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A antecipação da infância e os prejuízos ao longo da vida .

A base desta pesquisa tem uma compreensão do individuo de forma


ecológica em um mundo vivo, dinâmico e intenso. A pessoa é uma entidade em
crescimento e está se desenvolvendo constantemente a partir das relações de
reciprocidade criadas entre ela e os diferentes ambientes que habita. Para
Bronfenbrenner (1979/1996), o meio ambiente não se limita a um único
ambiente imediato, mas inclui a interconexão entre os ambientes que sofrem
influências internas e externas oriundas de meios mais amplos.

Com base neste pensamento é importante a reflexão sobre o tipo de


ambiente e interação que a criança recebe que corresponda com o
ajustamento no seu desenvolvimento de forma adequada. Faz parte da
idealização dos pais que seus filhos sejam crianças inteligentes, espertas e
independentes. Porem isto pode ser confundido com um desenvolvimento
acelerado e precoce. Expostas ao consumismo exacerbado, à erotização
precoce e às agendas extracurriculares apertadas, que não deixam espaço
para brincadeiras sem compromisso1. Seja assistindo à televisão até tarde,
navegando sem assistência pela internet ou saindo somente à noite a
restaurantes com os pais, que não têm tempo livre com os filhos,as crianças
opinam sobre questões complexas que não tem maturidade para compreender.
As crianças brasileiras influenciam 80% das decisões de compra dos adultos
isto inclui aquisições como carros, roupas, alimentos, eletrodomésticos
(TNS/InterScience, outubro de 2003)2 . A mídia está assumindo um papel
importante na construção da identidade infantil. Quando os pais estão ausentes
às crianças passam a ficar entregues aos “cuidados” da televisão. Conforme
Rosa Maria Bueno Fischer (1997. p. 63) a mídia opera como um agente
fundamental na construção das identidades. Assim como também Susan Linn
(2006, p. 223) aponta para importância de discutir e problematizar a relação da
mídia e a construção da cultura infantil quando afirma que “ensinar valores às
crianças é uma das coisas que a mídia faz de melhor”.

Dessa forma, entende-se que igualmente aos adultos, as crianças ficam


gradativamente atraídas ao ato de comprar, de vestir roupas novas e até
mesmo o gosto pela exposição do corpo, algumas vezes de forma abusiva.
Ainda na infância são incentivas a participarem de concursos de beleza e
outros tipos de seleções, os quais informam que para serem escolhidas devem
estar enquadradas nos requisitos propostos, sem nenhum tipo de exceção,
enquanto as que não estão enquadradas são simplesmente “rejeitadas”,
podendo já causar traumas na criança, por não compreenderem de maneira
clara o porquê daquela situação. Afinal “Um dos fatores que diferenciam a
infância da idade adulta é o conhecimento (ARIÈS, 1981; POSTMAN, 1999)”. O
que pode ocorrer uma repetição de um trauma, já que existem adultos que
também possuem traumas causados por rejeições e não conseguem superá-lo.

A participação e a observação de situações de conflito na família


resultam no aprendizado da agressão pelas crianças que frequentemente
resulta da experiência destes conflitos mal resolvidos. Essas conclusões foram
publicadas recentemente em um estudo longitudinal: Feldman, Masalha e
Derdikman-Eiron (2010) investigaram modos de resolução de conflitos como
variáveis preditoras do comportamento agressivo, em três subsistemas
(parental, conjugal e entre pares) do ambiente social de 141 crianças
israelenses e palestinas.

Estas exposições interferem biologicamente na regulação emocional da


criança em desenvolvimento: O cérebro atua como um centro integrador que
coordena as respostas comportamentais, neuroendócrinas e outras respostas
neurobiológicas do indivíduo aos desafios comportamentais e às necessidades
fisiológicas internas (por exemplo, sede, fome, ciclo sono-vigília).

