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Tubarão
2017
RUAN DE ASSUNÇÃO MENDES
Tubarão
2017
RUAN DE ASSUNÇÃO MENDES
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Professor e orientador Claudio Damaceno Paz, Ms.
Universidade do Sul de Santa Catarina
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Prof. Tânia Mara Cruz, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
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Prof. Elvis Dieni Bardini, Ms.
Universidade do Sul de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
Although many individuals who are part of the LGBT community stand out for their
performances in different areas of human knowledge, from the arts to the sciences,
when this minority group is remembered, most of them are almost always
stereotyped and stigmatized throughout the history of human societies, and
particularly in the Brazil. Contrary to this trend, this monographic study is presented
with the intention of demonstrating that human society is plural and the coexistence
between differences produces many benefits for everyone. In this sense, it's intended
to undertake a historiographical investigation about the treatment received by this
part of the population throughout the history of Brazil, as well as to analyze the
Brazilian public policies regarding the inclusion and to evaluate if the LGBT student is
contemplated in the discourse and practices of the so-called respect for diversity in
equality.
1 INTRODUÇÃO
senhor de engenho, de seus filhos e protegidos, mesmo que essas vontades fossem
de caráter violento e tivessem cunho sexual abusivo.
Casos como o de Luiz Delgado, segundo Vainfas (1997) também pintam
os relatos históricos: diferentemente da violência usada pelo senhor paraense de
engenho supracitado, Delgado tratava com carinho e ternura seus companheiros
nefandos. Diversas vezes fora visto nas ruas com seus amantes (um, pelo menos,
era um de seus criados), ostentando-os aos olhos públicos, o que, naquela época,
talvez fosse uma provocação maior que o ato sexual em si. Sobre este fato, Vainfas
relata (1997, p. 175):
verdadeira aversão à prática, mas sim porque “carente de clérigos, a Igreja Colonial
procurou, ao que tudo indica, resguardar seus quadros contra a Justiça inquisitorial,
ao menos quanto ao ‘’pecado nefando’’, pois do contrário talvez ficasse sem
ministros” (VAINFAS, 1997, p. 170).
Outros 22% dos casos de sodomia se remetiam aos grandes mercadores,
autoridades, mineradores, lavradores, donos de fazenda e engenhos, como também
seus filhos e parentes próximos, ainda de acordo com VAINFAS (1997).
Caminhando de encontro ao contexto no qual índios, negros e mestiços
se encontravam no mundo colonial brasileiro, é possível observar que o número de
denúncias se compunha mais altamente entre casos de brancos com negros, com
índios e mestiços (que se torna importante ressaltar novamente a falta de escolha
que essas pessoas tinham em cima de situações como essa) do que nesses três
grupos entre si. Novamente, não porque existiam menos casos, mas sim pelo olhar
inquisitorial e populacional desinteressado para com esses grupos (VAINFAS, 1997).
masculinos, dormir com mulheres nuas. No caso das tríbades, semelhantes recursos
estavam à disposição: desde ameaças raivosas cheias de asco, até mesmo
exortações repletas de ternura. Numerosas sessões de hipnose a fim de fazer com
que o invertido sexual sentisse nojo e horror por sua anormalidade era um método
comumente usado (TREVISAN, 2002).
Existiam casos que eram considerados sem volta, já que nenhuma das
técnicas de cura parecia resolvê-los. Sobre isso, Green (2000, p. 191) afirma que
essas pessoas “atravessavam o período de internação relativamente sem mudanças
e continuavam a expressar seus desejos homossexuais durante o confinamento,
para serem enfim liberados, declarados “incuráveis”.
Leonídio Ribeiro, um criminalista brasileiro, foi um dos maiores nomes na
pesquisa em relação aos homossexuais, chegou a analisar os casos de 195
homossexuais detidos em 1932 pela polícia carioca. Seu discurso baseava-se
fortemente na teoria que sugeria origens endócrinas do homossexualismo – um
distúrbio seria sua causa. Essa teoria sustentava que esse desvio sexual só poderia
ser corrigido logo na infância (ou, mais tardar, na puberdade) por meio de
intervenções cirúrgicas, onde transplantes, de acordo com o gênero do cidadão, de
ovários ou testículos deveriam ser feitos a fim de masculinizá-lo ou feminizá-lo
(PRETES & VIANNA, 2007).
