P o r t u g u ê s • E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o

A matemática: uma
catalisadora da fé?
Pedro: lições da vida
desse homem e de sua
primeira mensagem
Vícios comportamentais:
os perigos escondidos
Relacionamentos
saudáveis em um mundo
louco por sexo

2-3
Vo l u m e 2 8
 CO NTE Ú DO
REPRESENTANTES REGIONAIS

ARTIGOS SEÇÕES
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - ORIENTAL
P.O. Private Bag 00503 Mbagathi, Nairobi, QUÊNIA
Andrew Mutero muteroa@ecd.adventist.org
Magulilo Mwakalonge

5 A matemática: uma
mwakalongem@ecd.adventist.org
3 EDITORIAL
DIVISÃO EURO -ASIÁTICA catalisadora da fé? A Espera com Esperança
Krasnoyarskaya Street 3, 107589 Moscou, RÚSSIA
Vladimir Tkachuk vtkachuk@ead-sda.ru
Uma série de características da Hudson E. Kibuuka
Kasap Gennady gkasap@ead-sda.ru matemática e a sua relação com
DIVISÃO INTER AMERICANA
as ciências estão em harmonia 20 PERFIL
P.O. Box 830518, Miami, FL 33283-0518, E.U.A. com a revelação de Deus nas Benjamin Paulo Paiva
Gamaliel Florez florezga@interamerica.org Escrituras. Isso pode servir como Entrevista de Hudson E.
Al Powell powellal@interamerica.org
um catalisador da fé? Kibuuka
DIVISÃO INTEREUROPEIA Anthony Bosman
Schosshaldenstrasse 17, 3006 Bern, SUÍÇA 23 PONTO DE VISTA
Marius Munteanu A Sua Graça é Suficiente
marius.munteanu@eud.adventist.org
Stephan Sigg stephan.sigg@eud.adventist.org
DIVISÃO NORTE-AMERICANA
12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, MD
8 Vícios comportamentais:
os perigos escondidos
Os vícios comportamentais seguem 25
Philip Sargunam

LOGOS
As Dimensões da
20904-6600, E.U.A. um caminho neural semelhante
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Paul Anderson paulanderson@nadadventist.org sistemas de recompensa são tão
poderosos que, quando a pessoa EM AÇ ÃO
DIVISÃO NORTE-ASIÁTICA DO PACÍFICO
fica presa nessa armadilha, é 29 Retiro de estudantes
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Richard Saubin richard.saubin@nsdadventist.org difícil se libertar. O conhecimento adventistas na Europa
Nak Hyujg Kim youth@nsdadventist.org e a consciência de como os vícios realiza estudo sobre a
DIVISÃO SUL-AMERICANA comportamentais funcionam são igreja e a justiça social
Caixa Postal 02600, Brasília, 70279-970 DF, BRASIL excelentes medidas profiláticas. Tom de Bruin
Edgard Luz edgard.luz@adventistas.org.br
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carlos.campitelli@adventistas.org.br 31 PRIMEIR A PESSOA

11
Alcançando o Impossível
Relacionamentos Através de Cristo
DIVISÃO DO PACÍFICO SUL
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Carol Tasker caroltasker@adventist.org.au mundo louco por sexo
Nick Kross nkross@adventist.org.au Para desfrutar de relacionamentos 33 LIV ROS
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DIVISÃO SUL-AFRICANA E DO saudáveis em um mundo louco of Twentieth-Century
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P. O. Box 4583 Rietvalleirand 0174, ÁFRICA DO SUL cuidadosamente o paradigma Escrito por Jerry Moon
Mozecie Kadyakaita kadyakapitamsj@gmail.com
Busi Khumalo khumalob@sid.adventist.org sancionado pela Bíblia e definir
limites saudáveis no início, a fim de 35 LIV ROS
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA The Letter to the Romans:
P. O. Box 2, HCF Hosur, 635 110 Tamil Nadu, ÍNDIA evitar dilemas perigosos que mudam
R. N. Prabhu Das prabhudasrna@sudadventist.org o curso da vida. Paul Among the Ecologists
Mohan Bhatti mmbhatti@rediffmail.com Escrito por P. Richard Choi
Willie y Elaine Oliver
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA DO PACÍFICO

14 Pedro: lições da vida

P.O. Box 040, 4118 Silang, Cavite, FILIPINAS
Lawrence Domingo ldomingo@ssd.org
Jobbie Yabut jyabut@ssd.org
DIVISÃO TR ANSEUROPEIA
119 St. Peter’s St., St. Albans, Herts, AL13EY,
INGLATERRA
Daniel Duda dduda@ted-adventist.org
Janos Kovacs-Biro jkovacs-biro@ted-adventist.org
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - OCIDENTAL
22 Boîte Postale 1764, Abidjan 22,
COSTA DO MARFIM
Juvenal Balisasa balisasa@icloud.com
N. John Enang njenang2000@yajoo.co.uk
desse homem e de sua
primeira mensagem
Em seu primeiro sermão – “Este
Jesus” – Pedro apresentou ao mundo
um grande mistério, uma grande
maravilha. Tanto o mistério como
a maravilha se tornaram não só o
ponto central da pregação cristã,
mas também a única esperança de
significado para a vida.
John M. Fowler

2 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016

 E D ITO R I A L

A ESPERA COM Esta revista internacional de fé, pensamento e

ação é publicada três vezes ao ano, em cinco
edições paralelas (português, espanhol, francês,

ESPERANÇA
inglês e italiano), sob o patrocínio da Comissão de
Apoio a Universitários e Professionais Adventistas
(Caupa), organismo da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia.

A
Volume 28, Número 2-3
espera e a esperança são experiências comuns da vida humana. Copyright © 2016 pela CAUPA.
Todos os direitos reservados.
Os alunos se candidatam a uma bolsa de estudos e esperam
que ela lhes seja concedida. À medida que a espera aumenta, Diálogo Universitário afirma as crenças
fundamentais da Igreja Adventista do
a esperança vem em forma de salvamento, porque a esperança Sétimo Dia e apoia a sua missão. Entretanto,
espera sempre uma resposta positiva, mesmo em meio às incer- os pontos de vista publicados na revista
tezas. Assim como um rapaz e uma garota, ao se conhecerem, têm a esperança representam o pensamento independente
de que foram feitos um para o outro, eles esperam pelo grande dia em que dos autores.
farão seus votos matrimoniais, e continuam na esperança de que o vínculo os Editorial
Editora-Chefe: Lisa M. Beardsley-Hardy
manterá unidos na divina promessa de que os dois serão “osso dos meus ossos Editores Associados: John M. Fowler,
e carne da minha carne” (Gênesis 2:23). E a jornada de espera e de esperança Hudson E. Kibuuka
persiste em cada mudança que envolve o tumultuado ciclo da vida: obter uma Coordenadoras da Área Editorial: Valérie
educação para fazer face ao mundo comercial, garantir um trabalho, estabe- Moorooven e Susan Araya
lecer uma família cristã, encontrar a estabilidade financeira, construir uma Revisoras: Karina C. Deana (português)
casa, fazer provisão para manter a saúde e a segurança, alimentar os filhos Beverly Rumble (inglês)
Editor da Resenha de Livros: Aleksandar Santrac
até que cheguem à maturidade e aguardar o cumprimento final da esperança Diagramadora: Claudia Suzana R. Lima
cristã, que é a segunda vinda de Jesus. Correspondência Editorial
Embora a vida cristã seja a da espera ligada à esperança, o seu cumprimento Diálogo
parece levar um tempo demasiado longo, e o processo pode causar ansiedade, 12501 Old Columbia Pike
gerar perguntas, testar a paciência e, às vezes, fomentar dúvidas. No entanto, Silver Spring, MD 20904-6600 E.U.A
sob a perspectiva bíblica, a espera e a esperança são partes fundamentais da Telefone: +1 301-680-5073/5065
Fax: 301-622-9627
vida; as duas são inseparáveis. Veja em Hebreus 11 o nítido retrato de como E-mail: mooroovenv@gc.adventist.org
o povo de Deus esperava e tinha esperança. Desde os primórdios da História, (Inglês e Francês)
a partir do momento em que o pecado invadiu a vida humana, os filhos de arayas@gc.adventist.org
Deus têm sido retratados como dando um passo de cada vez em meio à árdua (Espanhol e Português)
jornada da vida, à espera de que sua esperança se cumpra. Uma longa fila de Comissão CAUPA
Presidente: Thomas L. Lemon
santos, como a de Hebreus 11, parece esperar pelos santos que estarão vivos Vice-presidentes: Abner de los Santos,
nos últimos dias para juntos concluirem o processo de espera e herdarem o Geoffrey G. Mbwana, Ella S. Simmons
cumprimento da esperança. Ao mesmo tempo, a história humana dará um Secretário: Mario E. Ceballos
Secretários Associados: Lisa M. Beardsley-
salto para alcançar a eternidade, cuja porta estará aberta quando Jesus, o Hardy, Gilbert R. Cangy
Criador e Redentor estenderá a mão para dar as boas-vindas aos fiéis, com as Secretario Assistente: Jiwan S. Moon
mais doces palavras jamais ouvidas: “Venham, […]. Recebam como herança o Assistente Legal: Thomas E. Wetmore
Vogais: Ganoune A. Diop, Falvo Fowler,
Reino que lhes foi preparado” (Mateus 25:34). É a herança final que estamos Hudson E. Kibuuka, Linda Mei Lin Koh, Peter
aguardando com esperança! N. Landless, Faith-Ann A. McGarrell, Anthony
Kent, Anthony Bowman, Tracy Wood, Lydia
“Somos peregrinos e estrangeiros que aguardamos a bem-aventurada espe- Muwanga, Valérie Moorooven, Justin Kim,
rança, o glorioso aparecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.”1 Esse Susan Araya, Clinton L. Wahlen, Gabriel Begle
pensamento de espera e de esperança deve nos lembrar sempre de nosso dever Correspondência sobre circulação: Deve
presente e grande responsabilidade. ser dirigida ao Representante Regional da
O nosso dever presente é esperar no Senhor. As constantes batalhas e emba- Caupa na região em que reside o leitor. Os
nomes e endereços desses representantes
raços da vida não nos devem levar a nos afundarmos nas incertezas de hoje, encontram-se na página 2.
mas sim, a aceitá-los como desafios, a colocarmos toda a nossa confiança no Website: http://dialogue.adventist.org
Senhor e a esperarmos nEle. Talvez seja esse tipo de relacionamento baseado Website for italian http://educazione.
na confiança e orientado pela fé que Isaías visualizou há muito tempo para adventista.it/dialogue/
o povo de Deus, quando o Senhor providenciou uma rocha sólida sobre a Impressão e Acabamento: Casa Publicadora
qual aqueles que O esperam devem estar: “Aqueles que esperam no Senhor Brasileira 9519/34896
renovam as suas forças. Voam alto como águias; correm e não ficam exaustos, Referências Bíblicas: Salvo outra indicação,
andam e não se cansam” (Isaías 40:31). os textos bíblicos citados na Diálogo foram
Observemos a natureza da espera. A espera que o profeta evangélico visualiza extraídos da Nova Versão Internacional.
não é aquela que está ligada ao que é humano e terreno. As crianças podem

28.2-3 ANO 2016 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 3

 esperar que seus pais atendam às suas necessidades e
desejos. Um casal pode esperar que seu cônjuge rea-
, prática de boas obras” (Tito 2:13, 14).
lize os seus sonhos. Um trabalhador pode esperar de
seu chefe um incentivo financeiro ou profissional.
Um agricultor espera pela chuva a fim de obter uma
colheita abundante. Em face da grande quantidade de
tais formas de espera, Isaías aponta para uma que não
vai falhar ao teste da passagem do tempo, aquela que
nos levará à porta aberta das infinitas possibilidades, a
vida eterna. “Espera no Senhor”, diz o profeta. Outro
servo de Deus faz esta afirmação: “Aquele que espera
no Senhor jamais será confundido. Às vezes, a resposta
virá tão notoriamente que seremos surpreendidos. A
bênção vai trazer alegria para as nossas almas e evocar
o louvor ao nosso Deus. Vamos realizar o cumprimento
da promessa: “Antes que eles clamem, Eu responderei; e
enquanto eles ainda estiverem falando, Eu os ouvirei.”2
Que experiências aguardam aqueles que esperam no
Senhor? Primeiro, Deus “renova as suas forças”. Por
natureza, os seres humanos são frágeis, fracos, tími-
dos, assustados, incapazes de enfrentar os desafios do
presente e inseguros para enfrentar o amanhã desco-
nhecido. E assim, o próprio Deus Se torna a sua força.
Como canta o salmista: “O Senhor é a minha rocha,
a minha fortaleza e o meu libertador; o meu Deus é o
meu rochedo, em quem me refugio. Ele é o meu escu-
do e o poder que me salva, a minha torre alta” (Salmo
18: 2). Segundo, Deus irá capacitá-los a voar como
águias. Aqueles que esperam no Senhor têm possibili-
dades tão altas quanto o céu e podem alcançá-las com
facilidade e confiança porque o Senhor permanece
como o eterno Piloto e o facilitador de sua vida. Em
terceiro lugar, esperar no Senhor traz força e coragem,
de modo que nem os obstáculos da corrida, hoje, nem
os desafios do amanhã que lhes é desconhecido podem
cansá-los ou desanimá-los.
Esperar no Senhor é um antídoto certo para cada
obstáculo em nossa marcha para o Reino. “O homem
que espera no Senhor é forte em Sua força, forte o
suficiente para manter-se firme sob grande pressão.
[…]. Ligado ao Infinito, o homem é feito participante
da natureza divina. Os dardos do maligno não têm
nenhum efeito sobre ele, pois está revestido da arma-
dura da justiça de Cristo.”3 Enquanto esperamos no
Senhor e renovamos as nossas forças para cumprirmos
os deveres e expectativas da nossa vida aqui, resta o
desafio de vivermos com um sentido de esperança para
o futuro. Diz o salmista: “Espero no Senhor […], na
Sua Palavra ponho a minha esperança” (Salmo 130:5).
Para qual esperança a nossa vida precisa definir a
sua bússola? A resposta vem prontamente através das
Escrituras: A SEGUNDA VINDA DE CRISTO. Esse
magnífico clímax da História é a última esperança do
cristão. Diz o apóstolo Paulo: “Aguardamos a bendita
esperança: a gloriosa manifestação de nosso grande
Deus e Salvador, Jesus Cristo. Ele Se entregou por nós
4 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para
Si mesmo um povo particularmente Seu, dedicado à
Necessitamos nós de uma afirmação mais forte do
que essa, que nos dá a clareza e a segurança de que a
nossa espera e a nossa esperança irão alcançar o seu
ponto culminante na segunda vinda de Jesus? Esse
evento é o grande clímax da história! É o cumprimento
de toda espera e esperança do povo de Deus desde Adão
até a última geração que estará vivendo na Terra. Por
isso, o nosso foco permanente está no retorno de Jesus,
Aquele que suportou a cruz “para tirar os pecados de
muitos”, e que aparecerá pela segunda vez “para aqueles
que esperam ansiosamente por Ele” (Hebreus 9:28).
Assim, para o cristão, a única esperança é a anteci-
pação bíblica de que Deus fará o que Ele prometeu há
muito tempo. Como, através da morte e da ressurreição
de Cristo, Deus “nos resgatou do domínio das trevas
e nos transportou para o Reino do Seu Filho amado”
(Colossenses 1:13), alicerçados nessa esperança, pode-
mos afirmar que “a nossa cidadania está no Céu, de
onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor
Jesus Cristo. Pelo poder que o capacita a colocar todas
as coisas debaixo do Seu domínio, Ele transformará os
nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao
Seu corpo glorioso” (Filipenses 3:20, 21).
Naquele momento, os que foram peregrinos e estran-
geiros na Terra receberão a cidadania do Céu. A espera
acabará, e a esperança será uma realidade eterna!
Hudson E. Kibuuka
Editor da Diálogo
1. Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S
Brasileira, 1997), p. 220.
2. ______________, The Youth’s Instructor (23 de março, 1893),
p. 6.
3. ______________, Minha Consagração Hoje (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1989), p. 277.
28.2-3 ANO 2016
A RTI GO
A MATEMÁTICA: UMA
CATALISADORA DA FÉ?
Uma série de características da matemática e a sua relação com as
ciências estão em harmonia com a revelação de Deus nas Escrituras.
Isso pode servir como um catalisador da fé?
ANTHONY BOSMAN
N
ão muito tempo atrás,
estive em Atenas para
participar de um con-
gresso internacional
sobre a matemática e a
teoria dos nós. Nesse congresso, apre-
sentei algumas das minhas pesquisas de
pós-graduação e aprendi muito também
com o trabalho dos meus colegas de todo
o mundo, que aplicam o estudo matemá-
tico dos nós para responder a perguntas
das ciências físicas e da vida em geral;
por exemplo, como o entrelaçamento do
DNA e as proteínas afetam a sua função.
Cheguei em Atenas dois dias antes do
congresso, porque desejava conhecer a
cidade. Sexta à tarde, subi no Areópago, ao
lado da Acrópole, e observei o pôr do sol
sobre a cidade. Ao dar as boas-vindas a mais
um sábado, minhas reflexões se dirigiram
para o sermão que Paulo pregou naquela
colina há dois mil anos, onde ele falou
sobre o “DEUS DESCONHECIDO”
para uma plateia que incluía os filósofos
epicuristas (Atos 17:16-34).
O epicurismo havia se popularizado
um século antes por meio do livro do
poeta romano Lucrécio, Sobre a Natureza
das Coisas. Nele, Lucrécio procurou ali-
viar a ansiedade que muitos sentiam ao
terem que enfrentar a ira divina após a
morte, argumentando sobre uma pres-
tação de contas inteiramente naturalista
para o Universo e para as origens da vida.
Ele dava explicações para tudo, desde
um trovão até a presença de formas de
28.2-3 ANO 2016
vida complexas. Enquanto os deuses
tivessem um lugar, eles ficariam fora
dos assuntos humanos e, portanto, não
infligiriam sua ira sobre a humanidade.
Essas ideias foram revividas no perío-
do do Iluminismo e, mais recentemen-
te, têm sido articuladas por novos ateus
como Richard Dawkins e Sam Harris.
À luz das recentes descobertas científi-
cas, que são frequentemente discutidas,
podemos agora dar explicações total-
mente naturalistas para a história da
vida e do Universo. Consequentemente,
advoga-se a ideia de que Deus não é
mais necessário.
Como podemos fazer face a tais desa-
fios contra o cristianismo? O encontro
de Paulo em Atenas oferece um mode-
lo. Paulo compreendeu que seu público
não aceitava a autoridade das Escrituras.
Assim, ao invés de raciocinar com eles
sobre o Cristo das Escrituras hebraicas,
como costumava fazer com os líderes
judaicos nas sinagogas, ele apelou aos
poetas gregos, pois eram autoridades que
a sua audiência aceitava. Naturalmente,
só as Escrituras contêm a autorrevelação
de Deus em toda a sua plenitude, mas
Paulo demonstrou a liberdade cristã no
intuito de conhecer outras pessoas den-
tro dos limites de sua própria cosmovisão
e encontrar sinais que apontavam para
algo mais. Como estudei matemática em
universidades seculares na última déca-
da, descobri que há muito na matemática
e nas ciências naturais que apontam na
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
direção do Deus Criador, do qual as
Escrituras dão testemunho.
LIMITES DA CIÊNCIA
Desejo ser cuidadoso na forma como
devo proceder. Quando falo de mate-
mática e das ciências que apontam para
Deus, não estou sugerindo que há uma
prova matemática ou um experimento de
laboratório que demonstre a existência
de Deus. Nem há para negá-la também.
Alguns, especialmente os pensadores
pós-iluministas, adotaram a visão de que
a razão e a ciência são os únicos meios
para o verdadeiro conhecimento. Esse
ponto de vista foi captado na posição
tomada pelo grande especialista da lógi-
ca, Bertrand Russell: “Qualquer conhe-
cimento que possa ser atingido, deve ser
alcançado através de métodos científicos;
e o que a ciência não pode descobrir a
humanidade não pode conhecer.”1
Russell, um ateu, concluiu: tendo em
vista que o método científico nunca
demonstra a existência de Deus, não há
nenhuma base intelectual para a crença
nEle. No entanto, a posição de Russell
é autodestruidora; ela se desfaz após ser
avaliada. A alegação de que a ciência é
a única maneira de se adquirir o verda-
deiro conhecimento é uma posição filo-
sófica que não pode ser provada através
do método científico. Como tal, é um
compromisso metafísico adicional que
alguns indivíduos mantêm, enquanto
5
 afirmam não terem nenhum compro-
misso não científico. Ou seja, trata-se
de uma posição autocontraditória. Toda
cosmovisão tem esses compromissos de
uma forma ou de outra.
Os cristãos estão comprometidos com a
visão de que Deus Se revelou não apenas
na natureza, mas também na revelação
especial através das Escrituras, e creem
que ambas são necessárias para chegarem
a um entendimento completo de quem Ele
é. De fato, o salmista escreve que os céus
declaram a glória de Deus, mas, a seguir,
passa imediatamente para um hino de
louvor pela revelação de Deus (Salmo 19).
Da mesma forma, Paulo argumenta que o
mundo natural testemunha da existência
e do poder de Deus, mas deixa claro que é
somente através do evangelho que a ima-
gem do caráter de Deus é revelada com-
pletamente (Romanos 1:16-20). Por isso,
os cristãos não devem esperar recuperar
uma teologia total de seu estudo através
do mundo natural. Com efeito, sem a
ajuda das Escrituras, eles são susceptíveis
de chegar a uma imagem muito confusa
de Deus. No entanto, ao prosseguir com
meus estudos avançados, tenho encontra-
do uma série de características da mate-
mática e de sua relação com as ciências
que estão em harmonia com a revelação
de Deus nas Escrituras e que podem servir
como um catalisador da fé para o cético.
EFICÁCIA INCOMUM
Enquanto estudava matemática na
Universidade de Stanford, muitas vezes
lutei para entender qual era a influência,
se havia alguma, que a minha área de
estudos e a fé tinham uma com a outra.
Nas aulas sobre a filosofia da ciência
e da matemática me deparei com um
ensaio do ganhador do Prêmio Nobel
Eugene P. Wigner sobre “A Eficácia
Irracional da Matemática nas Ciências
Naturais”.2 Ele me ensinou como a
matemática pode se tornar um podero-
so testemunho do Deus Criador.
No ensaio, Wigner aponta uma série
de questões filosóficas desconcertantes
sobre a natureza da matemática. Por
exemplo, ele observa que muitos campos
da matemática se desenvolveram sim-
plesmente por causa da curiosidade inte-
lectual dos matemáticos que não tinham
a motivação do mundo natural, como
no caso da geometria não euclidiana,
mas estes, mais tarde, acabaram sendo
exatamente o que os físicos necessitavam
para descrever o mundo natural.
6 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
O fato de que o Universo é ordenado
com precisão e pode ser explicado mate-
maticamente é em si mesmo um mis-
tério. Como Albert Einstein colocou:
“A coisa mais incompreensível sobre o
Universo é que ele é compreensível.”3
Wigner dá um passo adiante ao perceber
que os matemáticos jogam muitas vezes
com a lógica desenvolvendo ideias mate-
máticas e de linguagem muito antes de
nós entendermos qual é o papel, se há
algum, que eles vão representar para
tornar o Universo compreensível.
Por exemplo, o número imaginário i =
√ (-1) foi introduzido no século 16 ape-
nas para satisfazer a curiosidade de um
matemático; no entanto, desde então se
tem revelado extremamente conveniente,
se não essencial, em nossos modelos do
mundo físico, especialmente na mecâ-
nica quântica. Além disso, os matemáti-
cos encontraram relações surpreendentes
entre i e outros conceitos aparentemente
independentes, tais como π=3.14159...
(a proporção entre a circunferência e o
diâmetro do círculo) e e=2.718... (uma
constante de suprema importância no
cálculo), expressa na identidade e i ∏+1=0.
Por que é que as reflexões do matemático
produzem resultados que correspondem
tão bem ao nosso mundo físico? E por
que as linhas independentes de racio-
cínio matemático se encontram e se
complementam, em vez de se colidirem
em contradição?
Em empreendimentos criativos, espe-
cialmente aqueles realizados por um
grande número de pessoas, é importan-
te ter um mapa claro de onde se quer
chegar. Elaboramos desenhos e modelos
antes de construirmos arranha-céus.
Mas parece que a matemática tem sido
uma adição imprudente de salas e anda-
res que, em vez de produzir incoerência,
resultou, consistentemente, no que a
comunidade descreve como surpreen-
dentemente elegante e bonito. Em seu
ensaio, Wigner observou que “certa-
mente, é difícil acreditar que o nosso
poder de raciocínio foi trazido pelo
processo de seleção natural de Darwin à
perfeição que parece possuir”.4 Ele con-
cluiu: “É difícil evitar a impressão de
que um milagre nos confronta aqui.”5
Um companheiro de quarto meu, que
estava estudando física e lutando tam-
bém para entender por que a matemá-
tica é tão hábil em descrever o mundo
natural, contou-me que aquilo era algo
que iria mantê-lo acordado durante toda
a noite. Ele havia lido por longo tempo,
à procura de uma explicação naturalista
para esse milagre, mas não estava satis-
feito com nenhuma das explicações que
encontrou. No entanto, reconheceu que
o mistério não é nenhum problema, de
maneira alguma, para aquele que acre-
dita em um Criador que nos fez à Sua
imagem, com o propósito de descobrir
e participar do cosmos criado.
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Quando estudava na Universidade
de Oxford, eu me deparei com um
exemplar da primeira edição do livro de
Isaac Newton, Principia Mathematica,
em uma das bibliotecas universitárias.
Ao percorrer suas páginas, refleti sobre o
incrível impacto do trabalho de Newton,
no qual ele estabelece as bases para a físi-
ca moderna. Mais tarde, encontrei uma
carta que Newton escreveu explicando
que uma das motivações para escrever o
Principia foi que “pode funcionar com
os homens que consideram a crença em
uma divindade, e nada pode me alegrar
mais do que saber que ela é útil para esse
fim”.6 Exatamente como João escreveu
em seu evangelho, a fim de que o leitor
pudesse desenvolver a fé (João 20:31),
Newton viu o seu trabalho científico
como um catalisador da fé.
Além de Isaac Newton, James
Maxwell e muitos outros pioneiros da
ciência moderna não separaram sua fé
de seu estudo do mundo natural. Isso
apenas para não dizer que muitos cien-
tistas proeminentes têm sido pessoas de
fé, mas que a fé, na doutrina da criação
em particular, foi o fundamento inte-
lectual para a revolução científica. Os
pioneiros esperavam que as leis mate-
máticas pudessem descrever o Universo
porque acreditavam em um Criador
que ordenou a criação. Eles acreditavam
também que poderiam descobrir essas
leis, já que a humanidade foi feita à
imagem de Deus. Isso explica por que
muitos historiadores da ciência concor-
dam com a opinião do Prêmio Nobel
Melvin Calvin de que a “visão monote-
ísta parece ser o fundamento histórico
para a ciência moderna”.7
É A IGREJA ANTICIÊNCIA?
Muitos se surpreendem ao saber que a
visão bíblica de Deus como Criador é o
cerne da ciência moderna. Muitas vezes
me deparo com a opinião de que a ciên-
cia provou ser a Escritura ultrapassada e
28.2-3 ANO 2016
imprecisa. Um fato comum que as pessoas
apontam é a perseguição da igreja católica
aos cientistas como Galileu e Kepler por
ensinarem que a Terra girava em torno do
Sol, enquanto as Escrituras, supostamente,
ensinavam que o Sol girava em torno de
uma Terra estacionária. Num primeiro
momento, esse parece ser um exemplo
claro da ciência provando que a Bíblia
estava errada, mas verifica-se que houve
outras influências presentes no confronto.
Por exemplo, os teólogos da igreja medie-
val foram profundamente influenciados
por Aristóteles e outros filósofos gregos.
Aristóteles tinha proposto um modelo de
Universo em que a Terra estava no centro e
corpos celestes, que eram esferas perfeitas,
sem manchas, viajavam em círculos perfei-
tos ao redor dela. Esse modelo foi desafia-
do quando Galileu olhou por seu telescó-
pio e viu crateras na Lua e manchas no Sol,
como também pelo trabalho de Kepler
ao demonstrar que os planetas viajavam
em elipses ao redor do Sol. De maneira
bastante significativa, essas descobertas
não contradiziam os ensinamentos das
Escrituras, mas se chocaram com a cos-
movisão aristotélica que tinha sido impor-
tada para a compreensão das Escrituras na
igreja. Galileu e Kepler foram dedicados
cristãos que tiveram grande respeito pela
autoridade das Escrituras. Na verdade,
Kepler considerava-se “o Lutero da astro-
nomia”,8 alinhando-se com Martinho
Lutero que havia liderado a Reforma para
abraçar a autoridade das Escrituras como
estando acima da autoridade dos filósofos
gregos e dos pais da igreja.
Peter Harrison, professor na
Universidade de Oxford, argumentou em
The Bible, Protestantism, and the Rise
of Natural Science que foi a Reforma
Protestante e a hermenêutica protestante
que viu Gênesis como narrativa histórica,
e não reflexões alegóricas ou espirituais
como foram feitas por Agostinho e a
igreja medieval. A mudança protestante
na hermenêutica levou as pessoas a valo-
rizarem o mundo material e a estudarem
o “livro da natureza”, como o segundo
livro da revelação de Deus, depois das
Escrituras.9 É uma triste ironia que mui-
tos hoje pensem que as modernas teorias
científicas das origens desacreditem do
relato da criação bíblica, quando, histo-
ricamente, foi a crença no testemunho
de Gênesis que abriu o caminho para a
ciência moderna. Em vez de acreditarem
que as Escrituras e a ciência estavam em
conflito, os pioneiros da ciência moder-
28.2-3 ANO 2016
na amoldaram-se ao conselho de Ellen
White: “Visto como o livro da natureza
e o da revelação apresentam indícios da
mesma mente superior, não podem eles
deixar de estar em harmonia mútua. Por
métodos diferentes em diversas línguas,
dão testemunho das mesmas grandes ver-
dades. A ciência está sempre a descobrir
novas maravilhas; mas nada traz de suas
pesquisas que, corretamente compreen-
dido, esteja em conflito com a revelação
divina. O livro da natureza e a palavra
escrita lançam luz um sobre o outro.”10
UMA OPORTUNIDADE ÚNICA
Fui incentivado a conhecer muitos
estudiosos respeitados que reconhecem
a autoridade das Escrituras e priori-
zam o seu estudo; mas, é claro, muitos
professores e cientistas não trabalham
nesse contexto. Assim como acontece
com todas as pessoas, elas possuem um
conjunto diversificado de cosmovisões,
por razões variadas. Lembrei-me disso
durante um almoço com a presidente do
Departamento de Filosofia de Stanford.
Na época, eu era aluno dela em Filosofia
da Ciência. Durante o almoço, o tema da
fé veio à pauta, e ela afirmou que, como
filósofa da ciência, tinha dificuldade em
aceitar o ateísmo. Ela concluiu que uma
narrativa inteiramente naturalista é sim-
plesmente incapaz de explicar o sucesso
da ciência moderna. Mesmo filósofos
ateus têm alertado contra os graves
problemas intelectuais encontrados em
uma visão estritamente materialista da
realidade atual, como Thomas Nagel,
da Universidade de Nova Iorque, em
Mind and Cosmos: Why the Materialist
Neo-Darwinian Conception of Nature Is
Almost Certainly False.11
Apesar dessas preocupações, porém,
minha professora também afirmou que
ela estava hesitante em abraçar o Deus
que ela tinha visto comumente retratado
na história cristã. Muitos outros cientis-
tas têm compartilhado sua posição. Por
exemplo, Charles Darwin escreveu em
sua autobiografia: “Não consigo acre-
ditar que alguém deseje que o cristia-
nismo seja verdadeiro.”12 Darwin, erro-
neamente, atribuíu à Bíblia o ensino
de “que os homens que não acreditam,
e isso incluiria meu pai, meu irmão, e
quase todos os meus amigos, vão ser
eternamente punidos. E essa é uma
doutrina condenável”.12
Darwin, como muitos outros, foi leva-
do a abandonar a fé por causa de uma
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
falsa doutrina que deturpava o caráter
de Deus. Os estudantes adventistas do
sétimo dia têm uma oportunidade única
de testemunhar a respeito de uma ima-
gem diferente de Deus e não da temerosa
concepção que muitas pessoas têm. Pelo
estudo do livro da natureza, podemos
apontar para Deus como o Criador,
maravilhoso em poder; e pelo estudo
do livro da revelação, podemos falar
de Deus como o Redentor, infinito em
amor. Podemos proclamar, na verdade,
que: “A mão que sustém os mundos no
espaço, a mão que conserva em seu orde-
nado arranjo e incansável atividade todas
as coisas através do Universo de Deus, é a
que na cruz foi pregada por nós.”14
Anthony Bosman
tem pós-graduação pela
Universidade de Rice, em
Houston, Texas, EUA. E-mail:
anthony.bosman@gmail.com
1. Bertrand Russell, Religion and Science
(London: Oxford University Press,
N O TA S E R E F E R Ê N C I A S
1997), p. 243.
2. E. P. Wigner, “The Unreasonable
Effectiveness of Mathematics in the
Natural Sciences,” Communications
in Pure and Applied Mathematics 13
(February 13, 1960), p. 10.
3. Albert Einstein, from “Physics and
Reality” (1936), in Ideas and Opinions,
Sonja Bargmann, trans. (New York:
Bonanza, 1954), p. 292.
4. Wigner, “The Unreasonable Effectiveness
of Mathematics in the Natural Sciences”,
p. 3.
5. Ibid., 7.
6. Isaac Newton and Florian Cajori, Sir
Isaac Newton’s Mathematical Principles
of Natural Philosophy and His System
of the World (Berkeley: University of
California Press, 1962), p. 669.
7. Melvin Calvin, Chemical Evolution
(Oxford: Clarendon Press, 1969), p. 258.
8. Howard, Thomas Albert, and Mark
A. Noll. Protestantism after 500 Years
(Oxford University Press, 2016), p. 101.
9. Peter Harrison, The Bible, Protestantism,
and the Rise of Natural Science (Cambridge:
Cambridge University Press, 2006).
10. Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1996), p. 128.
11. Thomas Nagel, Mind and Cosmos: Why
the Materialist Neo-Darwinian Conception
of Nature Is Almost Certainly False (New
York: Oxford University Press, 2012).
12. Charles Darwin, The Autobiography of
Charles Darwin, 1809-1882: With Original
Omissions Restored (New York: Harcourt,
Brace, 1958), p. 87.
13. Ibid., 87.
14. White, Educação, p. 132.
7
 A RTI GO

