You are on page 1of 110

MANUEL Jose LOPES ENFERMEIRO

Manuel José Lopes


p
ESPECIALISTA EM ENFERMAGEM DE SACIDE

MENTAL E PSIQUIATRICA MESTRE

EM CINCIAS GE ENFERMAGEM PELA

UNIVERSIDADE CAT61-ICA PORTUGUESA

S PROFESSOR NA ESCOLA SUPERIOR DE

ENFERMAGEM S. JOAO GE DEUS EM EVORA.

TRASALHOU NO HOSPITAL PSIQUIATRICO

Do L0Ew40 E NO HOSPITAL DO ESPIRITO

SANTO EM EVORA.

AS SUAS AREAS DE INTERESSE SAO, ENTRE

OUTRA5, A ENFERMAGEM FUNDAMENTAL,

AREA NA QUAL LECCIONA E DESENVOLVEU

ESTE SEU PRIMEIRO LIVRO, E A RELAçAO

DE AJUDA EM ENFERMAGEM, SENDO

RESPONSAVEL FOR UMA CON5ULTA

NESTA AREA.
CONCEPcOES de ENFERMAGEM
DESENVOLVIMENTO
SOCIQ-MORAL
Alguns dados e implicaçöes
Manuel Jose' Lopes

r,r
I
/ t

c
OL u 'J?)Vk
TESE DE DISSERTAcAO DE MESTRADO EM CIENCIAS DE ENFERMAGEM, ELABORADA

SOB ORIENTAcAO DO PROF. DOUTOR ORLANDO LOURENçO E APRESENTADA


A FACULDADE DE CINCIAS HUMANAS DA UNIVERSIDADE CATOLICA PORTUGUESA
Indice

NOTA DE APRI3SEAcAO
............................................ 9
PREFACIO ...................
................................................ 13
Ir'moDucAo
.............................................................. 15
-
I PARTE CONCEPcOES DE ENFERMAGEM
E DESENVÔLVIMEO SOCIOMOL:
REFERENCIAS TEORICAS ............................................
1. CONCEPI;C)ES DE ENFERMAGEM AO 23
LONGC)
DOSTEMPOS
.............................................................25
1.1. A ENFERMAGEM ENQUANTO DISCIpLINA.
UMA PERSPECTIVA EPISTEMOLOGICA .....................
1.2. PERfODO PRE-PARADIGMATICO. 26
BREVE
ABORDAGEM......................................................... 30
1.3. PERfODO PARADIGMATICO: PROCESSO
DE DESENVOLVIMENTO DE UMA DISCIpLINA .......... 33
1.3.1. Paradigma da categorizaç o ................................
1.3.2. Paradigma da ir1tegraço 35
..................................... 39
1.3.3. Paradigma da transformaco ...............................
44
1.4. ESCOLAS DE PENSA*4ENTO EM ENFERMAGEM
......... 48
1.4-1. A escola das necessjdades ..................................
1.4.2. A escola da 50
interacço ...................................... 51
1.4.3. A escola dos efejtos desejado ............................
1 .4.4. A escola da promoço de sa6de 54-
......................... 56
1.4.5. A escola do ser humano unjtário ........................
57
1.4.6. A escola do cuidar ..........................................
Ficha Técnjca 2. A 59
ENFERMAGEM COMO DISCIPLINA E PROFISSAO:
A PRATICA DO CUIDAJ
........................................... 61
Titulo: Concepç6es de Enferniageni e Desenvolvimento Soda-Moral: 3. CUIDADOS DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO
Alguns dados e implicac6es SOCIOMOpAL
.....................................................O
... 69
Autor: Manuel José Lopes 3.1. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MORAL
Capa e arranjo gráfico: Artlandia - Design c Comunicaç5o Visual, Lcla.
DEKOHLBERG .......................................................
71
Impressâo: Grifica 2000 3.1.1. NIvejs e estádjos de desenvolvimento sócio-moral 76
3.2. PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO MORAL
Dircitos rcscrvaclos para a Lingua Portuguesa DEGILLIGAN ........................................................
Depósito Legal: 135912/99 3.3. DESENVOLVIMENTO PARA A JUSTIçA 81

ISBN: 972-98149-0-2 VERSUS DESENVOLVIMENTO PARA 0 CUIDAP ....... 83


'I

II PARTE - INVESTIGAçA0 REALIZADA


93
4. OBJECTIvOS F FUNDAMENTAcAO
............................ 95
S. METODOLOGIA ..........................................................
101
5.1. SUJEITOS .............................................................
101
5.2. INSTRUMENTOS DE COLHEITA DE DADOS ............. 106
5.2.1. Questionário sobre Conceitos de Enfermagem
e de Born Enfermeiro ......................................
106
5.2.2. Teste Para Definir Valores Morais ...................... 118
5.2.3. Entrevjstas .....................................................
122
5.3. PROCEDIMENTO ....................................................
126
6. APRESENTAcAO F ANALISE DOS RESULTADOS
......... 131
6.1. ORIENTAcAO PARA A CATEGORIzAcAO,
A INTEGRAcAO E A TRANSFORMAcAO ................. 131
6.2. ORIENTAcAO PARA OS PARADIGMAS
DA CATEGORIzAcAO, DA INTEGRAcAO
E DA TRANSFORMAcAO EM FUNcAO
DE ALGUMAS VARIAVEIS DEMO GRAFICAS .............. 133 ..Como i que podes 5cr enfermeira? Tantos dos teus utentes
6.2.1. Conceito de enfermagern .................................. 133 s5o t5o veihos e tffo doentes hoje em dia. Como podes tu supor_
6.2.2. Concejto de born enfermeiro ............................... 138 tar a ideia de que, ao fini e ao cabo, os teus cuidados podem
6.3. PARADIGMAS DE ORIENTAcAO DOS ENFERMEIROS nifo ter frito qualquer dfrrença?
E NfVEL DE DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL .... 146 Espera ate teres usado as tuas rnos, os teus olhos
6.4. CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DE BOM e a tua voz para dissipares o terror, Para mostrares a
ENFERMEIRO ATRAVES DAS ENTREVISTAS .............. 149 urna pessoa lesamparada que a sua vida C rcspcitada, que
6.4.1. 0 binórnjo enfermejro/doenteutente .................. 150 tern dignidade. 0 teu cuidado ajudá-la-h a cuidar de si
6.4.2. A enferrnagern ................................................. própria. A sua debilidadc forçar-tc-á a pensar na brevida-
164 tie da tua própria vida....." (Mallison, 1987, p. 419)
6.4.3. 0 born enfermeiro ..........................................
174
7. DISCUSSAO DOS RESULTADOS - CONCLUSOES
FIMPLICAcOES ........................................................
187
8. REFERENCIAS. BIBLIOGRAFICAS ................................203
ANEXOS
Greihas de análjse das entrevistas ...........................................211
A Carmo e ao David pela presenca constante,
pelo apoio incondicional e pelo ambiente "cuidativo"
que sempre me proporcionaram.
A minha mae.
Em memória de meu pal.
CONCEPOES OF ENFEFMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

Nota de Apresentaçao

No decurso do nosso exercIcio profissional, principalmente en-


quanto professor de uma escola superior de enfermagem, tern-se
nos deparado várias dificuldades as quais não tern sido fácil res-
ponder. Uma delas é a escassez de literatura, em português, que
aborde a problernática da natureza dos cuidados de enfermagem
e da enfermagem, enquanto disciplina. Esta dificuldade torna-se
tanto mais importante, se considerarrnos a necessidade de fornecer
aos nossos alunos urna base de trabaiho que resulte da análise da
nossa realidade e que Ihes facilite a discusso e a aprendizagern.
Pensarnos, no entanto, que o interesse deste livro no se restrin-
ge aos alunos, urna vez que a discusso da natureza dos cuidados
de enfermagem é urn assunto importante para todos os profissio-
nais. Para além de que, o imbito de discusso corn os alunosé
diferente daquele que é possIvel corn os profissionais, sendo o
contributo destes de urn interesse deterrninante Para definiço da
enfermagem que queremos.
Neste contexto, a presente obra, que é o produto final de urn
determinado percurso, poderi
ser tarnbérn urn ponto de partida
Para novos percursos. Para que tal aconteça, já nós demos o
prirneiro passo, ao publicar o resultado do nosso trabaiho. Mere-
cc aqui especial referência, o ernpenhamento da Associaçam Portu-
guesa de Enfermeiros em divulgar obras de autores portuguese
s, de
que somos o exemplo mais recente. 0 passo seguinte compete a
todos os leitores a quem cabe a responsabilidade de lerern, dis-
cutirem, discordarern,..... porque 56 assim se poderao gerar novas
ideias e fazer avançar o conhecimento.
A obra que agora se apresenta, Concepçoes de Enferinagem e Desen-
volvimento Sócio-Moral, é o resultado de uma investigaçao realizadá
ao longo do ano de 1996, em três hospitais da Região de Saiide
do Alentejo. Foi desenvolvjda no contexto da elaboraçao da dis-
sertaço a apresentar a Faculdade de Ciências Humanas da Uni-
versidade Católica Portuguesa Para obtenço do grau de mestre
em Ciencias de Enferrnagern. Assim sendo, o livro reproduz, corn
algumas pequenas alteraçöes, a referida dissertaço.
9
N o TA DC A P R C $ C N,-,A ç A 0
CONCEPcOES r
ENFERMAGEM C DESENVOLVIMENTO SCI0-MORAL