Há consideráveis diferenças individuais em como lidar com tais


desafios, com base nos fatores genéticos, ambientais e vivenciais que atuam
reciprocamente. Além disso, pode haver um efeito amplificador da
predisposição genética e de eventos precoces de desenvolvimento, tais como
maus-tratos na infância, predispondo, dessa forma, alguns indivíduos a
reagirem exageradamente do ponto de vista fisiológico e comportamental aos
eventos. A capacidade de se adaptar e manter a homeostase (i.e., alostase)
em face aos desafios e à capacidade de ligar e desligar eficientemente as
respostas adaptativas é vital para a sobrevivência; ao mesmo tempo, a
demanda excessiva por tais respostas adaptativas pode levar a efeitos
cumulativos em longos intervalos de tempo³,4.

Esses efeitos cumulativos (i.e., a carga alostática causada por


adaptações forçadas aos vários desafios psicossociais e aos ambientes
adversos) manifestam-se como uma deterioração estrutural e funcional do
organismo. Como resultado disso, a carga alostática reflete parcialmente uma
ineficiência genética ou ambientalmente programada em lidar não somente
com estressores não usuais, mas também com os desafios normais da vida
diária (e.g., sede, fome, necessidade de dormir), assim como com as
consequências fisiológicas adversas de uma dieta não-saudável, sedentarismo,
uso excessivo de álcool ou tabagismo4,³,.

Em longo prazo estas exposições podem trazer danos a um sistema


ainda em desenvolvimento as evidências de diversos estudos indicam que o
amadurecimento dos aspectos do funcionamento executivo, tais como o
controle inibitório e a atenção executiva, está fortemente relacionado com o
aumento da compreensão emocional (de si mesmo e dos outros) e à regulação
emocional. O desempenho das crianças em idade pré-escolar nas tarefas de
laboratório que avaliam o controle inibitório correlaciona-se significativamente
com sua capacidade de regular suas emoções. (Mayer &Salovey, 1997) Além
disso, as crianças com capacidades de controle de atenção superiores tendem
a lidar com a raiva utilizando métodos verbais não hostis, ao invés de métodos
claramente agressivos. (Mayer &Salovey, 1997)5. O maior autocontrole (do
inglês “effortful control” também se correlaciona positivamente com a empatia).
Demonstrar empatia em relação às outras pessoas exige a interpretação de
seus sinais de aflição ou de prazer.

De fato, a capacidade do indivíduo de distinguir entre seus próprios e os


estados mentais dos outros indivíduos (Teoria da Mente, ToM), que é outro
componente cognitivo central da empatia6.

Alguns estudos recentes também demonstram que o desenvolvimento


do controle executivo é afetado por fatores ambientais, proporcionada pela
qualidade das interações entre pais e filhos na primeira infância; tais interações
parecem estimular o desenvolvimento da função executiva mais tarde. As
atitudes dos pais, tais como a afetividade, a receptividade e a disciplina
pacífica, que estão relacionadas para garantir o vínculo entre pais e filhos e
uma reciprocidade positiva, estão vinculadas às habilidades avançadas da
função executiva na criança7.

É fundamental a preservação das crianças em um ambiente saudável


longe das interferências complexas de alguns aspectos da vida adulta que
podem trazer prejuízo para o desenvolvimento infantil. As células cerebrais não
só disparam quando realizamos uma determinada ação, mas também disparam
quando vemos alguém fazendo a ação. Pesquisas emergentes estão
descobrindo que nosso sistema de neurônios espelhos distingue entre pessoas
que são físicas e culturalmente semelhantes e as que não são. Como a
atividade dos neurônios espelhos é considerada uma parte muito básica da
função cerebral e pode ser vista em muitos animais além dos humanos a nova
descoberta suporta a noção de que nosso cérebro está predisposto a distinguir
"nós contra eles". Essa distinção pode ser de cuidado benéfico e encorajador
ou de perigo , adiantando os preconceitos e intenções prejudiciais 8.

Além de todas as exposições nocivas acima citadas também as crianças


podem estar sendo privadas na infância de atividades externamente benéficas
para o seu desenvolvimento, pois ao invés de passarem a infância brincando e
aprendendo somente assuntos que fazem referência às suas idades,
aproveitando ao máximo essa fase de transição, a qual deveria ser saudável
como foi mencionado por Bruns (2010), mas que foi acelerada a partir de
valores consumistas projetados pelo movimento capitalista em nossa
sociedade.

