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Questão urbana e direito à cidade: reflexões sobre o

trabalho social na política urbana¹ - Tânia Maria Godoi

Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz


Assistente Social. Professora doutora da Universidade Federal de São Paulo/BS
Este artigo compõe a Revista Conexão Geraes do CRESS-MG nº 5/2014.
CONTORNOS ANALÍTICOS PARA PENSAR O TRABALHO SOCIAL
O trabalho social no campo urbano tem um significado sócio-histórico, e refletir sobre esse
significado supõe considerar a realidade social e as contradições presentes nas relações sociais,
além de identificar as determinações históricas que conferem legitimidade e direção social à
atuação profissional. Em tempos de modernização excludente das cidades (MARICATO, 2011),
cujo crescimento acontece com base na mercantilização e na estrutura desigual das classes
sociais no acesso ao uso da terra urbana, é preciso apreender as transformações urbanas e as
mudanças que as mesmas provocam no processo de produção e reprodução da vida social de
segmentos da classe trabalhadora.
Essa abordagem exige problematizar a questão urbana e o direito à cidade, numa sociedade
polarizada por interesses de classes, no contexto do capitalismo nas suas formas
contemporâneas. A questão urbana traduz-se, na atualidade, como um dos mais complexos
desafios no campo das políticas públicas pela forma como explicita, na apropriação do espaço, a
desigualdade socioeconômica, expressão do modo de produção capitalista num contexto
neoliberal, de flexibilização e transnacionalização da economia, de terceirização e privatização
dos serviços que produzem desemprego e precarização das relações de trabalho e transformam
as cidades em espaços de reprodução e acumulação do capital.
CONTEXTO TEÓRICO E POLÍTICO PARA EFETIVAR O TRABALHO SOCIAL
Não há dúvidas que as cidades, na atualidade, expressam, de forma brutal, as desigualdades
econômicas e sociais, manifestações da crise profunda que vive o sistema capitalista. As últimas
décadas do século XX são marcadas por mudanças na dinâmica do desenvolvimento capitalista
que, intensificadas a partir da crise da década de 1970, têm suas estratégias desenhadas na
ofensiva burguesa de recuperação e manutenção das taxas de lucro e configuradas na
reestruturação produtiva com a desterritorialização dos processos de produção, com a
precarização e desregulamentação do trabalho e com a mundialização e financeirização do
capital, produzindo desequilíbrios e instabilidades em todo o mundo (BEHRING, 2009).
No caso brasileiro, o rápido processo de urbanização, que submeteu a realidade das cidades à
racionalidade industrial, às custas da desvalorização do homem (LEFEBVRE, 2008) e da
diversidade dos interesses de classes, vem recriando o atraso através de novas formas. O Brasil
apresenta um crescimento das cidades (já ultrapassamos os 200 milhões de habitantes, com 80%
da população nas áreas urbanas e 40% nas áreas metropolitanas) e aumento expressivo das
cidades de porte médio. Trata-se de uma herança resultante de uma urbanização intensa ocorrida
entre os anos 1940 e 2000, quando a população urbana era de 23,3% e cresceu para 81,2% do
total, o que gerou um enorme déficit habitacional, tanto nas cidades quanto no campo, estimado
em 7,9 milhões de unidades habitacionais, além do número significativo de assentamentos
precários, nos quais se alojam cerca de 3,2 milhões de famílias (MARICATO, 2001; PLANHAB,
2009).
O processo de expansão urbana no Brasil apresenta características singulares, de imensas
desigualdades entre as classes sociais, e é resultante da presença de interesses particulares que
se materializam nos mecanismos de espoliação urbana que é beneficiada por setores
governamentais e pela lógica do mercado. A forma como a organização do espaço urbano se
consolida em nosso país contribui para que as cidades, como um produto histórico e social, sejam
o lugar onde “a cidade legal (cuja produção é hegemônica e capitalista) caminha para ser, cada
vez mais, espaço da minoria” (MARICATO, 2001, p. 39).