Corn este trabaiho, de natureza descritiva e exploratória, preten-


talidade, a Dra Felismina Mendes pelos suas sugest6es,
deu-se saber quals eram e que caracteristicas possuIam, as con- as Dr
cepçöes de enfermagem dos enfermeiros que prestam cuidados Maria dos Anjos Pereira Lopes e Maria Teresa Magão e ao Dr°
ha, pelo menos, cinco anos. 0 contexto teórico de que nos ser- Joao Mendes pelas suas participaçoes como juizes, ao Dr' José
virnos, foi a caracterizaço cognitivo-desenvolvimentista das con- Eliseu Pinto pelo imprescindivel e desinteressado apoio no trata-
cepçöes de enfermagem proposta por Newman (1992), Newman, mento iiiformático e estatIstico, a Dr Cibele Pinto Cardoso pela
Sime e Corcoran-Perry (1991), e Kérouac et al. (1994) baseada sua participaçao na reviso do texto, ao Grupo de Apoio de Evora
nos paradigmas da categorização, da integraçäo e da transforma- da Liga Portuguesa Contra o Cancro, na pessoa do Sr' Comendador
ço. Tendo ern consideraçao a componente moral dos cuidados Fernando Alves Martins, pelo apoio, incentivo e confiança que
de enfermagem, sempre presente e sempre discutida, decidirnos em nos depositou e, por fim, as enfermeiras que prestam cuida-
também tentar perceber qual era o nivel de desenvolvimento do dos nos hospitals de Beja, Elvas, Evora, Portalegre e Setébal,
raciocInio sócio-moral dos referidos enfermeiros. Para o efeito, pela sua participaçao neste trabaiho, sem a qual o mesmo no
utilizárnos a abordagem cognitivo-desenvolvimentista da morali- teria sido possivel.
dade de Lawrence Kohlberg (1981, 1984) e de James Rest (1986).
Uma das interrogacöes fundamentais deste trabaiho, tendo em Evora, 1998
consideração as caracteristicas da estrutura teórica que the serve Manuel José Lopes
de base, foi, se será possIvel perspectivar o desenvolvimento para
o cuidar, tal como se perspectiva o desenvolvimento para a jus-
tiça. Assim sendo, a possIvel re1aço entre as concepçöes de en-
fermagem dos enferrneiros e o seu nIvel de desenvolvimento do
raciocmnio moral, reveste-se de particular importncia.
Os resultados alcançados corn esta investigaco deixam-nos so-
bretudo dividas e interrogaçôes. Mas pensamos que, por isso
mesmo se curnpru uma pare do objectiv da investgaco. A
outra parte, depende da vontade de todos ns para discutirrnos
e, sobretudo, para continuarmos a investigar, caminho fundamental
para a (re)construção de uma ciência.
Näo queremos terminar sern lembrar que apesar de sermos nós
os autores desta obra, ela resulta da co1aboraço de muita gente
que teve a gentileza de nos ajudar, discutindo, dando opinião,
discordando, auxiliando nos momentos de angüstia. Assim, fica
urna palavra de gratido: ao Professor Orlando Lourenço,
orientador da investigaco, pelo modo como nos deixou escoiher
o nosso próprio caminho, a Doutora Marta Lima Basto pelas subtis
mas preciosas observaçoes e sugestöes, a Dr' Lisete Fradique Ri-
beiro pela disponibilizaçao da sua experiência e sua saudável fron-
10
CONCEPcOES - NFERMAGEM E DESENVOLVMENTO SOCIO-MORAL

Prefácjo
E corn gosto que apresento este livro de Manuel Lopes. Porque
resultou de uma dissertação de mestrado em Ciências de Enfer-
magern feita sob a minha supervisão, o livro anda em tomb de
uma tema - relaçöes entre desenvolvirnento sociomoral na pers-
pectiva de L. Kohlberg e concepçöes dos enfermeiros sobre a sua
profissão - que reputo de pertinente em termos de pesquisa
empirica e de reflexão teórica. Penso, por isso, que o livro serâ
lido corn gosto por muitas pessoas, nomeadarnente aquelas liga-
das as profissoes de ajuda e, mais ainda, as ciências da saide e da
vida, enfermeiros e medicos em particular.
Podendo parecer remota, a relação entre enfermagem e desen-
volvimento sociomoral na perspectiva de Kohlberg é, de facto,
bastante próxima. Prirneiro, ambos assumem que não tratar os
outros injustamente (ética da justiça) e não os abandonar quando
em necessidade (ética do cuidar ou do cuidado) são dimensöes
centrals no domInio das relaçoes interpessoais; segundo, ambos
conferern muita importãncia as situaçöes dilemáticas, situaçöes
cuja intensidade e drarnatisiro confrontam diariamente o profis-
sional de enfermagem e que são Irnpares em termos de testemu-
nho püblico dos nossos compromissos corn uma sociedade boa e
justa - que não moralista e justiceira; terceiro, enfermagem e
teoria de Kohlberg erigem o respeito pela vida humana - pela
sua qualidade, que não apenas pela sua preservação - num abso-
luto moral que deve ultrapassar consideraçoes utilitárias, sociais,
religiosas ou outras.
Os argumentos e os dados apresentados no livro de Manuel Lopes
são urn testemunho cientIfico a favor da importancia da arti-
culação entre formaçäo em enfermagem e desenvolvimento
sociomoral na perspectiva do psicólogo Lawrence Kohlberg. E
são também uma prova indirecta da validade da ideia de Kohlberg
de que virtudes não ha muitas, uma apenas, a justiça, e da ideia
de Judith Shidar de que, a excepção dos que sofrem, é mais fácil
ver infortánio do que injustiça por detrás do sofrimento de ou-
trern.
13
P R E F A C I 0
CONCEPcOES 0 NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

Dos dados apresentados neste livro, h dois que este prefácio deve
destacar; por justiça corn os dados e, obviarnente, corn o seu autor.
Introduçao
E urn dado cientificamente interessante que as enfermeiras mais
A histôria dos cuidados, porque inerentes a vida, remonta aos
desenvolvidas de urn ponto de vista sociornoral - i.e., as mais preo-
primórdios da hurnanidade. Inicialrnente os cuidados erarn pres-
cupadas corn a ética da justiça e do cuidar - sejam tambrn aquelas
tados por rnulheres e caracterizavarn-se pela integraçäo na vida
que mais pensarn os conceitos de <<enfermagem>> de <<born enferrnei-
das comunidades e pela resposta as necessidades concretas das
ro>> ern termos, nao do paradigma da categorizaço, mas do paradigma,
pessoas (e.g., nascimento, alimentaço, etc.) (Colliêre, 1989).
datransformaço. Inütil dizer que categorizar ou pôr rótulos a rca- Subjacente a prestaçäo de cuidados havia urn saber de experiência
lidade que nos circunda, seja ela a saáde ou a doença, é
feito. Refira-se, a titulo de exemplo, o facto de só as muiheres
conceptualmente menos interessante e socialrnente menos inovador
que tivessem experirnentado a maternidade estarem aptas a cui-
do que integrá-la em contextos diversos, ou rnesrno visionar a sua
dar de outras rnulheres durante o parto. Este saber era passado
transformaçao em termos de urn futuro rnelhor. Embora esperado,
orairnente de geracão em geracão.
tambérn cientificamente interessante o facto de não ser a idade,
Corn o advento do Cristianismo todo este saber foi questionado,
mas as habilitaçoes académicas e profissionais das enfermeiras, o que
quer porque, em alguns casos, colidia corn a visâo monoteIsta da
mais se relaciona corn o seu desenvolvirnento sociornoral e corn as
Igreja Católica, quer porque, a proliferaço de saberes era incó-
suas opcöes pelo paradigma da transformaço no que aos conceitos
moda (Colliêre, 1989). No entanto, a necessidade de prestaçäo
de <<enfermagern>> e de <<born enferrneiro>> diz respeito. Corn razão, de cuidados as pessoas persistia, continuando estes a ser presta-
o autor encontra neste facto urna base bastante sólida para argumen-
dos por rnulheres, que passaram a ter urn enquadramento dife-
tar a favor de uma formaçâo académica superior para os cursos de
rente. As iriulheres prestadoras de cuidados eram agora
enferrnagern. Tai formaço é tambérn urn entrave as falâcias do
muiheres-devotas: tinham reiunciado a vivência de urn conjunto
<<obreirisrno e da santidade>>. Quer dizer, a ideia de que a enfermeira
de experiências (e.g., maternidade) e, deste modo, a prestaço
está nos serviços apenas para fazer coisas, no para teorizar também
de cuidados já no decorria da sua própria experincia de vida.
sobre a saüde e a doença, e tambérn de que cia - mais do que os
Para alérn disso, prestavam cuidados sob a custódia da Igreja
outros - tern de ser o anjo da guarda do doente, estar sempre dis- Católica, veiculando a moral cristä.
ponivel para todos os sacrificios e ser rnesmo canclidata a santidade.
Corn o advento da medicina cientIfica ocorreu mais urna altera-
De urn livro que resulta de urna clissertação de mestrado näo se
ço profunda a nIvel da prestaçäo de cuidados. Agora cram os
espera que, cientificamente, tudo seja excepcional, brilhante e
rnédicos que careciam de pessoas que os ajudassem e os substi-
sern rnâcuia. De qualquer rnodo, neste livro fica claro que, na
tuissem, ern algumas tarefas consideradas menores, para que des
sua dissertaço, Manuel Lopes no quis apenas fazer coisas (urna
pudessern ficar libertos para outras consideradas mais dignfficantes.
tentaço trernenda - juntarnente corn a de pôr ni'imeros sern se
Este papel foi assumido pelas enfermeiras. Tal permitiu-Ihes o
alcançar verdadeira rneclida - ern quern faz dissertaçoes de mesirado
acesso ao saber medico e a sua partilha, mas no Ihes garantiu a
ou ate de doutorarnento), mas quis já pensar algurnas questöes.
autonomia. (Collière, 1989; Kérouac, Pepin, Ducharme, Duquette
o que abona a seu respeito. B a respeito do livro que tern agora
& Major, 1994; Meleis, 1991).
em suas mãos.
A partir da segunda metade deste século, e como resultado da
Orlando Lourenço conjugação de vários factores, as enfermeiras deram inhcio ao pro-
Lisboa, Outubro de 1998
cesso de autonornizaço da enfermagem como disciplina e profis-
14
15
N T R 0 D U A 0 CONCEPcOES
DE NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCI0-MORAL

