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APRENDIZAGEM DOCENTE: UM DIÁLOGO ENTRE A APRENDIZAGEM

SIGNIFICATIVA E AFETIVA NO ÂMBITO DA FORMAÇÃO INICIAL DE


PROFESSORES DE FÍSICA

Fernanda Cátia Bozelli1


Adriana Bortoletto2
Eder Pires de Camargo3
1, 2, 3
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia, Departamento de Física e Química, Ilha Solteira,
Brasil. ferboz@dfq.feis.unesp.br; adribortto@dfq.feis.unesp.br; camargoep@dfq.feis.unesp.br
Apoio: 1CAPES/PROCAD
Resumo
A discussão acerca da formação de professores pode ser feita em diversos âmbitos, pois se trata de um campo
amplo e complexo ao mesmo tempo, uma vez que envolve os mais diversos interesses de investigação. Nesse
caso, nosso interesse de investigação está no âmbito da formação inicial de professores de Física, quando da
realização do estágio supervisionado. O presente trabalho apresenta discussão que envolve a experiência docente
proporcionada pela realização do estágio supervisionado por licenciandos de Física, do curso de Licenciatura em
Física, da Universidade Estadual Paulista, campus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. Partimos do princípio de
que estar em contato com o lócus prioritário do exercício profissional da docência proporciona aprendizagens
diretamente ligadas ao nível cognitivo e afetivo. Dessa forma, a questão orientadora do trabalho é: O que
narrativas de futuros professores de Física, em situação de estágio supervisionado, revelam acerca da
aprendizagem docente? As narrativas revelam que a aprendizagem afetiva estava presente nas reflexões dos
licenciandos e perpassaram por experiências como prazer, satisfação ou descontentamento, ansiedade, medos.
Mais do que a satisfação em termos da aprendizagem cognitiva dos alunos, os licenciandos demarcam
sentimentos, os quais podem influenciar o processo de aprendizagem docente do futuro professor.

Palavras-chave: Formação inicial de professores de Física; Estágio Supervisionado; Aprendizagem


significativa; Aprendizagem afetiva; Narrativas.

Introdução
A discussão acerca da formação de professores pode ser feita em diversos âmbitos, pois se
trata de um campo amplo e complexo ao mesmo tempo, uma vez que envolve os mais diversos
interesses de investigação. Ao mesmo tempo, investigar aspectos da formação e atuação docente se faz
mais do que nunca atual, visto que a reflexão a respeito desse processo nos dias atuais está marcada
por mudanças significativas na sociedade e na crise do modelo moderno de educação escolar
(TEDESCO, 2008).
Contudo, quando se fala sobre formação de professores esta pode se dar no âmbito da
formação inicial, da formação continuada ou da formação em serviço. Nesse trabalho, a formação está
situada na formação inicial de professores de Física. O presente trabalho surgiu como resultado da
disciplina de Estágio Supervisionado I que compõe a grade curricular do curso de Licenciatura em
Física, da Universidade Estadual Paulista, campus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. O Estágio
Supervisionado I tem o intuito de fornecer um primeiro contato do licenciando com a unidade escolar
e sala de aula por meio do conhecimento da estrutura física e organizacional da escola, da realização
da observação e acompanhamento do professor em atividades desenvolvidas durante a disciplina, bem
como por meio do oferecimento de monitoria aos alunos da unidade escolar no contra-turno das aulas.
Por meio desse estágio, o licenciando tem a possibilidade de conhecer a realidade a qual futuramente
estará inserido, de forma que ele possa visualizar os agentes que compõe o ambiente escolar, mais
precisamente aqueles que estão inseridos no cotidiano da sala de aula, o professor, o aluno, bem como
os diversos saberes que compõem a prática docente. Ou seja, considera-se o estágio “como um espaço
privilegiado de questionamento e investigação” (PIMENTA E LIMA, 2004, p. 112).
Os licenciandos podem vivenciar e experienciar o dia a dia do exercício da docência nas suas
diferentes frentes de atuação no exercício profissional, colocar em xeque suas concepções de
professor, de alunos, do processo de ensino e aprendizagem, etc. Diante da realização do Estágio
Supervisionado espera-se que o licenciando, o qual é o futuro professor, possa colocar em reflexão
todo o processo de ser e fazer-se professor. Ao mesmo tempo, esse processo é acompanhado pelo
professor orientador da disciplina de Estágio Supervisionado I, na Universidade, o qual busca por
meio da escrita de narrativas acompanhar esse processo de formação do licenciando. Ainda, partimos
do pressuposto de que o estágio é um espaço de muita aprendizagem, pois o licenciando pode fazer
uma relação entre a teoria estudada no contexto da Universidade e levar para o contexto escolar, já que
há, conforme Pimenta e Lima (2004, p. 41) “a necessidade de explicitar por que o estágio é teoria e
prática (e não teoria ou prática)”. Com as análises e reflexões realizadas sobre essa experiência, o
estagiário poderá futuramente aprimorar a sua prática.
Mas porque devemos narrar às experiências vivenciadas? O que elas proporcionam? Assim
como Delory-Momberger (2008, p. 36) entendemos que, “quando queremos nos apropriar de nossa
vida, nós a narramos”. Nesse sentido, pesquisadores, tanto no cenário nacional (SOUZA e
ABRAHÃO, 2006; NACARATO, 2008) quanto no internacional (CONNELLY e CLANDININ, 1995;
LARROSA, 1998;) têm se apropriado desse instrumento para compreender o campo da formação
docente e da docência. Marquesin e Nacarato (2011, p. 55) como formadoras, têm constatado que,
“cada vez mais, as narrativas têm se tornado ferramentas centrais aos processos de formação”. Larrosa
(1998) destaca o fato de que quando contamos, narramos nossas histórias e experiências para outras
pessoas, seja sob a forma escrita ou oral, estas deixam de ser somente nossas e passam a ser, a fazer
parte da vida de outras pessoas. Assim, o que era nosso passa a se misturar no tempo e no espaço com
o dos outros.

