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Anemias

Introdução

A anemia é definida como processo patológico no qual a concentração de hemoglobina (Hb),


contida nos glóbulos vermelhos, encontra-se anormalmente baixa, respeitando-se as variações
segundo idade, sexo e altitude em relação ao nível do mar, em consequência de várias
situações como infecções crônicas, problemas hereditários sanguíneos, carência de um ou mais
nutrientes essenciais, necessários na formação da hemoglobina, como ácido fólico, Vitaminas
B12, B6, C e proteínas. Entretanto, não resta dúvida de que a deficiência de ferro é a
responsável pela maior parte das anemias encontradas, sendo denominada de anemia
ferropriva.

Anemia Ferropriva

As anemias ferropênicas ou deficientes em ferro são mais frequentes na clínica. O ferro faz
parte da molécula da hemoglobina, sendo que 67% do ferro total do organismo (4.000mg) é
utilizado para compor pigmento dos glóbulos vermelhos.

A deficiência do ferro é acompanhada por diminuição da hemoglobina, o que leva à


sintomatologia anêmica devido à falta de oxigenação nos tecidos. O ferro faz parte não só da
hemoglobina, como também de todas as células do organismo. As descamações diárias das
células da pele, do intestino e do trato urinário levam à perda fisiológica do ferro e é calculada
em 1 mg por dia, quantidade que é resposta pela ingestão diária de uma dieta adequada.

Incide preferentemente nas mulheres em idade fértil e em crianças, sendo mais rara nos
homens. Na anemia Ferropriva há um balanço negativo de ferro, isto é, a ingestão deste
elemento é menor do que a necessidade do organismo. Nos homens, existem 600-1.200 mg de
ferro estocado, enquanto nas mulheres esta reserva é inferior, de 100-400 mg. Daí a maior
incidência de anemia Ferropriva no sexo feminino.
Nas crianças a principal causa de anemia ferropriva é o aumento da demanda de ferro e sua
ingestão insuficiente, que ocorre mais frequentemente nos bebês em aleitamento artificial ou
após os seis meses de idade mesmo naqueles que recebem aleitamento materno.

Alguns aspectos sobre o metabolismo do ferro

O ferro pode ser encontrado sob duas formas: ferrosa (Fe++) e férrica (Fe+++) e seu conteúdo
corpóreo é de 3 a 5g, sendo que parte desempenha funções metabólicas e oxidativas (70% a
80%) e outra se encontra sob a forma de armazenamento como ferritina e hemossiderina no
fígado, baço e medula óssea (20% a 30%).

Mais de 65% do ferro corporal encontra-se na hemoglobina, cuja principal função é o


transporte de oxigênio e gás carbônico. Na hemoglobina, um átomo de ferro divalente
encontra-se no centro do núcleo tetrapirrólico (protoporfirina IX), formando-se o núcleo heme.
O ferro, portanto, é indispensável na formação da hemoglobina.

A molécula de hemoglobina é formada pela HEME e GLOBINA. Esta proteína é formada por
quatro cadeias polipeptídicas, duas cadeias a (marrom claro e marrom escuro), com 141
resíduos de aminoácidos e duas cadeias b (azul claro e azul escuro) com 146 resíduos de
aminoácidos. Cada cadeia polipeptídica contém um grupo prostético heme ao qual se liga o O2.
Este é uma porfirina que contém um átomo de ferro no centro da molécula.

Figura 1 – Estruturalmente, os quatro monômeros (a) ligam-se compondo dímeros (b) que
formam o tetrâmero (c) da hemoglobina.
Figura 2 – Estrutura química da hemoglobina, (a) estrutura HEME, (b) estrutura HEME com a
parte protéica, a GLOBINA.

Além disso, o ferro participa na composição da molécula de mioglobina do tecido muscular e


atua como cofator de reações enzimáticas no ciclo de Krebs (responsável pelo metabolismo
aeróbico dos tecidos) e na síntese das purinas, carnitina, colágeno e neurotransmissores
cerebrais. O ferro faz parte da composição das flavoproteínas e da heme proteínas catalase e
peroxidase (presentes nos eritrócitos e hepatócitos). Essas enzimas podem ser apontadas
como responsáveis pela redução do peróxido de H+ produzido no organismo

Atualmente, também pode-se estabelecer que o ferro está envolvido nas reações de conversão
do betacaroteno para a forma ativa da vitamina A, fato esse que explica, em parte, a
importante interação entre estes nutrientes.

A deficiência de ferro se instala por mecanismos diversos:

 Aumento de necessidade.
 Excesso de perda (hemorragias).
 Má absorção do ferro da alimentação.
 Dieta deficiente de ferro.
Sinais clínicos na detecção da deficiência de ferro e anemia

Foram identificados três estágios na instalação da deficiência de ferro.

O primeiro estágio - a depleção de ferro - ocorre quando o aporte de ferro é incapaz de suprir
as necessidades. Produz, inicialmente, uma redução dos depósitos, que se caracteriza por
ferritina sérica abaixo de 12µg/l, sem alterações funcionais.