A integração urbana toma a forma de inserção no mercado, na medida em que a própria cidade
passa a ser concebida como mercadoria. O ideário de uma cidade participativa, que era parte do
projeto de democracia social, cede lugar a um imaginário de cidade que se projeta no cenário
internacional, como uma mercadoria que poderá ser vendida em proveito de todos os seus
habitantes. Para isso, é preciso que as políticas públicas estejam estreitamente vinculadas aos
interesses dos grupos empresariais que passaram à condição de sócios privilegiados do governo
(FLEURY, 2013)
São estudos produzidos que contribuem para compreender os traços que desenham o perfil da
sociedade brasileira, definidos, historicamente, por uma estrutura fundiária que privilegia a
concentração de terra, de renda e riqueza, ao lado de características como o clientelismo e o
patrimonialismo, que produzem o espaço urbano como exploração econômica e dominação
ideológica. Conforme dados da PNAD/IBGE, ao final da primeira década do século XXI são 1,87
milhões de pessoas (1 %) que detém 13% da renda do trabalho; por outro lado, são 18,7 milhões
de trabalhadores e trabalhadoras (10% mais pobres) que ficam com apenas 1,1% da renda do
trabalho; os 10% mais ricos concentram 44,7% da renda do trabalho.
Na primeira década do século XXI, a permanência dessas contradições aprofunda a
pauperização dos trabalhadores e intensifica as desigualdades sociais. Vale salientar que, no
contexto da relação Estado e sociedade, muitas vezes, interesses capitalistas ameaçados
produzem armadilhas teóricas e ideológicas que apartam a pobreza de suas determinações,
porque desistoricizam e descontextualizam a problemática que funda a existência da questão
urbana, deslocando seu enfrentamento para o nível dos fenômenos a ela conectados,
alimentando o argumento da desqualificação do trabalho e da criminalização dos movimentos
sociais.
Destaca-se que são aspectos que evidenciam a questão urbana e nos mobilizam para pensar o
trabalho social a partir da seguinte indagação: de que cidade se fala quando se defende o direito
a ela?
Do ponto de vista formal, podemos dizer que o direito à cidade é um direito coletivo, isto é, direito
a tudo que a cidade oferece para a produção social e reprodução da vida de todos e todas que
nela habitam, a partir de um sistema de proteção construído através do reconhecimento da
vontade coletiva, afirmativa que não é isenta de contradições.
O que se observa na dinâmica urbana atual são as cidades se fundindo para criar assentamentos
em escala massiva; há um movimento em curso de famílias indo morar fora das cidades, em
zonas residenciais para grupos de renda alta, em condomínios fechados que promovem uma
sociabilidade enclausurada de áreas segmentadas e muradas que negam a vida pública da
cidade, estabelecendo com ela a evitação (CALDEIRA, 2000). O processo de urbanização
brasileiro determinado pela industrialização baseada em salários baixos (MARICATO, 2001),
provoca o deslocamento dos setores médios para um periurbano semirural, a presença de
cidades satélites, periféricas, reproduzindo a urbanização por periferização, em razão do preço da
terra mais barata, o crescimento da cidade ilegal, na ocupação irregular de áreas como as favelas
e os cortiços, consolidando a tendência à homogeneização urbana com a apartação e
gentrificação.
É a expressão de uma espoliação e vulnerabilidade socioeconômica e civil (KOWARICK, 2009),
dados os efeitos perversos do redesenho do Estado e das macro políticas econômicas,
respondendo às demandas da ideologia neoliberal: agravamento das desigualdades nas cidades,
massificação da pobreza, exclusão crescente (DAVIS, 2006).
Como o diz Harvey (2012), vivemos em tempos nos quais a sociabilidade do capital se sobrepõe
aos ideais dos direitos humanos. Ou seja, “vivemos num mundo onde os direitos de propriedade
privada e a taxa de lucro se sobrepõem a todas as outras noções de direito” (HARVEY, 2012, p.