sao. Urn desses factores terá sido o desenvolvirnento das ciências superior em 1988 (Decreto-Lei 480/88 de 23 de Dezembro).
sociais e humanas (e.g., Psicoiogia, Sociologia). Este desenvolvi- Neste contexto, é possIvel encontrar profissionais no exercicio
rnento veio responder a necessidades decorrentes da evoluço socio-
das suas funçöes, corn a mais diversificada formaçao, devendo
-econórnica, principalmente do rnundo ocidental, chamando a aten- esta ser considerada na discussão que entretanto Se continua a
ço para determinadas vertentes da pessoa (i.e., psicoiógica e social) processar sobre a natureza da enfermagern. Pensamos que é re-
ate al pouco valorizadas. Para isso contribuIrarn os trabaihos de levante a forma como estes enfermeiros conceptualizam a Enfer-
Freud (1967), Maslow (1943), Adler (1947), Rogers (1974) e magem. Conhecendo essa conceptualização, conhecer-nos- emos
entre Outros.
melhor e contribuiremos para a definição da natureza da enfer-
Profundas alteraçöes socio-económicas decorrentes da industriali- rnagem.
zaço, pós-industrializaçao e das guerras rnundiais induziram a 0 processo de autonomização não se esgotou, no entanto, corn a
aiteraçãq da estrutura familiar e conduziram também a melhoria abertura a realidades teórica.s exteriores a rnedicina e a cincias aflns.
das condiçoes de vida das populaçoes. Este facto despertou ne- A publicaçao de diversos trabaihos de investigação sobre as práticas
cessidades das pessoas, ate al relegadas para segundo piano. Por de enfermagem (e.g., Benner, 1984; Butterworth & Bishop, 1994;
sua vez, uma das consequências das guerras rnundiais foi uma, Rebelo, 1996; Swanson, 1991, entre outros) vieram pôr em foco a
irnensa rnuitidäo de orfos, exilados e sern-famIlia cujas necessi- riqueza de saberes inerentes a prática dos cuidados. Isto não significa
dades erarn essencialmente de natureza psico-social.
menosprezo pela teoria mas sirn a reaflrmaçao da sua importancia. A
Por iAtimo, o inicio do ensino da Enfermagern a nivei universi- partir desta perspectiva o processo de teorização nasce da prática e
tário, principalmente nos Estados Unidos, veio possibilitar as en- proporciona urn corpo de conhecirnentos prOprios. No entender de
fermeiras o acesso a todos os graus académicos. Isto permitiu-lhes Benner (1984), interessa principalmente analisar as práticas dos en-
o contacto corn outras realidades teóricas, norneadarnente as ciên- ferrneiros considerados peritos '
cias sociais e humanas. Consequentemente, possibilitou-lhes uma No entanto, para que da prática possa brotar a teorização, aquela
perspectiva mais abrangente da pessoa e das suas necessidades. tern de ser entendida no sentido em que Maclntyre (1990) a
Perrnitiu-lhes, ainda, a possibilidade de teorizaço, processo fun- define, ou seja, como uma actividade humana, cooperativa, coe-
damental para a autonornização da enfermagern. rente e complexa, dotada de hens internos, que são realizados na
Deste rnodo, podernos dizer que o processo de autonomização da tentativa de se alcançarem os padröes de excelência estabelecidos
Enfermagem é marcado, por urn lado, pela dupla fihiação, para essa prática. Os hens internos a que a autora se refere são
conventual e rnédica, e por outro, pela abertura a realidades te- especificos de cada prática e sO podem ser alcançados pelas pes-
óricas decorrentes das ciéncias sociais e humanas. Este processo soas que nela participarern. De entre estas, terão acesso aos bens
de autonomização adquire caracteristicas particulares se conside- internos as que tiverern adquirido qualidades humanas cujo exer-
rarmos que algumas das alteraçöes mais marcantes atrás referidas cicio as capacite para os aicançar. Essas qualidades humanas são
se verificararn no espaço de urn século. Em Portugal, esse espaço as virtudes, das quais destacarnos a justiça. Aqui. questionamo-
de tempo poderá ainda ser menor. Ernbora existindo, no nosso -nos se os enfermeiros peritos referidos por Benner (1984), e
pals, ensino de enfermagem ha cerca de urn século (Soares, 1997), apresentadas como pessoas que atingiram a exceléncia na presta-
so a partir de meados da década de 50 se deu inIcio a urn sig- cão de cuidados, serão dotados destas qualidades humanas.
nificativo processo de reformas, que cuirninaram na integração Também Kohlberg (1981) se refere as virtudes afirmando que
do ensino de enfermagem no sisterna oficiai de ensino a nivel elas não são muitas, mas apenas uma: a justiça. Este autor refere
16
17
N T R 0 0 U - A 0
CONCEPcOES E)f
NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCPO-MORAL

que a mesma no é sinónimo de urn conjunto de regras, mas sim pessoa (person centered caring), correspondente ao nIvel pós-con-
de urn princIpio moral e que a essência da moralidade reside no
vencional da teoria de desenvolvimento moral.
sentido de justiça (Kohlberg, 1984). Nesta perspectiva, a pessoa
Por sua vez, urn grupo de autoras de enfermagem (Newman,
será sempre tratada como urn firn e nunca corno urn meio. Foi
1992; Newman, Sirne & Corcoran-Perry, 1991) analisaram, de
nesta base que Kohlberg (1981, 1984) erigiu a sua teoria de
urn ponto de vista episternológico, as orientaçöes teóricas e
desenvolvimento moral. Trata-se de uma teoria de tipo estrutu-
metodológicas de trabaihos elaborados por diversas colegas e
ral-construtivista e que compreende o desenvolvimento moral categorizaram-nas em três grupos. 0 prirneiro tern semelhanças
segundo dois critérios a cogniçäo, raciocinio ou juIzo moral, e a
corn a perspectiva positivista e foi denominado singular-
acço moral (ver Lourenço, 1992). Esta perspectiva de desenvol-
-determinista. 0 segundo apelidaram-no de interactivo-integrativo
vimento moral tern interessado vrias autoras de enfermagem (e.g., e é similar a perspectiva pós-positivista. 0 terceiro foi denomi-
Condon, 1986; Crisham, 1981; Ketefian, 1981; Munhall, 1982; nado unitário-transformatjvo e a sua perspectiva é próxirna do
Pinch, 1985; Ribeiro, 1995) essencialmente por duas razöes. A
construtivismo. Corn base nesta categorização, Kérouac et al.
primeira porque e a forma mais adequada de efectivar a compo-
(1994) estudararn a evolução das escolas de pensamento em en-
nente moral dos cuidados de enfermagem referida por várias
fermagem e sugerirarn que os paradigmas assurnissem respectiva-
teóricas de enfermagem (e.g., Benner & Wrubel, 1988; Bishop
rnente a seguinte nornenclatura: categorizaçffo, integraçâ'o e
& Scudder, 1991; Watson, 1985). Esta componente moral será,
• transformaçffo. 0 paradigma da categorização caracteriza-se pela
assim, entendida não como urn saco de virtudes, mas como urn
concepção dos fenómenos de modo isolado, não inseridos no seu
processo de desenvolvimento da pessoa, em interacção corn o
contexto, e possuindo propriedades definIveis e rnensuráveis. As
seu meio. A segunda razão decorre da primeira e compreende a
mudanças a partir desta perspectiva são entendidas como conse-
maior capacidade dos enfermeiros corn elevado desenvolvimento
quncia de factores anterioPes, perfeitarnente identificáveis e
moral para meihor assumirem o papel de advogados dos utentes
entencllveis. 0 paradigma da integração dá continuidade ao ante-
(Schasttschneider, 1992).
rior. No entanto, perspectiva os fenórnenos como rnultidirnensionais
Face a estes contributos teóricos coloca-se a seguinte questão:
e os acontecirnentos corno contextuais. Deste modo, tanto sac,
Será possIvel perspectivar o desenvolvimento para o cuidar a par
valorizados os dados objectivos quanto os subjectivos. As rnudan-
corn o desenvolvimento para a justiça? Condon (1986), por exem-
cas são entendidas como função de miltiplos factores anteceden-
plo, corn base nurna estratégia de derivaçao teórica (i.e., urn
tes e de relaçöes probabilIsticas. 0 paradigma da transformaçao
rnétodo que utiliza a analogia de urn carnpo de conhecimento
perspectiva os fenómenos como ilnicos mas em interacção corn
relativarnente a outro corn o propósito de obter explanaçöes ou
tudo o que os rodeia. Nesta perspectiva, tern--se a visão da pessoa
predicçöes no segundo) a partir da teoria do desenvolvimento
como urn ser total e 1inico, cujas rnudanças ocorrern por estâdios
moral de Kohlberg (1981, 1984), propôs urna teoria de desen-
de Organização e de desorganizaçao, mas sempre em direcção a
volvimento para o cuidar. De acordo corn esta autora, o desen-
niveis de organização superior.
volvimento para o cuidar processa-se em três nIveis. 0 prirneiro,
Cornparando esta estrutura conceptual ern paradigmas, corn a teoria
denominado pré-cuidado (pre-caring), corresponde ao nIvel pré-'
do desenvolvimento moral de Kohlberg (1981, 1984) e corn a
convencional da teoria de desenvolvimento moral de Kohlberg. proposta de aplicaçäo a enfermagem de Condon (1986), as seme-
0 segundo, transição para o cuidar (transcaring), corresponde ao
lhanças são notáveis. Face a isto coloca-se a questão: será que
nIvel convencional. E o terceiro, designado cuidado centrado na
urna enfermejra corn urn elevado desenvolvimento moral tern
1 18
19
r I N T R 0 0 U -ç