anos, Napoleão B., relatada por Green (2000), que foi conduzido pela polícia ao
Sanatório Pinel, de São Paulo, em 1935. Após fundar uma escola particular com
ajuda de sua irmã, Napoleão buscou auxílio de outro profissional, João Cândido F.,
de 28 anos, com quem tempo depois viria a dividir um quarto alugado. A família,
desconfiada que Napoleão estivesse envolvido com práticas homossexuais, decidiu
interná-lo contra sua vontade. Relatos nos dizem que, embora tenha entrado com
perfeita saúde mental, o tempo de confinamento causou um estado de leve
depressão, principalmente após perder para a família uma ação que pedia sua alta
do estabelecimento. Conta-se que o diretor do sanatório, Dr. Antônio Carlos
Pacheco e Silva, testemunhou em prol da família. O “paciente” recebeu alta apenas
quando mostrou que havia se arrependido de seus “erros” e que se regeneraria para
uma vida “normal”. Vê-se aqui um esforço conjunto da família com “A polícia, a
justiça e a medicina trabalhavam em uníssono para conter e controlar esse ‘’desvio’’”
(GREEN, 2000, p. 191)
Nessa pequena parte pudemos ver um pouco mais a fundo o movimento
de estigmatização das sexualidades consideradas anormais, tanto pela ciência
quanto pela religião e, consequentemente, pela população brasileira. A ciência,
tentando esclarecer o dilema daquela expressão sexual e afetiva tão estranha,
embora tão antiga, acabou contribuindo durante décadas para o aumento da
marginalização social da minoria LGBT, transformando-os quase que em uma
espécie diferente do ser humano.
Embora nada disso os impedisse de, entre os seus, adotarem apelidos que não
condiziam com seus gêneros. Sodomitas na Europa adotavam, já na época do
Santo Ofício, alcunhas como “Lisboeta”, “Bugia da Alemanha”, “Turca” e etc. Em
terras brasileiras, entre os séculos XIX e XX, podemos ver apelidos como “Princesa
Salomé”, “Foedora”, “Cora Pearl” e etc. (TREVISAN, 2002; VAINFAS, 1997).
Embora em tempos atuais a discussão sobre Francisco Manicongo talvez
se enveredasse por outros caminhos em razão dos estudos sobre a
transgeneridade, na Bahia do século XVI, foi um homem escravizado de origem
africana, conhecido por usar trajes femininos, à semelhança de costume aceito em
terras congolesas. Francisco Manicongo fora duas vezes denunciado por praticar o
pecado nefando, além de se recusar a usar trajes masculinos dados por seu senhor.
Muito semelhante a um caso em terras europeias: Antônio, um negro de Benim,
andava por Lisboa protegido pela noite, em vestes femininas, atendendo pelo nome
de "negra Vitória" (VAINFAS, 1997).
No Brasil dos anos 1930, vestir-se do gênero oposto publicamente fora de
ocasiões que se julgava aceitável tal prática foi motivo de prisão, como soube na
pele um funcionário de escritório em São Paulo, quando tentou sair na rua vestido
de mulher. Embora esse costume fosse normal no carnaval do Rio de Janeiro, coisa
que esse indivíduo gostava de fazer nessa época, pois não sofria repreensão da
polícia, conforme Greem (2000).
A inversão do uso das indumentárias destinadas a cada gênero ganhou
importante papel em meados dos anos 1940, depois de um árduo período onde os
homossexuais começaram a invadir e expandir suas influências em festas
carnavalescas. Surgiram os bailes de travestis, onde performances públicas
brincavam com as representações dos gêneros. Apenas nos anos 1950 que esses
eventos voltados ao público homossexual tornaram-se mais fortes em visibilidade,
tamanho e número, "eram os principais locais onde a regra era o desregramento,
onde se podiam transgredir normas de masculinidade e feminilidade sem
preocupação com a hostilidade social ou punições" (GREEN, 2000, p. 332).
Com o passar das décadas, a importância da criação de eventos e
invasão de outros se mostrou crucial, embora cortante para os dois lados. Enquanto
aumentava a visibilidade e aceitação desses grupos perante a sociedade, também
trouxe confusão quanto à imagem do que é ser homossexual: muitos passaram a
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Para uma grande parcela da população LGBT, tanto nos dias atuais
quanto nos séculos passados, transgredir a heteronormatividade é mais do que uma
ação que visa a diversão, mas deixar claro a mensagem de que existem outros
modos de vivenciar o mundo, significa ter o espaço para tentar viver de um modo
que não sufoque a sexualidade e a expressão de cada um perante sua
subjetividade. Os bailes com performances e o carnaval, dois exemplos usados
nesse subtítulo, não são apenas o baile e o carnaval, pois por detrás deles existe
uma vontade não somente de sobreviver a um mundo intolerante, mas viver nele.
37
[...] embora realizado em grande parte por latinos, pobres e travestis que
reagiram à ferocidade da polícia, acabou se constituindo em um marco na
causa gay, tendo sido considerado como o início efetivo do movimento de
defesa dos homossexuais nos Estados Unidos e no mundo. (LEAL, 2013, p.