73). O que coloca o debate do direito à cidade na esfera da utopia burguesa, cujos propósitos de
classe mobilizam consensos na defesa da cidade espetáculo, da cidade mercadoria, dos
conjuntos habitacionais construídos em periferias distantes que afastam os pobres e sua suposta
violência dos centros urbanos (RODRIGUES, 2007). Conforme Harvey (2012, p. 81), citando
Nafstad et. al., vivemos em “um mundo no qual a ética neoliberal de intenso individualismo
possessivo e a correlata renúncia política a formas de ação coletiva tornaram-se padrão para a
socialização humana” .
Retomando alguns aspectos da luta pela reforma urbana no Brasil, a Constituição Federal de
1988 estabelece parâmetros no art. 182 para a política de desenvolvimento urbano ao definir a
função social da propriedade e da cidade e reconhecer a prevalência do interesse coletivo sobre
o individual. Essa política deve ser executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes
fixadas em lei, tendo como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
A Emenda Constitucional 26/2000, por sua vez, garante entre os direitos sociais o direito à
moradia, ainda que regulado pelo acesso ao solo urbano. A promulgação da Lei Federal de
Desenvolvimento Urbano, Estatuto da Cidade (2001), regulamentando o capítulo constitucional da
política urbana, culmina esse processo de conquistas políticas e sociais no campo urbano
habitacional ao definir um conjunto de instrumentos que visam a garantir o exercício da função
social da cidade e da propriedade. O Estado brasileiro, nessa conjuntura de democratização,
assume e institucionaliza a agenda dos movimentos sociais urbanos, promovendo canais de
discussão e decisão - conselhos, orçamentos participativos, conferências, planos diretores
participativos - reforçando a participação popular, o que se traduz no atendimento às
reivindicações imediatas dos trabalhadores.
Todavia, é importante ressaltar que essas reivindicações têm sido transformadas em políticas
sociais compensatórias e fragmentadas, num movimento significativo de esvaziamento da luta de
classes.
Se, por um lado, os avanços promovidos pela Constituição Federal brasileira, ao lado dos
processos reivindicativos e as conquistas dos movimentos sociais e organizações populares
colocam no horizonte a possibilidade da construção de cidades democráticas, a reorganização do
processo de produção e reprodução do capital e a expansão liberal provocam outro conjunto de
respostas às exigências da cidade como direito. A propriedade no Brasil obedece à lógica da
valorização imobiliária, marcada pelo valor de troca, e assume uma função importante na
centralidade da ordem do capital. O que traz uma grande contradição na defesa que se faz da
função social da propriedade dentro dos parâmetros da “ordem”, inviabilizando a transformação
societária (MELO, 2012). São projetos societários em disputa, alimentando de forma trágica o
quadro urbano brasileiro. Segundo Ferreira (2010),
Se o Estado atacasse a retenção de terras ociosas para fins especulativos, exigisse a construção
de habitações de interesse social em imóveis vazios, investisse pesadamente em infraestrutura
urbana nas periferias, desse direito de propriedade a moradores de favelas e de loteamentos
clandestinos, combatesse a ação desenfreada e destrutiva do mercado imobiliário, ele estaria
atuando no sentido contrário ao de sua história, de sua lógica patrimonialista de defesa dos
interesses dominantes – interesses que polarizam no extremo oposto, no controle do acesso à
terra, na proteção quase sagrada da propriedade fundiária restrita às classes dominantes, na
prioridade dos investimentos nos bairros mais ricos, na exclusão socioespacial como instrumento
de dominação, questões que têm quinhentos anos de consolidação no Brasil.
Frente a esse processo é pertinente apontar, em primeiro lugar, as denominadas parcerias entre
sociedade civil e Estado neoliberal, as quais, capturadas pela lógica conservadora que imprime
seu ideário em todas as dimensões da vida social, transformam as reivindicações por direitos em
discursos vazios, que reificam os processos gestionários, abandonam os projetos de políticas
públicas estruturais, reforçando, ao contrário, seus aspectos compensatórios e fragmentados. E
mais, alimentam a agenda política com políticas setoriais que são pensadas a partir das grandes
cidades e das referências das regiões Sudeste e Sul. São discursos que alimentam a crença de
que a produção e a distribuição das riquezas só ocorrerão no campo das relações capitalistas.