concepcöes de enfermagem que se enquadrarn no paradigma da


transforrnação?
A

A predominncia das ideias de cada urn destes paradigmas pode


ser cronologicamente localizada. Isto não quer dizer que no
mornento presente as ideias de qualquer deles tenham sido aban-
donadas em favor das de urn outro. Isto é verdade para a enfer-
magem em geral, especialmente para a enfermagem em Portugal
dado o curto perIodo de tempo (i.e., desde meados da década de
60 ate a década de 90) em que ocorreu urn conjunto de mudaii-
ças considerável (e.g., rnudanças na estrutura dos curricula, da
carreira, do enquadramento do ensino, entre outras). Neste con-
0

texto, parece-nos pertinente estudar as orientaçöes dos enferrneirs


CONCEPcOES ENFERMAGEM E DESENV0LVMENT0 SOCIO-MORAL

Face a tudo o que foi dito e porque são muito poucos Os estudos
desta natureza em Portugal, o nosso estudo ganha alguma perti-
nencia. Ao clarificar quais são as orientaçöes dos enfermeiros sobre
as suas concepçöes, contribui para nos conhecermos melhor; ao
articular essas orientaçöes corn o nIvel de desenvolvimento mo-
ral, contribui para a clarificação de uma rea importante da en-
fermagem: o cuidar e desenvolvimento moral. Initil dizer que
qualquer urn destes aspectos poderá abrir areas de reflexão e de
discussão que contribuarn para o desenvolvimento da Enferma-
gem.
Assim, os objectivos deste trabaiho sao Os seguintes:
(1) Analisar as orientaçöes dos enfermeiros sobre os conceitos de
sobre as concepcöes de enfermagem face aos paradigmas atrás
enfermagem e de born enferrneiro vistos a luz dos paradigmas
mencionados e, concomitanternente, relacionar essa orientação corn
da categorizacäo, da iritegração e da transformação.
o seu five1 de desenvolvimento sócio-moral.
(2) Saber Se as orientaçöes referidas diferem ou não, em função
Vários estudos tern sido reajizados no sentido de determinar a
de variáveis corno: anos de serviço, habilitaçoes literárias e
orientação dos enfermeiros sobre as concepçöes ou sobre as re-
profissionais, posicionarnento na carreira e local de trabalho.
presentacöes sociais da Enfermagem. Para o efeito tern sido usa-
(3) Relacionar essas orientaçöes corn o nIvel de desenvolvimento
dos paradigmas corn as rnais diversas designacoes. Abranches
sócio-moral.
(1995), por exernplo, desenvolveu urn estudo exploratório corn
(4) Cornpreender as concepöes de enfermagem e de born enfer-
enferrneiras chefes e docentes de enfermagem. Pretendia saber
meiro dos identificados como bons enfermeiros, na cOnvicçâo
quais as orientaçöes destes enfermeiros sobre a concepção de
de que tais concepçöes nos ajudarn a compreender os concei-
enfermagem. A referida orientação foi. analisada face a tres
tos de enfermagem e de born enferrneiro.
paradigmas: biornédico, de transição e paradigma do cuidar. Por
sua vez, Mendes (1995), nurn estudo sobre representação social
do enfermeiro, realizado corn os alunos de urna escola superior
de enfermagem, embora não tendo utilizado explicitamente a
1: terrninologia dos paradigmas, serviu-se da dicotomia modelo
biorndico/modelo de enfermagem. Ribeiro (1995) desenvolveu
urn estudo sobre a orientação dos alunos de enfermagem face ao
cuidar e an tratar, e sobre a relação entre essa orientação e o
desenvolvimento sócio-moral. Para deterrninar a referida orienta-
ção construiu e utilizou urna greiha de anâlise de entrevistas corn
três orientaçöes possIveis: tratar ou pre-cuidado, mista ou de
transição para o cuidar e cuidar ou centrada na pessoa. Urnadas
suas autoras de referenda foi Condon (1986).
20
21
I PARTE
CONCEPçOES DE ENFERMAGEM
E DEsENv0LvIMENTO SOcIo-MORAL:
REFERENCIAS TEORICAS

*
CONCEPcOE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

1. Concepcoes de enfermagem ao longo dos


tempos

A afirmaço da Enfermagem enquanto disciplina tern sofrido vi-


cissitudes que se poderäo explicar, em parte, pelo facto de Se
tratar de uma ciência nova que procura impor-se num universo
relativarnente restrito e de algurn modo elitista. Se compararmos
a Enfermagem corn outras disciplinas como, por exemplo, a Psi-
cologia ou a Sociologia, constatarnos que, apesar de possuIrem
urn historial menos extenso, conseguiram impor-se como ciên-
cias, corn mais rapidez que a Enfermagem. Tais disciplinas apre-
sentam no seu processo de reconhecimento algumas caracterIsticas
comuns corn a Enfermagem. Outras so inerentes a Enfermagem
tais como as que dizern respeito a história da hurnanidade, mas
acirna de tudo a história da muffler em geral, e enquanto prestadora
de cuidados em especial (CoIlire, 1989).
0 estudo das concepçöes de enfermagem surge, assirn, corn uma
dupla funço. Ao estudarmos a evoluçao da Enfermagem, perce-
bernos o processo que nos conduziu ao rnornento presente. Ao
inquirirrnos os enfermeiros sobre as suas concepçöes de enferma-
gem, compreendernos meihor como é que os profissionais da
prestaço de cuidados a entendem e a perspectivam.
Iniciamos este capitulo tentando perceber, sob o ponto de vista
da epistemologia, quais so as condiçoes a que uma disciplina
tern que obedecer para que possa ser reconhecida como tal. Se-
guir-se-á uma breve resenha histórica dividida basicamente em
duas partes, uma pré-paradigmática, e outra paradigmâtica. Será
dada especial atençäo a evo1uço dos conteidos do conceito de
enfermagem apontados como consensuais (i.e.,pessoa, saide, am-
biente e cuidados de enfermagem), bern como a forma como
era entendida a pessoa do enfermeiro.

