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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

MÚSICA-LICENCIATURA-SOBRAL
CANTO CORAL 4

PROCESSOS DE CRIAÇÃO EM CANTO CORAL: UMA METODOLOGIA DE


ENSINO DE MÚSICA NA ESCOLA
Miquéias Gomes Ferreira

PROF. LEO ARAÚJO

SOBRAL - CE
2017
PROCESSOS DE CRIAÇÃO EM CANTO CORAL: UMA METODOLOGIA DE
ENSINO DE MÚSICA NA ESCOLA

Miquéias Gomes Ferreira


miqueiasgf@hotmail.com

RESUMO
Este artigo de cunho bibliográfico analisa uma proposta de ensino de canto coral na
escola numa perspectiva da criação conjunta e quais as contribuições provenientes deste
processo. Objetiva analisar um processo de ensino e como este pode ser implementado
na escola, além de avaliar as vantagens do ensino de canto coral neste tipo de ambiente.
Descreve o ensino de canto perpassando por princípios tais como respeito a diversidade
sonora do estudante e traz argumentos de que o processo de ensino de canto na escola
deva ser mais elaborado que um mero simples cantar sem preparação.

PALAVRAS-CHAVES: Canto coral; Criação conjunta; Educação musical;

1. INTRODUÇÃO

Faz-se aqui um levante da essencialidade de abordagens de ensino de


música na escola, tais como o canto coral e também da importância de se oferecer
momentos artísticos na rotina da escola, na perspectiva de construção de uma sociedade
menos individualista e mais grupal. O canto coral vem, portanto, imbuído destes valores
de ressocialização, comunicação, formação cidadã, além do próprio fazer musical.
Abrindo-se um aposto sobre a visão aqui encarada como fundamental,
defende-se um trabalho de quebra de preconceitos musicais e de apoio a diversidade
cultural e musical, pois cada estilo musical representa uma cultura especifica e por
conseguinte, uma música, nestas proporções, não pode ser melhor que a outra.
É, portanto, um olhar social do fazer artístico, onde as relações entre
indivíduos se torna função principal, algo que se faz necessário e que, como para muitos
teóricos, deve ser primordial numa educação através da arte. Keith Swanwick corrobora
com este pensamento ao dizer: "O significado e o valor da música nunca podem ser
intrínsecos e universais, mas estão ligados ao que é socialmente situado e culturalmente
mediado."(2003, p. 39) e Koellreutter (1998, p.44) vai dizer: "Trata-se de um tipo de
educação musical que aceita como função da educação musical nas escolas a tarefa de
transformar critérios e ideias artísticas em uma nova realidade, resultante de mudanças
sociais. O homem como objeto da educação musical."
Sendo assim, a pretensão é se fazer compreender o processo de canto coral e
suas experiências vivenciais e de socialização como algo intrínseco na relação de
pessoas e que um projeto artístico-musical pode ser um momento de construção de
valores e estruturas sociais nos participantes, como caráter, cidadania, respeito as
diversidades, alteridade, além de sentimentos subjetivos como felicidade, segurança,
perspicácia, perseverança, que se refletirá num cidadão mais presente na realidade, mais
preparado para vida em sociedade.
Quanto ao processo artístico, em sí, parte-se do pressuposto que se eles
gostam, provavelmente saberão fazer e consequentemente encararão o desafio do canto
em grupo com mais autonomia e com quebra de pensamentos inibitórios, podendo se
apropriar de sua segurança sonoro/vivencial para executar música que lhes são
conhecidas e, por conseguinte, podendo lhes favorecer na execução de músicas que não
lhes são tão significativas. Estando ai a vantagem do canto coral, pela apropriação de
algo que é feito rotineiramente, que é cantar, com um instrumento que é próprio do ser
humano, a voz, e com um repertorio que tem relações de pertinência aos participantes.