VÍCIOS COMPORTAMENTAIS:
OS PERIGOS ESCONDIDOS
Os vícios comportamentais seguem um caminho neural semelhante ao da dependência
química, e os sistemas de recompensa são tão poderosos que, quando a pessoa fica presa
nessa armadilha, é difícil se libertar. O conhecimento e a consciência de como os vícios
comportamentais funcionam são excelentes medidas profiláticas.

JULIÁN MELGOSA

J
ohn Locke (1632-1704), quan-
do publicou seu artigo intitu-
lado Essay Concerning Human
Understanding,1 cunhou a
expressão “busca da felicidade”,
que mais tarde foi incluída por
Thomas Jefferson na Declaração de
Independência dos Estados Unidos, jun-
tamente com a vida e a liberdade como
direitos inalienáveis dos seres humanos.
A explicação de Locke sobre o fato de a
felicidade estar ligada à liberdade é que “a
verdadeira felicidade é a base necessária
para a nossa liberdade” e que a busca da
felicidade é o nosso maior bem; tal busca
permite examinarmos quaisquer medidas
que tenhamos tomado e, em casos parti-
culares, torna-se obrigatória a suspensão
da satisfação de nossos desejos. “Esse é o
ponto de articulação sobre o qual gira a
liberdade dos seres intelectuais”, afirma
Locke. Em outras palavras, a liberdade
não está em agir de acordo com o que os
impulsos pedem para fazer, mas no poder
de escolher entre os desejos e a busca da
própria felicidade, de maneira real.
A vida, a liberdade e a busca da felici-
dade, todas elas podem ser afetadas pela
dependência. Os vícios, mesmo os de
comportamento, podem danificar dire-
ta ou indiretamente a saúde física. Os
vícios podem, obviamente, incidir sobre
a liberdade, pois privam seus usuários
da escolha. Além disso, constituem um
sério obstáculo na busca da felicidade,
pois trazem a libertação imediata de
uma necessidade percebida, mas não
trazem a felicidade duradoura.
Este artigo revê o conceito da depen-
dência comportamental, um fenômeno
crescente que está associado ao estilo de
vida do século 21, e analisa alguns exem-
plos dos vícios comportamentais mais
comuns, particularmente na população
universitária: vícios ligados aos jogos,
comida, pornografia e exercícios físicos.
DEFININDO A DEPENDÊNCIA
O que é dependência? É uma situação
em que a pessoa inicia e mantém um
comportamento que exige a sua repetição
e fica difícil de abandoná-lo (como fumar
ou se envolver nos jogos de azar). Quando
tal comportamento se transforma numa
força que passa a controlar sua vida (e
não em uma escolha), a pessoa se torna
viciada. As palavras adicto e adição, ligadas
à dependência, vêm do substantivo latino
adictus, utilizado para definir um indiví-
duo que, depois de ter incorrido em uma
dívida, não era capaz de pagá-la. A pena-
lidade para o adictus era a escravidão. No
entanto, a dívida de um adictus poderia
ser resgatada. A lei permitia que o credor
proclamasse o nome do devedor em um
mercado público, juntamente com o mon-
tante a ser pago. Isso dava a oportunidade
para que os amigos, familiares ou sócios
pagassem a dívida e o adictus ficasse livre
da escravidão. Se, após 30 dias depois de
feita a publicação, ninguém resgatasse a
dívida, o credor se tornaria o proprietário
do adictus, que passaria a lhe prestar seus
serviços ou poderia ser vendido como
escravo. O interessante é que a palavra foi
usada pela primeira vez exatamente para
problemas de dívidas (possivelmente liga-
dos ao vício de “gastar”); depois, foi esten-
dida às pessoas envolvidas na utilização
de drogas e, mais recentemente, revertida
para descrever comportamentos.
Como já foi dito, existem dois tipos bási-
cos de dependência: a química e a compor-
tamental. O primeiro envolve a presença
de uma substância psicoativa; o segundo
não tem nenhum componente químico.
Uma observação cuidadosa, no entanto,
revela pouca diferença de comportamento
entre os dois. O caminho para o vício, em
ambos os casos, inclui: (1) a iniciação, nas
primeiras vezes, quando a pessoa começa a
utilizar a droga ou ter um comportamento
diferente – um processo em que a curiosi-
dade, a pressão do grupo e a disponibili-
dade fazem a diferença; (2) a recompensa,
uma sensação de prazer/satisfação, seja ela