O faz de conta, a imaginação, a construção de mundos, torna-se


possíveis quando a criança brinca e o faz sem nenhuma intenção pragmática,
de forma espontânea e desinteressada. A ideia que a criança brinca pensando
no futuro é um raciocínio dos adultos. A criança tem desejos e necessidades
que espera concretizá-los imediatamente. Quando isso não ocorre ela muda o
comportamento e o faz graças ao brinquedo, que abriga em si essa
possibilidade. “Vygotsky (2002) crê que a criança resolve essa tensão
envolvendo-se num mundo ilusório e imaginário no qual desejos não
realizáveis podem ser concretizados, e esse mundo é o que chamamos de
brinquedo, cinema ou narradas em livros etc.”
Na visão de Nogaro (2012), quando a criança brinca define o tipo de
brincadeira, objetos a utilizar, companheiros, papéis a desempenhar, enfim, é
uma maneira de exercitar sua liberdade e autonomia, experimentar e
internalizar o mundo. A brincadeira, o jogo, não é atividade em que a criança
opera livremente de acordo com seu desejo e interesse, ele tem regras e
objetivos, resultados a serem atingidos, implicando planejamento e
organização mental na proporção da maior ou menor complexidade do mesmo
e dos desafios que lhe são postos. Prazer e motivação das brincadeiras da
infância vêm da ativação nas alturas do sistema de recompensa, que premia o
cérebro que faz algo que dá certo, e assim faz qualquer coisa parecer
interessante.

Daí vem o “modo de auto-entretenimento” 9 talvez universal em filhotes,


capazes de passar horas em seu próprio mundo. Filhotes de ratos brincam;
filhotes de elefante rolam na lama; cachorrinhos e filhotes de leão se
amontoam, mordendo-se na nuca ou nas orelhas, em brigas de mentira. Além
de aprender na prática a controlar a si mesmo, o cérebro de quem brinca
aprende formas mais saudáveis de regular suas respostas ao estresse.
Ratinhos criados em isolamento ou com irmãos sedados demais para brincar
tornam-se adultos ansiosos e estressados: em situações ameaçadoras, os
animais que não brincaram na infância são mais dados a arroubos de
agressividade ou, ao contrário, a se esconder. O mesmo acontece com
primatas, entre eles os humanos. A brincadeira bruta expõe os filhotes a
pequenos estresses, com os quais eles vão aprendendo a lidar desde cedo.
Isso leva a conclusão que a brincadeira esta empregada a uma atitude de
sobrevivência o que a torna vital para o desenvolvimento.

1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC,
1981

BARROS, A. J. S. e LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de Metodologia: Um Guia para


a Iniciação Científica. 2 Ed. São Paulo: Makron Books, 2000.
Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos
naturais e planejados (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
(Original publicado em 1979) [ Links ]

Bruns, Axel. (2010) “Notícias Produsage em um Pro-Am midiasfera.” Em News


Online: Transformações e Continuidades ,

NOGARO, Arnaldo; NOGARO, Ivania. Primeira Infância: espaço e tempo de educar


na aurora da vida. Erechim-RS: FAPES, 2012.

POSTMAN, Neil, O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Grafhia, 1999.

VYGOTSKY, L. S. Formação social da mente. Trad.: J. C. Neto, L. S. M. Barreto, S.


C. Afeche. 6° ed. São paulo: Martins Fontes, 2002.

1. (http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-de-vida/noticia/2012/09/criancas-que-vivem-
em-mundo-adulto-podem-ter-problemas-serios-no-futuro-3899156.html)
2 .http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Doc-09-
Interscience.pdf

3,.McEwen BS. Protective and damaging effects of stress mediators.N Engl J Med.
1998;338(3):171-9. [ Links ]

4. McEwen BS, Stellar E. Stress and the individual. Mechanisms leading to


disease. Arch Intern Med. 1993;153(18):2093-101. [ Links ]

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