Se o balanço negativo continua, instala-se a segunda fase - a eritropoese ferro deficiente -


caracterizada por diminuição do ferro sérico, saturação da transferrina abaixo de 16% e
elevação da protoporfirina eritrocitária livre. Nessa fase, pode ocorrer a diminuição da
capacidade de trabalho.

No terceiro estágio - a anemia por deficiência de ferro- a hemoglobina situa-se abaixo dos
padrões para a idade e o sexo. Caracteriza-se pelo aparecimento de microcitose e de
hipocromia.

Etiopatogenia

Entre as causas citadas, as mais frequentes são relacionadas com o excesso de perda, podendo
ser:

 Perdas menstruais: menometrorragias (mioma, fibroma uterino).


 Perdas digestivas: úlceras, câncer gastrointestinal, varizes esofágicas, parasitas
(ancilostomíases), hemorroidas, divertículos.
 Perdas cutâneas: doenças descamativas de evolução crônica levam à perda de ferro
pela pele.
 Outras perdas: epistaxes, hematúrias, hemossiderinúria.
 Má absorção do ferro da dieta: gastrectomia, esteatorréia, trânsito intestinal rápido.

A anemia Ferropriva se instala de modo lento e progressivo, desde que as perdas não sejam
agudas e abundantes. Num primeiro estádio, já citado, de depleção de ferro, os depósitos
tendem a se esvaziar. Isto pode ser observado pela diminuição do ferro contido nos macrófagos
medulares, bem como também pela redução da ferritina do plasma. Na tentativa de aumentar
o ferro circulante, há aumento da absorção deste pela mucosa intestinal.
Então, pode ser observada discreta elevação da concentração de transferrina plasmática.
Progredindo a ingestão deficiente de ferro ou excesso da perda, observamos queda do ferro
plasmático e diminuição da saturação da transferrina e da ferritina. Instala-se a eritropoese
deficiente quando, ao final, ocorrem:

 Ausência de ferro nos depósitos (medula óssea com macrófagos sem grãos de ferro).
 Grande aumento da transferrina livre.
 Grande diminuição da saturação de transferrina.
 Grande baixa de ferritina e do ferro livre no plasma.
 Ausência de sideroblastos na medula óssea.
 Aumento da protoporfirina nos eritrócitos.
 Instalação da Microcitose e da Hipocromia por diminuição da síntese de hemoglobina.

Para que se mantenha o equilíbrio, deve haver teor normal de ferro na alimentação, fato que
permite a absorção da taxa de 1mg diário. Essa taxa deve ser maior no sexo feminino, no qual,
além das perdas básicas, ocorre a perda menstrual mensal fisiológica. Portanto, a anemia
Ferropriva instala-se mais facilmente no sexo feminino quando existe deficiência de ingestão,
excesso de perdas ou, ainda, a presença de gestação.

Outro mecanismo etiopatogênico da anemia ferropriva parece ser a presença do Helicobacter


pylori na mucosa gástrica. Essa bactéria, como outras, necessita do ferro para crescer.
Portanto, ela ocorre como organismo, anexando o ferro da alimentação e com isto produz uma
carência relativa do mesmo. Indivíduos portadores de gastrite crônica devem ser estudados
quanto à presença de anemia, que, geralmente, é refratária ao tratamento habitual.

Quadro Clínico

Os sintomas são devidos à diminuição do oxigênio ao nível dos tecidos. Os sintomas gerais
como palidez, fraqueza, desânimo, anorexia, dispneia aos esforços, palpitação, taquicardia,
cefaleia, dor precordial e desmaio são de grau variável e dependem da intensidade da anemia.

Ainda no quadro clínico é importante a história de outros episódios anêmicos, resposta à


terapêutica e presença de outras patologias, como doenças sangrantes. Na anemia aguda por
perdas intensas e rápidas, a sintomatologia é intensa, mesmo com pequenas baixas da
hemoglobina, devidas a rápida diminuição da perfusão sanguínea, que não é bem tolerada. Na
anemia crônica há uma adaptação progressiva do organismo, sendo bem tolerada, mesmo com
níveis muito baixos de hemoglobina (4-5g/100mL). Em níveis mais baixos (3-4g/100mL) pode
haver sintomas neurológicos sérios devidos à hipóxia, com evolução para o coma.
Diagnóstico

A anemia ferropriva é facilmente suspeitada frente a um quadro de hipocromia e microcitose,


porém a deficiência de ferro de instalação mais precoce deve ser pesquisada mais
atentamente.