52)
Alguns desses marcos começaram a mostrar frutos, como uma das ações
do BSH, em 2005, de implantar mais de 30 Centros de Referência em Direitos
Humanos e Cidadania Homossexual (CRDHCH) em todas as capitais estaduais,
além de algumas cidades principais do país. O intuito dos centros era prestar
assistência jurídica, social e psicológica à comunidade LGBT.
Entretanto, duras críticas foram direcionadas ao BSH, já que os Centros
de Referência logo começaram a fechar por falta de prioridade da parte do governo
(MELLO ET AL, 2012). Assim como o BSH, o Plano Nacional LGBT também não
surtiu muito efeito. Após uma apresentação solene em Brasília, o documento saiu de
50
circulação. Não chegou sequer a ser instituído como decreto ou portaria pelo
governo, inexistindo formalmente (SOUZA, 2015).
Outro exemplo de vital importância para compreender como são tratadas
as reivindicações da comunidade LGBT é o caso do PLC 122/2006, muito conhecido
como "lei anti-homofobia". O projeto visava inibir atos discriminatórios por meio da
Lei nº 7.716 (que lida com casos de racismo, cor, etnia, religião e procedência
nacional) que se dirigissem contra orientação sexual, gênero, sexo, identidade de
gênero, idosos e pessoas com deficiência. O projeto sofreu diversas mudanças e
forte resistência oriunda da Bancada Evangélica - fato que ajudou em seu posterior
arquivamento, acontecimento revoltante para as partes que defendem a causa
LGBT e movimentos sociais.
A inclusão da criminalização das práticas LGBTfóbicas no projeto de lei
foi tão escandalosa que os outros grupos citados que também seriam inclusos, como
idosos e deficientes, dificilmente eram mencionados nos argumentos contrários ao
PLC (SENGER, 2014).
Como evidenciado nessa parte deste estudo monográfico, por mais que
existam debates, conferências diversas e projetos que visam atender as urgentes
necessidades da comunidade LGBT, o Brasil mostra-se um país extremamente
conservador ainda. Desde o começo dos anos 2000 os ganhos da população LGBT
são parcos, esse grupo minoritário ainda não goza de seus direitos básicos, embora
fique de certa forma cristalina a percepção de que esse grupo tem sido ouvido (até
certo ponto), porém suas necessidades ainda não são atendidas.
Reis & Eggert (2017) ainda afirmam que existem outros planos e leis,
alguns já citados nesse estudo monográfico, que lidam com os direitos humanos
LGBT e questões de gênero, por exemplo a Lei Maria da Penha, o Plano Nacional
de Políticas para as Mulheres e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos
Direitos Humanos de LGBT. Os referidos Planos foram desenvolvidos a partir de
Conferências específicas que passaram democraticamente por etapas municipais,
estaduais e nacionais, como também aconteceu no setor educacional, a Coneb
(2008, Conferência Nacional da Educação Básica) e Conae (2010 e 2014,
Conferências Nacionais de Educação). Ambos os documentos finais da Coneb e
Conae registram destaque para uma educação com qualidade social e que lide com
temas como gênero e orientação sexual – logo, a versão inicial do PNE (2014-2024),
fazia referência a objetivos que tinham como finalidade alcançar igualdade entre
gêneros e ao respeito à diversidade sexual existente no meio escolar.
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[...] percebe-se [...] uma aliança composta por evangélicos e católicos [...]
bem como organizações conservadores/reacionárias que defendem o que
chamam de família e costumes tradicionais, unidos em divulgar e
disseminar informações distorcidas para impedir que se alcance a equidade
entre os gêneros e o respeito à diversidade sexual [...]
Cabem, por outro lado, sérias críticas ao modo com que o tema
orientação sexual é tratado nos PCN. A autora argumenta que no documento não
existe a abertura de novas formas de conhecimento sobre a sexualidade e seu
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Na pesquisa feita por Lionço & Diniz (2009), o autor argumenta que,
embora algumas diretrizes conduzam a exclusão de estereótipos e preconceitos
contra deficientes, mulheres, negros e minorias sexuais nos livros didáticos, o
sistema de avaliação não tem tido êxito na superação do silêncio em relação as
múltiplas expressões da diversidade sexual. Segundo o autor, não bastaria tão-
somente eliminar os estereótipos, mas sim galgar em direção ao reconhecimento
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diante de seu lugar como pária social, muitas vezes surgindo, dentro dela, um
sentimento de vergonha e culpa da agressão sofrida.
É comum que os profissionais da educação não saibam como reagir
diante de agressões LGBTfóbicas entre discentes.
5 CONCLUSÃO
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