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PORTÁTIL DE MÚSICA
Resumo:
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Quando bandolins, cavaquinhos e violões começam a tocar, recordações e
sensações circulam na memória humana. São lembranças que não estão na palavra,
mas no dedilhar de cordas do instrumento que chora o tempo passado, presente e
futuro.
Introdução
Na mitologia grega, a música começou com a morte dos Titãs. Conta-se que foi
solicitado a Zeus a criação de divindades capazes de cantar as vitórias dos Olímpicos. Zeus
deitou-se com Mnemosina, a deusa da memória, e desse encontro nasceram as nove
Musas. Entre as Musas estavam Euterpe (a música) e Aede, (o canto). Mnemosine,
protetora das artes e da história, possibilitava aos poetas lembrar o passado e transmiti-lo
aos mortais. A memória e a imaginação têm a mesma origem: lembrar e inventar têm
ligações profundas. Diversos povos têm um deus ou algum tipo de representação
mitológica ligado à música. Para os egípcios, por exemplo, a música teria sido inventada
por Tot ou por Osíris; para os hindus, por Brama; para os judeus, por Jubal e assim por
diante, o que prova que a música é algo intrínseco à historia do ser humano sobre a Terra e
uma de suas manifestações mais antigas e importantes.
Já a origem não-mitológica da música divide-se na expressão de sentimentos
através da voz humana e no fenômeno natural do soar em conjunto de duas ou mais vozes;
a primeira seria a raiz da música vocal; a segunda, a raiz da música instrumental. A música
seria então a capacidade que consiste em saber expressar sentimentos através de sons
artisticamente combinados ou a ciência que pertence aos domínios da acústica,
modificando-se esteticamente de cultura para cultura.
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Sobre a importância sociocultural do fenômeno musical para a interpretação de
aspectos da cultura brasileira, Hermano Vianna (1995:33) escreveu recentemente sobre a
expressão da música popular na obra de grandes intérpretes do Brasil:
Chorando o Passado
Para falar sobre a construção de identidades culturais, lembrarei aqui alguns
conceitos sobre memória de Maurice Halbwachs (1990). A memória é uma construção feita
das vivências/experiências ocorridas no passado a partir do presente. Para ele, mesmo a
memória individual remete a um grupo. Nossas lembranças são construídas e alimentadas
das diversas memórias oferecidas pelo grupo, a que o autor chama de 'comunidade afetiva'.
Assim, a memória coletiva garante o sentimento de identidade do indivíduo calcado numa
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Sobre o tema, ver Stuart Hall, Identidade Cultural na Pós-Modernidade, em especial os caps. 1 e 4. Sobre
as transformações sociais no capitalismo, ver Anthony Giddens, As Conseqüências da Modernidade.
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memória compartilhada. Outro aspecto acerca da memória é a sua relação com os lugares.
Estes são uma referência importante para a construção das memórias individual e coletiva.
Ou seja, as mudanças ocorridas nesses lugares causam mudanças importantes na vida e na
memória dos grupos.
De certa forma, esses elementos constitutivos da memória, vividos pessoalmente ou
por tabela (Halbwacks) é que configuram a sensação de pertencimento ou ainda ocorre um
fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que se pode
falar numa memória quase herdada. É importante lembrar também que a memória é um
objeto de luta pelo poder entre classes, grupos e indivíduos. O que deve ser lembrado ou
esquecido integra os mecanismos de controle de um grupo sobre o outro.
(...) os diferentes elementos que formam um indivíduo são
efetivamente unificados (...) Podemos, portanto dizer, que a
memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade,
tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um
fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de
coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.
(POLLACK, 1992).
Para Michael Pollak (1992: 204,) o conceito de identidades coletivas está ligado a
todos os investimentos e trabalhos que um grupo deve realizar ao longo de um tempo que o
desperta para um sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou grupo em
sua reconstrução, para si e para os outros, sendo este último essencial para a construção da
identidade, pois, como afirma "ninguém pode construir uma auto imagem isenta de
mudanças, de negociação, de transformação em função dos outros". Como assinala o autor,
“Esse último elemento da memória – a sua organização em função das preocupações
pessoais e políticas do momento – mostra que a memória é um fenômeno construído”.
É com base nestas conceituações que este estudo lançou seu olhar sobre a
experiência vivenciada pela Escola Portátil de Música (EPM), conhecida como “Escola de
Choro”. A EPM, com sua destacada atividade de educação musical, profissionalização de
jovens músicos, recuperação de acervos e formação de platéia, se constituiu como
construtora de uma preciosa memória sobre o choro no Rio de Janeiro.
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Breve história do choro
Dizer que a música popular feita no Brasil é caracterizada por sua riqueza é
essencial para defini-la. A história da música popular do Brasil acontece quando do
encontro entre a música dos jesuítas e a música dos indígenas. Ela se tornaria mais forte no
final do século XVII, com o lundu e a modinha, de cunho intimista, amoroso e sentimental.