25
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOcIo-MoRft REFERNCAS TEORICAS
CONCEPcc,ES -' ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

1.1. A Enfermagem enquanto disciplina: breves conside- As ideias de Kuhn foram muito criticadas por alguns autores (e.g.,
racôes epistemológicas Laudan, 1977; Toulmin, 1981). A principal critica era que a sua
posição não correspondia a realidade histórica do desenvolvimen-
Para que a Enfermagem enquanto disciplina possa ser devidamen- to de determinadas ciêricias. Corn base na teoria da revoluçao, a
te equacionada, pensarnos ser iltil recorrer a epistemologia, en- Enfermagem tal corno a rnaioria das ciencias sociais e humarias
tendida esta corno o ramo do saber que estuda as questöes näo poderiarn ser consideradas ciencias, e situar-se-iam ainda no
relacionadas corn a origem, a natureza e os métodos do conhe- estádio pré-paradigrnático.
cimento cientIfico, bern corno as limitaçöes no seu processo de Como alternativa a teoria desenvolvida por Kuhn, foi proposta uma
seu desenvolvimento (Meleis, 1991). outra por Toulmin (1972), denominada "teoria da evolução". Segun-
Tern sido vários os filósofos e cientistas que, ao longo do tempo, do esta teoria, verificar-se-á uma continuidade e uma rnudança na
se tern preocupado corn a questão do desenvolvimento das ciên- direcção do mais simples para o mais complexo e no sentido de uma
cias. Na Enfermagem, esta preocupacão coexiste a par corn ques- rnaior coerência. 0 principal autor desta corrente de pensamento
toes acerca da sua natureza e dos processos que a conduzirarn ao (Toulmin, 1972) usou alguns aspectos da teoria da evolução das
actual estádio de desenvolvimento. As respostas encontradas Va- espécies, de Darwin, para formular a sua teoria do desenvolvimento
riarn de acordo corn os padroes de que os analistas se servern. do conhecirnento. Aplicado a teoria da evolução do conhecimento, o
Ao aplicarern padrOes mais congruentes corn as ciências positivas primeiro aspecto diz que cada disciplina tern o seu campo de concei-
(e.g., ciencias fIsicas e afins), podern chegar a resultados nern tos, Areas de preocupação, metodologias e objectivos pr6prios, todos
sempre muito adequados as especificidades da Enfermagem e que, eles em processo de mudança. Este processo de rnudança é, tal como
inclusivarnente, ihe podern cercear o deenvolvimento. De acor- atrás foi enunciado, dotado de continuidade e caminha no sentido de
do corn Meleis (1991), ha três teorias distintas que tentarn expli- uma maior coerência. 0 sgundo aspecto diz que as ideias, bern
car o desenvolvimento das ciências. corno os conceitos e rnetodologias estão em permanente processo de
A primeira delas, desenvolvida principalmente por Kuhn (1970), discussäo face as novas descobertas. Deste processo resulta a reten-
denornina-se "teoria da revolução". Segundo esta teoria, as mu- ção de alguns conceitos e a mutação de outros, nurna dinarnica de
dariças nas ciências produzern-se de forma repentina, radical e mudança mas em coerência e estabilidade. 0 terceiro aspecto refere
completa. As ciências desenvolvem-se por saltos e perIodos de que as alteraçOes substanfivas num determinado campo de conheci-
crise. Isto é, as teorias competern entre si ate a predorninância mentos são possIveis desde que urn determinado nürnero de conch-
de urna sobre todas as outras. A urn perlodo de crise, segue-se cOes estejam reunidas. Entre elas, a existência de pessoas qualificadas
outro de tranquilidade, "ciência normal", durante o qual os mern- que produzarn novas ideias, e a existencia de espacos de discussão. 0
bros de uma dada ciência aceitarn a predorninancia de uma deter- quarto e iltimo aspecto afIrma que a esco]}ia das ideias, dos concei-
rninada teoria. tos e das teorias mais iiteis, diz respeito a capacidade para encontrar
O autor defends que as crises são inevitáveis para o desenvolvimento respostas para Os problemas colocados pela disciplina em deterrnina-
de uma ciência, e que o desenvolvimento cientffico é não-curnulati- do rnomento.
vo. Os aspectos i.'iteis de uma dada teoria não são utilizados por uma A teoria da evolução do conhecirnento pressupOe acordo quanto
outra se a prirneira foi rejeitada. As ideias de Kuhn levam-nos a as areas problemâticas e aos critérios de verdade e, ainda, quanto
crença de que as disciplfrias se desenvolvem relativamente a urn a existência de indicadores de que a disciplina se está a desenvol-
determinado paradigma aceite em determinado rnornento. ver curnulativarnente.
26 1 27
C0NcEPçOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL: R' ENCIAS TERtCAS
CONCEPçOES DE NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO -MORAL

Corn base nesta teoria, as ciências sociais e hurnanas, onde a Verifica-se a existência de debate de ideias, quer em torno de
Enfermagem se inclui, tero dificuldade em ser consideradas dis- conceitos jâ estabelecidos, quer na procura de novos caminhos.
ciplinas, sendo antes tidas como "pretendentes a disciplinas" (Meleis, Neste contexto, qualquer abordagem relativa a Enfermagern en-
1991). quanto disciplina, terá que ter em consideraçäo urn percurso corn
Tendo em consideração as caracterIsticas especIficas da Enferma- caracterIsticas próprias. Terá que fazer uma valorizaço cuidadosa
gem e da sua própria evo1uço, poder-se-â afirmar que ela no dos seus padroes de crescimento e de desenvolvimento, dos seus
obedece aos critérios enunciados nas teorias atrás referidas. De marcos, etapas e fenómenos e tera, ainda, que dernonstrar a qua-
acordo corn a "teoria da revoluço", o estatuto cientIfico da lidade e significncia das questöes que colocou e das respostas
Enfermagern seria negado. A "teoria da evolução", que presume que dá (Meleis, 1991).
urn desenvolvimento sistemático de uma dada disciplina, corn a Para que todos os aspectos atrás referidos sejam tidos em consi-
investigacão baseada na teoria e esta a evoluir a partir daquela, deraço Meleis (1991) propöe a teoria da integração. Trata-se de
tambm no se aplica a Enfermagem (Meleis, 1991). De acordo uma teoria que no tern subjacente o padro tradicional de pro-
corn Meleis (1991), a disciplina de enfermagem tern efectuado gresso por convergência para urn paradigma, o que no quer dizer
urn percurso de desenvolvimento corn caracterIsticas próprias, que esta teoria advogue a ausência de urn padro ou de urn pa-
rnarcado por altos e baixos, retrocessos e crises, dos quals des- dro negativo. Defende, antes, urn padrao de progresso no quai
tacamos: possam estar representadas as realizaçöes de enfermagern e a sua
• 0 desenvolvimento de uma teoria no está necessariamente sólida base teórica sólida. Do referilo padro fazem ainda parte
baseado na investigacão, nern esta leva necessariarnente a uma processos como a acomodaçäo (no sentido piagetiano do termo),
teoria. - o refinarnento (no sentido de urn requinte progressivo) e a coor-
• Sempre existiram e continuarn a existir areas de acordo, a par denaçao entre pensamentos, iJeias e indivIduos. Daqui se pode
de areas de competicäo e de desacordo. Por exernplo, existem depreender que esta teoria no subestirna a necessidade de de
diferentes metodologias de investigacão, diferentes conceitos sobre senvolvimento e de progresso inerente a qualquer cincia. Toda-
cuidar, conforto, etc. Existern tambérn areas de acordo no que via, abre a possibilidade de crItica cuidadosa de tudo o que existe
concerne aos conceitos centrais da disciplina. e do que já foi feito, bern como do que ainda falta realizar (Meleis,
• . Nurna disciplina que lida corn o ser hurnano, é pouco credivel 1991). Quando a Enferrnagem é analisada nestes termos, a sua
• que uma linica teoria explique, descreva e prediga todos os aceitação enquarito disciplina parece näo levantar problernas.
seus fenémenos (e.g., interacção, doença, saiide, intervençöes A partir deste momento passarernos a usar a expressão "disciplina
de enferrnagem, etc.). de enferrnagem" entendida como o domInio da investigacão e da
• A enferrnagem age num sistema aberto e é influenciada e reage prâtica de enferrnagern, domInio definido a partir de uma- pers-
a sociedade em todo o mornento. pectiva especIfica, ou de uma forma distinta de examinar os fe-
• Não se pode dizer que existam na enfermagem comunidades orga- nórnenos, tal como Kérouac et al. (1994) prOpöem. Este conceito
nizadas que suportern uma teoria em competicão corn outras. deverá ser entendido no contexto da teoria da integraçäo atrás
• Pode dizer-se que existe compromisso entre Os antigos e os - exposta.
novo.s conceitos na enferrnagem. Esta forma especIfica e distinta de analisar os fenómenos é influ-
• Em situaçöes de mudança, os antigos paradigmas são redefinidos, enciada pela Orientação teôrica adoptada. Ainda que exista con-
mais do que rejeitados. senso sobre os conceitos bâsicos que constituem a disciplina de
29
28
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOcio-MORP' EFERENCIAS TEORICAS CONCEPçOES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOClO-MORAL