8 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016

física, psicológica ou social, obtida pelo
comportamento viciante; (3) a repetição, a
reincidência que, inevitavelmente, fortalece
o vício; e (4) o hábito, a prática compor-
tamental sistêmica que limita, às vezes
seriamente, a escolha pessoal.
Assim que a dependência se estabelece,
uma série de sinais indica a sua força;
quanto maior em número e em intensi-
dade, mais difícil é se libertar do ciclo.
Em primeiro lugar, a tolerância se desen-
volve em algum ponto. Isso significa que
uma pequena mudança de comporta-
mento ou quantidade de droga utiliza-
da torna-se insuficiente para alcançar a
excitação desejada. Em segundo lugar,
a abstinência produz uma sensação de
inquietação ou irritabilidade quando
aparece o desejo e o comportamento/
droga não está disponível. Em terceiro
lugar, vem a obsessão ou preocupação
com o vício. Em quarto lugar, a compul-
são, a força ou motivação que mantém a
repetição do comportamento viciante.
E em quinto lugar, a incapacidade de
deter o comportamento, apesar do pleno
conhecimento das consequências proble-
máticas envolvidas e de uma firme deci-
são de abandonar o hábito. A síndrome
pode causar reações psicológicas (deses-
perança, obsessão, alterações do humor
e falta de motivação), deterioração dos
relacionamentos (mentir para a família
e amigos, falta de confiança, etc.), sinto-
mas de saúde física e mental (problemas
para dormir, excessos que prejudicam
o organismo, falta de cuidado pesso-
al, temperamento desagradável, irrita-
bilidade) e as consequências espirituais
(enfraquecimento dos princípios morais
e perda da fé). Os vícios comportamen-
tais podem custar caro para a sociedade:
o absentismo do trabalho ou do estudo,
doenças e problemas com a lei, e outros.
JOGOS NA INTERNET
De acordo com a Entertainment
Software Association, em 2015, 155
milhões de americanos buscaram entre-
tenimento por meio dos jogos em vídeo
usando consoles, dispositivos portáteis,
computadores pessoais e a internet. Os
jogos eletrônicos são uma grande indús-
tria, conforme demonstram as vendas
nacionais, ultrapassando a casa dos $15
bilhões de dólares em produtos, além de
$ 7 bilhões de dólares em hardwares e
acessórios. Os usuários, em sua maioria,
não se tornam viciados, mas inúmeros
subgrupos, como os de idade escolar e
de faculdade, estão em maior risco de se
tornarem presas desse tipo de vício. (O
28.2-3 ANO 2016
DSM-52, atualizado em 2013, incluiu o
Transtorno do Jogo pela Internet na lista
das condições para estudo posterior).
Essa doença, juntamente com outras
de recente significado clínico, estão à
espera de investigação adicional para
possivelmente serem incluídas na lista
das desordens reconhecidas.
Os critérios de diagnóstico para o
Transtorno do Jogo pela Internet
incluem um comprometimento grave
evidenciado pela presença de cinco ou
mais dos seguintes sintomas, por um
período de tempo significativo (12 meses
ou mais): (1) a preocupação com os jogos
na internet; (2) os sintomas de abstinên-
cia quando os jogos não estão disponí-
veis ou são retirados; (3) tolerância, (4)
tentativas infrutíferas de parar/reduzir o
uso dos jogos; (5) perda de interesse em
passatempos anteriormente agradáveis;
(6) persistir jogando compulsivamente,
apesar de reconhecer os problemas psi-
cossociais; (7) mentir sobre a gravidade
da dependência aos familiares, amigos
e terapeutas; (8) uso dos jogos para ali-
viar sentimentos desagradáveis/humor;
e (9) perda ou grandes danos causados
aos relacionamentos significativos, ao
desempenho no trabalho, e/ou ao desem-
penho acadêmico por causa dos jogos.
Os níveis mais altos dessa patologia são
encontrados na China e na Coreia do Sul,
e os fatores de risco gerais incluem: a dispo-
nibilidade de equipamentos e conectividade
com a internet, a idade (12-20), o início
precoce e alguns fatores predisponentes
genéticos e fisiológicos, por exemplo, o
sexo masculino. As consequências adversas
mais comuns envolvem o insucesso esco-
lar, relacionamentos prejudicados, perda de
emprego, falta de responsabilidade, quei-
xas físicas (por exemplo, o desconforto/
sintomas devido à falta de sono, falta de
exercícios, deficiências nutricionais)3 e o
enfraquecimento do sistema imunológico,
aumentando a probabilidade de infecções.
Essas consequências podem ser devasta-
doras para os alunos em qualquer nível. O
alarme mais óbvio vem quando as notas
pioram visivelmente e os professores e as
famílias ficam chocados com os resultados
acadêmicos. Como os indivíduos afetados
tendem a manter sigilo sobre seus jogos,
é preciso tempo para descobrir a raiz
do problema, especialmente quando eles
vivem em dormitórios ou circunstâncias
em que o seu comportamento não é facil-
mente observado. Os amigos também se
preocupam com o viciado em jogo, mas
se sentem incapazes de ajudar e tendem
a perder o interesse no relacionamento.
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
Os empregadores, por sua vez, começam
a acumular evidências no preparo para
a demissão da pessoa, e as complicações
físicas podem aparecer em breve.
DEPENDÊNCIA ALIMENTAR
A seguir, está uma pequena amostra
de quatro dos 27 itens da Yale Food
Addiction Scale:
• “Eu percebo que, quando começo a
comer certos alimentos, acabo comen-
do muito mais do que o planejado.”
• “Eu acabo ingerindo constantemente
determinados alimentos durante todo o dia.”
• “Houve momentos em que evitei
reuniões profissionais ou sociais, onde
certos alimentos estavam disponíveis,
porque tinha medo de comer demais.”
• “O meu comportamento em relação
aos alimentos e ao próprio ato de comer
me causam muito sofrimento.”
O documento da Yale abrange os
cenários mais típicos em que a obses-
são, compulsão, tolerância, abstinência,
incapacidade de sair do problema, etc.,
se manifestam. Exemplos como esses
que foram citados nos dão uma ideia
das situações que as pessoas viciadas em
alimento enfrentam cada dia.
Como muitos outros vícios comporta-
mentais, a dependência alimentar ainda
não está incluída no DSM-5. No entan-
to, ela se assemelha a outro transtorno
alimentar já incluído: o Transtorno da
Compulsão Alimentar Periódica (TCAP).
Essa patologia consiste em ingerir uma
quantidade excessiva de alimentos em um
período limitado de tempo (inferior a duas
horas). O TCAP está associado à falta
de controle durante o episódio. A pessoa
come rapidamente, tem dificuldade de
parar e continua comendo até se sentir
desconfortável e cheia. Muito abuso acon-
tece quando a pessoa está sozinha, ansiosa,
e não necessariamente com fome. Depois
que passa a compulsão, ela se sente culpa-
da, desgostosa e deprimida. Embora todos
os itens acima possam aparecer no viciado
em alimentos, o vício em comida vai além
do TCAP; ele tem também as principais
características da dependência: tolerância,
abstinência, obsessão, compulsão e um
efeito adverso no funcionamento normal.
A fácil disponibilidade de alimentos
supercalóricos que apelam ao paladar,
próximo às faculdades e universidades,
como também o bom apetite do adoles-
cente e do adulto jovem, fazem com que
o vício em comida mais provavelmente
ocorra no terceiro nível educacional. Se
somarmos o alto estresse causado pelas
pressões acadêmicas e pelas interações
9
 sociais, podemos entender como alguns
jovens podem encontrar conforto na
comida, que acaba se tornando o foco
de sua obsessão. Além dos efeitos psico-
lógicos já mencionados, a dependência
alimentar tem inúmeras complicações
físicas, principalmente a obesidade, que
está presente na maioria dos casos.
VÍCIO EM PORNOGRAFIA
No passado, as imagens de sexo estavam
limitadas ao material impresso, disponível
apenas em pontos determinados e espa-
lhados. Hoje, está amplamente acessível
através dos meios digitais, fazendo com
que ela se alastre significantemente.4 Além
disso, tendo conexão disponível com a
internet e por meio de um dispositivo
simples, o acesso não está mais limitado
a uma determinada hora do dia/noite ou
localização. Como resultado, estima-se
que a primeira visualização pornográfica
ocorra na tenra idade de 11 anos e que
42,7% dos usuários da internet veem
alguma forma de pornografia.5 O aumento
da frequência no uso da pornografia não
ocorre apenas na população em geral, mas
também, segundo estudos realizados, está
presente entre os cristãos.6
A tendência de olhar pornografia come-
ça por causa da curiosidade. Ela vem com
força especial, porque tudo relacionado
à sexualidade se constitui num motivo
poderoso. A amostragem pornográfica
pode causar prazer e um desejo de maior
exploração. A repetição acaba fortalecendo
o ciclo comportamental e ajuda a estabele-
cer o hábito. Em algumas pessoas, isso leva
ao vício com suas principais característi-
cas correspondentes: tolerância, obsessão,
compulsão, enfraquecimento do autocon-
trole e sintomas de abstinência.
O ciclo típico inclui: (1) o comporta-
mento (ver, muitas vezes, acompanhado
de masturbação), (2) o desconforto/
culpa, (3) a intenção de parar, geral-
mente sem sucesso, e (4) a recaída,
completando assim o ciclo.
DEPENDÊNCIA DO
EXERCÍCIO FÍSICO
O vício no exercício é a compulsão de
realizar exercícios físicos, o que acaba em
excesso e falta de controle pessoal. Esse
extremo é manifestado pelo grande envol-
vimento com os esportes e os exercícios,
constante preocupação com o exercício
físico e dificuldade em manter uma vida
equilibrada, incluindo atividades variadas
em que não entrem os exercícios. Os
que sofrem desse tipo de dependência se
tornam impacientes durante o período
10
que precede o esporte/exercício, lutam
intensamente para quebrar seus recordes
anteriores e gastam quantidades excessivas
de tempo comprando e mantendo seus
equipamentos, em treinamento, planejan-
do e falando nos exercícios.
Por que uma atividade tão saudável se
torna um vício? O exercício intenso induz à
secreção de endorfina, um opiáceo natural
que transmite uma sensação distinta de
bem-estar.7 Essa experiência gratificante
leva a pessoa a se envolver em exercícios
adicionais. Eles não causam problemas na
maioria das pessoas, mas alguns anseiam
por outra sessão de exercícios muito rapi-
damente. Mesmo quando a sua resistência
está no limite, eles vão tomar medidas
(por exemplo, tomar creatina ou esteróides
anabolizantes) para se fortalecerem e assim
se envolverem em sessões mais frequentes.
Parece haver grandes diferenças
individuais na forma como as pessoas
percebem os resultados da secreção de
endorfina, que vão desde a sensação de
fadiga após uma sessão de treino até uma
grande euforia após a mesma atividade.
Mas há mais do que apenas as diferenças
individuais, como o ambiente em que o
exercício ocorre. Por exemplo, enquanto
o risco normal de dependência do exer-
cício entre os estudantes universitários
é, em média, de 3%, os estudantes de
educação física (que estão muito mais
envolvidos nessa área) correm um risco
de 6,7%,8 e essa proporção sobe para
30,4% no caso dos triatletas.9
CONCLUSÃO
Os vícios comportamentais seguem
um caminho neural semelhante ao da
dependência química, e os sistemas
de recompensa são tão poderosos que,
quando a pessoa fica presa nessa armadi-
lha, é difícil se libertar. O conhecimento
e a consciência de como os vícios com-
portamentais funcionam são excelen-
tes medidas profiláticas. A ignorância é
uma armadilha em qualquer processo
de dependência, ao passo que uma boa
compreensão ajuda a pessoa a dizer
“não” antes de ter ido longe demais.
Quando a dependência já estiver
estabelecida, haverá a necessidade de
ajuda profissional. Além da ajuda pro-
fissional/institucional, existem duas
linhas de ação ligadas a duas grandes
áreas de relações: as interações sociais e
o relacionamento com Deus. O reforço
de cada uma delas tem um impacto
claro e positivo sobre qualquer tipo de
vício. Estar cercado por um grupo de
amigos mentalmente saudáveis e em
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
um ambiente social acolhedor torna-se
uma grande proteção contra qualquer
forma de vício. Ter uma vida de oração
significativa, experimentar a comunhão
com Deus, ler as Escrituras e aplicar
os seus princípios na vida diária, com
certeza, são formas de apoio nessa área.
Assim como o filósofo John Locke
afirmou que a liberdade é exercida quan-
do escolhemos entre os nossos desejos
e aquilo que é consistente com a nossa
verdadeira felicidade, o apóstolo Paulo,
séculos antes, apontou para o grande dile-
ma da liberdade de escolha: “‘Tudo me é
permitido’, mas nem tudo convém. ‘Tudo
me é permitido’, mas eu não deixarei que
nada me domine” (1 Coríntios 6:12).
Todas as formas de dependência se
encaixam nesse esquema, incluindo as
comportamentais. No entanto, podemos
agradecer a Deus porque Ele nos pro-
porcionou um escape: “Não sobreveio a
vocês tentação que não fosse comum aos
homens. E Deus é fiel; Ele não permitirá
que vocês sejam tentados além do que
podem suportar” (1 Coríntios 10:13).
Julián Melgosa
PhD pela Universidade Andrews, é
diretor associado do Departamento
de Educação da Associação Geral
dos Adventistas do Sétimo Dia,
Silver Spring, Maryland, EUA.
1. John Locke, An Essay Concerning Human
Understanding (London: Oxford University
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S
Press, Amen Corner, E.C., 1894), vol. 1, p. 348.
2. DSM-5 – Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders, 5a edição, 2013, atu-
alização da ferramenta de classificação
e diagnóstico da American Psychiatric
Association (APA).
3. APA, Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders (5th ed.). (Arlington, Va.:
American Psychiatric Publishing, 2013).
4. M. M. Ayres and S. A. Haddock, “Therapists’
Approaches in Working With Heterosexual
Couples Struggling With Male Partners’
Online Sexual Behavior,” Sexual Addiction
and Compulsivity 16 (2009):55-78.
5. http://internet-filter-review.toptenreviews.
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6. M. A.White and T. G. Kimball, “Attributes of
Christian Couples With a Sexual Addiction to
Internet Pornography,” Journal of Psychology
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7. J. Adams and R.J. Kirkby, “Excessive
Exercise as an Addiction: A Review,”
Addiction Research and Theory 10
(2002):415-437.
8. Szabo and Griffiths, “Exercise addic-
tion in British sport science students,”
International Journal of Mental Health
and Addiction, 5 (2007): 25-28.
9. Blaydon and Linder, “Eating Disorders
and Exercise Dependence in Triathletes”,
Eating Disorders 10 (2002): 49-60.
28.2-3 ANO 2016
A RTI GO
RELACIONAMENTOS
SAUDÁVEIS EM UM MUNDO
LOUCO POR SEXO
Para desfrutar de relacionamentos saudáveis em um mundo louco por sexo, é importante
seguir cuidadosamente o paradigma sancionado pela Bíblia e definir limites saudáveis no
início, a fim de evitar dilemas perigosos que mudam o curso da vida.
WILLIE E ELAINE OLIVER
R
ecentemente, celebramos
32 anos de casados. Uau,
isso é muito tempo! Para
muitos que estão lendo este
artigo, isso é mais tempo
do que já viveram. No entanto, para
nós, parece que foi ontem que estávamos
trocando os votos matrimoniais em uma
bela tarde de agosto, na Igreja Adventista
do Sétimo Dia de Village, em South
Lancaster, Massachusetts, nos Estados
Unidos da América do Norte.
Enquanto estávamos diante do pastor,
prometendo amar um ao outro “até que
a morte nos separe”, não tínhamos ideia
de quão difícil seria manter os votos intac-
tos. As palavras eram relativamente fáceis
de pronunciar, especialmente naquele
ambiente de enlevo e emoção, sob os fla-
shes das câmeras, vendo os rostos radiantes
dos familiares e amigos, e com nossas mais
altas expectativas de finalmente vivermos
juntos, sem qualquer inibição e sem restri-
ções. Por outro lado, nada poderia ter nos
preparado para a vida extremamente gra-
tificante que temos vivido como marido e
mulher, apesar de termos que enfrentar a
realidade de que não há casamentos perfei-
tos, porque não existem pessoas perfeitas.
Muitos cristãos adultos e solteiros
desejam se casar e acreditam que sua
vida seria mais fácil de administrar e
seguir a vontade de Deus, se essa fosse
28.2-3 ANO 2016
a sua realidade. Isso é realmente verda-
de? As pessoas casadas levam alguma
vantagem neste mundo louco por sexo
em que vivemos? Ou as pessoas casadas
também são vulneráveis por terem que
lidar com as pressões da vida univer-
sitária, com seus prazos e exigências
arbitrárias para alcançarem o sucesso?
A verdade é: casar é fácil; continuar
casado não é nada fácil. Permanecer feliz
no casamento por toda a vida é uma das
mais belas artes da vida. Então, o que um
estudante universitário ou de pós-gradu-
ação deve fazer até ele ou ela encontrar a
pessoa certa para se casar, diante dos fortes
impulsos e mensagens sexuais que há por
toda parte e que são uma realidade cons-
tante na vida pós-moderna hoje?
À medida que exploramos esse tema
tão importante, é essencial reconhecer-
mos que a sexualidade foi ideia de Deus
e que, sem dúvida, é muito boa; certa-
mente, podemos dar testemunho disso
depois de 32 anos de casamento. No
entanto, tudo o que Deus criou para o
nosso bem, Satanás tenta destruir. Como
a experiência de Eva com a serpente no
Jardim do Éden, Satanás continua a
apresentar alternativas sedutoras contra
as normas dadas por Deus para que viva-
mos uma vida melhor, pois ele deseja que
caiamos em suas mentiras, levando-nos à
angústia e à agonia no final.
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
Lá no princípio, Deus declarou: “Por
essa razão, o homem deixará pai e mãe e
se unirá à sua mulher, e eles se tornarão
uma só carne. O homem e sua mulher
viviam nus, e não sentiam vergonha”
(Gênesis 2:24, 25).
Dessa forma, há um contexto distinto
para a expressão sexual, de acordo com
a Bíblia; depois de deixar pai e mãe, a
pessoa, decididamente, se compromete
com o cônjuge. Esse é o ambiente no
qual uma realidade em que a não vergo-
nha é estimulada para levar à atividade
sexual, uma vez que alguém fez uma
promessa de compromisso com outro
ser humano ao longo de toda a vida e
agora está pronto para desfrutar dos
privilégios inerentes a tal dedicação.
Mesmo diante da possibilidade de
acreditarmos que podemos não levar em
consideração essa declaração celestial,
as Escrituras continuam fazendo essa
afirmação ao longo de suas páginas.
Por exemplo, Paulo afirma: “A vontade
de Deus é que vocês sejam santificados:
abstenham-se da imoralidade sexual.
Cada um saiba controlar o próprio
corpo de maneira santa e honrosa, não
com a paixão de desejo desenfreado,
como os pagãos que desconhecem a
Deus” (1 Tessalonicenses 4:3-5). Essa
passagem torna claro que alguém, que
se diz ser um filho de Deus, deve estar
11
 no controle de seu corpo e de suas pai-
xões, para assim honrá-Lo.
Paulo continua suas colocações expo-
sitivas sobre o contexto apropriado para a
atividade sexual com a clara cadência das
mensagens apresentadas aos crentes de
Corinto: “É bom que o homem não toque
em mulher”, mas por causa da imoralida-
de, cada um deve ter sua esposa, e cada
mulher o seu próprio marido” (1 Co 7:1, 2).
Para não termos dúvida, a inspiração não é
algo simplesmente sobrenatural, mas fun-
damentada na realidade da vida na Terra.
Paulo reconhece que, por sermos “pro-
gramados” por Deus para mantermos rela-
ções sexuais, teremos um profundo desejo
de fazê-lo. No entanto, essa realidade
intensa não dá permissão aos seres huma-
nos que creem em Deus para renunciar
às convenções estabelecidas no princípio.
Ao contrário, os parâmetros são distintos;
para que a expressão sexual ocorra, DEVE
– por definição – acontecer entre um
homem e sua esposa, ou uma mulher e seu
marido. Também não percamos de vista a
restrição apresentada pelo apóstolo de que,
se alguém é do sexo masculino, que então
se case com uma mulher, e se é do sexo
feminino, que se case com um homem.
AMOR: UM PRINCÍPIO
ELEVADO E SANTO
Walter Trobisch, missionário alemão
enviado para Camarões, que também é
um escritor prolífico sobre questões matri-
moniais e familiares, disse certa vez: “O
sexo não é prova de amor, pois é precisa-
mente a própria coisa que se quer testar
que é destruída pelo teste.”1 Ellen White
escreveu: “O verdadeiro amor é um princí-
pio elevado e santo, inteiramente diferente
em seu caráter daquele amor que se des-
perta por um impulso e que subitamen-
te morre quando severamente provado.”2
Essas declarações são contrárias às conven-
ções de nossos dias, em que o indivíduo é
que tem maior valor na sociedade. Muitas
vezes, ouvimos as pessoas dizerem: “O
que quer que a pessoa deseje fazer, tem o
direito de fazer, desde que ninguém saia
ferido no processo.” Tais noções narcisistas
e hedonistas, com certeza, teriam menos
importância para quem sai prejudicado.
O tipo de pessoa que pensa dessa forma
está interessada no que ela pode obter, e
não no que pode dar. O verdadeiro amor
sempre faz a pergunta: O que eu posso
dar? E isso é dramaticamente revelado
em João 3:16: “Porque Deus amou ao
mundo de tal maneira que deu…”.
12
Desde já, enfatizamos que, diante de
qualquer outra opção que esteja ao seu
alcance, as oportunidades baseadas na
ética de Deus, que nos criou para a Sua
glória, serão sempre a melhor opção possí-
vel. Em Jeremias 29:11, Deus nos lembra:
“‘Porque sou Eu que conheço os planos
que tenho para vocês’, diz o Senhor, ‘pla-
nos de fazê-los prosperar e não de lhes
causar dano, planos de dar-lhes esperança
e um futuro.’” Esse já é um bom começo,
quando se trata de nossa ética sexual, para
que possamos ter relacionamentos saudá-
veis em um mundo louco por sexo.
Falando sobre uma boa forma de come-
çar, Stephen R. Covey, em seu livro, The
Seven Habits of Highly Effective Families,3
identifica esse princípio como o hábito
no 2: Comece com o fim em mente. Em
resumo, esse hábito é como o vôo de um
avião. Cada vez que um avião voa a partir
do ponto A para o ponto B, o piloto deve
apresentar um plano de voo com um des-
tino claro em mente. Isso é extremamente
importante porque, muitas vezes, tempes-
tades se desencadeiam durante a viagem,
forçando o piloto a conduzir o avião
acima ou em torno de uma turbulência.
No entanto, como o piloto apresentou o
plano de vôo com um destino definido
em mente, é muito provavel que o avião
pousará no ponto de chegada bem próxi-
mo do horário programado.
O mesmo acontece com a nossa vida.
Temos que decidir muito cedo um des-
tino claro para o nosso casamento ou
relações familiares em nossa jornada ao
longo da vida e criar uma declaração de
missão que nos mantenha focados nesse
destino final. Esse “plano de voo” está
relacionado com a nossa escolha de valo-
res. Temos que decidir quais valores irão
fazer parte do nosso voo e quais valores
vamos excluir, para que possamos chegar
com segurança ao destino que escolhemos
para a nossa vida. Sentimentos e impul-
sos, sem dúvida, se desenvolverão durante
a nossa viagem, à medida que vierem as
tempestades, como em um voo literal
de avião. No entanto, se o plano de voo
da nossa vida estiver baseado nos valores
encontrados na Palavra de Deus, é mais
provável que cheguemos bem ao destino
que escolhemos no início da viagem.
Uma das armadilhas que leva à impu-
reza sexual são os pensamentos que a
pessoa cultiva. O que ela pensa tem muito
a ver com o que ela vê e o que ela ouve.
Nunca antes na história da humanidade
a exposição a conteúdos impuros para se
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
ver e ouvir proliferou tanto como hoje. A
Rede Mundial de Computadores tornou
a vida mais fácil de muitas maneiras aos
estudantes universitários, mas, ao mesmo
tempo, fez com que a pureza se tornasse
mais difícil como nunca. Com conteúdo
sexual tão amplamente acessível nos com-
putadores, tablets e smartphones, permane-
cer puro está se tornando um desafio cada
vez maior para todos. Além do mais, as
pessoas solteiras não têm como se esconder
desse tipo de tentação, que é uma reali-
dade de igual alcance para todos os seres
humanos, casados ou solteiros.
O sábio Salomão nos advertiu com
muita propriedade: “Acima de tudo, guar-
de o seu coração, pois dele depende toda
a sua vida” (Provérbios 4:23). Isso, pro-
vavelmente, faz com que muitos de vocês
que no passado frequentaram a Escola
Sabatina dos Primários lembrem-se de
um dos principais hinos do repertório da
época: “Cuidado olhinho o que vê […]
Cuidado ouvidinho o que ouve […] Pois
o Salvador Jesus está olhando pra você,
cuidado olhinho o que vê [cuidado ouvi-
dinho o que ouve]”.
Assim, ao contrário das convenções
que prevalecem em nossos dias, de que
não podemos fazer nada para dominar
nossos instintos animais, há uma realidade
muito bem documentada nos círculos das
Ciências Sociais que diz que o cérebro é
o mais importante órgão sexual humano.
Sem dúvida, a sexualidade humana é com-
pletamente diferente da dos animais. O
impulso sexual humano é ativado no cór-
tex pré-frontal do cérebro, o mesmo lugar
onde ocorre toda a aprendizagem e onde
está o centro da tomada de decisão, do
julgamento. Como Deus nos criou com
um cérebro, somos responsáveis pela nossa
sexualidade e pelas escolhas que fazemos
com relação a isso todos os dias. Temos o
poder de fazer escolhas, mesmo quando
nossa bioquímica batalha em nosso cére-
bro. Como seres humanos, temos que usar
nosso cérebro altamente desenvolvido para
decidir como, quando, onde, e se vamos
dar expressão a nossos impulsos sexuais,
pois é esse poder de decisão que nos torna
diferentes dos animais.
Outra mentira que está sendo dis-
seminada em nossa sociedade hoje é
que o sexo vai reforçar a autoimagem,
tornando-nos mais desejáveis ou mais
confiantes. Especialmente as mulheres
querem se tornar mais desejáveis e, mui-
tas vezes, usam o sexo como barômetro
da dignidade e como um meio de cone-
28.2-3 ANO 2016
xão relacional. Os homens, por outro
lado, usam o sexo para se sentirem mais
confiantes e capazes; isso realmente tem
a ver com a potência e o desempenho,
com a concorrência e realização; e, para
muitos, tudo não passa de um jogo de
números para determinar quantas con-
quistas são capazes de fazer.
Infelizmente, o sexo antes do casa-
mento e/ou extraconjugal nunca vai
conferir maior valor a você ou ao seu
relacionamento. Se você é mulher, não a
torna mais desejável. Se você é homem,
não vai livrá-lo da sua insegurança; na
verdade, é mais provável que o sexo ilí-
cito cause o efeito oposto. Ele vai acabar
fazendo você se sentir mais autodesvalo-
rizado, desesperado, sozinho e inseguro.
FAZER AS ESCOLHAS CERTAS
Então, como a pessoa deve lidar com a
sua sexualidade? Que bom que você per-
guntou isso. É necessário que se mante-
nha sempre consciente das escolhas que
você faz, e também de controlá-las, em
vez de permitir que elas controlem você.
Aqui estão algumas dessas escolhas: a
escolha que “já aconteceu”; a escolha
“se estamos apaixonados não pode dar
errado”; a escolha “o sexo nos aproxima
mais”; a escolha “eu não serei um ser
sexual até estarmos casados”; e a escolha
“vamos pôr limites”. Sendo casado ou
solteiro, todas essas escolhas são falsas,
exceto a última. A menos que você defi-
na limites saudáveis logo no início, quer
seja casado ou solteiro, estará em apuros;
assim, defina os limites saudáveis agora,
antes que a tentação se apresente.
Para desfrutar de relacionamentos saudá-
veis em um mundo louco por sexo, é impor-
tante seguir cuidadosamente os paradigmas
sancionados pela Bíblia. Para que isso acon-
teça, precisará definir limites saudáveis no
início, a fim de evitar dilemas perigosos, que
alteram o curso da vida. Uma boa maneira de
se lembrar daquilo que mantém como con-
vicção é pensar em um fruto chamado ackee,
encontrado na Jamaica e em outras ilhas do
Caribe. O pé desse fruto chega a se tornar
uma árvore bem grande. Se você pegar o ackee
e comê-lo antes que se abra naturalmente, ele
mata, pois é venenoso. No entanto, se você
esperar até que o ackee esteja completamente
maduro e o fruto se abra na árvore, e esse é o
ponto certo para colher e comê-lo, verá que é
muito saboroso e nutritivo.
A relação sexual é muito semelhante
a esse fruto. Se você forçá-la antes do
tempo certo – o casamento – ela vai
lhe envenenar e prejudicar toda a sua
vida. No entanto, se você permitir que
ela esteja totalmente madura – após o
casamento – você poderá desfrutar ple-
namente dela, sem medo, e ela vai dar
sabor à sua vida.
Estamos casados há 32 anos, por isso é
relativamente fácil para nós falarmos a res-
peito desse tema de uma forma quase clíni-
ca. No entanto, reconhecemos quão difícil
é lidar com esse assunto, especialmente
como estudantes universitários; muitos de
vocês estão no início da vida sexual e lidam
com muitas outras formas de pressão.
A resposta a essa situação, no entanto, é
sempre a mesma, e a promessa de sucesso
é encontrada em Filipenses 4:13: “Posso
todas as coisas nAquele que me fortalece”.
Que sua escolha seja sempre man-
ter relacionamentos saudáveis em um
mundo louco por sexo, apesar da rea-
lidade da tentação que se alastra por
todos os lados. Nosso desejo e oração é
que você faça a escolha certa.
Willie Oliver
PhD pela American University e C.F.L.E.,
é pastor ordenado, conselheiro pastoral,
possui o certificado de Educador em
Vida Familiar, é Sociólogo na área da
Família e diretor do Departamento de
Ministério da Família na sede mundial
da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em
Silver Spring, Maryland, EUA. E-mail :
OliverW@gc.adventist.org
Elaine Oliver
MA pela Columbia University e
C.F.L.E., é psicóloga, educadora
com certificação em Vida Familiar e
diretora associada do Departamento
de Ministério da Família na sede
mundial da Igreja Adventista do
Sétimo Dia. E-mail:
OliverE@gc.adventist.org
1. Walter Trobisch, I Married You (New
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S York: Harper & Row, 1989), p. 99.
2. Ellen G. White, O Lar Adventista (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1992),
p. 50.
3. Steven R. Covey, The Seven Habits of
Highly Effective Families (New York:
Golden Books, 1997).