Já no século XIX surge o choro e os conjuntos de chorões — nome que se dá aos músicos
que integram os conjuntos de choro — que adaptam formas musicais européias ao gosto
brasileiro.
O choro acabou por tornar-se o gênero mais representativo da música brasileira por
seu caráter de elo entre diversos segmentos sociais e estéticos que persiste até hoje. Pode-
se pensar o choro como uma síntese primordialmente instrumental de toda uma história
musical brasileira.
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Escola Portátil de Música (EPM)
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Durante o curso, os alunos mais capacitados passam a desempenhar a função de monitores
na implementação de novos núcleos do projeto, criando assim oportunidades de inserção
para jovens músicos no mercado de trabalho.
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negociação direta com outros. Vale dizer que memória e identidade
podem perfeitamente ser negociadas, e não são fenômenos que
devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um
grupo.(POLLACK, 1992, p.200-212).
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vivo, toda sexta-feira, às 17horas, pela Rádio Nacional; a feirinha da Rua General Glicério,
no bairro de Laranjeiras, onde há quase uma década se apresenta o grupo ‘Choro na Feira’.
É lá que, aos sábados, o conhecido Luizinho, maior distribuidor de CDs autônomo da
cidade, vende raros discos de samba e choro. Como lugar de memória podemos citar ainda:
‘Movimento Artístico da Praia Vermelha’, que acontece às segundas, quartas e sextas-feiras
no calçadão da Praia Vermelha, no bairro da Urca; o projeto de educação musical ‘Canto
pra Viver’, na Tijuca; o ‘Choro na Praça’, em Niterói; o ‘Comuna do Semente’, no Bar
Semente, na Lapa, o site Agenda do Samba-Choro, entre outros.
Dia do choro
Nesse “boom” das identidades, a memória existe enquanto for importante para o
grupo. E as datas fazem com que essa memória esteja sempre viva, alimentando o grupo.
Cada data comemorativa representa o nascimento, assim como os aniversários. Para que a
memória seja re-significada, o grupo cria datas para atualizar essa memória (POLLAK,
1992, pág 3). O dia 23 de abril foi escolhido como o Dia Nacional do Choro, por ser a
data de nascimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha. Proposto pelo
senador Artur da Távola, o decreto que criou o Dia Nacional do Choro foi aprovado pelo
ex-presidente FHC em setembro de 2000 e teve a intenção de fixar a data pelo país.
Considerações Finais:
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O choro sempre esteve em estado de ressurgimento e renovação. Durante os anos
de 1950 e 1960, perdeu força, mas reapareceu na década seguinte marcada pelo impulso
dos festivais. Nessa época, realizou-se o primeiro Seminário Brasileiro de Música
Instrumental, na cidade de Ouro Preto (MG). Atualmente, iniciativas individuais de
divulgação e preservação fazem com que cada vez mais jovens se interessem em conhecer
o choro. Nesse cenário de fortalecimento e de preservação do gênero é importante
ressaltar o papel da Acari Records, gravadora criada em 1999, por Luciana Rabello e
Maurício Carrilho, e a única no Brasil especializada em choro, que vem realizando um
importante trabalho de divulgação dos chorões do passado.
Considerando que o choro é uma tradição secular vale salientar que o gênero sempre
viveu momentos de efervescência e ostracismo e resiste até hoje.
“O choro sempre foi estudado, preservado e respeitado desde a sua criação. Embora
tenha passado por momentos de ostracismo, nunca deixou de ser admirado pelas novas
gerações e cultivado pelos grandes chorões”.2
Referências Bibliográficas:
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Entrevista com Maurício Carrilho concedida à pesquisadora para a pesquisa Cadeia Produtiva da Música,
coordenada por Micael Herschmann. RJ, Julho, 2005.
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AGENDA SAMBA-CHORO [ 28/06/2005. www.samba-choro.com.br]
BARBOSA, Marialva. Tempo e Memória: Dois arcabouços do sentido. Rio de Janeiro, 2005.
CARRILHO, Maurício. Entrevista para a pesquisa Cadeia Produtiva da Música, coordenada por Micael
Herschmann. RJ, Julho, 2005.
CAZES, Henrique. Choro do quintal ao municipal. São Paulo: Editora 34,1998.
COUTINHO, Eduardo Granja. Velhas histórias, memórias futuras. Ed. UERJ. RJ, 2002.
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HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
INSTITUTO JACOB DO BANDOLIM. [ 01/07/2005. www.ijb.com.br/]
NORA, Pierre. Les lieux de mémoire, Paris, Gallimard, 1985.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 2, n.3,
1989, p. 3-15.
_______________ Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 5, n.10, 1992,
p.200-212.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular. Ed. Vozes LTDA, Petrópolis, 1978.
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/ Zahar, 2002.
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