O aspecto principal da abordagem sociocultural através da narrativa está na


compreensão de que se está vivendo em um contínuo contexto experiencial, social e
cultural, ao mesmo tempo em que contamos nossas histórias, refletimos sobre nossas
vivências, explicitando a todos nossos pensamentos, através de nossas vozes
(BOLZAN, 2002, p. 75).

Para Galvão (2005), no processo da narrativa podem-se identificar pelo menos cinco níveis
de representação da experiência vivida: “[...] dar sentido, contar, transcrever, analisar e ler. E poder-se-
ia, ainda, acrescentar interpretar, uma vez que quem lê, necessariamente dá um novo sentido ao texto,
de acordo com suas vivências e referências” (p. 332). Ao mesmo tempo, partimos do princípio de que
estar em contato com o lócus prioritário do exercício profissional da docência proporciona
aprendizagens que estão diretamente ligada ao nível cognitivo, mas que possuem relação direta com o
afetivo. Dessa forma, a questão orientadora do trabalho é: O que narrativas de futuros professores de
Física, em situação de estágio supervisionado, revelam acerca da aprendizagem docente? De acordo
com Moreira (1999), as experiências afetivas podem acompanhar as cognitivas. É nesse sentido que o
presente trabalho se justifica ao trazer para análise e discussão narrativas de futuros professores de
Física com relação às experiências vivenciadas por meio da participação dos mesmos no estágio
supervisionado.

Narrativa como atribuição de sentidos as experiências


Segundo Clandinin (1993), o professor, ao narrar suas experiências aos outros, ou até mesmo
no ato de escrever as narrativas; ensina e aprende. Aprende, porque, ao narrar, organiza suas idéias,
sistematiza suas experiências, produz sentido a elas e, portanto, novos aprendizados para si. Ensina,
porque o outro, diante das narrativas e dos saberes de experiências do colega, pode (re)significar seus
próprios saberes e experiências. Ainda,

quando nós ouvimos as histórias dos outros e contamos a nossa própria, nós
aprendemos a dar sentido às nossas práticas pedagógicas como expressões do nosso
conhecimento prático pessoal, que é o conhecimento experiencial que estava
incorporado em nós como pessoas e foi representado em nossas práticas
pedagógicas e em nossas vidas. (CLANDININ, 1993, p. 1)

Dessa maneira, em diálogo com pesquisadores de diferentes áreas, (antropologia, psiquiatria,


psicologia) Connelly e Clandinin (1995) apontaram a pesquisa por meio de narrativas “como uma
forma de compreender a experiência”, afirmando ser a mesma uma “colaboração entre pesquisador e
participantes, sobre um tempo, um lugar ou uma série de locais, e interações sociais com o seu meio”
(p. 20).