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mente um refletor do pensamento de ESCREVA-NOS!
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28.2-3 ANO 2016 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 13

 A RTI GO
PEDRO: LIÇÕES DA VIDA
DESSE HOMEM E DE SUA
PRIMEIRA MENSAGEM
Em seu primeiro sermão – “Este Jesus” – Pedro apresentou ao mundo um grande mistério,
uma grande maravilha. Tanto o mistério como a maravilha se tornaram não só o ponto
central da pregação cristã, mas também a única esperança de significado para a vida.
JOHN M. FOWLER
Q
ualquer um que conheces-
se Pedro quando era crian-
ça nunca poderia prever
que ele se tornaria um
pregador. Não tinha nem
jeito, nem motivação
para esse tipo de trabalho. Cresceu nos
arredores de uma rude vila de pesca-
dores. Sua vida foi tão revolta quanto
as ondas do Mar da Galiléia. Vivia da
pesca. Cheirava a peixe. Era grosseiro
e desleixado. Sempre falava primeiro
e pensava depois. Era encarregado de
proteger o seu território. Ninguém
jamais teria pensado que ele viria a
ser um pregador. Muito menos ele.
Então, um dia, seus caminhos se cru-
zaram com os de Jesus de Nazaré. Havia
algo em Jesus, algo diferente em Seus
olhos. Quando Ele olhava, não era aque-
le um olhar comum; era extremamente
penetrante, incisivo, parecia transpassar
o coração. Isso deve ter acontecido com
Pedro. “O olhos de Jesus pousaram nele”
diz Ellen White, “lendo-lhe o caráter e a
história. Sua natureza impulsiva, o cora-
ção amorável e compassivo, a ambição
e confiança próprias, a história de sua
queda e arrependimento, seus labores e
a morte de mártir, o Salvador leu tudo.”1
Quando Jesus lhe disse: “Siga-me”
(Marcos 1:17), ele deixou suas redes e
14
O seguiu. Não fez nenhuma pergunta.
Obedeceu imediatamente. Mais tarde,
ele disse a sua esposa que não iria mais
pescar, mas que dali em diante seria
um pescador de homens. Ela deve ter
lhe dirigido um olhar severo, tentando
lhe dizer que ela e a família comiam
peixes, e não pessoas.
Mesmo depois que Pedro se tornou
um seguidor de Jesus, não tinha muita
certeza de como seria a sua vida. No
entanto, ele sentia uma proximida-
de muito íntima com Jesus. Ouvia
Seus ensinamentos, compreendia cada
palavra que Ele pronunciava, observa-
va com admiração a Sua compaixão
pelos pobres, o Seu cuidado para com
os sofredores, a ternura que Ele sentia
por aqueles que se tornaram a escória
humana, Sua ira pela hipocrisia e a
incessante busca pelos pecadores. Os
milagres de Jesus, Suas parábolas,
Sua vida e Seu amor impressionaram
Pedro imensamente.
Mas o que fez com que ele e seus
amigos O seguissem? Foi uma busca
desinteressada pelo reino do qual Jesus
falava ou seria uma busca egoísta pela
glória daquele reino que ele e seus ami-
gos tinham em mente?
Pedro não estava bem certo. A vida,
muitas vezes, se torna um jogo peri-
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
goso e traiçoeiro. E ele não era alheio
a esse jogo. Entre a autossupremacia e
a submissão, entre estar no centro do
palco e a servidão, ele oscilava de vez
em quando. Havia ocasiões em que
ele recebia uma revelação especial do
“Pai que está no Céu” e confessava ser
Jesus “o Cristo, o filho do Deus vivo”
(Mateus 16:13-20); em outras, quando
Jesus mais necessitava dele, chegou a
negá-Lo ou até mesmo a conhecê-Lo
(Mateus 26:69-74). Certa vez, em um
ato de grande bravura, ele andou sobre
as águas, mas a fé deu lugar à dúvida, e
o milagre estava quase se transforman-
do em uma tragédia, não fosse a graça
salvadora de Jesus.
Ele foi um dos três convidados espe-
ciais a testemunhar o que se passou
no Getsêmani, o momento em que o
destino do Universo pendia na balan-
ça, mas, em vez de ficar acordado e
permanecer firme em oração, acabou
adormecendo. Foi ousado ao cortar a
orelha do soldado, mas não conseguiu
manter a mesma atitude diante da per-
gunta que uma serva lhe fez a respeito
de Jesus. Muitas vezes, era visto como
uma pessoa de contradições, como
nós. Na sala de julgamento de Pilatos,
à sombra da cruz, ele voltou atrás em
suas próprias palavras: “Mesmo que
28.2-3 ANO 2016
seja preciso que eu morra Contigo,
nunca Te negarei” (Marcos 14:31).
Negar ele negou. Remorso ele sentiu.
Lágrimas de arrependimento ele derra-
mou. O Céu, porém, viu o quebranta-
mento de Pedro, e os anjos, ao lado da
tumba vazia, enviaram uma mensagem
a ele e aos outros discípulos dizendo
que Jesus tinha vencido a morte e que,
de fato, tinha ressuscitado. “Desde
a morte de Cristo, Pedro se achava
sucumbido pelo remorso. Sua vergo-
nhosa negação de seu Senhor, e o olhar
de amor e de angústia do Salvador
achavam-se sempre diante dele. De
todos os discípulos, fora o que mais
pungentemente sofrera. A Pedro é dada
a certeza de que seu arrependimento
fora aceito e seu pecado perdoado.”2
Pedro sabia que, de forma irrever-
sível, ele tinha se tornado parte da
história de Jesus.
E, depois de tudo isso, poderia ele
ainda ser um pregador da maravilhosa
história do Jesus ressuscitado? Durante
vários dias após a ressurreição, Jesus Se
encontrou com Pedro e seus compa-
nheiros, reafirmando que “eles deviam
ser os executores do testamento no qual
Ele legava ao mundo os tesouros da vida
eterna”.3 Justamente antes de ascender a
Seu Pai, Jesus lhes disse que esperassem
até que estivessem prontos para assu-
mir a comissão a eles confiada por Seu
Senhor ressuscitado: “Portanto, vão e
façam discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo, ensinando-os
a obedecer a tudo o que Eu lhes orde-
nei.” (Mateus 28:19, 20).
E eles esperaram. Eles oraram. Eles
ponderaram. Então, de repente, no dia
de Pentecostes, quando todos estavam
reunidos em um só lugar (Atos 2:1),
aconteceu. O Espírito de Deus desceu
“como de um vento muito forte, e
encheu toda a casa na qual estavam
assentados. E viram o que parecia
línguas de fogo, que se separaram e
pousaram sobre cada um deles. Todos
ficaram cheios do Espírito Santo”
(Atos 2:2-4). Com a vinda do Espírito,
tudo parecia se unir. Todos os anos
que Pedro e seus amigos haviam passa-
do com Jesus, todos os seus questiona-
mentos, a cruz e a tumba vazia fizeram
sentido. De repente, Pedro se lembrou
de Jesus ter dito, certa vez: “Quando o
Espírito da verdade vier, Ele os guiará
a toda a verdade” (João 16:13).
28.2-3 ANO 2016
LIÇÕES QUE PEDRO
APRENDEU
Essa foi a primeira lição que Pedro
teve que aprender antes de se tornar
um pregador: Sem o derramamen-
to do poder do Espírito Santo, sem
um total compromisso com a Palavra
que o Espírito inspirou, não pode
haver nenhuma verdadeira pregação.
Foi o poder do Espírito que impeliu
Pedro até o púlpito naquele dia e o
capacitou para pregar o seu primeiro
sermão. Nasceu um pregador, não por
erudição, eloquência, habilidade ou
riqueza, mas pelo poder do Espírito.
Um sermão é um milagre feito pelo
Espírito, elaborado com base em um
compromisso para com as Escrituras
e expresso através de humildes lábios
que vieram do barro.
O doutor Lucas preservou um cui-
dadoso registro do primeiro sermão
de Pedro. Ele diz que o apóstolo
“levantou-se com os Onze” (Atos 2:14)
quando começou o sermão. É verdade.
A pregação do Evangelho não é uma
apresentação feita por uma só pessoa.
Não é entretenimento. Não é autoglo-
rificação. A pregação é uma ocasião
em que um representante do corpo
de Cristo compartilha as boas-novas
do Reino. A comunicação da Palavra
é feita em nome desse Reino, perma-
necendo junto com o povo do Reino.
A pregação fracassa quando o corpo
de Cristo está dividido. O pregador e
o crente compartilham a plataforma
comum da graça de Deus e da comis-
são dada por Ele.
O sermão de Pedro naquele dia não
foi um incidente comum. Nenhum ser-
mão é. Toda a sua vida parece ter sido
uma preparação para o sermão, embora
ele não estivesse consciente disso. O
Espírito Santo capacitou o rude após-
tolo a colocar sua mensagem sob uma
perspectiva e contexto apropriados. Em
primeiro lugar, sob a perspectiva da
Palavra de Deus. Quase cinquenta por
cento do sermão de Pedro, conforme
está registrado em Lucas, é compos-
to de citações do Antigo Testamento.
Um sermão que não flui da Palavra de
Deus não pode tornar a Palavra viva
e eficaz diante da congregação. Sem a
Palavra inspirada, como podemos falar
sobre o Verbo Encarnado? Um sermão
deve começar com essa compreensão e
permanecer enraizado firmemente na
revelação dada por Deus. Foi essa pers-
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
pectiva bíblica, iluminada pelo Espírito
Santo, que levou os apóstolos a conecta-
rem o que estava acontecendo naquele
dia com a profecia de Joel. “Isto é o
que foi predito pelo profeta Joel”, Pedro
exclamou em alta voz (Atos 2:16). A
pregação deve ser capaz de conectar o
presente com o passado e, em seguida,
apontar para o futuro. A vida do povo
de Deus deve ser vivida à luz das pode-
rosas obras de Deus no passado e de
Suas promessas para o futuro. Uma vez
estabelecida essa conexão, o ministério
assume uma nova dimensão: nós nos
tornamos em simples ferramentas a
serem usadas pelo Espírito Santo para
transformar vidas.
Em segundo lugar, o Espírito capa-
citou Pedro a pregar dentro do con-
texto de uma urgência escatológica.
Ele estava determinado a mostrar que
estavam vivendo nos últimos dias, e
não era o momento para perder tempo
com coisas inúteis. A pregação deve
sempre mostrar essa urgência do fim
do tempo. Não que devamos projetar
uma visão utópica ou um cenário
fictício assustador, mas precisamos
apresentar com antecipação profética
que a nossa esperança no Reino é real
e que nosso Senhor voltará em breve
para nos levar para o lar. A pregação
autêntica é a pregação profética – não
tanto pela previsão, mas pela revela-
ção, audácia, coragem e a exaltação
de Cristo, levando à confissão dos
pecados e à transformação de vidas. A
profecia de Joel (cap. 2:28-32) veio em
auxílio a Pedro, e ele traduziu a ênfase
dada pelo profeta sobre o tempo do
fim, para conclamar o povo dizendo
que “todo aquele que invocar o nome
do Senhor será salvo” (Atos 2:21).
Você conseguiu detectar outro impor-
tante ponto homilético aqui? Mesmo
que um sermão afirme a dimensão
escatológica do viver cristão, não deve
esquivar-se das imposições da vida no
presente. Deve falar de vida redentora
aqui e agora; deve levar o povo a invocar
“o nome do Senhor” para ser salvo.
QUAL FOI O PRIMEIRO
SERMÃO DE PEDRO?
Qual foi o sermão de Pedro naquele
dia de Pentecostes? Em uma só palavra,
JESUS. Para Pedro e para os discípulos
não havia dúvida: “Deviam os discí-
pulos levar avante sua obra no nome
de Cristo. Cada uma de suas palavras
15
 e atos devia atrair a atenção sobre Seu
nome como possuindo esse poder vital
pelo qual os pecadores podem ser sal-
vos. Sua fé devia centralizar-se nAquele
que é a fonte de misericórdia e poder.
Em Seu nome deviam apresentar suas
petições ao Pai, e receberiam resposta.
Deviam batizar no nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. O nome de
Cristo devia ser a senha, a insígnia, o
laço de união, a autoridade como sua
norma para prosseguir e a fonte de seu
sucesso. Nada devia ser reconhecido
em Seu reino que não trouxesse Seu
nome e inscrição.”4
Pelo estudo do sermão de
Pedro no dia de Pentecostes, Jesus
é revelado a nós, de maneira
maravilhosa, em quatro esferas:
o Jesus humano, o Jesus divino, o
Jesus vivo, o Jesus eterno.
O JESUS HUMANO
Jesus deve ser o foco decisivo de cada
sermão. Como ponto de partida para
o seu sermão, você pode falar sobre
a doutrina, estilo de vida ou ética,
uma parábola, um milagre ou uma
passagem bíblica em particular. Para
o estilo do sermão você pode escolher
a narração, a exposição, a exegese, ou
a história. Você pode refletir sobre
as expressões pessoais do salmista ou
sobre a visão profética de Jeremias,
sobre uma base teológica estabelecida
por Paulo ou sobre a ênfase apocalíp-
tica de João, mas o foco decisivo deve
ser sempre Jesus: exalte-O, louve-O,
atraia seus ouvintes para Ele. Caso
contrário, o que você diz não pode ser
realmente um sermão.
No dia de Pentecostes, Pedro queria
que seus ouvintes não tivessem qual-
quer dúvida ou mal-entendido sobre o
seu tema. Não queria que seu público
pensasse que eram bêbados palradores.
Ele chamou sua atenção para “este
Jesus” (Atos 2:22-36). Repetidamente,
Pedro se referia a Jesus para que seus
ouvintes soubessem que eles ainda
não tinham acabado com Jesus. Eles
podiam achar que tinham se livrado
de Jesus no Calvário, mas estavam
enganados. Jesus sempre está buscan-
do, Seu amor é eterno. Ele vive. Ele
encontra as pessoas todos os dias. Ele
quer que elas tomem uma decisão.
16
Para tornar o significado ainda mais
claro, o apóstolo O identificou como
Jesus de Nazaré. A pregação cristã
deve permitir que o Jesus histórico
confronte a congregação como uma
pessoa humana real. “Este Jesus”, que
adoramos e pregamos, não é uma
figura mitológica. Ele não é um herói
fictício, criado por um gigante lite-
rário ou um fanático religioso. Ele é
uma pessoa histórica real. Ele nasceu
em Belém, viveu em Nazaré, ensinou
por toda a Galiléia, sofreu sob o poder
de Pôncio Pilatos e foi crucificado em
Jerusalém. Caminhou com homens e
mulheres, conversou com eles, comeu
com eles e foi tentado como eles. Jesus
é real. Sua divindade é real. Sua huma-
nidade é real. Sem essa realidade para
proclamar, não há cristianismo, não
há pregação cristã. Jesus é Aquele por
meio de quem Deus desceu até nossa
esfera humana para que Ele possa, de
uma vez por todas, lidar com o proble-
ma do pecado. Ele é o Caminho dado
por Deus, o único Caminho para a
nossa salvação, “pois, debaixo do Céu
não há nenhum outro nome dado aos
homens pelo qual devamos ser salvos”
(Atos 4:12).
“Ir a Cristo”, diz Ellen White, “não
requer muito esforço e agonia mentais;
é simplesmente aceitar as condições de
salvação, as quais Deus esclareceu em
Sua Palavra. A bênção é livre a todos
[...] Vinde pois, e buscai, e achareis.
O reservatório de poder está aberto,
pleno e livre. Vinde de coração humil-
de, não pensando que deveis fazer
alguma boa obra para merecer o favor
de Deus, ou que deveis melhorar-vos,
antes de poderdes chegar a Cristo. Sois
impotentes para fazer o bem, e não
podeis melhorar vosso estado. À parte
de Cristo não temos mérito algum,
justiça alguma. Nossa pecaminosida-
de, nossa fraqueza, nossa imperfeição
humana tornam impossível compare-
cer ante Deus a menos que estejamos
vestidos com a imaculada justiça de
Cristo. Devemos ser achados nEle,
não tendo nossa própria justiça, mas
a justiça que é em Cristo. Então, no
nome que é acima de todo nome, o
único nome dado entre os homens
pelo qual devamos ser salvos”5.
Quando Pedro falou sobre “este
Jesus” – o único meio de salvação
provido por Deus – ele apresentou a
este mundo um grande mistério, uma
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
grande maravilha. Tanto o mistério
como a maravilha se tornaram não só
o ponto central de cada sermão prega-
do desde o Pentecostes, mas também
a única esperança de significado para
a vida. Mesmo Pedro e seus amigos,
que viram a Jesus em carne e sangue,
e falaram como testemunhas oculares
de tudo o que Ele era e de tudo o
que Ele fez, não conseguiram enten-
der muito a Seu respeito. O Jesus
humano permanece como o mistério
eterno. Ele é, verdadeiramente, Deus-
Homem.
O JESUS DIVINO
Esse é o segundo ponto que Pedro
queria que seus ouvintes entendessem.
Jesus era um homem de Nazaré. Nós
sabemos disso. Mas Ele não era um
homem comum. O que Ele era e o que
Ele fez estava no “propósito determi-
nado e pré-conhecimento de Deus”
(Atos 2:23). A missão de Jesus não foi
o resultado de uma autodescoberta ou
autorrealização. Os grandes líderes
religiosos que passaram pela História
descobriram eles mesmos o seu papel
e tentaram levar seus seguidores a
algum grande clímax social ou moral.
Jesus não é um desses grandes líderes.
Ele não é um grande educador. JESUS
É DEUS, invadindo a História no
espaço e no tempo, para executar o
plano estabelecido “desde a fundação
do mundo” (Apocalipse 13:8).
O povo de Jerusalém, incluindo os
sacerdotes e os rabinos, os fariseus
e os saduceus, pensaram que esta-
vam lidando com um homem – um
mestre inconveniente, um fazedor de
milagres, uma pessoa íntegra ou até
mesmo um profeta que estava ali para
julgá-los e cuja vida era uma acusação
moral contra eles. Então escolheram
a cruz e voltaram para casa con-
tentes porque o problema que Jesus
representava estava solucionado. Eles
poderiam estar certos, exceto pelo
fato de que Jesus não era um homem
comum. Ele é Deus. “Este Jesus, que
vocês crucificaram, este Jesus, Deus O
ressuscitou”, exclamou Pedro em alta
voz à multidão reunida em Jerusalém
no dia de Pentecostes. O túmulo não
pôde detê-Lo. Ele Se levantou como
poderoso vencedor sobre o pecado, a
morte e Satanás.
Um sermão deve ser comprovado.
E que prova tem essa declaração de
28.2-3 ANO 2016
Pedro? Ele teve duas provas a ofere-
cer. Para a primeira, ele se baseou na
Bíblia. Não há base sólida para qual-
quer pregação, a menos que ela brote
da Palavra e se mantenha com base
nela. Para os judeus daquele tempo,
a cruz era um símbolo de vergonha.
Eles afirmavam que “qualquer que for
pendurado num madeiro está debaixo
da maldição de Deus” (Deuteronômio
21:23), e, portanto, o Jesus crucificado
não poderia ser o Messias. Mas Pedro
queria que seus ouvintes soubessem
que eles tinham deixado que suas
ideias equivocadas moldassem e limi-
tassem a Deus. Seu egoísmo os tinha
cegado com relação aos propósitos
de Deus. Se eles tivessem deixado de
lado o preconceito e permitido que a
Bíblia fosse a única fonte da verdade,
saberiam que a cruz não foi nenhu-
ma casualidade; era um “determinado
propósito (que vem do grego: boule)
de Deus” (Atos 2:23) A cruz de Jesus
é o boule de Deus, a resposta irrevo-
gável, inalterável para o problema do
pecado. A palavra profética previu
não só a cruz, mas também a ressur-
reição. O apóstolo chamou a atenção
de sua audiência para os profetas que
previram um Messias que não só iria
morrer, mas também cujo corpo não
veria a corrupção. Pedro estava falan-
do sobre o Jesus ressuscitado (Atos
2:25-31; Salmo 16:8-11).
Enquanto o povo sorvia essa inter-
pretação do salmista, Pedro lhes deu
uma segunda prova de que Jesus veio
da parte de Deus: ele próprio era uma
testemunha ocular. Onde quer que
pregasse, ele tinha o privilégio de
dizer que conheceu Jesus pessoalmen-
te. Ele podia falar sobre a cura de sua
sogra, da alimentação dos cinco mil,
do homem no tanque de Betesda, dos
dez leprosos, de Lázaro, do beijo de
Judas, de sua própria traição e, acima
de tudo, da cruz. Podia falar também
sobre a ressurreição. Ele estava entre
os primeiros discípulos a testemunhar
isso, mesmo sabendo que a fé demons-
trada por Maria Madalena tenha sido
maior que a dele nesse caso. Mas essa
é a beleza de ver Jesus: o fato, não a
ordem é que é importante. Quando
você se torna uma testemunha ocu-
lar, pode falar com autoridade, e o
Espírito Santo convence os ouvintes.
Se você não viu Jesus, se não O tocou,
se não falou com Ele hoje, nunca tente
28.2-3 ANO 2016
pregar um sermão! Durante sua pre-
gação, Pedro não disse: “É possível...”,
“É razoável supor...”, ou “Eu tenho
uma opinião a respeito...”. A pregação
não é uma teoria da probabilidade; é o
compartilhar de uma certeza. É uma
testemunha ocular que está relatando
o que o Senhor fez e pode fazer; é a
proclamação do Jesus ressuscitado, do
Jesus divino.
O JESUS VIVO
Pedro teve uma terceira verdade
importante para transmitir em seu
primeiro sermão. O Jesus ressuscitado
ascendeu aos Céus de onde Ele veio.
Mais uma vez ele se voltou para a
Bíblia e apontou para o que Davi pre-
disse: “O Senhor disse a meu Senhor:
Senta-Te à Minha direita até que Eu
ponha os Teus inimigos como estra-
do para os Teus pés” (Atos 2:34, 35;
ver Salmo 110:1). O apóstolo mos-
trou, com base nas Escrituras, como
essa profecia se aplicava a Jesus. Os
moradores de Jerusalém pensaram que
estavam destruindo Jesus quando O
enterraram, sepultando para sempre
a Sua pessoa, o Seu nome e Seus
ensinos em um túmulo selado. Pilatos
lavou as mãos. Os sacerdotes voltaram
para casa satisfeitos por terem acabado
com Aquele que mais os incomodava.
Judas, o traidor, nem esperou para ver
o que ia acontecer. Mas “este Jesus”
não é uma pessoa comum. Nenhum
túmulo poderia retê-Lo. Nenhum
poder político poderia acabar com Ele.
Nenhuma hierarquia religiosa poderia
obstruir o poder de Sua presença. E o
que aconteceu com Jesus?
Ele subiu ao trono de Seu Pai e
assentou-Se à Sua direita, com Seus
inimigos como escabelo de Seus pés. A
profecia é plena de imagens simbólicas,
e os pregadores devem ser cautelosos ao
interpretar esses símbolos. Mas o após-
tolo não teve nenhuma dificuldade com
esses símbolos. Nem nós deveríamos
tê-las. O inimigo de Jesus é Satanás. Na
cruz, ele foi esmagado, derrotado e con-
denado. No grande conflito cósmico
entre o bem e o mal, Jesus Se tornou o
Grande Vencedor, ocupando legitima-
mente a posição de poder e autoridade à
direita do Pai.
E daí? Esse, Pedro imaginava, seria
o pensamento que permeava a mente
de seu público em Jerusalém. Então,
chegou a hora de dizer ao povo quem
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
era “este Jesus”: “Portanto, que todo
Israel fique certo disto: Este Jesus, a
quem vocês crucificaram, Deus O fez
Senhor e Cristo” (Atos 2:36).
Esse foi um ponto decisivo no ser-
mão de Pedro. Os milhares de pessoas
que o ouviam naquele dia vieram de
lugares distantes do Império Romano.
Elas viviam preocupadas com dois
fatores durante toda a sua vida: uma
realidade presente e uma esperança
futura. A realidade presente era que
elas viviam sob o domínio de César.
César era seu senhor na vida diária:
um senhor vingativo e opressor. A
esperança futura era o Messias que
viria, o Cristo. Pedro sabia muito bem
disso, e queria tocar suas emoções e
temores mais profundos. Foi quando
lhes disse: “Este Jesus, a quem vocês
crucificaram, Deus O fez Senhor
e Cristo” (Atos 2:36). Ele é o seu
Senhor: amoroso, cuidadoso, gracioso
Senhor. Ele é o seu Messias. Ele é a sua
realidade presente. Ele é sua esperança
futura – “Este Jesus.”
Quando Jesus é apresentado em ter-
mos tão profundos e transcendentes, a
resposta é inevitável. As pessoas ficam
com os “corações aflitos” (Atos 2:37).
Um sermão, como esse, fundamenta-
do na Palavra inspirada, que testifica
da cruz e da ressurreição, pregado sob
o poder do Espírito, não pode deixar
de levar os ouvintes a se perguntarem:
“O que faremos?” Nenhum sermão
deve terminar sem que alguém faça
essa pergunta. Pregar não é entreteni-
mento. Não é informação distribuída
de maneira aleatória. Não é o mes-
tre de cerimônias apresentando um
show. Está falando sobre “este Jesus”,
conduzindo as pessoas à Sua cruz,
mostrando-lhes Suas feridas, descre-
vendo o Seu triunfo, oferecendo-lhes
a esperança que só Ele pode dar e
convidando-as a aceitá-Lo como seu
Senhor e Salvador. Um sermão que
não dá a seus ouvintes a oportunidade
de se entregarem a Jesus reflete a timi-
dez do pregador ou a sua falta de con-
fiança no poder do Espírito Santo para
controlar vidas e as circunstâncias.
A questão da resposta a Ele não é
algo que esteja dentro de uma con-
formidade legalista com esta rotina
ou àquela doutrina, ou com esta ins-
tituição ou aquele estilo de vida. Estes
podem ser importantes, mas Pedro
queria que sua audiência entendesse
17
 claramente a questão central, da qual
dependia o seu destino eterno: “O que
faremos com este Homem Jesus?”
O ETERNO JESUS
Pedro relembrou de maneira clara a
ânsia com que seus ouvintes fizeram
essa pergunta. Poucas semanas antes,
algumas daquelas mesmas pessoas,
maravilhadas naquele momento com
a maravilha do Pentecostes, gritaram
por Seu sangue. Muitos daqueles que
gritaram: “Crucifica-O, crucifica-O”
queriam saber o que fazer com esse
Jesus ressuscitado. Um pregador nunca
deve desistir de comunicar esperança ao
povo. Hoje, alguém pode rejeitar o que
é pregado; mas, amanhã, a esperança
pode deixar que o Senhor entre em seu
coração. Há poder no sangue de Jesus
para condenar, para convencer, para
transformar. Tudo o que temos a fazer
é crer nas palavras de Jesus: “Mas Eu,
quando for levantado da Terra, atrairei
todos a Mim” (João 12:32).
Isso é tudo. Nós exaltamos Jesus
e Ele faz o resto. Naquele dia de
Pentecostes, o Espírito Santo deu ao
apóstolo as palavras certas para fazer
o seu apelo final: “Arrependam-se, e
cada um de vocês seja batizado em
nome de Jesus Cristo, para perdão dos
seus pecados, e receberão o dom do
Espírito Santo. Pois a promessa é para
vocês, para os seus filhos e para todos
os que estão longe, para todos quan-
tos o Senhor, o nosso Deus chamar”
(Atos 2:38, 39).
O RESULTADO DO SERMÃO
DE PEDRO
A pregação eficaz deve levar ao
arrependimento, a uma mudança de
vida. O arrependimento deve levar
o pecador ao batismo em nome de
Jesus. Deve confirmar a recepção do
Espírito Santo pela pessoa. Deve pro-
clamar a universalidade do evangelho,
tanto para judeus como para gentios,
para aqueles que estão próximos e
para aqueles que estão “distantes”,
para todos os que invocam o nome do
Senhor. “Arrepender-se significa lite-
ralmente ‘mudar de ideia’ sobre quem
é Deus (Ele é o Senhor, Juiz e Salvador
de toda a Terra) e onde houver vida
(não vivendo egoisticamente e em
rebelião, mas em humilde confiança
e obediência a Deus). Praticamente,
isso envolve uma mudança de rumo.
18
Paramos de fugir do nosso Deus e
nos voltamos para Cristo, dependendo
apenas dEle para o perdão, misericór-
dia, orientação e propósito. Em arre-
pendimento, reconhecemos que não
podemos nos salvar – só Deus pode
nos salvar.”6
Você está surpreso com o resultado
que Pedro e os apóstolos alcançaram?
Um batismo de 3.000 pessoas no
primeiro dia de sua campanha evan-
gelística em Jerusalém! Onde a Palavra
é pregada, onde a cruz é pregada,
onde a ressurreição é pregada e onde
o Espírito está presente, há poder e a
igreja cresce. Essa foi a mensagem de
Pedro. E esse é o nosso desafio!
Este artigo foi publicado na revista
Ministry em 1994, mas na presente versão
foi revisado e modificado pelo autor.
John M. Fowler
MS pela Universidade de Siracusa,
Siracusa, NY; MA e EdD pela
Universidade Andrews, Berrien
Springs, MI, é editor da Diálogo.
Fowler foi também diretor
associado do Departamento de
Educação da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia, em
Silver Spring, MD, EUA.
1. Ellen G. White, O Desejado de Todas as
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S
Brasileira, 1990), p. 139.
2. White, O Desejado de Todas as Nações,
p. 793.
3. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1986), p. 27.
4. Ibid., 28.
5. White, Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 1985), Vol.
1, p. 333.
6. Life Application Bible Commentary:
Acts (Wheaton, IL Tyndale House
Publishers, Inc., 1999), p. 37.
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
FÉ VIVA
Ellen G. White
Muitos que buscam sinceramen-
te a santidade de coração e a pu-
reza de vida ficam perplexos e de-
sanimados. Estão constantemente
olhando para si mesmos e lamen-
tando sua falta de fé; e, porque não
têm fé, acham que não podem rogar
as bênçãos divinas. Essas pesso-
as confundem sentimento com fé.
Olham acima da simplicidade da fé
verdadeira, trazendo assim sobre a
sua vida grandes trevas. Deveriam
volver o pensamento de si mesmas
e demorá-lo na misericórdia e bon-
dade de Deus, recordando as Suas
promessas, e então simplesmente
crer que Ele cumprirá Sua palavra.
Não devemos confiar em nossa
fé, mas sim nas promessas de Deus.
Quando nos arrependemos de nos-
sas passadas transgressões de Sua
lei, e resolvemos prestar obediência
no futuro, devemos crer que Deus,
por amor de Cristo, nos aceita, per-
doando-nos os pecados.
Trevas e desânimo às vezes so-
brevêm à alma, ameaçando domi-
nar-nos; mas não devemos rejeitar
a nossa confiança. Devemos con-
servar os olhos fixos em Jesus, quer
haja sentimento quer não. Devemos
procurar cumprir fielmente todo
dever conhecido, e então repousar
calmamente nas promessas divinas.
NÃO DEPENDER DO
SENTIMENTO
Por vezes uma profunda sensação
de nossa indignidade fará atraves-
sar nosso pensamento uma sensa-
ção de terror; mas isso não é pro-
va de que Deus Se tenha mudado
quanto a nós, ou nós quanto a Deus.
Nenhum esforço se deve fazer para
levar a mente a certa intensidade
de emoção. Podemos não sentir
hoje a paz e alegria que sentimos
ontem; mas devemos pela fé tomar
a mão de Cristo e confiar nEle tão
plenamente nas trevas como na luz.
Satanás poderá sussurrar: “Você é
muito pecador para que Cristo pos-
sa salvá-lo.” Embora vocês devam
28.2-3 ANO 2016
reconhecer que são de fato pecado-
res e indignos, poderão enfrentar o
tentador com o brado: “Por virtude da
expiação, eu declaro a Cristo como o
meu Salvador. Não confio nos meus
próprios merecimentos, mas sim no
precioso sangue de Jesus, que me
purifica. Neste momento eu apóio em
Cristo minha desamparada alma.” A
vida do cristão tem de ser uma vida
de constante e viva fé. Uma confiança
permanente, uma firme esperança em
Cristo, trará à alma paz e segurança.
CONTEMPLAR A CRISTO
Não se desanime quando seu co-
ração lhe parecer duro. Todo obs-
táculo, todo inimigo interno, tão-
-somente aumenta sua necessidade
de Cristo. Ele veio para remover o
coração de pedra e dar-lhe um co-
ração de carne. Espere dEle a gra-
ça especial para vencer suas faltas
peculiares. Quando assediado pela
tentação, resista firmemente às in-
sinuações do mal; diga à sua alma:
“Como poderia eu desonrar ao meu
Redentor? Entreguei-me a Cristo;
não posso fazer as obras de Sata-
nás.” Clame ao amável Salvador,
pedindo-Lhe auxílio para sacrificar
cada ídolo e remover todo pecado
acariciado. Deixe que os olhos da fé
contemplem Jesus perante o trono
do Pai, apresentando as mãos feri-
das enquanto intercede por você.
Creia que lhe virá força por meio do
precioso Salvador.
Pela fé olhe as coroas que estão
reservadas para os que vencerem;
escute o canto exultante dos remi-
dos: Digno, digno é o Cordeiro que
foi morto e que nos remiu para
Deus! Esforce-se por considerar re-
ais essas cenas. Estêvão, o primeiro
mártir cristão, em seu terrível con-
flito com principados e potestades,
e a impiedade espiritual nos luga-
res celestiais, exclamou: “Olhem! Eu
estou vendo o Céu aberto e o Filho
do homem em pé, ao lado direito de
Deus.” Atos 7:56. O Salvador do mun-
do foi-lhe revelado a contemplá-lo,
do Céu, com o mais profundo inte-
resse; e a gloriosa luz do semblante
de Cristo pousou sobre Estêvão com
tal brilho que mesmo seus inimigos
28.2-3 ANO 2016
viram sua face resplandecer como a
de um anjo.
Se permitíssemos que nossa men-
te se demorasse mais em Cristo e no
mundo celestial, encontraríamos po-
deroso estímulo e auxílio em lutar
as batalhas do Senhor. O orgulho e
o amor ao mundo perderão o poder
ao contemplarmos as glórias daque-
la Terra melhor, que logo será nossa
pátria. Ao lado da beleza de Cristo,
todos os atrativos terrestres parece-
rão de pouco valor.
MUDAR OS HÁBITOS DE
PENSAMENTO
Que ninguém pense que poderá
alcançar, sem fervoroso esforço de
sua parte, a certeza do amor de Deus.
Quando é permitido à mente demo-
rar por longo tempo apenas sobre
coisas terrestres, é difícil mudar os
hábitos de pensamento. Aquilo que
os olhos vêem e os ouvidos ouvem,
muitas vezes atrai a atenção e absor-
ve os interesses.
Mas se quisermos entrar na cida-
de de Deus e contemplar Jesus em
Sua glória, temos de acostumar-nos
a contemplá-Lo com os olhos da fé
aqui mesmo. As palavras e o caráter
de Cristo devem ser muitas vezes
o objeto de nossos pensamentos e
nossa conversação; e cada dia deve
ser dedicado algum tempo especial-
mente à séria meditação sobre esses
assuntos sagrados.
UMA OBRA DIÁRIA
A santificação é uma obra diária.
Ninguém se engane com a crença
de que Deus lhe perdoará e o aben-
çoará enquanto está transgredindo
um de Seus mandamentos. A prática
voluntária de um pecado conhecido
faz silenciar a voz testemunhadora
do Espírito e separa de Deus a alma.
Seja qual for o êxtase dos senti-
mentos religiosos, Jesus não pode
habitar no coração que desrespeita
a lei divina. Deus só honrará aos
que O honram.
“Pois vocês sabem muito bem
que, quando se entregam a alguma
pessoa para serem escravos dela,
são, de fato, escravos dessa pessoa
a quem vocês obedecem” (Romanos
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
6:16 – NTLH). Se condescende-
mos com a ira, a sensualidade,
a cobiça, o ódio, o egoísmo ou
qualquer outro pecado, tornamo-
-nos servos do pecado. Ninguém
pode servir a dois senhores. Se
servimos ao pecado, não pode-
mos servir a Cristo. O cristão
sentirá as sugestões do peca-
do, pois a carne cobiça contra
o Espírito; mas o Espírito luta
contra a carne, mantendo um
constante conflito. É aí que se faz
necessário o auxílio de Cristo. A
fraqueza humana une-se à força
divina, e a fé exclama: “Mas agra-
deçamos a Deus, que nos dá a
vitória por meio do nosso Senhor
Jesus Cristo!” 1 Coríntios 15:57.
Se quisermos formar um cará-
ter que Deus possa aceitar, temos
de formar hábitos corretos em
nossa vida religiosa. A oração diá-
ria é tão necessária ao crescimen-
to na graça, e mesmo à própria
vida espiritual, como é o alimen-
to ao bem-estar físico. Devemos
acostumar-nos a elevar muitas
vezes os pensamentos a Deus
em oração. Se o espírito se des-
via, devemos fazê-lo voltar; pelo
esforço perseverante, o hábito se
tornará enfim fácil. Não pode-
mos, sem perigo, separar-nos, por
um momento que seja, de Cristo.
Podemos ter Sua presença a cada
passo, mas isso tão-somente
observando as condições que Ele
mesmo estabeleceu.
Mensagens aos Jovens, p. 111-114
* Textos bíblicos da Nova Tradução na
Linguagem de Hoje
19
 PE R F I L

