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RIEGL, A. O Culto dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia, Editora da Universidade Católica de Goiás, 2006.
120 pp., ISBN 857103297-1.
R. Museu Arq. Etn., São Paulo, n. 21, p. 385-391, 2011.
o termo Kunstwollen, proposto por Riegl para O discurso se destinava, portanto, “a fundar
dar conta do impulso artístico, da necessidade uma prática, a motivar decisões e a sustentar
básica de ornamentar que não se restringe às uma política” (Wieczorek, in Riegl 2006: 22),
intenções de um só artista, nem é unicamente todo alcance teórico que ganhou posterior-
o que compartilham as pessoas de uma mesma mente vai além de seus propósitos declarados,
época. Segundo Erwin Panofsky, Kunstwollen demonstrando inequivocamente a “atualidade
“não pode ser nada além daquilo que ‘fica’ (não do pensamento de Riegl” (Scarrocchia, in
para nós, mas objetivamente) como um senti- Riegl 1990 (1981): 20-22), algo que pode vir a
do último e definitivo do fenômeno artístico” se reafirmar entre nós.
(Panofsky 1982, apud Guinzburg 2009: 67). O texto está dividido em três capítulos
Trata-se, portanto, de noção complexa, à qual o fundamentais e parece estruturado tanto no re-
leitor precisa atentar. conhecimento dos muitos valores que emergem
Na tradução brasileira, optou-se pelo imbricados ou contrapostos uns nos outros,
binômio “vontade artística” a partir do francês quanto na preocupação histórica de descrever
vouloir artistique que, por sua vez, não se impôs o culto moderno dos monumentos a partir de
sem restrições.2 Tradutores italianos e estaduni- suas fases anteriores e de notáveis exemplos.
denses preferiram manter o termo em alemão, O primeiro capítulo propõe um breve vôo
alertando assim para a sua peculiaridade, para sobre a evolução do culto, e se inicia apontando
a ausência de expressão correspondente em uma ampla e corriqueira definição de monu-
seus idiomas. No nosso, teríamos ainda a opção mento, seu “sentido original”, para, em seguida,
lusitana “vontade de arte”, ou o “querer artís- examinar e dissolver a distinção entre monu-
tico” que Peixoto e Vicentini nos confiam no mento histórico e monumento artístico. Para
Glossário (p. 119) mas não no decorrer do texto, Riegl (2006: 45),
inadvertidamente.
“(...) é importante perceber que
O Culto Moderno dos Monumentos, a
todo monumento de arte é, sem ex-
princípio, foi uma conferência dirigida a
ceção e simultaneamente, um monu-
uma platéia erudita. Seu autor, professor
mento histórico, na medida em que
universitário e ex-diretor do setor de tecidos
representa um estado determinado
do Museu Austríaco de Artes Aplicadas, era
na evolução das artes plásticas e não
já um renomado estudioso da história dos
pode encontrar, em sentido estrito, um
estilos3 quando assumiu a superintendência
equivalente. De modo inverso, todo
da Comissão Central para a Conservação dos
monumento histórico é também um
Monumentos Históricos e Artísticos do Impé-
monumento artístico, porque mesmo
rio Austro-húngaro, em 1902. A conferência
um folheto rasgado, sobre o qual se
precedeu três anos de um intenso trabalho de
encontra registrada uma nota breve e
reestruturação, com o objetivo de promover
sem importância, comporta, além do
o “inventário exaustivo dos monumentos aus-
valor histórico expressado na evolução
tríacos e esboçar os contornos de uma nova
da fabricação do papel, da escrita, dos
legislação para conservação do patrimônio”.
meios utilizados para escrever, etc.,
uma série de elementos artísticos: a
configuração do folheto, a forma dos
(2) A dificuldade imposta pelo termo Kunstwollen foi assumida caracteres e a maneira de os associar”.