Aprendizagem significativa: diálogo entre o cognitivo e o afetivo


Geralmente vemos a abordagem da teoria da aprendizagem significativa ser realizada
basicamente do ponto de vista cognitivo. Contudo, parte-se do princípio de que o ser humano não é só
cognição. Ou seja, todos os seres humanos, pensam, sentem e agem. É nesse sentido então que a
aprendizagem significativa passa a ser vista sob a perspectiva humanista.
A aprendizagem pode ser compreendida por meio de três tipos: a cognitiva, a afetiva e a
psicomotora. Quando se fala em aprendizagem cognitiva significa pensar naquela que resulta “no
armazenamento organizado de informações na mente do ser que aprende, e esse complexo organizado
é conhecido como estrutura cognitiva” (MOREIRA, 1999, p. 152). Já a aprendizagem afetiva está
relacionada a sinais interno do indivíduo e pode ser identificada por meio de experiências como
prazer, dor, satisfação ou descontentamento, alegria ou ansiedade. No que diz respeito a aprendizagem
psicomotora, esta compreende “as respostas musculares adquiridas por meio de treino e prática” (p.
152). Contudo, a aprendizagem que Ausubel focaliza é a cognitiva e, por isso, ficou conhecido como
representante do cognitivismo, preocupando-se com aspectos que envolvem o processo de
aprendizagem. Ausubel, ao explicitar as condições para a aprendizagem significativa (1968, pp. 37 e
38), de certa forma leva em consideração o lado afetivo da questão quando aponta que a aprendizagem
significativa requer não só que o material de aprendizagem seja potencialmente significativo (i.e.,
relacionável à estrutura cognitiva de maneira não-arbitrária e não-literal), mas também que o aprendiz
manifeste uma disposição para relacionar o novo material de modo substantivo e não-arbitrário a sua
estrutura de conhecimento (MOREIRA, CABALLERO E RODRÍGUEZ, 1997). Caso contrário, a
aprendizagem será mecânica. Nesse caso, Novak é quem, de fato, agrega esse valor humanista a
aprendizagem significativa e cria a sua chamada Teoria da Educação. “A aprendizagem significativa
subjaz à integração construtiva entre pensamento, sentimento e ação que conduz ao engrandecimento
(“empowerment”) humano” (MOREIRA, CABALLERO E RODRÍGUEZ, 1997, p. 12).
Nessa teoria, o processo de aprendizagem passa por considerar que as pessoas pensam,
sentem e agem e deve ajudar a explicar com se pode melhorar as maneiras por meio das quais as
pessoas fazem isso. Ou seja, qualquer evento educativo é, de acordo com Novak, uma ação para trocar
significados (pensar) e sentimentos. É uma experiência afetiva. A predisposição para aprender,
colocada por Ausubel como uma das condições para a aprendizagem significativa, está, para Novak,
intimamente relacionada com a experiência afetiva que o aprendiz tem no evento educativo. Ou seja, a
“aprendizagem significativa subjaz a construção do conhecimento humano e o faz integrando
positivamente pensamentos, sentimentos e ações, conduzindo ao engrandecimento pessoal”
(MOREIRA, CABALLERO E RODRÍGUEZ, 1997, p. 14).