BENJAMIN
PAULO PAIVA
Diálogo com um adventista ex-
vice-presidente da Assembleia
Nacional de Angola
ENTREVISTA DE HUDSON E. KIBUUKA

B
enjamin Paulo Paiva nasceu em uma família
de pastores; seu pai e seu avô serviram à
Igreja Adventista do Sétimo Dia no nordeste
de Angola. Seus pais, defensores ardorosos
da educação adventista, logo o enviaram
para uma escola de ensino fundamental adventista
em Huambo; dali, ele foi para a cidade de Bongo para
cursar o Ensino Médio e continuou estudando para
exercer o ministério na então Bongo Mission Training
School. Após a conclusão de seus estudos, pastoreou
algumas igrejas. Depois de trabalhar nove anos em
vários lugares como pastor, decidiu estudar Teologia
na França, mas não conseguiu. Foi então para Portugal,
onde estudou Direito, permanecendo lá por aproxima-
damente 15 anos. Com a independência de Angola, foi
convidado por um amigo para retornar ao país e parti-
cipar da construção da nação. Lá ele se tornou membro
da Assembleia Nacional e serviu como vice-presidente.
Enquanto esteve na Assembleia Nacional, Paiva
enfrentou alguns desafios, embora prefira se referir a
eles como oportunidades para ampliar o seu ministério.
Uma das suas maiores contribuições foi a de trabalhar
com o governo nacional para reconhecer oficialmente
a Igreja Adventista e tê-la representado na Comissão
de Liberdade Religiosa, abrindo assim caminhos para a
evangelização e a liberdade religiosa no país. Enquanto
esteve no cargo, também foi bem-sucedido em tirar a
Igreja Adventista da obscuridade.
Paiva é casado com Azenate. O casal tem dois
filhos e cinco netos.

 Foi quase por acaso que o senhor
se tornou advogado. O senhor diria
que Deus dirigiu a sua vida para que
fizesse advocacia e que ligação teve isso
com o fato de ser também um pastor?
Quando olho para trás em minha
vida, sempre me lembro das palavras
do famoso hino de William Cowper,
“Deus trabalha de maneira misteriosa
para executar as Suas maravilhas.” É o
que tem acontecido em minha vida! Eu
realmente queria ser um pastor, um pastor
bem preparado e bem educado. Depois
de obter alguma formação pós-secundária
no ministério, o que era tudo que havia
disponível em Angola naquele momen-
to, trabalhei como pastor no meu país
por nove anos. Mas não estava satisfeito.
Eu queria saber mais sobre a Bíblia,
mais de Deus, mais sobre o plano de
salvação e a breve volta de Jesus. Em
Angola, não havia oportunidade para
isso. A opção mais próxima disponível
para mim era a faculdade adventista
em Collonges, na França. Mas não
consegui o visto para entrar no país e
então decidi fazer um atalho e ir para
Portugal, daí então, cruzar as frontei-
ras até a França.
Sendo Angola uma colônia
Portuguesa, eu poderia chegar a
Portugal sem qualquer problema, e
tentaria obter um visto francês de lá.

20 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016

Mas foi sem sucesso. Estava sem saída.
O sonho da minha formação teológica
desabou. Minha estada em Portugal
durou 15 anos, e aqueles foram os anos
que realmente me moldaram. Em meio
a dificuldades, perseverei na colporta-
gem para obter o meu sustento, ter-
minei a licenciatura em Direito como
minha profissão e continuei servindo
como pastor-assistente na igreja local
com meu primeiro e mais profundo
amor à Causa de Deus.
Quando Angola se tornou indepen-
dente, em 1975, um amigo me con-
vidou a voltar para casa. Licenciado
em Direito, havia a possibilidade de
me tornar um membro da Assembleia
Nacional. Resisti à ideia, porém, alguns
me aconselharam a aceitar o convite.
Não era o meu objetivo na vida, mas
alguns pastores amigos me aconselha-
ram a levá-lo adiante. Eles se referiam
ao exemplo de Daniel e José na Bíblia,
que se encontraram em posições que
não esperavam ou para as quais não se
prepararam, mas que acabaram sendo
uma bênção para o país e para a sua
comunidade de fé. Deus fez o trabalho,
executou as Suas maravilhas. Voltei
para casa e me tornei vice-presidente
da Assembleia Nacional de Angola,
uma responsabilidade que assumi por
14 anos.
 Quais foram as suas principais res-
ponsabilidades ou deveres nesse cargo?
Minhas responsabilidades eram
presidir as sessões da Assembleia na
ausência do presidente. Eu também
servi como membro e, às vezes como
presidente das importantes comis-
sões de construção da nação, como
a Comissão de Liberdade Religiosa
em Angola, a Comissão de Defesa
Nacional, entre outras. A minha atua-
ção na Assembleia Nacional e em várias
comissões abriram caminho para que
eu convidasse os líderes da igreja a se
envolverem em algumas comissões,
de maneira especial a Comissão de
Liberdade Religiosa, na qual foram fei-
tas decisões que impactaram o cenário
religioso da emergente nação angolana,
agora independente.
Fiquei particularmente satisfeito
porque poderia desempenhar um papel
com relação à fé adventista. Os mem-
bros da Igreja Adventista em Angola
constituem uma pequena comunidade
de fé que enfrentou problemas com o
28.2-3 ANO 2016
sábado em todas as esferas da vida. Por
ter ganhado o respeito dos meus cole-
gas e outros funcionários do governo,
consegui resolver algumas das ques-
tões de liberdade religiosa. No início
da minha carreira, declarei que era
adventista do sétimo dia, o que me per-
mitiu exercer um papel significativo na
construção da nação, como também
preservar o núcleo da fé e do estilo de
vida adventista.
No início, alguns amigos esta-
vam apreensivos por minha adesão à
Assembleia Nacional, como a antiga
dicotomia entre Deus ou César que
continua a ser um desafio para a fé e o
patriotismo. Acredito que o problema
desaparece quando a pessoa tem, de
forma clara em sua mente, a necessi-
dade de fazer distinção entre os dois
lados e viver a fé sem reservas e sem
comprometimentos. À luz de tal fé, o
dever para com o país será cumprido.
 O que o manteve fiel no cargo
público?
O crédito vai em primeiro lugar para
a educação familiar que recebi, por
inspirar em mim um amor absoluto e
uma firme devoção a Deus. Quando
Ele é colocado em primeiro lugar,
nenhuma vida se perde. Meus pais
eram amorosos e firmes nas crenças
fundamentais adventistas do sétimo
dia e as ensinaram a nós sem vacilar.
A família, portanto, tem muito a ver
com o que as crianças se tornam mais
tarde na vida.
Em segundo lugar, presto a minha
homenagem à educação adventista. A
formação do caráter, que é o ponto
central em nossas escolas, não pode ser
subestimada. Sempre fui guiado por
essa poderosa filosofia enunciada por
Ellen G. White: “A verdadeira educação
significa mais do que a prossecução de
certo curso de estudos. Significa mais
do que a preparação para a vida presen-
te. Visa ao ser todo, e todo o período
da existência possível ao homem. É o
desenvolvimento harmônico das facul-
dades físicas, intelectuais e espirituais.
Prepara o estudante para o gozo do ser-
viço neste mundo e para aquela alegria
mais elevada por um mais dilatado ser-
viço no mundo vindouro.” (Educação,
p. 13). Cristo e o compromisso com
Seus valores fundamentais têm sido o
centro da minha vida e serviço.
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
 O senhor pode citar algumas situ-
ações em que encontrou oportunidades
para testemunhar?
Como ministro do evangelho, meu
desejo sempre foi ser uma influência
positiva em favor de Cristo. Houve
muitas vezes em que não falei nenhu-
ma palavra, mas a reação dos meus
colegas me ajudou a ser uma testemu-
nha. Por exemplo, houve uma vez em
que vários membros da Assembleia
Nacional foram convidados para uma
conferência na Itália. A reunião foi
agendada para o sábado, mas os meus
colegas avisaram que eu não poderia
participar e, portanto, a reunião foi
suspensa. Outra vez foi quando estive-
mos no Brasil para mais uma conferên-
cia, e algo semelhante aconteceu. Os
meus colegas novamente defenderam
a minha fé e a reunião foi remarcada
para outro dia. Na Grã-Bretanha, na
hora do almoço com altos funcionários
do governo, um dia, tive o privilégio
de dar graças antes da refeição. Pode
não parecer grande coisa, mas quando
a fé e a sua prática são respeitadas em
ambientes seculares, é hora de dizer
um grande “Amém!”.
Quando participa de festas, a sua
escolha durante as refeições e a sua
abstinência de certas bebidas que são
comuns a profissionais em tais ocasiões
significa que você permanece firme no
que acredita. Tais ocasiões se tornam
momentos para testemunhar, quer
reconheçam como tal ou não.
O meu título na assembleia e entre
os meus colegas sempre tem sido o de
“Pastor”.
 Agora o senhor está de volta como
pastor em tempo integral. Como isso
aconteceu?
Talvez eu devesse fazer uma peque-
na correção. Embora tenha trabalhado
na Assembleia Nacional por 14 anos,
nunca deixei o ministério. É verdade,
não servi à igreja como assalariado, mas
o meu testemunho de fé me é caro e o
meu amor ao Senhor nunca vacilou. Em
qualquer situação em que estive, sempre
dei testemunho de minha fé e não hesitei
em oferecer meus louvores a Deus. Na
verdade, eu me sinto feliz por ter sido
considerado um pastor durante esses 14
anos, tanto pelos meus colegas nacionais
como pelos membros da igreja.
Após 14 anos de serviço na assem-
bleia, chegou o momento em que eu
21
 devia dar lugar a outra pessoa. Eu o fiz e
estou feliz por ter retornado ao pastorado
em tempo integral. A igreja à qual devo
minha vida e fé convidou-me para ser
diretor de departamento da União, uma
responsabilidade que realizo feliz. Agora
trabalho na União Nordeste de Angola,
na área de Ministério da Família e como
diretor de Relações Públicas e Liberdade
Religiosa. Também sou diretor da área
de Capelania para todo o país, servindo
às duas uniões.
Além disso, estou envolvido direta-
mente no evangelismo, realizando um
trabalho evangelístico. Não faz muito,
54 pessoas foram batizadas como fruto
desse trabalho. Essa é a minha maior
alegria. Continuo recebendo convites
para participar em várias organizações
e postos do governo, mas a maior
alegria da minha vida é estar ligado
diretamente à missão da igreja.
 Que conselho o senhor daria aos
jovens profissionais adventistas do séti-
mo dia interessados em seguir carreira
na vida pública e cívica?
Em primeiro lugar e acima de tudo,
seja fiel à sua vocação. Seja um adven-
tista do sétimo dia, e depois dê atenção
22
às outras coisas. Em segundo lugar,  O senhor tem alguma palavra
reivindique as promessas de Deus. Ele final para os jovens que vão ler esta
promete nunca nos deixar sozinhos e entrevista?
demonstrou isso na vida de Daniel, Salvar almas é a principal razão
José, Ester, Neemias e muitos outros. pela qual nós existimos. Todos, jovens
Em terceiro lugar, saiba qual é o seu e velhos, membros leigos e pastores,
objetivo. Como cristãos, nosso obje- devem se envolver ativamente na mis-
tivo é o Céu e devemos compartilhar são da igreja. Viver uma vida de inte-
essa boa notícia com tantos outros gridade é uma poderosa ferramenta
quanto nos seja possível para que eles para garantir o sucesso na conquista de
também possam ter a mesma esperança pessoas para Cristo.
que temos.
Se o Céu é o objetivo, nossas decisões
Hudson E. Kibuuka
não devem nos levar para longe dele. Se
for convidado para exercer a vida cívica DEd pela Universidade
e os deveres cívicos a ela relacionados, da África do Sul, é diretor
mantenha a sua integridade, e não abra associado do Departamento de
mão dos fundamentos da fé e da ética. Educação da Associação Geral
Quando você está totalmente com- dos Adventistas do Sétimo Dia,
prometido com a sua fé, outros não só Silver Spring, Maryland, EUA.
irão respeitá-lo, mas também vão lutar
suas batalhas por você e você será uma
influência positiva e uma testemunha
para Deus. Atreva-se a ser um Daniel.
Para algumas dessas pessoas, você pode
ser a única influência positiva que eles
terão para se unir a Cristo. Muitos
talvez jamais vão assistir a reuniões
evangelísticas, mas podem aprender
algo com você.
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016
P O NTO D E V I S TA

