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11 de outubro 1977: há 40 anos a criação do Estado de Mato Grosso do Sul em prol da

ditatura civil-militar, dos coronéis e o silêncio dos vencidos.

Disse o historiador inglês Peter Burke que “A função do historiador é lembrar a sociedade
daquilo que ela quer esquecer”. Em seu livro “1930: o silencio dos vencidos” o historiador Edgard
De Decca faz um exercício de análise de como se produz a memória histórica, como ela se elabora
nos enunciados dos discursos políticos que, para se legitimarem, criaram a revolução de trinta como
fato histórico fundador e como essa mesma memória também é reelaborada e consolidada pela
prática historiográfica. Por isso mesmo, minha análise não pretendeu alcançar o sentido profundo da
revolução de trinta, postura constante de uma certa historiografia, mas demonstrar os mecanismos
pelos quais os discursos políticos produziram este fato.

Podemos esmiuçar a “Revolução de 30” e nos permitir observar este importante evento da
história republicana, por vezes, velado por discursos de uma minoria que deseja garantir sua
hegemonia, sob uma perspectiva totalizante, capaz de nos recompensar com uma visão menos turva
de uma realidade, já, bastante destorcida.

Vejamos o que diz parte do hino desse estado:

Rememoram desbravadores, - Heróis, tanta galhardia! - Vespasiano, Camisão - E o tenente


Antonio João, Guaicurus, Ricardo Franco, - Glória e tradição! Procura-se contar um tipo de história
oficial que deve ser decorada pelos moradores do estado, mas principalmente para que as crianças
saibam que alguns homens privilegiados fizeram a história da divisão. Deve-se contar às crianças
que no estado de Mato Grosso do Sul também teve heróis – que lutaram contra os “malvados”
paraguaios na Guerra da Tríplice Aliança. Sobre os heróis guaicurus índios usados nessa guerra
como linha de frente e sacrifício. Um hino como qualquer outro; ufanista e vazio de memórias
populares.

Dentro da situação acima abordada para o evento inventado em 1930, cabe problematizar
uma outra invenção; a criação do estado de Mato Grosso do Sul por Ato arbitrário - como é praxe
de governos ditatoriais. O povo não foi consultado. Uma decisão meramente geopolítica militar sem
considerar as pessoas. O entrelaçamento das condições que possibilitaram a vitória de uma causa
perdida não fosse a conjugação dos interesses regionais à geopolítica do regime militar, que, por sua
vez, transcorria no contexto da Guerra Fria.

A historiadora Marisa Bittar diz que essa situação da construção da memoria do Sul de Mato
Grosso é chamada de quarta fase e se estende entre 1964 e 1977. O golpe de 31 de março de 1964
põe fim a um período de democracia e inicia um regime militar autoritário. Os militares, buscando
um maior controle dos problemas da sociedade, adotam a política do desenvolvimento com
segurança, o que permitiu a criação de programas que facilitam o desenvolvimento de alguns
Estados, entre eles Mato Grosso. Nesse período, os políticos divisionistas aproximam-se dos
militares o que lhes permite tomar parte de algumas comissões que estudam (secretamente) as
potencialidades políticas que impediam a divisão de Mato Grosso.

No dia 11 de outubro de 1977, o presidente assinou a Lei Complementar nº 31, que impôs a
criação do estado de Mato Grosso do Sul, por meio do desmembramento de Mato Grosso, sem
sequer consultar a população. O projeto se encontrava no pacote denominado II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) e fez reativar, de forma tímida, a Liga Sul-Mato-Grossense, desativada
havia muitos anos. Vale destacar aqui o que enfatiza Bittar sobre o caso da divisão ter ocorrido sem
uma consulta popular.

O estado-sonho tornava-se, enfim, estado-realidade. Provavelmente, porém, o sonho não era


de todos. A população, privada da participação, mostrou, com o seu silêncio, um misto de
indiferença e aprovação. Uma parte, de fato, era favorável à divisão do estado, mas isso nunca foi
mensurado. O que os jornais registraram foi a “passeata monstro”, em Campo Grande, para
comemorar o acontecimento. Embora tenha ocorrido a manifestação, ela foi a única e, assim
mesmo, depois do ato consumado. Em todo o processo, não houve participação popular. A maioria
nem sequer soube do envio do projeto de lei ao Congresso Nacional e da sua aprovação em
setembro [de 1977], só vindo a saber do ato consumado em outubro (BITTAR, 2009, p. 316).

Além de atender às demandas geopolíticas do país, a divisão de Mato Grosso tinha outro
objetivo: o político. Estes estavam ligados aos interesses do governo em aumentar suas bases
parlamentares no Congresso Nacional, visto que desde 1974 o MDB vinha ampliando o número de
deputados e senadores. O objetivo político imediato foi exatamente esse.