A participação popular e o controle social em todos os momentos de definição e implementação
da política são enaltecidos, orientando discursos que defendem uma modernização conservadora
e que traduzem uma participação outorgada para debater o bairro. Porque, por trás desse
urbanismo modernizante, reproduzem-se políticas urbanas arcaicas, clientelistas, de expulsão
dos pobres e de segregação espacial, no retorno fortalecido da comunidade. (FERREIRA, 2010).
Em segundo lugar, o padrão de urbanização que se consolida no Brasil, expande-se por meio da
prevalência de um urbanismo de mercado que produz a marginalização de segmentos sociais,
condicionando-os ao exílio em regiões periféricas desprovidas de serviços urbanos e sociais
(FERREIRA, 2010). O que se observa é que está em curso um processo intenso de valorização
fundiária e imobiliária, que transforma setores das cidades em nichos de oportunidades para o
capital, com a ajuda do Estado no desenvolvimento de grandes projetos, promovendo o
enriquecimento de grupos minoritários (FERREIRA, 2010).
Em terceiro lugar, o Estado brasileiro, pautado por interesses voltados à defesa de um modelo de
desenvolvimento econômico excludente, que aprofunda a desigualdade social e privilegia a
concentração da renda, da terra e da riqueza, exerce a função de defensor da vontade dos
grupos dominantes, utilizando-se de diversos mecanismos de desmobilização das lutas sociais.
Os meios de comunicação, aliados a esses interesses, tornam públicas essas vontades,
articulando ações que desvirtuam o ideário dos movimentos sociais e limitam a veiculação de
suas reivindicações e de sua existência organizada, alimentando as brutalidades das respostas
do Estado. A violência, mascarada pelo discurso da segurança pública, se impõe mesmo em
situações limites da vida humana, como no caso dos assentamentos precários e das moradias
em áreas de risco, dos despejos e deslocamentos forçados, que ocorrem tanto no âmbito urbano
como no campo, tanto em territórios de comunidades étnicas como em áreas ambientalmente
degradadas. Formas de opressão e de exploração que se manifestam por meio de diferentes
estratégias, que além de criminalizarem, estigmatizam, restringem e reprimem ações de
movimentos sociais.
São argumentos que nos desafiam a buscar o enfrentamento da questão urbana, cujas formas
tem assumido perspectivas diferentes. Uma perspectiva conservadora, cujos grandes
incentivadores são as agências multilaterais de desenvolvimento e os organismos internacionais,
que pretendem resolver a questão urbana ao influenciar e fomentar a despolitização dos
diferentes segmentos sociais. A título de exemplo, tomemos a pesquisa de Valente (2012) que,
investigando sobre os projetos urbanísticos financiados pelo BID, identifica a preocupação com o
embelezamento das cidades sob o discurso da diminuição da pobreza e defesa do meio
ambiente, escondendo os verdadeiros interesses nos investimentos empresariais. Afirma a
autora, referindo-se à lógica da produção e reprodução social no contexto das cidades
capitalistas,
Desenvolve-se a ideia de competitividade entre os lugares, onde as cidades devem ser eficientes
e atrativas aos investimentos capitalistas. Para tanto, é fundamental que as cidades sejam
administradas eficientemente, daí a necessidade de uma gestão de cidades onde a dimensão
técnica sobreponha-se à dimensão política, com a consequente diminuição das possibilidades de
efetivação dos direitos de cidadania. O esforço das agências multilaterais, e em particular do BID,
é de propagar modelos que sirvam ao planejamento urbano, baseados na racionalidade de
gestão técnica, que busque ampliar a capacidade gerencial, especialmente da administração
local.
Todavia, transformações históricas são delineadas também a partir de uma perspectiva crítica,
que orienta o enfrentamento à questão urbana para a luta pela distribuição da terra e da riqueza
socialmente produzida, pelo acesso igualitário, universal e justo dos recursos, serviços, bens e
oportunidades que as cidades detêm. Assim, não há como enfrentar a questão urbana no interior
da ordem burguesa, se não se romper a correlação entre a propriedade privada da terra e o
processo de urbanização brasileiro. Maricato (2011, p. 150) assevera que,
O processo de urbanização será marcado fortemente por essa herança. Embora a urbanização
da sociedade brasileira se dê praticamente no século XX, sob o regime republicano, as raízes
coloniais calcadas no patrimonialismo e nas relações de favor (mando coronelista) estão
presentes nesse processo. A terra é um nó na sociedade brasileira...também nas cidades.