Enfermagem, a forma como so enunciados sofre alteraçöes de - desde os tempos mais recuados da História ate ao fim da Idade
acordo corn as convicçöes teóricas e filosóficas das enfermeiras. Media, em que é feita uma identificaçäo da prática de cuidados
De facto, alguns autores (Fawcett, 1984; Flaskerud & Halloran, corn a rnulher;
1980) analisaram documentos escritos por diversos teóricos da - desde o fim da Idade Media ate ao firn do século XIX, em que
enfermagern e reconhecerarn como conceitos fundamentais da existe uma identificaço da prâtica dos cuidados corn a muiher
disciplina de enfermagern os seguintes: a pessoa, o cuidar (cuida- consagrada;
dos de enfermagern), a sai'ide e o ambiente. De todos estes con- - do inicio do século XX aos anos 60, a identificaço da pratica
ceitos, Newman (1990) aponta o conceito de saáde como o mais de cuidados é agora feita corn a muther-enfermeira, auxiliar do
importante para a Enfermagem. medico.
Conjugando estes conceitos fundamentals corn a forma como atrâs Na sua origem mais remota, os cuidados erarn prestados por
definirnos a disciplina de enfermagern, poderernos dizer que é a muiheres. Tinham como intuito responder a uma necessidade
partir da forma particular como os enfermeiros entendem estes explIcita, quer do individuo, quer do grupo/tribo em que se
conceitos, bern como a relaço entre eles, que se poderá clarifi- inseria. Segundo Colliére (1989), "durante milhares de anos, a
car o campo especIfico da Enfermagem, ou seja, a tal perspectiva pratica dos cuidados correntes, isto é, todos Os cuidados que
especifica ou forma distinta de encarar os fenómenos (Kérouac et suportarn a vida de todos os dias, liga-se fundamentalmente as
al., 1994). 0 modo como os enfermeiros tm entendido estes actividades das muiheres" (p. 40). Os cuidados prestados por estas
conceitos e a sua interrelação, tern variado ao longo dos tempos muiheres, que influenciararn rnarcadarnente a história da humani-
em funçäo dos mais diversos factores. Na tentativa de identificar dade, organizavam-se, do nascimento a morte, em tomb de dois
alguns desses factores, procederemos a uma perspectivaco bistórica, pólos: o corpo, lugar de expressäo da vida individual e colectiva
corneçando pelo perlodo mais recuado, que denominarernos de pré- e 0 alimento, que abastect e restaura 0 corpo (Colliére 1989).
paradigrnâtico. Utilizamos esta designaçâo poique, embora se possa No podemos ver a prestacâo destes cuidados dissociados de urn
falar de cuidados desde os tempos mais recuados, no se pode falar contexto de simbolismo e de rituals profundamente enraizados
ern ciência ou proto-ciência, pois aqueles eram nessa altura conside- em ritmos impostos pelos ciclos naturals, corn os respectivos cultos
rados uma funço atribulda a muiher-procriadora e, pOSterlormente, e festas e que, de algum modo, garantiarn a ligacão do Homem
a muiher devota (Collière, 1989). Mas, porque consideramos que a corn o Universo (Colliére, 1989). Estes cuidados estavam de tal
cornpreenso deste perlodo ajuda a clarificar os acontecirnentos pos- modo profundarnente alicerçados e integrados na vida das pes-
teriores, inclui-lo-emos neste enquadramento teórico. soas, que erarn considerados essencials para a manutencão e re-
producão da vida e perpetuaco do grupo. No entanto, não
podemos afirrnar que os mesmos decorressern da aplicação de
1.2. 0 periodo pré-paradigmático: breve abordagem qualquer ciéncia ou proto-ciéndia, verfficando-se simplesinente que
Os conhecimentos erarn passados de muiher para rnulher, de me

Para compreendermos o actual estado da ciência e da arte que é para fliha.


a Enfermagem, devemos corneçar por olhar urn pouco para a sua Corn o advento do Cristianismo, a posico da muiher na socie-
blstória. Neste breve olhar, varnos fazer referenda as trés gran- dade modificou-se. Por outro lado, a coexisténcia de diversos
des etapas enunciadas por Colliére (1989), sendo que a ñltirna saberes era inc6rnoda e, por isso, de acordo corn ColliCre (1989),
serâ analisada no capitulo seguinte: "iniciou-se uma luta de influência religiosa e polItica, visando
30 31
L
CONCEPçOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAI 'EFERENCIAS TEORICAS CONCEPcOES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

fazer desaparecer o poder dos adivinhos, dos feiticeiros, dos facto, os cuidados tinham chegado a urn ponto tal que, de modo
encantadores e curandeiros, marginalizando-os e depois conde- geral, eram prestados por pessoas sern qualquer preparacão espe-
nando-os" (p. 55). A muiher ressurge ligada aos cuidados, após cIfica. As enferrneiras eram conhecidas, nos hospitais ingleses,
reassumir o lugar q.te esta nova ordem ihe reservava. Esse res- pela sua conduta irnoral e pouco fiável (Strachey, 1996). Os locais
surgimento dá-se por via das religiosas (consagradas) que, por onde os doentes se encontravam, apresentavarn condiçoes deplo-
raz6es de ordem vária, renunciavam a vida de muiher enquanto ráveis e a saiide pñblica era descurada. Nightingale corneçou por
procriadora, "primeiro desprezando, e depois condenando a Se- se oferecer para trabalhar como enfermeira no hospital de Salisbury.
xualidade e tudo o que dela pudesse ser marca no seu próprio Concornitanternente desenvolveu urn estudo aprofundado dos
corpo" (Collière, 1989, P. 59). Esta viragern é marcante, sendo relatOrios das comissöes rnédicas, dos panfletos das autoridades
que agora a prática dos cuidados se ira basear essencialmente em sanitárias, da história dos hospitais ingleses, entre outros ternas.
valores religiosos e moralistas, impostos pelos homens da Igreja Nas digress6es pela Europa, que o seu estatuto social lhe perrni-
como representantes de Deus. Os cuidados são agora prestados tia, aproveitava para visitar hospitais e escolas de enfermagem,
em iocais onde são recoihidos os pobres, os mendigos, os doen- nomeadamente em Franca, em Itália e na Alernanha (Strachey,
tes e outros indigentes, em surna, os sofredores. Por outro lado, 1996). Todo este saber e experincia acumulada, ihe permitirarn
o corpo passa a ser encarado como objecto de pecado e, portan- rnarcar posição face a organização do sisterna de saüde em geral
to, desprezado. 0 corpo so é tratado, enquanto sofredor, lugar e aos cuidados de enfermagem em particular. Passou a definir a
de dor, de morte e não de vida. A preocupacão central deixou enferrneira como alguém que age sobre a pessoa e sobre o am-
de ser o bem-estar e o prazer e passou a ser a dor. biente. A par disto, defendeu qiie todas as pessoas que preten-
No século XIX, o cenário caracteriza-se essencialmente por uma dessem prestar cuidados de enfermagem possuIssem forrnação (i.e.,
medicina em vias de se tornar clentIfica em virtude das descober- urn curso de enfermagem) tNightingale, 1989). Isto constituiu,
tas da êpoca. No entanto, os serviços de sailde não possuIam de algurn modo, uma atitude de ruptura corn o que estava ins-
uma organizacão credIvel, sendo os conceitos de hospital e de tituido ate então, dado que, a par de defender a necessidade de
saide pblica bastante diferentes dos actuais (Nightingale, 1989). forrnação defendia a delirnitação de saberes e de actuação face
Contudo, de acordo com o sentido que ihe é dado por Colliêre aos medicos. Poder-se-â dizer que esta iltirna fase corresponde já
(1990), já se pode falar em profissão de enfermagem. Nesta fase, a urn perlodo paradigrnático.
os detentores de uma profissão eram aqueles que, pelo acesso a
escrita, tinham urn lugar determinado na hierarquia dos poderes
reguladores da sociedade, tais como os padres e os funcionrios 1.3. Periodo paradigmático: processo de desenvolvimento
ou, por sugestão destes, as mulheres consagradas que "professa- de uma disciplina
yam" (i.e., que faziam profissão de fé). Neste contexto, as mu-
lheres que prestavarn cuidados tinham uma dupla dependéncia. Referimos ja que, nurna perspectiva epistemolOgica, a teoria da
Dependiam da hierarquia catOlica, que institula as regras que elas integração seria aquela que rnelhor explicaria o crescirnento e o
"professavam", e dos medicos, que apreciavarn a obediência e deserivolvirnento do saber na disciplina de enfermagem. Esta teo-
ministravam os saberes considerados necessarios (Collière, 1990). na poe em causa o conceito de "paradigma", entendido como urn
Foi mais ou menos nesta situação que Florence Nightingale (1820- conjunto organizado de crenças, de valores, de leis e de princi-
1910) encontrou os cuidados de enfermagem na sua época. De pios, de rnetodologias e respectivas formas de aplicação, para o
32 33
FERENCIAS TEORICAS CONCEPçOES P ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL
coNcEpcoEs DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO $OcIo.MORA!\

como entendemos o desenvolvjmento do conhecirnento na disci-


qual as disciplinas deveriam convergir (Kuhn, 1972). A conver-
gncia Para urn paradigma era uma condição essencial Para que a plina de enfermagem, não pretendemos valorizar uns em detri-
disciplina pudesse ser considerada como tal. Apesar da nossa opção, mento dos outros classificando assim os profissionais de acordo
de urn ponto de vista episternológico, ser a da teoria da integra- I corn a sua orientação face aos paradigmas.

