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Anais do SEFiM, Porto Alegre, V.02 - n.2, 2016.

Educação Musical como Cultura: experiências estéticas


centradas nas escolhas dos alunos

Music Education as Culture: aesthetic experience


focused on students’ choices
Palavras-chave: Educação Musical; Cultura; Experiência estética.
Keywords: Music Education; Culture; Aesthetic experience.

Euridiana Silva Souza


Escola de Música da UFMG
euridiana@gmail.com

O presente trabalho propõe uma reflexão sobre as experiências musicais de três turmas de
musicalização e percepção musical, com alunos entre 13 e 20 anos, de uma escola espe-
cializada em música na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. As experiências foram
construídas em projetos nos quais, de forma democrática, os alunos elegeram músicas de
seus interesses para que pudéssemos não somente analisá-las através de apreciação musical
ativa e aplicada, nas quais os conteúdos por eles já trabalhados fossem observados, mas
também de forma a se apropriar de suas melodias e ritmos e trabalhá-los conjuntamente
através de arranjos coletivos. Os dados discutidos aqui foram recolhidos através de obser-
vação participante em aulas, na condição de professora facilitadora dos processos propos-
tos, de gravações e rodas de conversação com as alunas e alunos e envolvidos.
Os pressupostos teóricos que sustentam essa proposta pedagógica são baseados na Nova
Filosofia da Educação Musical, de David Elliot (1995); na ampliação conceitual de Edu-
cação Musical, proposta por Margarete Arroyo (1999); nas estratégias informais de ensino
propostas por Lucy Green (2003, 2014) e na aplicação de conceitos mais gerais do proces-
so educativo retirados da obra de Paulo Freire (1996, 2015).
Observando todas as críticas e as interlocuções entre os autores propostos, destacamos
como pontos centrais: a) o ensino e a aprendizagem praxiais, que levem em consideração
o multiculturalismo não somente no seu aspecto amplo, mas o multiculturalismo que va-
lorize o autoconhecimento do indivíduo em sua relação com seus próximos, percebendo-
se como ser cultural – que produz, reproduz e consome um capital cultural; b) o ensino
com foco humanista, que não desconsidere os alunos como sujeitos de seus processos de
aprendizagem e ainda que não desconsiderem os conhecimentos prévios destes alunos,
adquiridos não somente através do ensino regular e formalizado de instituições, mas de
seus círculos culturais e de suas experiências de vida, não importando quão longas ou
curtas elas sejam; c) o desenvolvimento de autonomia crítica do sujeito com relação às
suas experiências e percepções de suas escolhas no mundo, através de um processo que
deixe de ser opressor, na medida em que se propõe a liberdade de escolha sem valoração do
que seja música boa ou ruim, bela ou não, e que parta não do gosto musical do professor,

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mas dos próprios alunos, por compreender música como músicas em suas concepções
mais amplas; d) a conscientização da experiência estética através dos processos de escolha,
apropriação e reconstrução dos materiais musicais nas construções dos arranjos coletivos,
que confrontam diferentes visões e experiências na busca de um resultado comum.
As doze escolhas feitas pelos alunos (quatro músicas em cada turma) foram ecléticas em
estilos, indo de rocks clássicos, como Led Zepelin e Queen, passando por metal lírico,
pop, gospel, bossa nova até trilha sonora de jogos e filmes hollywoodianos; embora se
encontrem todas no vasto universo da chamada música popular. Apesar de a maioria deles
estar estudando instrumentos de orquestra de cordas e fazerem, em suas aulas de instru-
mento, repertórios canônicos da música erudita de concerto, este não foi um ambiente
contemplado nas escolhas, não porque não tenha sido sugerido, mas porque, no processo
de discussão e escolha dos grupos, foram selecionadas as músicas que tinham mais signifi-
cado para a maioria dos alunos, e por significado entenda-se também uma maior presença
em seus processos de fruição musical.
Ao serem questionados sobre o porquê de suas escolhas, no processo inicial dos proje-
tos, os alunos não avançaram suas reflexões para além do “porque gostamos”. As con-
cepções dos sentidos de beleza e das experiências estéticas também não iam além de
respostas como “porque sim”. E junte-se a isso o fato de que, ao serem questionados
sobre a palavra estética, ao menos um aluno em cada uma das turmas terem se referido
às clínicas de emagrecimento como o único momento em que pensam ou falam sobre
esse termo em suas vidas.
Ao final de cada um dos processos, nas rodas de conversação e na análise das criações
coletivas, pudemos constatar uma maior conscientização dos alunos sobre suas escolhas
musicais; uma busca por se conhecer e entender de forma crítica suas escolhas e consu-
mos tendo a música como capital cultural; uma elaboração dos motivos pelos quais eles
consideravam como belas, ou não, suas escolhas, além de uma musicalidade crítica nos
processos de criação coletiva. Por último, pudemos observar o caminhar para a construção
da autonomia crítica, na qual os sujeitos buscam entender o meio em que vivem, tor-
nam-se responsáveis por suas escolhas, respeitam a diferença do pensamento dos outros,
ampliam suas concepções conceituais sobre o que seja música, e compreendem que, se
cultura é aquilo que carregamos conosco, nossa educação musical não pode negar o que
cada um carrega.

Referências
ARROYO, Margarete. Representações sociais sobre prática de ensino e aprendizagem musical: um estu-
do etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música. Tese (Doutorado em Música)
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999.
ELLIOTT, David. Music Matters: A new philosophy of music education. Oxford: University Press,
1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 23. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do oprimido. 59. ed. Rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

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GREEN, Lucy. “Music education, cultural capital and social group identity”. (2003). In: Music
education as critical theory and practice – selected essays. Surrey: Ashgate, 2014. p. 37-48.
______. Hear, Listen, Play! How to free your student’s aural, improvisation, and performance skills.
New York: Oxford University Press, 2014.
LAZZARIN, Luís Fernando. “Educação da sensibilidade estética e Multidimensionalidade: senti-
dos da experiência da Música nas ‘filosofias’ da educação musical”. Simpósio de Educação Estética e
Filosofia da Música. Anais... SEFiM/UFRGS, Porto Algre, v. 1, n. 1, 2013. p. 402-415.

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