Claro está que não se pode reverter esse processo de urbanização sem transformar as relações
sociais de produção. Todavia, Netto é enfático ao afirmar que uma análise teórica crítica “não
significa um aval ao imobilismo”. Ao contrário, lutas sociais que visam ao reconhecimento dos
direitos políticos e sociais impactaram significativamente a sociedade capitalista (NETTO, 2009,
p. 221).
Essa disputa de significados, dados os desafios do enfrentamento da questão urbana, é
ideológica, mas é também político-institucional. Em torno dessas perspectivas, conforme afirmado
anteriormente, são tensionados projetos distintos de sociedade.
COTIDIANO PROFISSIONAL E OS DESAFIOS PARA O TRABALHO SOCIAL
No papel de sujeitos coletivos qualificados, um primeiro desafio para o desenvolvimento do
trabalho social pelos assistentes sociais na perspectiva da cidade com direitos, é desenvolver
análises críticas e interpretar, sistematicamente, os processos sociais, apreendendo suas
determinações objetivas e subjetivas em relação às práticas sociais.
Os princípios éticos políticos dimensionam a perspectiva sociopolítica da profissão e na
materialidade do exercício profissional é preciso situá-los dentro da totalidade do sistema de
produção e reprodução das relações sociais historicamente determinadas, espaço onde os
homens constituem sua subjetividade. Assim, o segundo desafio para o trabalho social está na
captura do cotidiano nas suas contradições, alimentada pelos princípios éticos.
O terceiro desafio está na resposta profissional construída a partir das seguintes dimensões:
a) Consistente conhecimento teórico-metodológico, que propicie aos profissionais uma
compreensão clara da realidade social e a identificação das demandas e possibilidades de ação
profissional que esta realidade representa;
b) Realização dos compromissos éticos-políticos estabelecidos pelo Código de Ética Profissional
dos Assistentes Sociais, fundado nos valores democráticos da participação política - liberdade,
igualdade e justiça social - e nos valores de cidadania;
c) Capacitação técnico-operacional, que possibilite a definição de estratégias e táticas na
perspectiva da consolidação teórico-prática de um projeto
profissional compromissado com os interesses e necessidades dos sujeitos, tendo em vista a
efetivação dos direitos, mediante o fortalecimento da consciência de classe e da organização
político sindical.
São dimensões que se articulam no espaço interventivo, seja numa perspectiva coletiva, junto
aos movimentos sociais, com vistas a socialização da informação e organização popular, seja
numa perspectiva individual ou grupal, para a construção de respostas às necessidades básicas
dos sujeitos usuários da política, de acesso aos direitos, bens e equipamentos públicos.
Conforme Guerra (2012, p. 39)
Parte-se do pressuposto de que o exercício profissional do assistente social, recebendo as
determinações históricas, estruturais e conjunturais da sociedade burguesa e respondendo a
elas, consiste em uma totalidade de diversas dimensões que se autoimplicam, se autoexplicam e
se determinam entre si.
Há uma possibilidade de escolha ética diferente da barbárie. Trata-se de construí-la na práxis
cotidiana, identificando as possibilidades de superação no enfrentamento das questões concretas
de violação dos direitos. Em outras palavras, “a definição de projetos transformadores da
experiência do dia a dia ocupa um lugar fundamental na construção da utopia” (MARICATO,
2011, p. 169). Ou, como afirma Iamamoto (2009, p. 343) “nesse cenário, a questão social e as
ameaças dela decorrentes assumem um caráter essencialmente político, cujas medidas de
enfrentamento expressam projetos para a sociedade”.