ção e de esta por em causa o conceito de "paradigma", servir-


nos-emos deste conceito. Pretendemos corn ele, proceder a
caracterizacão de uma determinada forma de ver e de compreen- 1.3.1. Paradigma da categorizacâo
der o mundo, assim como de entender a sua influência sobre os
conteidos consensuais da disciplina de enfermagem (i.e., pessoa, Tal como já foi referido, o primeiro destes paradigmas denomi-
saide, ambiente e cuidados de enfermagem). Pensamos contri- I na-se paradigma da categorizacão. Caracteriza-se por perspectivar
buir Para a clarificação da forma de pensar dos enfermeiros e, os fenómenos de modo isolado, não inseridos no seu contexto, e
assim, meihorar a comunicação entre todos os profissionais por os entender dotados de propriedades definIveis e mensuráveis.
As mudanças a partir desta perspectiva são entendidas como con-
(Newman, 1990).
Basear-nos-emoS no trabaiho de urn grupo de autoras de enfer- sequncia de factores anteriores perfeitamente identificâveis
magern (Newman, 1992; Newman, Sime & Corcoran-Perry, 1991) (Newman, 1992). Deste modo "os fenómenos são divisIveis em
categOrias, classes ou grupos definidos e considerados e!ementos
que analisararn, de urn ponto de vista episternOlóglco, as orien-
taçöes teóricas e rnetodológicas de trabalhos elaborados por di- isoláveis ou manifestaç6es simplificáveis" (Krouac, 1994, p. 4).
versos colegas. Procederam a sua caracterizacão em três grupos. Se aplicarmos este paradigrna ac,dornInio da sade, o pensarnen-
A denominação de cada urn dos grupos é composta por duas to 6 orientado no sentido da procura de urn factor causal Para as
doenças e da associação en*e esse factor, uma determinada do-
palavras (e.g., singular-determinista). A primeira, descreve a for-
ma como a entidade estudada é entendida e a segunda, a noção enca e urn quadro sintomatológico caracterIstico. Por sua vez,
de como as mudanças ocorrem. 0 primeiro grupo assume seme- estas manifestaçöes possuem caracterIsticas bern definidas,
lhancas corn urn sisterna de crenças e de valores positivistas e foi mensuraveis e categorizáveis.
Cronologicarnente, podemos localizar o inIcio deste paradigma
denominado de singular-deterrninista. 0 segundo apelidararn-no
por volta do sculo XVIII-XIX, altura em que se começou a
de interactivo-integratiVO e assenta em semelhancas corn uma
perspectiva pós-positivista. 0 terceiro foi denominado unitário- identificar alguns agentes patogénicos e se estabeleceu a sua re-
-transformativo e a sua perspectiva esth próxirna do construtivisrno. lação corn algurnas doenças. Mais tarde, foram descobertos os
Corn base nesta categorizacão, Kérouac et al. (1994) estudaram antibióticos, melhoraram as rnedidas de assépsia e de antissépsia,
a evolução das escolas de pensamento em enfermagem e sugeri- assim como o controlo de infecçôes e acreditou-se ser possIvel o
controlo e ate a erradicação das doenças transrnissIveis (Kérouac
ram que os paradigmas adoptassern, respectivamente, a seguinte
et al. ,1 994). Dentro deste paradigma poder-se-ão identificar duas
nomenclatura: categorizacão, integracão e transformação.
Cada urn dos paradigmas alias referidos é cronologicamente orientaçöes diferentes da enfermagem.
localizado. Esta localização tern a ver corn a predominância das I A primeira é uma orientação Para a saide p6b1ica, tendo em
ideias e dos valores inerentes a esse paradigma nurna determina- consideraçao as condiçöes de insalubridade em que vivia a popu-
da época. Isto não significa que actualmente não co-existarn I. laçãO em geral e que existia rnesmo nos rneios clInicos. De notar
que urn dos grandes princIpios de Florence Nightingale era exac-
ideias dos diverso paradigmas. Sendo congruentes corn o modo
35
34
r
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCIO.MORAL: 1NCIAS TEORICAS CONCEPçOES DE -NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S3C10-MORAL

r tamente criar as condiçöes para que a natureza pudesse agir po-


sitivarnente sobre as pessoas, o que se traduzia em medidas de
higiene e salubridade de ordem geral. Foi em grande parte devi-
do as medidas por ela postas em prâtica durante a guerra da
Crirneia, que Nightingale ganhou o respeito dos cirurgiöes do
pessoas. As enfermeiras passam cada vez mais a "fazer por", a
substituirem, e a serem olhadas como tecnicas detentoras de
conheciinento, a quem os doentes recorriam, sem que, a estes,
fosse pedido para participar nos cuidados. "Os cuidados de enfer-
magem ficam, desta forma, estreitamente ligados a prâtica da me-
dicina e, consequentemente, orientados para o controlo da doença"
exército, inicialmente renitentes a presenca de mulheres.
A segunda, ocorre posteriormente, e orienta-se para a doença. (Kérouac et al., 1994, p. 8).
Segundo esta orientação, a pessoa é entendida como urn todo A posicão de Florence Nightingale apresentava algumas divergên-
formado pela soma das suas partes, que são separadas e identifi- cias relativamente a esta forma de entender os cuidados de
câveis. 0 ambiente 6 algo distinto da pessoa e constituIdo por enfermagem e possuIa caracteristicas inovadoras para a época.
uma dirnensão fIsica, uma cultural e uma social e, regra geral, Embora aceitasse que as enfermeiras deveriam colaborar corn o
entendido como hostil para o ser humano (Kérouac et al., 1994). medico, defendia as suas funçoes autónomas para as quais enten-
De acordo corn esta orientação, a saide é entendida como urn dia que deveriam ter formação. Nesse sentido, e após urn longo
estado de equilIbrio, altamente desejâvel e sinónimo de ausncia perIodo de prestação de cuidados no hospital de Salisbury e da
de doença. A origem da doença & reduzida a uma causa iinica, experiëncia adquirida durante a guerra da Crimeia, principalmen-
que orienta o tratamento. As doenças fisicas são consideradas uma te na organizacão de serviços de sañde, acaba por fundar uma
realidade independente do ambiente, da sociedade e da cultura. escola de enfermagem em Londres, por volta de 1860. Esta es-
Poder-se-á situar aqui o inIcio da medicina tecnico-cientIfica, sendo cola apresentava caracteristicas verdadeiramente inovadoras. De-
que o seu objectivo passou a ser estudar a causa da doença, for- fenclia como princIpio que todas as carididatas a enfermeiras deviam
mular urn diagnóstico preciso e propor urn tratarnento especifico ser possuidoras de urn cursc que as habilitasse para tal. A sua
(Allan & Hall, 1988). Para alrn disto, verifica-se uma marcada estrutura organica era liderada por uma direcção da responsabi-
evolução cientifico-tecnológica que permite a rnedicina alargar os lidade de uma enfermeira e não de urn medico. 0 curso era
seus horizontes e começar a dispor de tecnologias cada vez mais baseado num ensino metódico te6rico e prâtico (Nogueira, 1990).
sofisticadas, quer para diagnosticar, quer para tratar. Neste con- Estas propostas tiveram grande difusão nos paises anglo-saxónicos
texto, os rndicos passararn tambérn a ter menos tempo e come- em geral e nos Estados Unidos em particular. Foram então dados
cam a delegar pouco a pouco as tarefas de rotina que era costume passos determinantes para o desenvolvirnento da enfermagem. Urn
praticarem (e.g., medir a temperatura, exame das urinas), bern dos que mais destacamos ocorreu nos Estados Unidos: a integra-
cão, no inicio deste século, do ensino de enfermagem a five!
como Os cuidados mdicos mais usuais (cataplasmas, sinapismos,
universitârio.
clisteres, etc,)" (Collière, 1989, p. 77). Dal que venham pro-
gressivamente a procurar nas enfermeiras essa colaboração tao Relativamente ao sisterna de prestacão de cuidados de enferma-
necessria, passando a prescrever para que elas executem, fican- gern,, é importante referir que durante a prirneira metade deste
do eles libertos para outras actividades. Deste modo, assiste-se século, nos Estados Unidos da America, ele era caracterizado por
uma gestão individual "caso a caso", seguido de urn sistema fun-
progressivamente a necessidade de as enfermeiras disporern de
uma "fatia" do saber medico para poderem prestar os "cuidados" cional de prestação de cuidados (Kérouac et al., 1994). Este sis-
que a tecnologia irnplica. Segundo esta orientação, os cuidados tema, profundamente influenciado pelo taylorismo, fundamentava-se
na especialização de tarefas. Cada enfermeira era responsável pela
são dirigidos para os problemas, limitaçöes ou incapacidades das
37
36
CoNcEFcos DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO Scuo-MoRAI- REFERNCIAS TERICAS
CONCEPCOES P ENFERMAGEM E DESENVOLVtMENTO SOCIO-MORAL
H