Principal característica da Anemia Ferropriva

Anemia Reticulócitos VCM HCM RDW Hematoscopia

Ferropriva Diminuído Diminuído Diminuído Elevado Microcitose e hipocromia

Tabela 1 – Principal característica da Anemia Ferropriva

Dentro dos exames disponíveis para o seu diagnóstico temos:

A. Hemograma

Os níveis de hemoglobina podem permanecer normais ou estar extremamente baixos,


dependendo da gravidade do quadro; já o Volume Corpuscular Médio (VCM) e a Concentração
de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM) estarão diminuídos, confirmando a microcitose e
hipocromia que é visualizada no esfregaço de sangue periférico. Em casos de deficiência muito
grave, pode ser vista uma poiquilocitose importante, com formas elípticas, alongadas. Os
leucócitos permanecem inalterados, tanto na contagem total quanto no diferencial, mas as
plaquetas podem estar normais ou aumentadas. A contagem de reticulócitos pode estar
normal ou discretamente diminuída, mas espera-se um pico no período do sétimo ao décimo
dia após o início da terapêutica de reposição com ferro.
Figura 3 – No quadro maior hemácias com carência de ferro e no quadro menor, hemácias
normais.

Figura 4 – Sangue periférico de paciente com anemia ferropriva grave (Hb 5,8g/dL). Nota-se
anisopoiquilocitose acentuada, dacriócitos (Os dacriócitos são células com forma de lágrima ou
gota) e esquisócitos (hemácias fragmentadas de formas estranhas), associadas a intenso grau
de hipocromia.

B. Medula Óssea
Não é necessária a realização de mielograma ou de biópsia de medula óssea para diagnosticar
a ferropenia, porém a ausência de ferro corável pelo azul da prússia (coloração de Perls) nos
macrófagos da medula óssea confirma o diagnóstico.

C. Dosagem de ferro e proteínas relacionadas.

Os níveis séricos de ferro são os primeiros a diminuir, após o consumo total do ferro de
estoque. Contudo, para confirmar a ferropenia é necessário dosar a capacidade de ligação da
transferrina (que estará aumentada, já que não há saturação dos sítios de ligação do ferro na
molécula da transferrina) e, principalmente, evidenciar a depleção dos estoques de ferro,
através da dosagem da ferritina sérica, que deverá estar abaixo de 12mg/L. Níveis baixos de
ferro associados a ferritina alta, levantam a suspeita de anemia secundária a processos
inflamatórios, afastando o diagnóstico de anemia ferropriva.

D. Receptores solúveis da transferrina

São dosados através de anticorpos monoclonais, e seu aumento evidencia uma forma mais
grave de deficiência de ferro, sendo considerados como marcadores de gravidade do quadro.

E. Protoporfirina eritrocitária livre (PEL)

A reação final na síntese do heme envolve a incorporação de ferro dentro do anel da


protoporfirina. As dosagens da PEL avaliam a quantidade de protoporfirina não incorporada à
heme, já que os valores aumentam à medida que o ferro diminui. Não é um exame específico
para o diagnóstico da deficiência de ferro, já que pode estar alterado em qualquer forma, de
defeito da síntese do heme ou da globina, porém é um excelente marcador de resposta à
terapêutica de reposição.

Tratamento

Uma vez instalada a anemia ferropriva, deve-se corrigir o déficit e repor os estoques de ferro
através do uso de ferro medicamentoso e, em caso de perda crônica de sangue, identificar e
tratar a causa. O sulfato ferroso é o sal mais bem indicado por sua boa absorção e baixo custo.

Para as crianças, a dose de ferro para o tratamento é de 3 mg ∕Kg ∕dia. Embora a melhora
clínica e a normalização das concentrações de glóbulos vermelhos e de hemoglobina ocorram
precocemente com a reposição de ferro, a dose terapêutica deve ser mantida por 3 a 4 meses
para a reposição dos estoques de ferro. Alguns cuidados devem ser tomados para maximizar a
absorção do ferro, como a sua ingestão 30 a 60 minutos antes das refeições, não diluir o
medicamento em nenhum líquido e ingerir suco de frutas cítricas após o uso do medicamento.

Para os adultos a dose terapêutica é de 60mg de ferro elementar, o que corresponde a um


comprimido de 300mg de sulfato ferroso.

O sulfato ferroso pode trazer alguns inconvenientes com o seu uso como náuseas, indigestão,
constipação e diarréia que, em geral, são proporcionais a quantidade de ferro ingerida. Pode-se
tentar solucionar esse problema através de um aumento gradativo das doses e do
escalonamento nas doses ao longo do dia. Caso essas medidas não resolvam, pode-se
substituir o sulfato ferroso pelo gliconato ferroso, entretanto, devido ao seu menor conteúdo
de ferro elementar exige um tratamento mais prolongado.

Conclusão
As anemias representam um quadro clínico importante pois estão associadas a inúmeras
etiologias como demonstram os estudos sobre o tema. Entre as etiologias primárias
encontram-se as carências nutricionais, que afetam grande parte da população, em particular
as crianças, que necessitam de um aporte de elementos essenciais como o ferro, a
cianocobalamina e o ácido fólico, para o desenvolvimento orgânico. Em indivíduos adultos a
necessidade destes elementos permanece, por serem fundamentais para a produção celular. A
carência de ferro, que resulta em anemia ferropriva, apresenta uma alta prevalência entre as
mulheres, em função do ciclo menstrual, onde ocorre uma perda mensal de ferro, e da
gestação, que aumenta a necessidade deste elemento, este quadro anêmico também é
secundário em processos hemorrágicos crônicos e agudos.

Referências Bibliográficas

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