Metodologia
O presente estudo ocorreu no âmbito da disciplina de Estágio Supervisionado I de um curso de
Licenciatura em Física, da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil.
A disciplina de Estágio Supervisionado I é composta de 195 horas e está organizada da seguinte
forma: 60 horas de aula teórica presencial na Universidade. Durante as aulas teóricas são realizados
seminários, leituras de textos e discussão, análise de narrativas, etc; 10 horas de conhecimento da
estrutura física e organizacional da escola; 30 horas de acompanhamento do efetivo exercício da
docência junto ao professor supervisor (Observação); 20 horas de monitoria de Física para alunos da
turma acompanhada; 20 horas de realização de Projetos, os quais podem se dar por meio de: i) Projeto
de ensino em sala de aula junto com o professor supervisor na mesma turma do estágio de observação
ou em outro horário da escola (máximo 08 horas); ii) Acompanhamento do efetivo exercício da
docência na Educação de Jovens e Adultos, Universidade Aberta a Terceira Idade (UNATI) desde que
não seja a turma de acompanhamento de observação (máximo de 10 horas); iii) Conhecimento de
espaços de educação não formal e informal desde que envolvam a área de Física/Ensino de Física e
sejam devidamente comprovadas (Feiras de Ciências; Planetários e Observatórios, etc) (máximo 06
horas); iv) Projeto e desenvolvimento de instrumentação para o ensino de Física e aplicação no
laboratório didático de Física da escola (máximo 10 horas); 20 horas de planejamentos relacionados ao
estágio: Planos de ensino de projetos de ensino desenvolvidos em sala de aula junto com o professor
supervisor; Planos de ensino de aulas experimentais; Planos de ensino de monitorias, os quais devem
seguir o Modelo entregue pela professora e constarem no Relatório Final; 30 horas de escrita e análise
das narrativas de observação, de monitoria e de acompanhamento do efetivo exercício da docência.
Dessa forma, toda a vivência proporcionada pelo estágio quando este está em contato com a
unidade escolar, seja em situação de estágio de observação, monitoria, projetos, etc, é narrada. As
narrativas são discutidas na Universidade com base na vivência do licenciando e relacionando-as as
leituras teóricas realizadas no decorrer da disciplina. Dessa forma, todos os futuros professores, a cada
ação no ambiente escolar, redigiam narrativas para posterior reflexão sobre as vivências, de modo que
estas pudessem tornar-se experiências. Desse modo, a escola, nesse caso, é entendida como o lócus de
formação, e a produção de narrativas, como forma de reflexão e de organização da experiência.
Sabemos que, não faz parte do cotidiano de trabalho da maioria das pessoas, registrar, sistematizar e
refletir sobre suas experiências, muito menos dos professores, o que torna essa discussão ainda mais
pertinente.