pelo tradutor francês na introdução reproduzida na edição
brasileira (Riegl 2006: 23, nota 10). Sem jamais abandonar o interesse maior
(3) Dada a repercussão das grandes obras do início de pela apreciação, ou a correspondente recusa de
sua carreira, Historische Grammatik der bildenden Künste um discurso descritivo e normativo, o superin-
(Gramática Histórica das Artes Plásticas) e Grundlegungen
zu einer Geschichte der Ornamentik (Fundamentação para
tendente lembrou à sua platéia que a denomina-
uma história dos ornamentos), ainda não traduzidas para ção “monumento” não pode ser compreendida
o português. senão de modo subjetivo, e que sejam intencio-
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nais ou não, os monumentos “apresentam um que a família de quem os erigiu;4 não foram
valor de rememoração” (Riegl 2006: 49). Tal eles, ou os italianos da Renascença, tampouco
valor não se liga mais unicamente à memória os modernos que cultuavam ruínas no século
coletiva, mas a uma nova valoração que abran- XVII, quem primeiro garantiu juridicamente
ge tanto monumentos outrora reconhecidos a proteção dos monumentos. Isso só ocorreu
como históricos, quanto os ditos monumentos de fato em meados do século XIX,5 com o
artísticos. objetivo histórico de guardar cada forma de
Riegl pressupõe um interlocutor moder- arte como parte de um “cânone eterno” a ser
no, situado “em um período de transição que defendido da “hostilidade de numerosos valo-
é, naturalmente e necessariamente um perío- res de contemporaneidade” (Riegl 2006: 60).
do de luta” (Riegl 2006: 59). Este interlocutor A virada do século XIX para o XX assiste
é capaz de reconhecer a importância de cada não só o abando do valor artístico “eterno”
fase do desenvolvimento dos monumentos, fomentado desde a Renascença italiana, como
para ele “nada é mais estranho (...) que a também o surgimento do valor de antiguidade,
sensibilidade barroca” (Riegl 2006: 63) cujo aquele que compreende “o maior número de
valor estético se vincula à nostalgia da grande- monumentos” e que é o mais moderno dos
za do passado em contraste com a decadência valores de rememoração (Riegl 2006: 69). Faz-
do presente. O interesse histórico moderno -se necessário, então, compreender o que torna
também não se confunde mais com o interes- este moderno valor de antiguidade algo dis-
se patriótico e nacional, nem seleciona a arte tinto de um “amor por antiguidades” imperial
antiga greco-romana como “objetivamente romano ou do culto às ruínas do século XVII;
justa e universalmente válida para a eternida- qual a sua relação com o novo valor histórico
de” (Riegl 2006: 56). Riegl afirma que, “em (aquele que reúne os valores artístico e histó-
particular entre os povos germânicos” do rico); e o que mais pode ser considerado valor
início do século XX, há “(...) um interesse por de rememoração, embora escape a estas duas
todas as realizações, por mínimas que sejam, categorias. Neste triplo objetivo se circunscreve
de todos os povos, quaisquer que sejam as o segundo capítulo d’O Culto Moderno dos
diferenças que os separam de nós; um interes- Monumentos.
se pela história da humanidade em geral, cada O conceito riegliano de valor de antigui-
um de seus membros nos parecendo como dade (der Alterswert) parece estar diretamente
parte de nós mesmos”(Riegl 2006: 55). vinculado à moderna noção de conservação,
Foi então possível distinguir este sujei- enquanto substituta do restauro oitocentista
to moderno daquele que prevaleceu até o (ver Scarrocchia in Riegl 1990 (1981): 12). Será
século XVIII, época que “não criou verda- a degradação lenta e inevitável por agentes
deiramente uma legislação para a proteção mecânicos e químicos, e a correspondente
dos monumentos” (Riegl 2006: 57), ou dos perda da integridade de uma obra, o fator
“italianos da Renascença” que dividiam os preponderante no valor dito de antiguidade
monumentos não-intencionais (cujo signi-
ficado de monumento é atribuído por nós,
sujeitos modernos) em artísticos e históricos.
Quanto àqueles monumentos ditos intencio- (4) Além de terem pela primeira vez “um mínimo cuidado na
nais (“obras destinadas, pela vontade de seus escolha de um material o mais durável e inalterável possível”
(Riegl 2006: 52).
criadores, a comemorar um momento preciso (5) Estas garantias legais oitocentistas não deixaram de ter an-
ou um evento complexo do passado”), Riegl tecedentes seculares. Riegl data as primeiras medidas em favor
observou que sua preservação era garantida da proteção dos monumentos de 28 de novembro de 1534,
por um sentido patriótico já na Antiguidade por iniciativa do papa Paulo III, e reconhece que embora fos-
sem “medidas particulares para proteger valores recentemente
greco-romana (Riegl 2006: 52). Mas, se os descobertos”, “uma verdadeira proteção dos monumentos, no
gregos e romanos antigos inauguraram a pro- sentido que entendemos atualmente, nasceu na Renascença
teção dos monumentos por grupos maiores italiana” (Riegl 2006: 55).
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RIEGL, A. O Culto dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia, Editora da Universidade Católica de Goiás, 2006.
120 pp., ISBN 857103297-1.