A SUA GRAÇA É
SUFICIENTE
“Cinzas às cinzas, pó ao pó.” As batidas surdas ecoavam como trovoada enquanto
os torrões eram atirados em meio a grande tristeza sobre o caixão do meu amado
pai, que acabava de ser baixado. Havia uma sensação de finitude. Minha vida
passou diante de mim como em um filme, percorrendo quatro décadas e fazendo
pausas instantâneas em certos acontecimentos e pessoas importantes.

PHILIP SARGUNAM

O
ito desses mais de 40
anos foram passados
nos Estados Unidos da
América do Norte, a
milhares de quilômetros
de distância. Quando saí de casa, meu
pai era o que dava força à minha vida,
e ali estava ele, frio, imóvel e distante.
Sepultados com ele estavam sendo os
seus sonhos de ver um filho bem-suce-
dido. Alguém que pudesse assumir as
responsabilidades da família… Alguém
de quem ele ficaria orgulhoso de cha-
mar de “seu filho”. Eu era a sua vida,
mas o que eu tinha dado a ele e à minha
mãe? Tristeza, dor, solidão e labuta
ingrata! Minha mente estava como que
adormecida. A dor era muito intensa
para suportar… O vácuo, um abis-
mo ameaçando me engolir por inteiro.
Onde eu tinha errado?
Nascido em uma família adventista
do sétimo dia, na parte sul da Índia,
aprendi a amar a Jesus com as histórias
que minha mãe sempre me contava.
Eram histórias da Bíblia e histórias
de missionários que enfrentaram os
desafios da vida para pregar o evan-
gelho, embora dependedo do infalível
poder e amor de Deus. De maneira
indelével, ficaram gravadas em minha
mente jovem as imagens de um Jesus
amoroso e pessoal, que também podia
ser meu amigo. Aprendi cedo a orar e
a compartilhar o meu pequeno mundo
com Jesus.
Meus pais eram muito amorosos e
carinhosos, e eu, como filho único,
era o centro de seu mundo, de suas
esperanças e de seus sonhos. No entan-
to, por serem de origens totalmente
diferentes, minha mãe e meu pai nem
sempre combinavam muito bem. Em
diferentes planos, tanto cultural, como
educacional e espiritualmente, aos pou-
cos, suas diferenças foram corroendo a
paz e a segurança da atmosfera do nosso
lar. Na tentativa de compensarem essa
situação, muitas vezes comprometiam
a disciplina e cediam às minhas exigên-
cias. O esforço de minha mãe para me
manter ligado a Deus foi enfraquecido
pela complacência espiritual do meu
pai. Em algum ponto da minha vida,
entre a tentativa de fugir da desagra-
dável realidade e a força implacável da
pressão exercida por eles, perdi o meu
interesse por Jesus. (Graças a Deus, Ele
nunca perdeu Seu interesse por mim!).
Meus anos turbulentos na adoles-
cência tinham aumentado os picos de
depressão e altos e baixos, mas a luz do
amor de Deus brilhava em momentos e
situações inesperados em minha vida.
Era como se Jesus soubesse exatamen-
te quando eu tinha atingido o ponto
máximo e estendia a mão para alcançar
o meu coração através das pessoas,
semanas de oração e orações respondi-
das. Cresci em um campus universitário
e os meus dias foram preenchidos com
atividades acadêmicas, sociais e espiri-
tuais, mas a decadência havia começa-
do. Minhas notas caíram, e minha cres-
cente desilusão com a vida encontrou
sua expressão na rebelião. Olhando para
trás, percebo que também tinha come-
çado a culpar Deus por tantas situa-
ções negativas em minha vida. Passava
muito tempo em salas de cinema, lendo
romances e na companhia de amigos
que andavam por caminhos duvidosos.
Meus professores tinham me elimina-
do, e meus velhos amigos discutiam
perplexos minha espiral sempre descen-
dente, sentindo muita pena de mim.
O que é impressionante é que, através
das muitas fases dolorosas e frequentes
da minha vida, Deus nunca me abando-
nou e alcançava meu coração e minha
mente com Sua voz mansa e suave,
iluminando o meu mundo escuro com
os raios de Seu maravilhoso amor. Seu
amor era maravilhoso porque parecia
me procurar e me aceitar em minha
própria indignidade. Ao finalizar o