Análise das narrativas


São trazidas duas narrativas1 escritas pelos licenciandos buscando compreender e analisar a
experiência docente vivenciada por eles. Ambas as narrativas são analisadas destacando passagens que
demarcam a relação pensamento, sentimento e ação diante da aprendizagem da docência.
Narrativa 1
[...] preparamos um plano de aula. Após algumas modificações, o plano continha dois
objetivos: Ensinar aos alunos os conceitos de Calor e Temperatura. Os alunos pareciam
empolgados com a ideia, principalmente por muitos carregarem dependência de outros anos em
Física. De maneira geral, a maior reclamação fora por conta do horário, pois muitos alunos
trabalham outros fazem curso técnico e não poderiam frequentar. Alguns insistiram bastante
para que a monitoria fosse ofertada outro período, ou até aos fins de semana. Isso, a priori,
foi bastante animador. Pois bem, a monitoria fora marcada: Terça feira dia 5 de maio, sala de
informática da escola, das 14h às 16h. Para meu alívio e frustração apenas um aluno
compareceu. Alívio, pois eu estava realmente nervosa. Sentindo-me insegura e despreparada.
Frustração por esperar maior interesse da parte dos alunos pelo que estávamos oferecendo.
[...] Enquanto faço o plano, imagino-me na sala de aula iniciando com um diálogo, perguntas,
respostas. Os alunos sendo capazes de identificar, solucionar problemas entre outras
expectativas. Às vezes sinto que espero demais, mas ao mesmo tempo vejo que não faz sentido
eu me conformar com a situação, aceitar o fracasso principalmente estando na condição de
iniciante à docência. Mas é difícil manter-se otimista quando tudo cai por terra logo nos
primeiros minutos. A mera tentativa de iniciar um diálogo e ver o quanto a maioria dos alunos
estão completamente alheios a sua presença . Iniciamos a monitoria às 14h. Havia um aluno.
Fiquei contente com a presença dele. No início, eu estava bastante tímida e insegura , então
meu colega acabou assumindo a monitoria nos primeiros minutos. Pediu ao aluno que
respondesse um questionário no computador. Depois iniciamos a leitura do texto selecionado.
Dividimos. Cada um leria uma parte. A cada parágrafo que líamos, pausávamos e
perguntávamos se ele estava entendendo. Ele dizia que sim. Contudo, chegada sua vez de ler
ele apresentou dificuldades na leitura, e ao pedirmos para que ele explicasse o que havia
acabado de ler, percebemos ainda maior dificuldade de interpretação. Lemos novamente,
explicamos. Recorremos à lousa, trouxemos exemplos mais táteis para que ele pudesse tentar
compreender o que estávamos querendo dizer. Ainda assim, não obtivemos sucesso. Recorri à
internet. Procurei vídeos que pudessem explicar de forma mais clara, ou animações. Ainda
assim, quando o indagávamos ele não conseguia responder. Pedimos para que ele respondesse
o questionário novamente. Deixamos que ele consultasse o texto e mesmo assim ele não
conseguia responder. Então notei que além de tudo, ele tinha dificuldade na escrita e em
expressar-se. Às vezes, enquanto eu estava explicando algo, ele completava minhas frases,
então, agora, após refletir muito sobre o assunto, penso que ele possa ter tido uma evolução
sim, mas a carência de outras habilidades, como a leitura, a interpretação e a escrita, pode ter
mascarado isso, fazendo que passada às duas horas, ao finalizarmos a monitoria, ficamos com
aquele sentimento de fracasso. Indagando-nos do que teríamos feito de errado, e como sempre,
terceirizar a culpa acaba diminuindo o fardo, e acabamos por atribuirás dificuldades do
garoto a alguma patologia cognitiva . Agora, com mais clareza posso perceber que houve
evolução e que é mais fácil às vezes culpar alguém do que voltar para o próprio método,
analisá-lo, perceber se houve falhas e principalmente, repará-las. Desta forma, acredito que
uma parte falha tenha sido a escolha do texto, ou até mesmo a maneira como fora efetuada a
leitura. Por mais simples que parecia, eu sei que havia palavras que talvez o aluno não
conhecesse, e acredito que seja impossível alguém imaginar ou explicar algo se ela não
consegue entender por inteiro o que tal texto diz. Deste modo, me atentarei mais na escolha
dos futuros textos, e se for preciso, pausar a leitura ainda mais e explicar minuciosamente o
significado de palavras que possam ser desconhecidas pelos alunos. Por fim, o que ficou desta
experiência, pode ser óbvio, mas difícil de aceitar é que o ensinar física está além de apenas
ensinar física. Devo identificar a dificuldade do meu aluno, e infelizmente dar o suporte que
ele necessita. Seja ajudá-lo com a leitura, a escrita, a interpretação, a matemática. Aspectos
que não são da minha competência, mas se desejo de fato que ele aprenda, devo assumir essa

1
A escrita das narrativas está de acordo com a forma entregue pelo licenciando. Não passaram por revisão.
responsabilidade. Talvez seja demais, mas extremamente necessário para poder sair da sala de
aula em paz.

Percebe-se que o licenciando se impõe dois objetivos básicos: ensinar o conceito de calor e o
conceito de temperatura. É possível verificar as expectativas quanto a sua atuação e o comportamento
dos alunos, o que acaba aumentando sobre si o nervosismo e a insegurança. O licenciando se depara
com expectativas não correspondidas, sentimento de fracasso e o processo de assumir, dividir ou
terceirizar a culpa. Essa narrativa evidencia ou demonstra o que aponta Moreira (1999, p. 170, 171) ao
ressaltar que, o evento educativo é uma troca de sentimentos, ou seja, “um evento educativo é também
acompanhado de uma experiência afetiva [...] pensamentos, sentimentos e ações estão interligados,
positiva ou negativamente”. Ao perceber as dificuldades do aluno o primeiro passo do futuro professor
é assumir a culpa, dividi-la ou terceirizá-la. No caso da narrativa, sente-se que o futuro docente
assume a culpa, levantando possibilidades de assumir competências que não são de sua obrigação,
para, segundo ele, “poder sair da sala de aula em paz”. Para os futuros docentes é necessário refletir
até onde vai à aceitação da licitude de não conseguir ensinar. Perguntamo-nos se, com essa nova
preocupação de se responsabilizar por outras competências, o futuro docente não estaria colocando em
perigo sua saúde mental, extrapolando a própria capacidade e tencionando sua saúde emocional. Pois,
se o futuro docente está se dedicando além de sua competência na intenção de sair da sala de aula em
paz consigo mesmo, com o sentimento de dever cumprido, qual será a sua reação, caso mesmo com
toda essa dedicação, ele não tiver essa sensação?