Basta considerarmos que quando o presidente Geisel assinou a lei que criou Mato Grosso do
Sul, justificou que o ato era „decorrente também de uma necessidade política, tendo em vista um
melhor equilíbrio da Federação do dia de amanhã‟ (BITTAR, 2009, p. 339, citando trechos de
BRASIL. Ministério do planejamento. Exposição de motivos sobre a criação de Mato Grosso do
Sul. Brasília, 24 ago. 1977).

Esta tese também é reforçada pelo jornalista e escritor Elio Gaspari em seu livro A ditadura
encurralada, ao tratar do “Pacote de abril”. Dividiu em dois o estado de Mato Grosso. (Na
estimativa de um deputado da região, a bancada federal, que tinha seis deputados da Arena e dois
do MDB, ficaria com treze para a Arena, enquanto a oposição continuaria com dois) (GASPARI,
2004, p. 365).

Por meio desses elementos é possível afirmar que realmente a divisão do estado de Mato
Grosso e criação de Mato Grosso do Sul possui os embasamentos técnicos e políticos, como
confirmou o presidente da República ao dizer que a divisão visava “um melhor equilíbrio da
Federação do dia de amanhã”, talvez uma referência às eleições de 15 de novembro de 1978 que se
aproximavam.

Logo após a criação de Mato Grosso do Sul pela ditadura militar, por meio da Lei
Complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977, as discussões em torno do nome daquele que seria
escolhido o primeiro governador aumentaram, isso porque alguns meses antes da divisão, o nome
do ex-governador de Mato Grosso uno, entre 1966 e 1970, Pedro Pedrossian, era o mais cotado,
dentro da ala “independente” da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) estadual. É valido
lembrar que no período ditatorial, entre 1966 e 1981, a população perdeu o direito de eleger o
governador.

Note-se para fins de evidências ditatoriais que o então recém criado estado sulista foi
comandado por governadores criaturas da ditadura civil-militar representados pela ARENA, partido
dos ditadores, bem como do PDS, sigla nova para velhas fórmulas ditatoriais.
Regime Militar (1964-1985)

Governador
Harry
1ºde janeiro 12 de junho nomeado pelo
1 Amorim ARENA
de 1979 de 1979 Presidente da
Costa
República
Assumiu o cargo
de governador
Londres 13 de junho 30 de junho
— ARENA como presidente
Machado de 1979 de 1979
da Assembleia
Legislativa
Governador eleito
Marcelo 30 de junho 28 de outubro
2 PDS pelo Colégio
Miranda de 1979 de 1980
Eleitoral
Assumiu o cargo
28 de 7 de de governador
Londres
— outubro de novembro de PDS como presidente
Machado
1980 1980 da Assembleia
Legislativa
7 de Governador eleito
Pedro 14 de março
3 novembro PDS pelo Colégio
Pedrossian de 1983
de 1980 Eleitoral
Nova República
Governador
Wilson Barbosa 15 de março 14 de maio eleito em
4 PMDB
Martins de 1983 de 1986 sufrágio
universal

Porém, na década de 1970, foi retomada pelos militares, que nunca realizaram consulta popular
sobre o assunto. Entre as justificativas do governo, estavam a de que a população queria a divisão, que o
estado era muito grande e poderia querer a separação do país, e a busca dos militares por maior número
de senadores biônicos - o que seria feito por meio da criação de mais um ente federativo.

Finalmente A função do historiador é a de desmontar discursos oficiais que tentam criar as


memórias vazias de histórias populares. Há 40 anos se inventou um estado em prol das elites, antes
da ditadura civil-militar, coronelistas ou patrimonialistas desse lugar. Cabe indagar o que o povo, as
populações pobres e trabalhadoras braçais e/ou manuais, assim como os negros quilombolas e
indígenas desse estado, conquistaram ao longo desses quarenta anos de trajetória de invenção de um
novo estado. As evidências disponíveis nas diversas mídias revelam que tais populações debaixo
não tiveram seus direitos reconhecidos muito menos garantidos. Diante disso tais populações pobres
e marginalizadas por um tipo de estado patrimonialista não tem o que comemorar. A burguesia
agrário mercantil baseado no agronegócio protegido por esse estado conservador e liberal tem na
ampla exploração da mão de obra barata e desqualificada seu sucesso! Restando, dessa feita aos
excluídos das benesses desse estado que busquem se esclarecer e lutar por um tipo de estado
inclusivo, justo equitativo e humano.

Eduardo Martins
11/10/2017

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