2. PROCESSO DE CRIAÇÃO EM CANTO CORAL

O processo aqui pretendido, e a partir de agora explicitado, é um processo


com designações definidas, porém não imutáveis.
A criação se dará, junto com os questionamentos que serão próprios do
movimento criador intrínseco a esta proposta. Um modelo referenciado pela lógica
inferencial de Cecilia Salles: "Essa visão do movimento criador, como uma complexa
rede de inferências, contrapõe-se à criação como uma inexplicável revelação sem
história, ou seja, uma descoberta espontânea..."(1998, p. 88).
Portanto uma estrutura prévia como um "esqueleto" é pensada e todos os
enxertos serão colocados conforme a construção do espetáculo. O objetivo é descobrir
as reações pessoais de cada aluno cantante e como estará sendo o processo de
significações para cada um, desvelando um trabalho sistematizado que se molde as
necessidades intelectuais de cada participante, que estarão tendo, talvez, seu primeiro
contato com o canto em grupo. "A lógica criativa consiste na criação de um sistema, que
gera significado, a partir de características que o artista lhe concede." (Salles, 1998, p.
90).
A ideia pertinente de significado pensada para este trabalho artístico passa
pelo que Piaget vai chamar de assimilação ativa, segundo Coll e Solé (apud Starepravo,
2009, p. 14): "aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação
pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender." e
também pela noção de significâncias a partir da concepção de música como um discurso
metafórico de Keith Swanwick (2003).
Swanwick diz em seu livro, traduzido por Alda Oliveira e Cristina
Tourinho, Ensinando musica musicalmente, que "a música é uma forma de pensamento,
de conhecimento." (p. 38). Portanto ela é um discurso por ser uma forma de expressão,
de argumentos, de forma simbólica e é metafórica, pois traz em si a condição de criar
relações onde antes não havia, "em outras palavras, o processo metafórico permite-nos
ver as coisas diferentemente, para pensar novas coisas." (Id, p. 23).
A música como metáfora se dá pela apreensão de três níveis de cognição,
quando notas são ouvidas como melodias, ou seja, pensando em discurso, quando cada
nota passa a construir algum sentido melódico, o segundo nível é quando estas
melodias, ao escutadas juntas, constroem novas relações, permitindo num terceiro nível
transmitir uma mensagem, que pelo seu poder metafórico, faz com que se estabeleça
relações de valores com nossas vivências, permitindo a uma transposição cognitivo-
intelectual para um espaço intersubjetivo-sentimental, que Swanwick chama de
schemata, fluxo. “Fluxo é, realmente, mais uma tentativa de descrever e avaliar aquelas
experiências que parecem nos alcançar para fora das rotinas da vida e as quais temos
chamado variadamente de transcendentais, espirituais, elevadas, "epifânicas", sim, e
"estéticas".” (Id, p. 32, 33).
Outra característica que pretende-se empregar durante o processo criativo é
a compreensão do fazer artístico como um conjunto de atividades interligadas dentro de
um tripé: apreciação, composição e execução.
Seguindo a estrutura do processo, primeiro vem nesta proposta o fazer,
intercalado, algumas vezes, pela apreciação, para só depois da construção de uma
autonomia vocal ou um autoconhecimento sonoro, possa-se pensar nos momentos
criativos pertinentes a uma melhor execução do espetáculo.
Sendo assim, traz-se o fazer, neste momento, pensado como o processo
precanto, que é tão essencial quanto a apresentação do grupo coral - a técnica vocal.
Como diz Helena Coelho (1994, p. 10): "Mas um trabalho bem feito de técnica vocal já
é um, senão o próprio, espetáculo." e ainda, "A técnica vocal assim entendida e
trabalhada promove o autoconhecimento e a sensibilização que permitem o encontro
consigo mesmo e a integração com o mundo circundante."
Neste ponto, toma-se como base as ideias de Helena de Souza Nunes Wohl
Coelho, explicitada no seu livro técnica vocal para coros, onde ela parte da premissa
maior que "o instrumento vocal, no entanto, é formado pelo conjunto do corpo humano
(...) e a voz é o resultado sonoro de um instrumento que exige cuidados. Antes de tudo a
voz só é boa se provém de um organismo sadio." (Id, p. 11).
Portanto perceber esta essencialidade do uso correto do aparelho fonador é
crucial para longevidade do cantante, mas principalmente, para um cantar eficiente,
assim se faz necessário a compreensão de um trabalho consciente do uso vocal, que
contribua para um cantar saudável.
Dando continuidade ao projeto, faz-se, a partir do momento em que o
coralista se sentir capaz de cantar, necessário a introdução de uma escuta ativa, onde os
discursos metafóricos do repertório possam ser interiorizados pelos cantantes. Passa-se
ao momento da apreciação musical, onde pretende-se construir pensamentos lógicos,
mas também ilógicos, sensitivos, para cada música, objetivando uma comunicação
devida e não apenas cantar por cantar, mas que seja uma atitude ativa, por isso a
necessidade de uma apreciação direcionada para objetivos esperados, segundo Ferrero
(apud Beyer e Kebach, 2009, p. 148), "o sujeito para Piaget não é apenas ativo porque
faz muitas coisas, é ativo porque está continuamente organizando e reorganizando seus
esquemas assimiladores."
Apreciar é o ato de perceber em cada música o conjunto de peculiaridades e
ver refletidas o coletivo de suas vivências e, assim, poder direcioná-las, dentro do
processo, para algo "original" na perspectiva do processo criativo artístico, objetivando
que seja uma forma de expressão. Neste aspecto se intui relacionar atitudes de
percepção da obra como um todo, acuindo seus detalhes. É o que defende Flavel (apud
Beyer e Kebach, 2009, p. 126), "cada incursão sucessiva de estimulo aumenta a
proporção entre os elementos encontrados e encontráveis..."
Após o fazer através da técnica e da apreciação, novamente se volta ao fazer
através dos ensaios do repertório, porém já direciona-se, aqui, a execução para a
criação, pois passa-se a pensar como se dará a forma de exposição, que processos
criativos se encaixam melhor, que mensagens verbais e sonoras queremos passar, que
música se comunica com a outra, para melhor alocá-la, quais os aspectos visuais
queremos abordar e qual o objetivo intrínseco estaremos representando no palco, além
do estético. É o que Cecilia Salles vai chamar de recursos criativos: "Os recursos ou
procedimentos criativos são esses meios de concretização da obra. Em outras palavras,
são os modos de expressão ou formas de ação que envolvem manipulação e,
consequentemente, transformação de matéria." (Salles, 1998, p. 104).
Foi especificado aqui atividades dentro de um percurso a ser seguido, porém
não necessariamente tão consolidado, mas entendendo que todo o processo é essencial,
não se permitindo abster-se de algumas fases e nem de algumas compreensões. "O ato
criador mostra-se, desse modo, uma trama de linguagens que vão, ao longo do percurso,
recebendo diferentes tratamentos e desempenhando diferentes funções e, assim, emerge
outro instante de unicidade dos processos." (Salles, 1998, p. 121).
Não poderia deixar de referenciar, como já mencionado anteriormente, a
importância de uma visão contextualizada da realidade pertencente ao cantante, ou seja,
a necessidade de uma educação musical que perpasse pelo viés do social, para que se
possa fazer sentido. Por isso da escolha das músicas, mas principalmente, por isso da
escolha de todo o processo, que se reflete no fazer musical necessário e apropriado para
o ambiente escolar.
Koellroetter (1998, p. 43-44) fala sobre a educação musical viável na escola:

"é aquele tipo de educação musical não orientado para a profissionalização de


musicistas, mas aceitando a educação musical como meio que tem a função
de desenvolver a personalidade do jovem como um todo, de despertar e
desenvolver faculdades indispensáveis ao profissional de qualquer área, ou
seja, por exemplo, as faculdades de percepção, as faculdades de
comunicação, as faculdades de concentração (autodisciplina), de trabalho em
equipe (...)".

Corrobora Maura Penna (1994, p.23):

"Encarando este desafio, a educação musical precisa buscar, como objetivo


último, promover uma participação mais ampla na cultura socialmente
produzida, preparando o aluno para que se torne capaz de aprender
criticamente várias manifestações musicais disponíveis em seu ambiente."

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de música na escola encontra muitas barreiras, uma das mais


mencionadas tem a ver com recursos materiais. O canto coral vai no sentido oposto
destes argumentos pois precisa apenas de pessoas interessadas e um bom projeto.
Nestes parágrafos, buscou-se descrever um processo de canto coral, que
privilegiasse a diversidade musical e o contexto do estudante como forma de apreensão
de sua vontade de fazer música e ao mesmo tempo desenvolver-se de forma coerente
com um fazer apropriado desta linguagem artística, pensada a partir da ideia de criação
de Cecília Salles.
Assim, temos que ver que cantar não é de qualquer maneira e também não
acontece apenas com músicas específicas, o leque pode ser maior, basta ter uma
diretividade consciente e se apropriar de processos inferenciais de construção artística.

REFERÊNCIAS

BEYER, Esther & KEBACH, Patricia. Pedagogia da Música: experiências de


apreciação musical. Organização: Beyer, Esther & Kebach, Patricia. Porto Alegre:
Mediação, 2009.
COELHO, Helena de S. Nunes Wohl. Técnica vocal para coros. 8ª ed. São Leopoldo:
Sinodal, 2008.
KOELLREUTTER, Hans J. Educação musical: Hoje e, quiçá, amanhã. In: LIMA, Sônia
Albano de (org.). Educadores musicais de São Paulo: Encontro e reflexões. Nacional:
São Paulo, 1998 (p. 39-45).
PENNA, Maura. O desafio necessário: Por uma educação musical comprometida com a
democratização do acesso à arte. In: Cadernos de Estudo: Educação Musical, nº 4 e 5, p.
15-29.
SALLES, Cecilia Almeida. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo:
FAPESP: Annablume, 1998.
STAREPRAVO, Ana Ruth. Jogando com a Matemática: números e operações. Curitiba:
Aymará, 2009.
SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina
Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.

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