Narrativa 2
Chegado o dia, fiquei com medo de não vir nenhum aluno , o que talvez não seria nenhuma
surpresa, mas o contrário ocorreu, três alunos os quais não eram os que mais demonstravam
interesse nas aulas compareceram a monitoria. O planejamento para esta aula já estava feito a
um bom tempo, porém como havia várias listas a serem resolvidas e eles estavam com dúvidas
de como foi a prova, resolvi aplicar o planejado junto com resolução de exercícios. A
monitoria foi basicamente sobre a lei de Coulomb [...]Debati a teoria com eles e fui buscando
montar a lei de Coulomb tentando usar as mesmas analogias feitas pelo xxxxxx [professor da
turma], porém dei muita ênfase a física e busquei fazer tudo com mais calma.
Surpreendentemente chegamos juntos a informação de que a intensidade da força elétrica tem
que ser proporcional à distância dos corpos de interação. Foi um momento muito especial,
pois sei que não é fácil para muitos alunos chegarem a esta conclusão. Segui em um ritmo
lento e pausado até chegar na lei de Coulomb, não senti forte aceitação pela equação, mas ao
menos vi que os alunos prestavam atenção e as vezes até faziam perguntas. Na segunda parte
da monitoria, dediquei a exercícios da lista e um da prova que eles fizeram dias atrás. Nessa
parte fica obvia a dificuldade com a matemática. Sendo assim a aula foi mais de como usar a
matemática do que como interpretar a física. Mas não fico frustrado , pois sei que entender um
pouco da matemática já é um bom passo para tentar compreender a física e os futuros
problemas que irão surgir. Ao final da monitoria, os alunos me agradeceram, disseram que
gostaram e me perguntaram se sempre teria. Diante da minha resposta afirmativa, se
mostraram animados e prometeram comparecer sempre que possível. Essas falas são sempre
muito gratificantes para mim.

Nessa narrativa é possível perceber o sentimento de medo. É implícito que o medo carrega as
mesmas angústias da primeira narrativa. O medo traz o temor do fracasso, da possibilidade de não
dominar o conteúdo tão bem quanto supõe que deveria, do nervosismo, da insegurança, da expectativa
não correspondida. Isso se revela na narrativa ao discorrer sobre a construção da compreensão da Lei
de Coulomb, ao não deixar claro como foi feito o tratamento da questão de proporcionalidade da
relação entre Força e distância, a qual fica expressa na narrativa apenas como “proporcionalidade”,
sem entrar no mérito da relação se direta ou inversamente.
Antevendo dificuldades, o futuro docente já se prepara para passar o conteúdo em ritmo
lento e pausado, o que é possível aumentar, consideravelmente, o entendimento da matemática por
parte do aluno. A surpresa, o momento em que o medo é superado, o plano de aula se mostra efetivo, e
o aluno se enuncia satisfeito e o futuro docente se percebe em paz. A narrativa oportuniza perceber um
momento de interligação entre a dimensão cognitiva do processo de aprendizagem ao considerar o
nível conceitual do conteúdo trabalhado, mas também uma dimensão afetiva, conforme passagens
indicadas no corpo da narrativa.

Algumas considerações
Por meio da análise das narrativas foi possível verificar que, o futuro professor em contato com a
experiência de estágio, ao ter que ministrar aulas de Física, pode se deparar com alunos com
dificuldades não só do conteúdo de Física, mas também de outras áreas do conhecimento como
matemática e língua portuguesa. As narrativas também evidenciam que a aprendizagem significativa
da docência não está desvinculada da aprendizagem afetiva. Verificamos, por meio das narrativas, que
a aprendizagem afetiva está relacionada a sinais internos do indivíduo, as quais perpassaram por
experiências como prazer, satisfação ou descontentamento, ansiedade, medos, frustações. Mais do que
a satisfação em termos da aprendizagem cognitiva dos alunos, os licenciandos demarcam nas
narrativas seus sentimentos. Isso mostra o quanto é relevante o trabalho realizado em termos de
orientação no âmbito dos estágios curriculares quanto a formação do futuro professor, uma vez que a
aprendizagem significativa da docência está intimamente relacionada a aprendizagem afetiva e esta
pode ser decisiva no processo de constituição do futuro professor.

Referências
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