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mente a destruição. Pela motivação apontada lugar, sendo característico da moderna vontade
acima, os poucos monumentos intencionais se artística:
diferenciam dos demais, são aqueles que têm
“(...) o valor artístico relativo só pôde,
como postulado de base a restauração (Riegl
ao menos depois do início da época
2006: 86).
moderna, ser apreciado por aqueles que
O terceiro e último capítulo d’O Culto Mo-
possuem cultura estética. A multidão
derno dos Monumentos expõe os valores que im-
sempre foi seduzida pelas obras cujo
bricados constituem o valor de contemporanei-
aspecto novo estava claramente afirmado
dade. Esta é a parte do discurso em que a noção
(...). Ao olhar da multidão, só o que é
de Kuntswollen se fará presente diretamente, em
novo e intacto é belo. O velho, o desbo-
que a postulação de “unidades estilísticas” e sua
tado, os fragmentos de objetos são feios”
revalorização estarão, portanto, em questão. Do
(Riegl 2006: 98).
valor moderno denominado de contemporanei-
dade, derivam dois valores que juntos satisfazem Tal gosto inculto pelas obras íntegras e
os sentidos (o valor de uso prático), e o espírito recentes não se restringe às condições materiais
(o valor de arte). de preservação, se estende também ao estilo, e
Assim como o próprio valor de contempo- resulta na exigência de uma “integridade total”
raneidade manifesta pouca tolerância aos sinto- para as criações artísticas novas (Riegl 2006:
mas de degradação (Riegl 2006: 91), o valor de 101). De acordo com o valor de novidade, “a
uso que dele advém pode conflitar com o valor obra moderna deve lembrar o mínimo possível
de antiguidade, quando consideramos “inume- obras anteriores, tanto na concepção, quanto no
ráveis monumentos profanos ou religiosos” que tratamento de pormenores formais e das cores”.
não estão definitivamente arruinados, que ainda No início do século XX, o discurso de
podem ser usados: Riegl reconhecia a inexistência de um valor
de arte absoluto. Havia inclusive uma disposi-
“só as obras impróprias a todo uso
ção de elevar obras datadas de muitos séculos
prático atual podem ser olhadas e
acima das novas, e o empenho em “reabili-
apreciadas somente do ponto de vista do
tar” velhos mestres “desconhecidos” em suas
valor de antiguidade e sem consideração
épocas (Riegl 2006: 108-109). O valor de arte
do valor de uso; se as obras são ainda
moderno não se resumia ao ponto de vista
utilizáveis, nosso prazer encontra-se satis-
da multidão, também porque dizia respeito
feito quando não apresentam o valor de
à transitoriedade do gosto, e à percepção de
contemporaneidade que habitualmente
que a satisfação da vontade artística inclui
temos” (Riegl 2006: 95).
monumentos de outras épocas e culturas:
Além desta valorização prática tão cor- “subtraiamos simplesmente as esculturas da
riqueira aos velhos edifícios habitados e aos Antiguidade e a pintura do século XV ao
incontáveis objetos musealizados, observa-se XVII de nosso tesouro cultural, e avaliaremos,
para os mesmos monumentos um valor de arte então, a perda sofrida por nossa necessidade
que redunda em duas exigências da moderna de arte” (Riegl 2006: 110).
vontade artística (Kunstwollen): o valor de arte O valor relativo que assim se manifesta terá
elementar ou de novidade; e o valor de arte seus aspectos negativos na desleixada conserva-
relativo. ção de monumentos “perturbador[es] e feio[s] à
Riegl recorreu à distinção entre aquilo que vontade artística moderna”, sobretudo, “certos
apenas o homem culto é capaz de perceber e o monumentos [ditos] barrocos” considerados “in-
que não passa despercebido ao grande públi- suportáveis” a ponto de ser “melhor não vê-los”
co, a fim de expor as diferenças entre o valor (Riegl 2006: 112); além de tornar embaraçosa a
artístico elementar, comum a toda obra nova; apreciação da arte sacra moderna, que empresta
e o valor artístico relativo, capaz de abranger muitos elementos das “épocas estilísticas ante-
qualquer monumento, de qualquer época e riores” (Riegl 2006: 113).
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RIEGL, A. O Culto dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia, Editora da Universidade Católica de Goiás, 2006.
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R. Museu Arq. Etn., São Paulo, n. 21, p. 385-391, 2011.
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www.vitruvius.com.br/revistas/read/ Ribeiro Peixoto e Albertina Vicentini).
resenhasonline/05.054/3138>, acesso em Goiânia: Editora da Universidade Católica
24/12/2010, 23:00:47. de Goiás.
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