28.2-3 ANO 2016 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 23

 ensino médio, para a surpresa de mui-
tos, decidi cursar Teologia no Spicer
Memorial College, em Pune, na Índia.
O Espírito Santo não queria me aban-
donar. Esse incrível Jesus estava criando
situações que Lhe daria a oportunidade
de Se revelar para mim. Infelizmente,
em vez de olhar para cima, olhei para
dentro e em torno de mim mesmo, per-
dendo assim a fé em Deus e na igreja.
Eu era o mais jovem da primeira turma
do programa de Mestrado no Spicer,
mas aí tudo passou a ser mera rotina.
No íntimo, eu desejava escapar daquele
trabalho penoso e começar uma nova
vida. Religião, eu pensava, não foi feita
para ser assim. Quanto mais você se
esforçava, mais falhava. Ou você finge
estar sendo bem-sucedido, ou acaba se
desanimando e cai em desespero. Jesus,
o meu Amigo de infância, acabou Se
tornando apenas um conceito, Alguém
sobre quem eu estudei e falei a respeito.
Por vezes, até debati sobre Ele! Minha
vida ficava cada vez pior. Para diminuir
o vazio que me corroía por dentro,
comecei a preenchê-lo com relaciona-
mentos, e eu sabia que eram atividades
que pertenciam a uma zona proibida.
Foi nesse momento desastroso que
tive a oportunidade de ir para os
Estados Unidos. Aquele era provavel-
mente o pior momento possível para
uma pessoa, nas condições espirituais
e emocionais em que me encontrava,
navegar nos inexplorados mares da vida,
em uma terra cheia de oportunidades
para o que é bom, para o que é mau e
para o que é duvidoso. Era fácil e con-
fortável estar nos dois últimos.
Para fazer um resumo dos oito anos
que passei nos Estados Unidos, posso
dizer que eles foram dias cheios de
trabalho duro, baladas e uma busca
inútil pelo amor que conheci quando
criança – o amor do meu Amigo de
infância, Jesus. Inútil, porque eu O
procurei fora das relações humanas. A
igreja, principalmente, estava fora dos
limites e a maravilhosa Palavra de Deus
fora da minha mente. O Deus Criador
e Seu santo sábado, que no passado era
a alegria da minha vida, agora não sig-
nificavam nada para mim.
Então, de repente, veio o telefonema
às 3h da manhã. Dois dias depois,
eu estava em um avião de volta para
a Índia. Meu pai estava morrendo e
eu corri para estar junto dele em seus
últimos dias de vida. A previsão era de
24
que ele morreria em poucos dias, mas mou minha orgulhosa e voluntariosa
ele sobreviveu por algum tempo ainda. mãe em uma avó tranquila, humilde e
Acabei não voltando para os Estados temente a Deus, aguardando ansiosa-
Unidos, pois decidi cumprir meus mente pela Segunda Vinda. Vi como
deveres para com meus pais. Consegui fui abençoado com uma esposa amo-
um emprego nas proximidades, e vivia rosa e dois filhos maravilhosos. Mas, o
no mundo da incerteza, sabendo que o mais surpreendente de tudo, é a forma
câncer do qual meu pai estava sofrendo como a Sua justiça é miraculosamente
’
qualquer dia iria matá-lo. O dia che- transferida para a minha vida, por meio
gou, mas o sofrimento e a separação do Espírito Santo, criando em mim o
foram tão intensos que só voltei ao anseio por Sua justiça e me capacitando
trabalho quase três semanas depois. O com o Seu poder para amá-Lo por meio
meu patrão tinha seus próprios planos das minhas ações.
e me despediu. Deus continua fazendo algo belo da
Fiquei atordoado! A dupla perda, minha vida e percebo, cada dia, que sou
as marcas do sofrimento tão profun- o que sou por Ele ser quem Ele é. Para
damente gravadas no rosto de minha Ele “mesmo esta vida terrestre devemos
mãe, a incerteza do que estava por à morte de Cristo. O pão que comemos
vir para mãe e filho levaram-me a é o preço de Seu corpo quebrantado. A
uma profunda autorreflexão. Foi nesse água que bebemos é comprada pelo Seu
momento de angústia que a promessa derramado sangue.”*
de Jesus, que nunca falha, parece ter A Deus seja a glória. A Sua graça é
tomado conta de mim. Jesus, o meu suficiente!
Amigo de infância, parecia estar per-
guntando lá dentro do meu conturba- *Ellen G. White, O Desejado de Todas as
do coração: “Onde você estava?” Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
Foi então que, naquele momen- 1996), p. 660.
to, Jesus, através do Espírito Santo,
colocou dois pensamentos em minha
Philip Sargunam
mente: Era esse o tipo de vida que eu
é educador adventista
queria, e o sucesso material era tudo
e trabalha atualmente
o que importava? Será que eu real-
como gerente sênior
mente daria uma chance a Deus? Não
no desenvolvimento de
demorei muito tempo. Decidi entregar
produtos na Manipal City
minha vida a Jesus. A partir daquele
and Guilds Private Ltd., em
momento, eu faria o que Ele me man-
Bangalore, Índia.
dasse fazer. E assim teve início uma
nova jornada de fé e compromisso com
o meu Amigo, que é o mesmo ontem,
hoje e eternamente. Eu me rendi com-
pletamente. Colocando a minha mão
na mão de Jesus e o meu coração sob
Seus cuidados, minha jornada com Ele
tinha começado.
A primeira parte da minha jornada
eu passei imerso naqueles livros maravi-
lhosos, Caminho a Cristo e O Desejado
de Todas as Nações. Eu me apaixonei
por Jesus – mais uma vez. Experimentei
o Seu perdão. Estava e ainda continuo
maravilhado em ver como a Sua justiça
é suficiente para manter vivo, este que
é o “pior dos pecadores”, até que Ele
venha novamente. Fiquei maravilhado
em ver como a Sua justiça cobriu os
meus pecados hediondos e eu me tornei
mais uma vez um com o Pai. Pude ver
também como a Sua justiça levou meu
pai a uma experiência de conversão,
pouco antes de sua morte, e transfor-
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016
LOGO S
AS DIMENSÕES DA
SABEDORIA
Em última análise, a sabedoria tem a ver com a compreensão do caráter de
Deus e as formas como respondemos adequadamente às Suas ordens.
WARREN A. SHIPTON
A
qualidade da mente que
chamamos de sabedo-
ria é uma característica
única da raça huma-
na, embora não seja
igualmente expressa em todos os seus
membros. A sabedoria é também uma
característica permanente de Deus, que
a possui desde o início (Provérbios 8:12,
22, 23). Tendo em vista que os seres
humanos foram feitos à imagem de
Deus, tanto o conhecimento como a
sabedoria foram dados na criação, e
ambos aumentaram com as maravilhas
do mundo natural e o contato com Deus
no Jardim do Éden (Gênesis 1:26, 27).
Nossas experiências de vida nos mos-
tram como podemos adquirir conheci-
mentos através da observação, da ins-
trução formal e informal, da leitura,
da experiência e experimentação. As
informações básicas sobre o mundo em
que vivemos e como ele funciona, bem
como os detalhes de sua história pas-
sada, são aparentemente intermináveis.
Nenhum de nós é capaz de compreen-
der todos os aspectos do conhecimento,
embora alguns cheguem a ter um alcan-
ce enciclopédico.
A maioria das pessoas demonstra ter
um pouquinho de sabedoria que cha-
mamos de “bom senso”. Elas tomam
seguras decisões sociais e morais, ade-
quadas para a ocasião e aceitáveis den-
tro de sua cultura. Os indivíduos que
consideramos sábios são aqueles que
28.2-3 ANO 2016
demonstram ter julgamentos bem pon-
derados e consistentes, são perspicazes
nos relacionamentos, na influência que
exercem, nos padrões de pensamento
e são peritos na resolução de proble-
mas. Algumas dessas habilidades podem
ser desenvolvidas. No entanto, há um
aspecto da sabedoria que merece a nossa
séria consideração: Como vamos tomar
decisões seguras sobre o nosso bem-estar
eterno? Para fazermos isso, precisamos
ter claras percepções quanto ao caráter e
maneiras de Deus agir.
A BASE DA SABEDORIA
Há um bem conhecido versículo
em Provérbios 9:1, no qual lemos que
a sabedoria tem sete pilares. Muitos
tentaram explicar essa afirmação, mas
sem unanimidade e, certamente, sem o
reconhecimento da comunidade acadê-
mica. O livro de T. E. Lawrence, com
o enigmático título Os Sete Pilares da
Sabedoria, não traz nada para nos aju-
dar. Com um capcioso título de capa,
descreve internamente as experiências
do autor durante a revolta árabe contra
o Império Otomano (1916-1918).
Voltando ao versículo de Provérbios,
os comentaristas têm sugerido que uma
casa com sete pilares seria considerada
imponente, magnífica e perfeita. Tal
construção poderia apontar para as res-
ponsabilidades e obra de Cristo em favor
da humanidade (cf. Provérbios 8:22-
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
31).1 Talvez agora possamos começar a
entender essas questões, considerando
algumas das visões, imagens e símbolos
usados na Bíblia para descrever o Ser, o
caráter e obra de Cristo. Ao compreen-
dê-Lo, podemos adquirir a verdadeira
sabedoria que nos levará à salvação.
• Doador da Vida – A primeira
pista para o caráter de Cristo é dada
em Gênesis 2:7, 5-15. Aqui Ele é reve-
lado como um Ser pessoal, moldan-
do cuidadosamente o barro como um
escultor-mestre, depois soprando vida
no modelo e, posteriormente, fazendo
uma auxiliadora perfeita, Eva. Suas
instruções detalhadas e Sua comunica-
ção com Adão, Seu cuidado e interes-
se em providenciar uma companheira
demonstram o Seu interesse na saúde
física, intelectual, social e espiritual da
nova ordem dos seres.
Nosso primeiro snapshot de Cristo é
o de Alguém que tem pleno conheci-
mento (onisciente), poder (onipotente) e
envolvimento pessoal (cf. Jó 1:1-4, 14).
Essas características são a base de Suas
atividades como Salvador da humani-
dade (Lucas 5:22-25) e Regenerador do
mundo (Apocalipse 21:3-7).
• Fonte de santidade e bondade – A
exaltada natureza de Deus foi revelada
a Moisés de forma impressionante no
fenômeno da sarça ardente (Êxodo 3:2-
6). Nada em sua experiência anterior na
corte egípcia o preparou para compre-
ender aquela maravilha. Em resposta ao
25
 seu espírito curioso, Deus o instruiu a
tirar as sandálias, pois o lugar em que
estava era santo. Moisés ficou estupe-
fato com aquela revelação e teve medo
de olhar para o arbusto que represen-
tava a presença velada de Cristo. Uma
demonstração semelhante dessa glória
foi vista ao ser finalizada a construção
do santuário durante a peregrinação dos
israelitas no deserto (Êxodo 40:34-38).
A glória revelada simbolizava a
santidade de Deus, como indicava a
inscrição na mitra do sumo sacerdo-
te: “SANTIDADE AO SENHOR”
(Êxodo 39:30). A visão do profeta Isaías
(capítulo 6:1-4) também nos dá uma
dimensão dessa grandeza, ao ele relatar
que viu Deus assentado em Seu trono,
cercado por serafins que proclamavam
“Santo, santo, santo é o Senhor dos
Exércitos” e, a seguir, toda a Terra
declarava que estava cheia da Sua glória.
A santidade é uma qualidade designada
para descrever a Deus (Apocalipse 4:8;
15: 4). É uma qualidade que resume os
atributos pertencentes somente a Ele:
imortalidade, amor, poder e glória.2 Na
verdade, “a suprema glória dos atributos
de Cristo é a Sua santidade”.3
Uma compreensão maior foi dada a
Moisés quando ele desejou conhecer
mais sobre o caráter de Deus (Êxodo
35:13). Nós sabemos de sua busca atra-
vés do capítulo 33, logo após a experi-
ência traumática da rebelião do bezerro
de ouro, pela quebra das tábuas dos
Dez Mandamentos (Êxodo 32:16-20) e
em seu pedido para que seu nome fosse
tirado do Livro da Vida para salvar o
povo que estava sob sua responsabilida-
de (versos 31-33).
Deus estava descontente com a res-
posta do povo aos Seus atos de bondade
e às instruções dadas a Moisés para que
os conduzisse à terra prometida com
a ajuda do Seu “Anjo” (Êxodo 32:34).
Moisés rogou a Deus para lhe revelar
quem era aquele Ser (Êxodo 33:12-17,
cf. v. 3). É quase certo que, no final,
Moisés compreendeu que não era outro
senão o próprio Cristo (cf. 1 Coríntios
10:4). Quando Deus concordou em ir
novamente com Seu povo, então arre-
pendido, Moisés pediu para conhecê-Lo
mais plenamente (Êxodo 33:17-19).
Foi aí que Deus mostrou a Moisés a
glória do Seu caráter, que continha as
características expressas pelas palavras
“compassivo e misericordioso, paciente,
cheio de amor e de fidelidade” (Êxodo
26
34:6). Então Deus continuou enfati-
zando que a misericórdia não dispensa
o exercício da justiça (v. 7). Devido
aos acontecimentos antecedentes e aos
privilégios concedidos a Moisés, pode-
mos afirmar também que ele aprendeu
novamente que “Deus é amor”.
• Misericórdia, justiça, verdade e
amor – As qualidades essenciais de
misericórdia, justiça e verdade, encon-
tradas no caráter de Deus, foram real-
çadas na revelação pessoal de Deus a
Moisés.4 Todas essas, no entanto, deri-
vam do fato de que Deus é amor.5 Por
isso, vamos continuar a nossa discussão
com o conceito de amor.
A descrição mais concisa de Deus
está em 1 João 4:8: “Deus é amor”. No
entanto, esse não é um amor comum.
É o amor do tipo ágape. Isto requer
alguma explicação, mas vai valer a pena
o esforço. Uma compreensão correta
desse termo também nos protegerá de
inúmeros erros comumente vistos nas
comunidades cristãs.
As características desse amor são
assim descritas:
Espontâneo e independente de valor –
A expressão do amor de Deus não pode
ser explicada. Não há qualidade na raça
humana que exija que Deus o expresse.
Também não há qualquer base legal
que requeira a sua expressão, pois nossa
justiça é “como trapo de imundícia”
(Isaías 64:6). Deus estende o Seu amor
aos pecadores – a todos os pecadores
– independentemente de sua conduta
(Mateus 5:45).6
Criador – O Doador da Vida, através
do exercício do amor, valoriza aquele
que o recebe.7 O dom da vida aos peca-
dores (João 3:16) os salva do destino da
merecida morte eterna (Romanos 6:23).
Os beneficiários tornam-se “filhos e
filhas de Deus”, “nação santa” (1 Pedro
2:9; 1 João 3:1). Verdadeiramente, o
material mais inútil tornou-se vivo e
valioso em virtude da operação do
Espírito de Deus (Ezequiel 37:1-11, 14).8
Iniciador da comunhão. Os seres
humanos são incapazes de se aproximar
de Deus agradavelmente, através das
boas obras ou pela intensidade de seu
arrependimento. Deus é o iniciador da
comunhão; Ele ofereceu o sacrifício de
Seu Filho (Gênesis 3:15; Romanos 10:
3; Gálatas 5: 4).9
A primeira visão de Deus apresentada
nas Escrituras é o Seu cuidado (amor)
pelo bem-estar da ordem recém-criada
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
de seres feitos à Sua imagem. Isto é
evidente nos arranjos idealizados para
o companheirismo (Gênesis 2:18). O
próximo capítulo revela essa qualidade
em um ambiente diferente. Adão e
Eva acabavam de desobedecer a Deus.
O que encontramos é uma expres-
são extraordinária do Seu amor. Deus,
na realidade, procurou o recém-criado
casal no jardim e apresentou-lhes então
o Seu plano de salvação (3:8, 9, 15).
Finalmente, Ele providenciou a pele
de animal para se cobrirem (v. 21),
tipificando a cobertura da justiça a ser
propiciada pelo sacrifício de Cristo no
Calvário (Salmo 32:1; 85:2).
O amor de Deus estendeu a mão para
resgatar os seres humanos indignos, que
não tinham nada a oferecer. Nunca
devemos denegrir a noção do amor
ágape com elementos do amor humano,
tal como o amor eros. Tal amor é aquisi-
tivo, egoísta, olha para o valor do objeto
e procura se autopromover.10
No momento em que Moisés preparou
as tábuas de pedra para que Deus nelas
escrevesse a lei novamente, ficou claro
que o propósito dos Dez Mandamentos
era chamar os ouvintes/leitores a Deus
para que Ele pudesse transformar sua
mente, e assim respondessem de forma
adequada ao Seu amor (Deuteronômio
10:12-22). O versículo 15 é particular-
mente enfático ao afirmar que Deus
“Se afeiçoou aos seus antepassados e os
amou”, e aos “descendentes deles, esco-
lheu entre todas as nações, como hoje se
vê”. Podemos observar que isso foi logo
após a sua rebelião! Essa é verdadeira-
mente uma declaração notável.
Reconhecer a natureza inseparável
das qualidades que fluem do amor
(misericórdia, justiça e verdade) é uma
característica importante do ensina-
mento bíblico (Salmo 89:14). Isso se
torna particularmente evidente quando
olhamos para o santuário que Moisés
construiu durante a experiência do
Êxodo, em resposta à instrução dada
por Deus (Êxodo 24:16-18; 21, 22).
No Lugar Santíssimo (o lugar de onde
emanava a glória de Deus), havia uma
arca (recipiente especial), que tinha uma
cobertura ou propiciatório sob o qual
estavam os Dez Mandamentos (código
de comportamento moral) Êxodo 31:16-
18 e 32:15-19. Essa lei moral especifica
o padrão que será utilizado na aplicação
do juízo sobre o pecador (Romanos 7:7-
12). A extraordinária imagem do plano
28.2-3 ANO 2016
de salvação de Deus, apresentada no
modelo do santuário, nos assegura que
Deus julga os pecadores somente depois
de lhes ter sido oferecida abundante
misericórdia.
A misericórdia e a justiça são o fun-
damento do trono de Deus (Salmo
85:10; 89:14); em outras palavras, uma
não é completa sem a outra. O sacrifí-
cio de Jesus em nosso favor foi feito tão
somente para satisfazer às exigências da
lei (Romanos 5:12-21), que requeria a
morte do pecador. Ele demonstrou, pela
Sua ressurreição, que o caráter de Deus
não é falho, que os princípios sobre os
quais o Seu reino foi fundado são capa-
zes de suportar o escrutínio mais rigoro-
so. Isso significa que a lei moral é infa-
lível e eterna (Salmo 119:142), um fato
que os anjos mensageiros do Apocalipse
proclamam bem alto (14:6-12).
Jesus era “cheio de graça e de verda-
de” (João 1:14). Ele evidenciou essas
características em Seu ministério (por
exemplo, Mateus 5:17-19; 22: 36-40;
Lucas 4:18, 19; 5:31, 32), mas lembrou
os descrentes e rebeldes de que a exis-
tência da verdade absoluta demanda
expiação (Mateus 5:21, 22; João 5:24;
cf. Romanos 2:2 14:10). Sabemos que a
expiação era o penúltimo evento do ano
religioso judaico (Dia da Expiação ou
do Perdão). O próximo evento era uma
celebração de ação de graças (Levítico
23:34, 39, 40), realizada como um sím-
bolo de Cristo pondo fim ao reinado do
pecado e o triunfo dos santos.
O PRINCÍPIO DA SABEDORIA
Vários escritores bíblicos indicam que
a sabedoria começa quando demonstra-
mos um profundo temor pela grandeza
e santidade de Deus (Jó 28:28; Salmo
111:10; Provérbios 9:10). Na sarça
ardente, esse foi o ponto de partida da
experiência de Moisés. A maneira como
respondemos a semelhante revelação é
de extrema importância. Podemos dizer
que a reação de Isaías seria um primeiro
modelo adequado: “Ai de mim!” (Isaías
6:5; cf. 1 Coríntios 1:29), e a segunda é
aceitar a provisão da redenção oferecida
por Cristo, Seu dom de justiça e glori-
ficar a Deus por Sua graça e Seus dons
(Provérbios 9:3-6; 1 Coríntios 1:30).
Essas reações representam a resposta
da fé nos méritos de Cristo, pelos quais
os crentes são “purificados, alvejados, e
refinados” (Daniel 12:10). Tais crentes
vão aceitar e honrar o código moral
28.2-3 ANO 2016
de Deus (Apocalipse 14:12) e evitar o
mal (Provérbios 14:16). Na verdade, o
primeiro anjo de Apocalipse 14 requer
tal resposta. A mensagem é para todas
as pessoas, em todos os lugares, para
que compreendam o amor de Deus
e aceitem Sua oferta de misericórdia
por meio da fé (cf. v. 6, 12). Então, a
garantia é dada àqueles que recebem tal
sabedoria e que irão entender, através
de Sua palavra profética, que Deus está
prestes a julgar o mundo com justiça.
O anjo enfatiza que o antitípico Dia da
Expiação chegou, e a segunda vinda de
Cristo se apressa. A resposta adequada a
essa revelação é que todos reconheçam a
Deus como o Criador e O adorem (v. 7).
Aqueles que escutam o que dizem
este e os outros anjos reconhecem que
Deus é um Ser em quem a verdade
moral reside, e eles respeitam o Seu
Código de Justiça. O que não nos deve
surpreender é que os sábios de todas as
épocas reconheceram as características
proeminentes do caráter de Deus e
responderam a elas de forma adequada.
VÁ E CONTE
“O pecado se nos tornará aborrecível”
ao considerarmos o caráter de Deus;11
Tais considerações nos dão a confiança
de que também existe uma solução
bem pensada para o dilema do peca-
dor. Deus, em Sua misericórdia, tomou
objetos sem valor e “graças ao valor do
sacrifício feito em seu favor, são estima-
dos aos olhos do Senhor”.12 O valor do
objeto de resgate pode ser estimado ape-
nas em relação ao preço pago. Mas a sua
natureza infinita é apreciada por todos
os verdadeiros discípulos e se traduz em
um desejo ardente de dizer aos outros
como eles são preciosos aos olhos de
Deus.13 O profeta Daniel expressa sucin-
tamente esse pensamento quando diz
que os sábios “reluzirão” brilhantemente
e “conduzem muitos à justiça” (Daniel
12:3; cf. Provérbios 11:30).
Os sábios têm muito a compartilhar
porque eles reconhecem que o “Grande
Conflito trata do caráter de Deus.”14
Aqueles que possuem uma compreensão
clara do Seu amor (ágape) sabem que
a humanidade não tem nada de valor
para oferecer a Deus. Por exemplo,
a humanidade não possui elementos
imortais que a recomendariam a Deus.
E os seres humanos não podem, através
de exercícios místicos, levar Deus a um
lugar silencioso dentro deles, conforme
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
ensinado em alguns ambientes moder-
nos de oração, em vez de Deus ir a eles
através da pessoa do Espírito Santo, em
resposta à sua fervorosa oração de fé.
A natureza do amor ágape é criativa,
exigindo a mão do Criador. Assim, uma
estrutura de pensamento evolutivo não
pode se divertir como um dispositi-
vo explanatório porque suas premissas
básicas representam ataques ao caráter
de Deus. Ele é fabricado na noção de
interesse próprio (sobrevivência do mais
apto). Em contrapartida, o memorial
da Criação, o sábado, comemora o
amor de Deus e convida as pessoas a
descansarem experimentalmente nesse
santuário do tempo de forma apropria-
da, no tempo apropriado. O conceito
do descanso sabático é desenvolvido
pelos apóstolos Paulo (Hebreus 4:4-7) e
João (Apocalipse 14:7; cf. Êxodo 20:8-
11). A singularidade do ciclo semanal
(não existem ciclos cósmicos equiva-
lentes), a sua preservação através da
História e sua ênfase no último livro
da Bíblia (destacando a Criação e a
arca do testemunho) apontam para a
natureza imutável do código moral de
Deus. Inevitavelmente, o sábado tam-
bém destaca e comemora as atividades
de Cristo como o Criador da vida, o
Recriador das vidas humanas caídas e
de um mundo feito novo. A resposta
adequada a essa compreensão é o com-
promisso total e incondicional com
Deus (Marcos 12:30). Os embaixadores
de Cristo são chamados a agir como
canais do amor de Deus a fluirem para
os outros. “Nada temos de nós mesmos,
mas a luz de Seu amor resplandece sobre
nós, e devemos refletir-Lhe a glória.”15
O lugar da justiça de Deus no drama
do Grande Conflito é visto também
como uma parte inseparável do caráter
de Deus. Ninguém pode fazer o que é
bom e falhar ao lidar com o mal e ainda
sobreviver; sua fidelidade está dividi-
da e não tem nenhuma credibilidade
(Mateus 12:33-35; Marcos 3:25). O
código da verdade usado como medida
de retidão moral é o Decálogo. “É um
código de princípios que exprimem
misericórdia, bondade e amor.”16 Sua
função é conduzir o pecador ao pé da
cruz (Rom. 7:7, 13-25). Aqueles que não
se abandonam a si mesmos em favor de
Deus, por causa da Sua misericórdia e
verdade, irão experimentar o Seu amor
como um elemento aniquilador. O que
se recusa a ser “recriado pelo amor de
27
 Deus” vai experimentá-lo “apenas como
um julgamento da sua vida”.17 Para
aqueles que aceitam o amor de Deus, a
expiação é “para justificar, salvar, entre-
gar e vindicar”.18 Para eles, a ideia do jul-
gamento traz alegria (cf. Daniel 7:27).
CONCLUSÃO
As verdades a respeito do caráter de
Deus são retratadas vividamente em
Apocalipse 14, onde os três anjos são
descritos fazendo apelos comoventes à
humanidade. Para que possam compre-
ender a imagem apresentada, os leitores
devem ter uma perspectiva clara do
contexto do Grande Conflito/Expiação,
nos quais a Bíblia constrói o seu dis-
curso. Negligenciamos o ministério de
Cristo no santuário celestial por nossa
própria conta e risco (Apocalipse 14:15-
18; cf. Hebreus 8:1-6). No antigo Dia da
Expiação, participantes fervorosos reco-
nheciam esse dia em sagrada assembleia
e “humilhavam-se” ou “negavam-se a
si mesmos” (Levítico 23:27-29). Agora
esses versos têm uma correspondência
estranha à mensagem do terceiro anjo
de Apocalipse 14, o que realmente
incorpora a informação dada pelos
dois primeiros anjos.19 O chamado do
anjo assistente é “Sai dela [Babilônia
ou confusão]” (Apocalipse 18:4) e se
comprometa com o poder transfor-
mador e reformador de Deus, pela fé
em Cristo (14:12; cf. 13:10; 7:14). As
consequências da resposta são gloriosas
(14:1-5). O processo de resposta aceito
por Deus é o exercitar da fé no perdão
de Cristo, tanto pelos pecados passa-
dos como também pela aceitação de
Sua capacidade de entrega a partir da
tendência de ceder à tentação. Observe
a seguinte declaração encorajadora: “A
justiça de Cristo não é uma capa para
encobrir pecados não confessados e
não abandonados; é um princípio de
vida que transforma o caráter e rege a
conduta. Santidade é integridade para
com Deus; é a inteira entrega da alma
e da vida para habitação dos princípios
do Céu.”20
Talvez não seja de surpreender que a
nossa compreensão do caráter de Deus
nos ajude a estabelecer solidamente os
pilares fundamentais sobre os quais
28
repousa a fé adventista. São estes: 1. H. D. M. Spence and J. S. Exell, The
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S
Pulpit Commentary (Peabody, Mass.:
1. As Escrituras representam a pala- Hendrickson Publishers, 2011), vol. 9,
vra inspirada de Deus. Só elas são a p. 180, 181.
fonte e a regra de fé (2 Timóteo 3:16). 2. R. Gane, Altar Call (Berrien Springs,
Mich.: Diadem, 1999), p. 134.
2. O caráter de Deus é imutável e 3. Ellen G. White, Conselhos aos
é expresso nos princípios inalteráveis Professores, Pais e Estudantes (Tatuí,
descritos no Decálogo. Isso permanece SP: Casa Publicadora Brasileira, 1994),
p. 402.
como um toque de clarim para que 4. F. D. Nichol et.al., eds., Comentário
todos possam obedecer a esses princí- Bíblico da Igreja Adventista (Washington,
pios (Malaquias 3:6; Apocalipse 14:12). D.C.: Review and Herald, 1953), 1: 674.
3. O sábado é especialmente realça- 5. Gane, Altar Call, p. 110.
do, uma vez que traz consigo a noção de 6. A. Nygren, Agape and Eros, P. S. Watson,
trans. (Chicago: University of Chicago
ser o grande memorial dos atos criado- Press, 1982), p. 75-78.
res e redentores de Cristo (Gênesis 2:2, 7. Ellen G. White, O Desejado de Todas
3; Hebreus 4:4-7). as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1990), p. 667, 668.
4. A justificação pela fé é o ponto 8. Nygren, Agape and Eros, p. 78-80.
central da mensagem cristã. Cristo pro- 9. Ibíd., pp. 80, 81, 132, 133.
meteu livrar da pena e do poder do 10. Ibid., 210.
pecado, tão vividamente descrito pelo 11. White, O Desejado de Todas as Nações,
primeiro anjo de Apocalipse 14:6 (cf. p. 668.
verso 12). 12. Ibid., p. 667.
5. O ministério de Cristo no santuá- 13. Ibid., p. 825.
rio do Céu é um pilar vital para a com- 14. ______________, A Grande Esperança (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013),
preensão das três mensagens angélicas e p. 12.
da resposta humana apropriada durante 15. ______________, O Maior Discurso de Cristo
a conclusão do Seu ministério expia- (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1999), p. 77.
tório (Apocalipse 11:19; cf. Levítico 16. ______________, Filhos e Filhas de Deus
16:26-32). (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1999), p. 38.
6. A não imortalidade da alma é 17. Nygren, Agape and Eros, p. 104.
vital para a compreensão da misericór-
18. J. Moskala, “The Gospel According to God’s
dia e justiça de Deus, e efetivamente Judgment: Judgment and Salvation,”
lança fora o medo, tais como transmi- Journal of the Adventist Theological Society
22 (Spring 2011):28-49.
tido pelo pensamento do purgatório
19. White, O Outro Poder – Conselhos aos
e de um inferno sempre queimando Escritores e Editores (Tatuí, SP: Casa
(Salmo 89:14; Deuteronômio 7:8-10; 2 Publicadora Brasileira, 2010), p. 29.
Tessalonicenses 2:8, 1 João 4:18).21 20. ______________, O Desejado de Todas as
Nações, (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Na verdade, a sabedoria baseada na Brasileira, 1990), p. 555, 556.
compreensão do caráter de Deus preser- 21. ______________, Cristo Triunfante (Tatuí,
va a vida (Eclesiastes 7:12). SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999),
p. 291; ______________, O Outro Poder –
Conselho aos Escritores e Editores, p. 30,
31, 53, 77;______________, O Desejado de
Todas as Nações, p. 289; ______________,
Warren A. Shipton Pastoral Ministry (Silver Spring, Md.:
Ministerial Association, 1995), p. 29;
PhD pela Universidade de ______________, História da Redenção
Sydney, foi reitor da Faculdade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2002), p. 375.
de Ciências; PhD pela Universidade
James Cook, Austrália, foi
presidente da Universidade
Internacional da Ásia-Pacífico,
Tailândia. É autor de livros sobre
Daniel e Apocalipse, o sábado,
o santuário, saúde, doenças
fúngicas e cosmovisões que afetam
a educação. Publicou inúmeros
trabalhos na área de Ciências.
E-mail: wshipton@gmail.com
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016
E M AÇ ÃO
RETIRO DE ESTUDANTES
ADVENTISTAS NA EUROPA REALIZA
ESTUDO SOBRE A IGREJA E A
JUSTIÇA SOCIAL
TOM DE BRUIN
Q
uarenta e cinco estu-
dantes adventistas,
vindos de várias uni-
versidades de toda a
Europa, reuniram-se
numa fazenda em Ter
Aar, na Holanda, para
participar de um atrativo congresso desti-
nado à reflexão, que foi realizado durante
um final de semana, tendo como tema:
“Não consigo desviar o olhar: A Igreja
e a Justiça Social”. O congresso de abril
de 2016 teve como objetivo estimular os
jovens adventistas a pensarem seriamente
sobre a teologia e o papel da igreja na
sociedade contemporânea.
Organizado pela União Holandesa
(NUC), o foco do retiro neste ano foi
a justiça social, com ênfase na atual
crise de refugiados na Europa. No que
diz respeito ao nível de pensamento do
grupo, a programação daquele final de
semana trouxe menos respostas simplis-
tas e muito mais incentivos ao debate
para que os alunos pudessem fazer face
a algumas das perguntas mais difíceis
que enfrentam na igreja atualmente.
Um membro da igreja do Irã abriu
a reunião do primeiro dia contando a
sua história. Mehran deixou sua casa
para estudar e também como uma
maneira de exercitar melhor a sua fé.
No entanto, ele enfrentou momentos
extremamente difíceis quando seu avô
faleceu. Distante dos demais membros
da família, Mehran acabou indo para
28.2-3 ANO 2016
um campo de refugiados em Leusden,
próximo a Utrecht. Mehran contou
como, mesmo naqueles momentos de
desespero, quando parecia que ninguém
se importava mais com ele, podia recor-
rer a Deus. Ele estimulava os estudantes
a se lembrarem de que, não importava
o que acontecesse, Deus estava sempre
esperando por eles e pronto a ajudá-los.
“Ele é sempre o nosso refúgio e fortale-
za”, afirmava.
Como, porém, Deus espera por nós?
Como é que Ele se torna a nossa
fortaleza? Para Ele agir, há alguma
responsabilidade de nossa parte? Onde
é que essa responsabilidade começa?
Com a igreja organizada, ou com cada
membro, individualmente? Os oradores
que foram convidados a participar do
evento procuraram dar respostas que
estimularam as discussões e levaram
os jovens a pensar. Os apresentado-
res do retiro foram Aulikki Nahkola
(Newbold College), Tom de Bruin
(diretor do Departamento de Jovens
da União Holandesa) e Tihomir Lazic
(também do Newbold College, na
Divisão Trans-Europeia).
Aulikki Nahkola, uma especialista
em assuntos bíblicos, pesquisou o que o
Antigo Testamento diz sobre os “vulne-
ráveis” em nossa sociedade e como esses
ensinamentos podem ser usados para
criar um sistema de ética relacionada ao
tema. “Os adventistas, por manterem
um forte foco na lei, de maneira espe-
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
cifica, estão especialmente capacitados
para desenvolver uma teologia de justiça
social”, ela ressaltou.
Nahkola ampliou ainda mais sua tese
dizendo que a Bíblia é bastante explícita
quanto à obrigação que a igreja tem de
cuidar das viúvas, dos órfãos e estran-
geiros residentes no país. Mas isso se
aplica em nossa sociedade contempo-
rânea? “Se sim”, ela perguntou, “onde
começa essa responsabilidade: com a
organização da igreja, ou com cada
membro, individualmente?”
Tihomir Lazic, do Newbold College,
levantou outra questão importante que
despertou o interesse dos alunos: Você
pode ser cristão sem frequentar a igre-
ja? Lazic, doutor em Eclesiologia na
Universidade de Oxford, sugeriu que
os adventistas muitas vezes se esquecem
do Espírito Santo em sua teologia. Ele
expôs algumas estratégias para “permi-
tir que o Espírito Santo opere, mesmo
em nossa cultura nos dias atuais, para
que possamos ser uma comunidade
interdependente, e não só independente
ou dependente.”
Falando a respeito da comunidade,
Lazic perguntou aos estudantes se eles
achavam que era possível ser um cristão
sem frequentar a igreja. “Quais são os
vários elementos que compõem a comu-
nhão cristã e como podemos reconfigu-
rar a igreja para alcançar os 13 milhões
de pessoas que deixaram a comunidade
adventista nas últimas três décadas?”
29
 Dr.Tihimir Lazic fazendo uma palestra sobre como o aumento da sensibilidade
para com o trabalho do Espírito Santo em nosso meio, dentro de nós e através de
nós pode ajudar a igreja a participar mais plenamente da missão que nos foi con-
fiada por Deus para atender os marginalizados e injustiçados da sociedade.
Dr. Tom de Bruin apresentando Jesus em suas
várias faces.
O terceiro ponto alto no retiro foi
abordado por Tom de Bruin, que con-
siderou os desafios do Jesus histórico e
radical. Estudioso do Novo Testamento,
de Bruin explicou que, mesmo quan-
do excluímos os fatos históricos mais
elementares, mais irrefutáveis sobre a
pessoa de Jesus, não podemos deixar de
considerar quão revolucionária foi a Sua
figura. “Jesus não só ajudou pessoas que
ninguém mais queria ajudar, mas Ele o
fez de maneira que os mais poderosos
da sociedade não tinham como igno-
rar”, acrescenta. Em última análise, um
seguidor de Jesus não pode deixar de
perceber que a justiça social não deve
ser feita tendo um sentimento de com-
30
Dra. Aulikki Nahkola falando sobre os cuidados e a aplicação dos princípios bíbli-
cos numa sociedade vulnerável aos problemas éticos atuais, como é o caso da
crise de imigração.
paixão impulsivo, mas como uma visão
de princípios baseada na Bíblia, com
igualdade e equidade.
A REAÇÃO DOS ESTUDANTES
A reação dos estudantes com relação
ao retiro foi unânime. Eles falavam com
entusiasmo sobre os planos que têm de
desenvolver relacionamentos bondosos,
que possam servir de testemunho aos cole-
gas. Um dos participantes, Daniel Muller,
disse que pretende criar um “Fórum
Adventista” na universidade em que estu-
da, como uma forma de se conectar com
outros estudantes por meio da conver-
sação. A ideia da criação de um fórum
tornou-se bastante atrativa nesse retiro e
esperamos que muitos campi venham a
adotar um local para que os estudantes
adventistas possam testemunhar de sua fé.
“Eu realmente gostei de ouvir a res-
peito do Ministério para Universitários
e Profissionais Jovens Adventistas” nos
campi públicos, disse Muller, um estu-
dante de Filosofia. “Estive pensando
sobre como posso me envolver mais
com os colegas da universidade onde
estudo, tanto promovendo as ações
sociais como no âmbito intelectual.”
“Esta foi a primeira vez que assisti
a um congresso estudantil”, revelou
Rutger Koffeman. Ele está cursando o
mestrado em Engenharia Mecânica e
é o líder dos jovens em sua igreja. “Fui
inspirado a voltar para a minha igreja e
colocar mais teologia em nossos debates
com os jovens e em nossas classes na
Escola Sabatina.”
Daniel, um estudante de Filosofia,
ponderou sobre como esse ministério
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
realizado nos campi públicos pode se
tornar uma ferramenta eficaz para o tes-
temunho entre os estudantes universi-
tários, tanto por meio do envolvimento
nas atividades sociais como no campo
intelectual.
“Foi bom conhecer pessoas que pen-
sam diferente de mim e que têm uma
nova perspectiva sobre as coisas”, disse
Anne den Hollander, uma estudan-
te de Administração em Hotelaria.
“Ficou também muito claro que o foco
das reuniões foi a juventude, o que eu
apreciei muito.”
Tihomir Lazic, que é o professor do
Newbold responsável por supervisio-
nar o Ministério para Universitários
e Jovens Profissionais Adventistas na
Divisão Trans-Europeia, resumiu em
poucas palavras o que foi esse retiro:
“Verdadeiramente revigorante e motiva-
dor.” Com isso, ninguém dos estudan-
tes discordou, e já estão fazendo planos
para o retiro do próximo ano.
Este artigo foi publicado originalmen-
te em tedNews, boletim do Departamento de
Comunicação da Divisão Transeuropeia.
Tom de Bruin
PhD, é professor de Novo
Testamento no Newbold College,
em Binfield, Reino Unido.
28.2-3 ANO 2016
PR I M E I R A PE S SOA
ALCANÇANDO O
IMPOSSÍVEL ATRAVÉS
DE CRISTO
ROBERT OKEMWA ONSARE
F
ilipenses 4:13 foi escrito espe-
cialmente para mim: “Posso
todas as coisas nAquele que
me fortalece.” O que a passa-
gem apresenta é uma grande
promessa: “Em Cristo há força para
cumprir o dever, poder para resistir à
tentação e paciência para sofrer sem
reclamar. Há graça para o crescimento
diário, coragem para as múltiplas bata-
lhas e energia para o serviço fiel.”1
Eu sou um testemunho vivo da certe-
za dessa promessa. Levei seis anos para
completar o Ensino Médio, que é de
quatro anos, parando por vezes, devido
a problemas financeiros. Quando não
conseguia estudar, eu trabalhava em
uma fazenda recebendo um escasso
salário, fazia bicos e vendia produtos
agrícolas em Kisii Town, no Quênia.
Aqueles anos foram extremamente
difíceis para mim e para minha famí-
lia. Lembro-me do dia em que recebi
a notícia de que meu irmão tinha
sido preso em Nairobi, sob a acusação
de apropriação indevida de fundos da
empresa onde trabalhava. Foi colocado
na cadeia, e meu pai teve que ir para
Nairobi para cuidar de meu irmão,
garantir a fiança dele e descobrir como
contratar um advogado de defesa. Por
ser um camponês, não foi fácil para
ele providenciar os recursos; para isso,
arrendamos parte das nossas terras.
28.2-3 ANO 2016
Enquanto meu pai estava em Nairobi,
duas tragédias atingiram nossa família.
Nossas vacas leiteiras, de cujo leite tanto
dependíamos, repentinamente sucum-
biram a uma estranha doença, e logo
depois, minha mãe caiu e quebrou a
perna. Ela precisou de cuidados espe-
ciais por várias semanas, enquanto se
recuperava em casa. Estávamos pas-
sando por um momento de sofrimento
como o de Jó. Além de tudo, os ribeiros
dos quais dependíamos secaram.
Com isso, meu sonho de terminar
o Ensino Médio parecia se desmoro-
nar. O anelo que tinha de me tornar
técnico em Ciências ou engenheiro
parecia irreal. Alguns moradores me
rotularam como fumante de bung
(maconha), embora naquela época eu
nem soubesse o que significava bung.
Fui tratado como um leproso, evitado
pelos moradores como se eu carregasse
alguma doença que poderia “contami-
nar” seus filhos.
No entanto, em momentos assim,
cada golpe oferece uma oportunidade
para olharmos para cima. Deus usa
as circunstâncias para chamar a nossa
atenção. Ele revela o Seu amor e poder
em nossos momentos de maior deses-
pero. “O Senhor Se interporá quando
as coisas houverem chegado a tal ponto
que coisa alguma senão o poder divino
poderá frustrar os agentes satânicos em
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
operação. Quando Seu povo estiver no
maior perigo, aparentemente incapaz
de resistir ao poder de Satanás, Deus
operará em seu favor. As situações
extremas do homem são a oportunida-
de de Deus.”2
Aqueles momentos se tornaram uma
oportunidade para o Espírito Santo
me levar a um profundo exame de
consciência. Em meio ao desespero,
reavaliei minhas prioridades, revisei
como administrava o meu tempo e
analisei como aqueles com quem me
associava influenciavam o meu cres-
cimento espiritual. Mesmo tendo nas-
cido em um lar adventista, não dava
muita prioridade à leitura da Bíblia,
à oração e à frequência à igreja como
deveria. Ironicamente, na escola pró-
xima à aldeia onde eu morava, dirigida
pela Igreja Pentecostal Assembleia de
Deus, entrei no grupo de estudan-
tes adventistas e comecei a frequentar
a igreja. Embora estivesse esperando
cursar uma carreira promissora, meus
hábitos de estudo eram desorienta-
dos, e as nossas finanças familiares
me impediam de dar continuidade à
minha educação.
Com a evasão da escola, o meu
mundo ficou menor e muito solitário.
Comecei então a ler alguns livros que
meus irmãos e minha irmã tinham
guardado ao longo do tempo. Fiquei
31
 entusiasmado com aqueles livros. Eles
não eram simplesmente livros comuns,
não eram romances. Seu conteúdo era
abrangente e não baseado em uma fic-
ção escapista. Uma torrente de luz raiou
através das páginas dos livros, ilumi-
nando a minha mente. Como resultado,
a luz dissipou as trevas, a esperança
expulsou o medo e a fé convidou o
amor de Deus a morar em meu coração.
Comecei a sentir que estava iniciando
uma nova vida.
Os livros ampliaram a Bíblia como
fonte de vida abundante. Embora eu
tivesse apenas alguns volumes, um
dos livros dominou a minha mente e
tornou-se a força que promoveu uma
mudança em minha vida: O Grande
Conflito, de Ellen G. White.
A compreensão que O Grande
Conflito me trouxe sobre a vida dos
grandes reformadores tocou meu cora-
ção. Ellen G. White tece o modelo de
vida de cada um deles e como firmaram
sua âncora em Deus. Meus planos e
oração. Nas Escrituras, descobri histó-
rias de pessoas que contrariaram as pro-
babilidades, por seu compromisso com
o Senhor. As grandes estrelas de Deus
na Bíblia nos inspiram a reconhecer
que Ele honra aqueles que O honram,
e que “o temor do Senhor é o princípio
da sabedoria” (Salmo 111:10). Quando
experimentamos o zelo pela educação e
filtramos toda a teoria através da Bíblia,
nós nos tornamos pensadores capazes
de transformar cada desafio em um
degrau para o sucesso, por meio de ino-
vações e descobertas, trabalho criativo e
empreendedorismo.
Aos poucos, o amor de Deus quebrou
o meu coração. Aceitei a Jesus como
meu Salvador pessoal. Fui batizado
em 1995, e no mesmo ano Deus me
permitiu prestar os exames nacionais
do Ensino Médio. Um claro passaporte
para a entrada na universidade.
Embora tenha entrado na
Universidade de Agricultura e
Tecnologia Jomo Kenyatta para cur-
Espírito de Profecia, incluindo a série
“O Conflito dos Séculos”. Minha vida
social também se desenvolveu. Deus
me deu uma esposa maravilhosa, com
quem quero celebrar a Sua bondade
pelo restante de nossa vida juntos. Passo
a passo, Deus me faz lembrar de Sua
maravilhosa promessa: “Sejam fortes
e corajosos. Não tenham medo nem
fiquem apavorados por causa deles, pois
o Senhor, o seu Deus, vai com vocês;
nunca os deixará, nunca os abandona-
rá” (Deuteronômio 31:6).
Robert Okemwa Onsare
é estudante sênior em
Tecnologia Eletrônica na
Universidade Adventista da
África Oriental,
Baraton, Quênia.
1. Comentário Bíblico da Igreja Adventista