Se, conforme Iamamoto (2009, p. 344), o trabalho profissional é “tanto resultante da história
quanto dos agentes que a ele se dedicam”, a possibilidade de assumir a luta pelo direito à cidade
como lema operacional e como ideal político para interferir na relação existente entre urbanização
e formas de utilização do produto excedente na moldagem das cidades ao gosto do capital
(HARVEY, 2012) funda-se no estatuto intelectual e político dos assistentes sociais e no ideário
presente no projeto ético político profissional, tanto quanto nas exigências postas no mercado de
trabalho.
Assim, os assistentes sociais, desafiados a pensar a cidade com direitos, articulando
enfrentamentos ao modelo político-econômico que sobrepõe o econômico aos fins sociais, devem
assumir uma agenda cuja prioridade está na ampliação dos espaços democráticos de decisão, ao
lado dos movimentos sociais, entendendo o campo minado de tensões, lutas e contradições em
que se movem indivíduos e instituições, sob a regência do capital.
Cabe ressaltar que essa agenda materializa-se no âmbito do cotidiano, cujas determinações
apresentam características como a imediaticidade, a heterogeneidade e a espontaneidade
(GUERRA, 2012). Nesse sentido, o profissional, no exercício de tarefas que, muitas vezes, lhes
são impostas e cumprindo regulamentos e orientações nas respostas determinadas pelas
exigências da eficácia e eficiência dos programas governamentais, deverá cuidar para não
reproduzir práticas tutelares, moralizantes, autoritárias, interessadas em superar os gargalos da
burocracia pública que naturalizam a pobreza e delegam aos segmentos sociais envolvidos nos
programas e projetos, o enfrentamento da questão urbana.
As demandas postas aos assistentes sociais, na atualidade, são requisições técnico operativas
que incorporam exigências de gestão da pobreza e não do seu combate e erradicação. Nessa
direção, essas requisições para o trabalho social reiteram a lógica da administração nas
exigências de gerenciamento e nos padrões normativos de gestão, tomam corpo na
implementação de políticas com funções compensatórias como alternativas estratégicas à crise,
que não estão associadas a políticas de emprego e tampouco à universalização dos direitos
sociais, impõem o desenvolvimento de programas sociais de corte assistencialista e de serviços
desvencilhados da perspectiva dos direitos sociais.
Portanto, tensionado por esse cenário contraditório da sociabilidade capitalista, o assistente
social, nas estratégias adotadas para o trabalho social, deverá construir alianças que venham a
lhe fortalecer no exercício profissional crítico e compromissado e no enfrentamento dos desafios
tais como: a precarização das condições materiais e organizacionais de trabalho, os contratos
flexibilizados que interferem no exercício das atividades de forma autônoma, a ausência de
concursos públicos, o desenvolvimento do trabalho social restrito à implementação de projetos,
com ênfase na produtividade da economia local e na participação e controle social pelo
“empoderamento” da sociedade civil (LIMA, 2008), a exigência de projetos sociais que reafirmam
concepções controlistas e burocráticas, nas atividades de caráter informativo, educativo e de
promoção social e que visam o desenvolvimento comunitário e a sustentabilidade do
empreendimento/ projeto, a concepção de trabalho social como processo de aquisição de
habilidades para ordenar comportamentos, para o uso correto das moradias, para educar os
sujeitos no papel de consumidores que cumprem seus deveres de pagamento de impostos e
serviços.
Essa construção de alianças é um exercício político que deve acontecer, a par das atividades
cotidianas do trabalho social. São estratégias que convergem para descaracterizar a construção
de consensos promovida pela hegemonia neoliberal e requer a qualificação e capacitação
continuadas e a intervenção concertada dos diferentes sujeitos coletivos nas iniciativas de
resistência, numa perspectiva de totalidade. Ou, como afirma Raichelis (2011, p. 436)
NOTAS
1 - Texto elaborado para o III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, realizado pelo Conselho
Regional de Serviço Social - MG e apresentado em 08 de junho de 2013, em Belo Horizonte, MG,
por Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz, assistente social, professora doutora da Universidade
Federal de São Paulo/BS.
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Tradução Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2000.
Quanto mais qualificados os trabalhadores sociais, menos sujeitos à manipulação e mais
preparados para enfrentar o assédio moral no trabalho, os jogos de pressão política e de
cooptação nos espaços institucionais.
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