 1911, a do Minho, Aveiro e de
Trás-os-Montes e Alto-Douro em 1973, Universidade do Algarve, em 1976, ou a
Universidade da Beira Interior em 1986.
As várias instituições, sobretudo as mais recentes, tiveram a capacidade de
captar quadros decentes de grande qualidade, sendo que durante alguns anos
a Universidade de Coimbra sofreu um período de estagnação, mantendo o seu
prestígio mais pelo peso da história do que o seu contributo no campo
universitário ou de investigação.
Depois da fusão da Universidade Clássica de Lisboa e a Universidade
Técnica de Lisboa, a nova instituição, intitulada Universidade de Lisboa, tornou-
se a maior academia do país com mais de 45 mil alunos, quedando-se a
Universidade de Coimbra com pouco mais de 24 mil alunos.
Nos tempos que correm a verdadeira rivalidade é vivida entre a Universidade
de Lisboa e a Universidade do Porto, esta com cerca de 30 mil estudantes e
quase dois mil professores e considerada pelos mais importantes rankings
internacionais como a melhor universidade do país e uma das 200 melhores do
mundo, destacando-se sobretudo no campo da Medicina, da Engenharia e da
Arquitetura.

O valor de Coimbra como marca de prestígio na vida civil do diplomado

A marca Universidade de Coimbra ainda é sinónimo de diferenciação no


momento de se comparar quadros futuros para contratação nas empresas, mas
é sobretudo no sector jurídico que esse prestígio mais se faz sentir, já que a larga
maioria dos advogados que se encontram nos grandes gabinetes e escritórios
de advocacia são oriundos da Faculdade de Direito.
Também a Medicina contribui para essa distinção social que representa um
diploma obtido na Universidade de Coimbra, muito por via da reputação obtida
pelos Hospitais da Universidade de Coimbra no campo da saúde, na formação
de novos médicos e na investigação.

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