sonhos ressoaram como o de Martinho
Lutero: “Lutero proveio das classes
pobres. Seus primeiros anos se passa-
ram no humilde lar de um camponês
alemão. Pelo trabalho diário de mineiro
que era, seu pai ganhava os meios para a
sua educação […]. Agruras, privações e
severa disciplina foram a escola na qual
a Sabedoria infinita preparou Lutero
para a importante missão de sua vida.”3
Passo a passo, Lutero subiu a escada
educacional, e em cada passo a exce-
lência acadêmica coroou o seu cami-
nho. Seu pai queria que ele se tornasse
um advogado, e se ele tivesse estudado
para seguir essa carreira, teria sido, sem
dúvida, um dos grandes intelectuais
da época, mas, provavelmente, só teria
alcançado apenas fama. Entretanto, o
seu encontro com uma Bíblia, encer-
rado na biblioteca da Universidade
de Erfürt, transformou sua vida e,
dali para frente, dedicou-se ao estudo
da Palavra de Deus. “Zeloso, ardente
e dedicado, não conhecendo outro
temor senão o de Deus, e não reco-
nhecendo outro fundamento para a fé
religiosa além das Escrituras Sagradas,
Lutero foi o homem para o seu tempo;
por meio dele Deus efetuou uma gran-
de obra para a reforma da igreja e
esclarecimento do mundo.”4
Lutero se tornou o meu modelo. Não
um reformador, mas pelo menos eu
passaria mais tempo lendo a Bíblia e em
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S
(Washington, D.C.: Review and Herald,
sar Tecnologia da Informação, preferi 1978), Vol. 7, p. 178.
a Universidade Adventista da África 2. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
Oriental (UEAB), em Baraton. Entrei 1986), Vol. 2, p. 373.
na UEAB como estudante autopatro- 3. ______________, O Grande Conflito (Tatuí,
cinado, com a firme esperança de que SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988),
p.120.
Deus abriria as portas para mim. E Ele
4. Ibid.
abriu. Graças ao CEOS (Colaborate to
5. ______________, Educação (Tatuí, SP: Casa
Educate Our Sons), fui premiado com Publicadora Brasileira, 1996), p. 13.
uma bolsa de estudos. Espero ansioso
me formar em breve. O CEOS é o meu
“Bom Samaritano”.
Sinto-me encorajado a tomar Deus
pela Sua palavra, ao enfrentar o Mar
Vermelho da minha vida. A jornada
acadêmica a que me propus tem me
ensinado a valorizar o fato de que “a
verdadeira educação significa mais do
que avançar em certo curso de estudos.
É muito mais do que a preparação para
a vida presente. Visa o ser todo, e todo
o período da existência possível ao
homem. É o desenvolvimento harmô-
nico das faculdades físicas, intelectuais
e espirituais.”5
Na minha luta de 16 anos para com-
pletar a Licenciatura em Tecnologia
Electrônica, a minha força mental tem
sido desafiada e desenvolvida. Tenho
publicado inúmeros artigos e trabalha-
do como vice-editor de mídia. Minhas
mãos foram fortalecidas pelo programa
de trabalho ao estudante, o que me
abriu as portas em várias empresas. Meu
coração continua sendo renovado pela
fiel leitura da Bíblia e pelos livros do

32 DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 28.2-3 ANO 2016

LI V RO S
A. G. DANIELLS: SHAPER
OF TWENTIETH-CENTURY
ADVENTISM [A. G.
DANIELLS: O MODELADOR
DO ADVENTISMO DO
SÉCULO 20]
Escrito por Benjamin McArthur
(Nampa, Idaho: Pacific Press, 2015;
464 páginas; capa dura).
Revisado por Jerry Moon
28.2-3 ANO 2016
Arthur Grosvenor Daniells (1858-
1935) serviu à Igreja Adventista do
Sétimo Dia por 57 anos, inclusive
como presidente mundial da igre-
ja durante 21 anos (1901-1922), o
mais longo período ocupado por
um presidente da igreja mundial.
Indiscutivelmente, Daniells foi o pre-
sidente mais influente desde James
White. Acrescente-se a isso tudo a
desenvoltura de um biógrafo histó-
rico experiente, Ben McArthur, da
Universidade Adventista do Sul, nos
EUA, e você terá os ingredientes de
uma grande biografia. Este é o 10º
volume da série Pioneiros Adventistas,
da qual George R. Knight é o editor.
A presente obra inclui o prefácio escri-
to por Knight, a introdução feita por
McArthur, uma tabela de abreviatu-
ras, além de extensas notas no final
de cada capítulo e um índice de quase
1.000 verbetes.
McArthur argumenta fortemente
que “a grande contribuição de Daniells
à Igreja Adventista foi a união de
sua paixão missionária com o seu
talento organizacional” (p. 88). Em
um dos muitos paralelos históricos
entre a história adventista e a história
dos Estados Unidos, ele observa que
“como o general George Marshall, que
durante a Segunda Guerra Mundial
teve que renunciar ao seu desejo de
ser comandante de campo na Europa
para coordenar os esforços da guerra de
Washington, assim também, Daniells
descobriu que suas tarefas essenciais de
coordenação e supervisão requeriam
dele semelhantes sacrifícios” (p. 280).
Embora “Daniells estivesse restrito à
América devido à sua posição como
um líder denominacional”, ele se viu
“como” um oficial de recrutamento
“para o campo mundial” (p. 271).
McArthur traça a vida de Daniells
em 12 capítulos, desde o seu nasci-
mento em Iowa, EUA, depois ao longo
dos 14 anos na Austrália e na Nova
Zelândia, e dos 21 anos como presi-
dente da Associação Geral. Durante os
13 anos após o período presidencial,
ele liderou a formação da Associação
Ministerial da Associação Geral, pre-
sidiu o Conselho de Administradores
do Ellen G. White Estate e escreveu
dois livros importantes: Cristo, Justiça
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
Nossa (1926), no qual procurou cha-
mar a igreja de volta à “oportunidade
de transformação espiritual oferecida
pela mensagem de 1888” (p. 422); no
livro The Gift Abiding of Prophecy [O
Permanente Dom de Profecia] ele pro-
curou “ilustrar como Deus concedeu
o dom profético através dos tempos,
desde a era patriarcal e ao longo de
toda a era cristã, culminando com o
trabalho de Ellen White”.
O manuscrito foi concluído sob
enorme pressão de tempo, durante
as últimas cinco semanas de vida de
Daniells, entre o diagnóstico de um
câncer, em meados de fevereiro, e sua
morte em 22 de março de 1935 (p.
449, 450).
O trabalho de McArthur se destaca
em quatro pontos fortes. Primeiro, pela
caracterização concisa: a capacidade de
sintetizar uma era ou um grande even-
to em poucas palavras. Por exemplo,
em duas frases, ele capta a essência do
conflito entre Daniells e John Harvey
Kellogg: Foi “a disputa de liderança
mais amarga da história da Igreja
Adventista. Dois campos antagônicos
– o ministerial e o médico – admi-
nistrados por dois dos indivíduos com
mais força de vontade que a denomina-
ção já conheceu” (p. 208).
O segundo ponto é a competen-
te contextualização: McArthur coloca
ideias e eventos nos contextos que se
sobrepõem à história americana e à
cultura, à história mundial e à história
da igreja. A especialidade acadêmica de
McArthur é a história e a cultura ame-
ricana do século 19 até o início do sécu-
lo 20, precisamente o período mediano
da vida de Daniells. Por exemplo, “no
primeiro editorial de Daniells para a
revista Ministry” (janeiro de 1928) ele
declarou que “uma invariável e cres-
cente eficiência em nosso ministério
tem sido alvo constante da Associação
[Ministerial] durante os cinco anos de
sua existência. […]. Ela [a eficiência]
significa o poder de produzir o máxi-
mo de resultados com o mínimo esfor-
ço ou custo. Tem em vista a eliminação
do desperdício ou a perda de trabalho,
tempo e dinheiro na obtenção dos
resultados pretendidos” (p. 421, 422).
McArthur sugere que “esse sentimento
poderia ter vindo direto da pena do pai
33
 do movimento da eficiência, Frederick
Winslow Taylor. Os ministros, impli-
citamente, foram alertados de que eles
poderiam ser avaliados com base em
seu sucesso para ganhar almas” (p.
421, 422).
Em terceiro lugar, McArthur tem a
rara capacidade de combinar as habi-
lidades de um historiador com a pers-
pectiva de um informante denomi-
nacional, a fim de esclarecer os fatos
e os incidentes que poderiam perma-
necer bastante obscuros para alguns
leitores do século 21. Por exemplo,
na noite anterior ao famoso “con-
fronto necessário” com Kellogg, em
Londres, Daniells informou: “Uma
voz parecia estar falando com a minha
consciência, dizendo-me que não devia
render-me aos princípios equivocados,
e assim trazer sérios problemas para
a Causa de Deus.” Em sua perple-
xidade, ele “suplicou [a Deus] por
entendimento”. Ao despertar, “a voz de
advertência ainda soava”. “Mas, antes
THE LETTER TO THE
ROMANS: PAUL AMONG
THE ECOLOGISTS [A CARTA
AOS ROMANOS: PAULO
ENTRE OS ECOLOGISTAS]
Escrito por Sigve K. Tonstad (Sheffield,
England: Sheffield Pheonix Press,
2016; xv + 434 páginas; capa dura).
Revisado por P. Richard Choi
34
de chegar a Londres, recebi luz” (p.
187). Que tipo de experiência foi essa?
Ao comparar essa experiência com as
de outros adventistas que “falavam de
sonhos, apreensões ou impressões” (p.
187) McArthur diferencia a orientação
divina pessoal recebida por alguns, da
inspiração profética das mensagens que
Ellen White recebeu para toda a igreja.
O quarto ponto é um estilo de escri-
ta transparente, que frequentemente é
vívida e em vários tons, mas é sempre
unida a um forte compromisso com
a objetividade histórica. McArthur,
obviamente, admira Daniells, mas é
rápido para detectar inconsistências na
autopercepção que Daniells revela. No
conflito com Kellogg, “Daniells conti-
nuou [em 1904] a protestar. Não havia
nada pessoal ‘entre o médico e eu’”,
mas, “nessas condições, agora era difícil
de acreditar. Muita água turva tinha
rolado debaixo da ponte” (p. 201). A
oposição aos princípios, em 1904, tinha
se tornado em animosidade pessoal.
Com doutorado em Teologia
e Medicina, Sigve Tonstad é um
prolífico escritor na área teológica
e um médico bastante conhecido
na Noruega. É também professor
de religião e professor assistente de
Medicina na Universidade de Loma
Linda, na Califórnia. Seu livro mais
recente, The Letter to the Romans:
Paul Among the Ecologists, abre novas
e importantes percepções nos estudos
paulinos e merece atenção especial
da parte de todos os que têm inte-
resse no que Paulo escreveu e na
ecologia. Esses são assuntos que rara-
mente cruzam o caminho do conhe-
cimento. Nesse volume bem escrito e
bem pesquisado,Tonstad atinge um
desempenho magistral ao reunir esses
temas improváveis que nos obrigam a
olhar tanto para os escritos de Paulo
como para a ecologia sob uma nova
luz. Para a maioria dos cristãos, Paulo
e Romanos são sinônimos de doutri-
nas familiares, como a justificação
pela fé e a certeza da salvação. Para
os estudiosos do Novo Testamento,
Romanos é um celeiro de temas valio-
sos para a investigação histórica e
sociológica. Os temas dominantes da
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO
Achei este livro uma leitura fasci-
nante. Deve interessar grandemente a
todos os que desejam obter uma com-
preensão mais profunda da história,
da política e da cultura do adventis-
mo atual.
Jerry Moon,
PhD, é professor de História
da Igreja e presidente do
Departamento de História da
Igreja no Seminário Teológico
Adventista do Sétimo Dia, na
Universidade Andrews, Berrien
Springs, Michigan, EUA.
pesquisa são o relacionamento entre
judeus e gentios, a lei de Moisés e a
aliança. Com sua perspectiva cós-
mica, Tonstad analisa muitas das
mesmas questões, mas amplia suas
tradicionais fronteiras e horizontes
dando um foco ecológico. Ao fazê-lo,
ele apresenta o convincente argumen-
to de que as preocupações universais e
a compaixão de Deus por Sua criação
devem incluir suas dimensões não
humanas, ou seja, a ecologia.
Este comentário apresenta os mais
avançados conhecimentos, porém, tor-
na-os acessíveis aos leitores em geral.
Tonstad apresenta as mais recentes
pesquisas realizadas pelos melhores
estudiosos paulinos ao longo do livro,
tanto nas notas como no texto princi-
pal, antes de expor seus próprios pon-
tos de vista. Os gráficos e diagramas,
bastante apropriados, encontrados em
todo o comentário, ajudam os leitores
a obterem uma rápida visão panorâ-
mica dos pontos-chave da discussão
em questão.
Os argumentos bem fundamen-
tados de Tonstad não só ajudam os
leitores em geral a ficarem a par das
últimas discussões sobre os conheci-
28.2-3 ANO 2016
mentos bíblicos, mas também lançam
ideias que estimulam a ref lexão e
podem ser valiosas para os estudiosos
mais experientes. Seu impressionante
conhecimento abrange uma ampla
gama de temas que vão desde os pais
da igreja primitiva até os reformado-
res do século 16 e os estudiosos e crí-
ticos modernos. Seu livro desenvolve
cuidadosamente o que esses pensado-
res e pesquisadores deixaram de dizer
ou disseram de maneira implícita
sobre Romanos.
Um ponto de partida de Tonstad é
a fidelidade de Deus. Ele argumenta
que a fidelidade de Deus deve incluir
a dimensão não humana da criação.
Por exemplo, ele traduz “a obediência
da fé”, em Romanos 5, como “obe-
diência fundamentada na fidelidade
de Deus” (p. 67). Essa compreensão
incomum, mas razoável, do que Paulo
diz sobre a fé em Romanos constitui a
base do comentário de Tonstad.
Outro ponto utilizado por Tonstad
é a materialidade do evangelho. A
28.2-3 ANO 2016
preocupação de Paulo que, para ele, P. Richard Choi
ecoa profundamente a preocupação PhD pelo Fuller Theological
de Deus, não é simplesmente espiritu- Seminary, na Califórnia, é
al, mas material, englobando bem os professor de Novo Testamento
aspectos físicos da existência. Tonstad e presidente do Departamento
de Novo Testamento no
explica esses dois pontos de partida
Seminário Teológico Adventista
teológicos em quase cada oportuni- do Sétimo Dia da Universidade
dade que tem nesse comentário. O Andrews, em Berrien Springs,
resultado é uma leitura rica e fasci- Michigan, EUA.
nante de Romanos. À primeira vista,
muito do que é tratado no comentário
está relacionado aos conhecimentos
tradicionais e teológicos, no entanto,
como eles são extraídos para infe-
rir uma compreensão ecológica, o
duplo tema da fidelidade divina e da
materialidade do evangelho assume,
de maneira surpreendente, um novo
significado neste livro notável.
Esse novo trabalho de Sigve
Tonstad será uma leitura agradável
para todos os interessados em abordar
as preocupações ecológicas de hoje
com base em uma perspectiva bíblica.
DIÁLOGO UNIVERSITÁRIO 35
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