prestaco de urn determinado cuidado a todos os doentes da mais remotos eram prestados unicamente por mulheres que ii-
enfermaria. Enquanto que uma era responsável pela execução da vessem vivenciado elas próprias o seu corpo, sobretudo corn a
bigiene no leito a todos os doentes, uma outra era responskvel maternidade, eram de natureza prática. Erarn dirigidos ao corpo
pela adrninistraço de terapêutica, etc. Nós próprios, em inicio e a tudo o que corn ele se relacionava, nomeadamente a alimen-
de carreira, no princlpio da dcada de 80, trabalhámos em siste- taço, e tinham urn enquadramento "ecológico" ao estarem liga-
mas idênticos. Actualmente, esta situação ainda se verifica no dos a vida e a tudo o que para ela contribui, ao bem-estar, aos
nosso pals. Este sisterna contribui para a parceizaco da pessoa e ritos e as festividades que ligarn o homem ao universo; (2) que
dos cuidados, para a ausência de integraco, para a por condicionalismos de natureza vária, esta perspectiva foi sen-
desresponsabilizaco e para dificultar a relação. do progressivamente abandonada, por altura da Idade Media.
No nosso pals tambm se assistiu a algumas mudanças na enfer- Passararn ento a prestar-se cuidados por caridade, a urn corpo
magem. Por se ter reconhecido a necessidade de que as pessoas pecaminoso, lugar de dor e de sofrimento; e por éltirno, que a
que cuidavam dos doentes tivessern alguma formaço, foi criado concepcão dos cuidados volta a fazer uma inflexäo, por força de
O prirneiro curso de enfermagem em 1886, por portaria do Rei- raz6es de ordem social, cientifico-tecnológica e da indefiniço da
no, e exciusivamente destinado aos empregados em serviço no verdadeira natureza dos cuidados de enfermagem. A partir deste
Hospital de S. José e anexos (Nogueira, 1990). Este curso viria momento, o conceito de "cuidados de enfermagem" era essencial-
a ter uma existência precâria e fecharia tres anos depois, porque rnente o acto medico delegado, o acto técnico. Aquilo que é
o contei'ido dos prograrnas estava desajustado as capacidades dos valorizado como cuidado de enfermagem resulta da aprendiza-
alunos (Soares, 1997), isto porque a maioria era constitulda por gem de conhecimentos que não são especificos da enfermagem;
analfabetos que eram, simultaneamente, alunos e empregados do por sua vez, o que depende directamente da decisão e da inici-
hospital. A partir do inicio do século, assiste-se a criaço de escolas ativa da enfermagem, conj "os cuidados de acornpanhamento,
de enfermagem em paralelismo corn os grandes hospitals, nornea- de estirnulação de desenvolvimento, de manutenção de vida"
damente em Lisboa, Porto e Coimbra. Estas escolas têm como (Colliére, 1990, p. 46), foram confinados a 'dedicação', a 'cons-
promotores, patrocinadores e mentores, medicos que eram do ciência profissional', ao que 'é evidente' em 'cuidados de enfer-
corpo cilnico dos hospitals e simultaneamente dlrectores das es- magem'. Foram ainda transformados em 'tarefas', e recusados
colas. Esta tutela foi inlcialmente partilhada corn a hlerarquia como actividades próprias que exigem grande discernirnento e
cat6lica. Assim, ao cuidado dos padres ficava o ensino das nor- largo e diversificado campo de conhecimentos.
mas e da moral e ao cuidado dos medicos o ensino dos saberes
técnicos. 0 ensino de enfermagem era orientado para o conhe-
cimento medico, ou seja, era ensinado as enfermeiras aquilo que 1.3.2. Paradigma da integraçào
os medicos entendiam que era iitil elas saberem para os poderem
substituir sem os contestar, e aquilo que a hierarquia religiosa o paradigma da integração dá continuidade ao anterior. Porérn,
entendia por moral do dever. As escolas de enfermagem funcio- perspectiva os fenórnenos como multidimensionais e os aconteci-
navam dentro dos hospitais e situaço que se manteve corn pou rnentos como contextuals. Deste modo, tanto são valorizados os
cas alteraçöes ate por volta de 1950. dados objectivos quanto os subjeetivos. As mudanças são enten-
Se, neste momento, tentássemos fazer urn breve resumo do per- didas como função de méltiplos factores antecedentes e de rela-
curso já descrito, dlrlamos (1) que Os cuidados, que nos tempos çöes probabIlisticas (Newman, 1992), ou seja, este paradigma
38 39
CONCEPçOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOC,O-MORAL REFERNCIAS TEORICAS
CONCEPcOES DF ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

integra as manifestaçoes de urn fenómeno no contexto especifico saiide passou também a ser encarada de forma diferente. Saiide e
em que o mesmo se situa (Kérouac et al., 1994). Por exemplo, doença passararn a ser perspectivadas como entidacles distintas
o contexto onde se encontra uma pessoa no momento do apare-
que coexistern e que esto em interacço dinamica. Por sua vez,
cimento de uma infecço influenciará a sua reacçäo ao agente. considera-se que o ambiente é constituIdo por diversos contextos
patognico e ao tratamento. (e.g., histOrico, social, politico) onde a pessoa vive e se insere.
o paradigma da integraço influenciou a orientaço da enferma- "As interacçöes entre o ambiente e a pessoa fazem-se sob a forma
gem para a pessoa. Esta orientaçâo inicia-se por volta dos anos de estImulos positivos ou negativos e de reacçöes de adaptaço.
50, nos Estados Unidos da America, e é marcada por dois factos Estas interacçöes säo circulares" (Kérouac et al., 1994, p. 11).
principais: a ernergência de programas sociais e o desenvolvirnen- A maioria das concepçöes de enfermagem foram criadas a partir
to dos meios de comunicaço. 0 contexto foi o do fim da Se- da orientação para a pessoa. Surgirarn durante este perlodo os
gunda Grande Guerra. 0 elevado nimero de pessoas corn carncias primeiros modelos conceptuais para precisar a prática dos cuida-
de vária ordern levou a criaço de urn sistema de segurança social
dos de enfermagem e para orientar a formaço e a investigacão
que desse resposta as necessidades dessas pessoas. Verificou-se
(Kéronac et al., 1994). De acordo corn Meleis (1991), foi em
também urn desenvolvjmento notável das ciências sociais e huma- meados da década de 50 que as enfermeiras começaram a desen-
nas corn a contribuiço de Adler (1935) sobre a psicologia indi- volver uma viso teórica da enfermagem. A tónica era a afirma-
vidual, de. Rogers (1974) sobre a terapia centrada no ciente e de ção pela cliferença relativamente ao modelo biomédico. A linguagem
Maslow (1943) sobre a rnotivação. Todas elas alertavarn para "urn e a atitude das enferrneiras modifica-se lentamente, quer na re-
reconhecimento da irnportncia do ser humano no seio da soci- laço corn o cliente (corneça a ser dada preferência a este termo
edade" (Kérouac et al., 1994, P. 10).
em detrimento do termo "doente"), quer na forma sistematizada
Neste contexto, ocorreu alguma diferenciaçäo da Enfermagem em que ia desde a observaçao a@ diagnOstico, e da execução a pos-
relação a Medicina. De salientar que o grande objectivo dos cui-
terior avaliaço. Também e neste perlodo que, segundo Meleis
dados de enfermagern era agora a rnanutenção da saüde da pessoa (1991), Se inicia a investigaçäo em enfermagern. Surgiu então,
em todas as suas dirnensöes. A enfermeira era responsável pela nos Estados Unidos, uma pub1icaço peri6dica - Nursing Research
avaliaçao das necessidades de ajuda a pessoa, tendo em conta a (1952) - exciusivarnente destiriada a divu1gaco de trabalhos de
sua percepção e a sua globalidade. Dessa avaliaço resultava urn investigaço. De acordo corn Kerouac et al. (1994), cerca dos
diagnóstico que deveria ser validado corn a pessoa. 0 projecto de anos 60, a investigação interessava-se principalmente pela meiho-
prestaço de cuidados passou a adquirir uma dimenso diferente na dos cuidados de enfermagem e pelo desenvolvirnento de uma
e, a partir daqui, intervir significava "agir corn" a pessoa, corn o base de conhecimentos em ciéncias de enfermagem.
objectivo de responder as suas necessidades (Kérouac et al., 1994).
Em todo este perIodo ha dois factos que nos parecem relevam-
A pessoa passou a ser entendida corno urn todo formado por tes. C) primeiro tern a ver corn o uso inicial de quadros teOricos
partes em interrelação, tendo ento surgido a expressão, "a pes- oriundos de outras disciplinas (e.g., Antropologia, Psicologia,
soa ser bio-psico-socio-culturo-espiritual". Segundo esta Epidemiologia, etc.) na orientação dos primeiros trabaihos de
perspectiva, a pessoa pode influenciar os factores preponderantes
investigaço. A isto no será estranho o facto de, no primeiro
para a sua sade, se tiver em conta o contexto em que Se encon- programa de estudos graduados para enferrneiras oferecido pelo
tra e, simultaneamente, procurar as meihores condiçöes corn vista Columbia University's Teachers College, as teorias ensinadas serern
a uma saide optima (Kérouac et al., 1994). Nesta perspectiva, a essencjalrnente adrninistratjvas e educacionais (Meleis, 1991). 0
40
41
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SccIo-MORAL REFERNCAS TEORICAS CONCEPçES r ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCLO-MORAL

segundo & relativo ao facto de algurnas das primeiras teorias de de duraçao, e do curso de pré-enfermagem. E ainda criado o
enfermagern terern a ver corn a estruturaço dos "curricula", não curso de monitores, que reconhce as enfermeiras capacidade de
sendo por isso dirigidos a prática. Quer urn quer outro nos pa- intervençao na forrnaçao dos seus pares (Decreto-Lei 36219 de
recern relevantes, na medida em que acabaram por marcar as 10 de Abril de 1947). Determina tambem que as alunas devern
caracterIsticas dos modelos conceptuais de enfermagem surgidos ser acornpanhadas em estâgio por professores ou monitores. Apesar
durante este perIodo. disso, Nogueira (1990) afirma que, no inicio da decada de 50, se
A nivel da prestaco de cuidados, poder-se-â dizer que as modi- verificavarn alguns problernas, norneadamente na "actuação prâti-
ficaçöes no foram tao visIveis. Todavia, ocorreram dois factos ca... pela carência de monitores; pela necessidade de aproveitar
importantes. 0 prirneiro tern a ver corn o facto de, a partir renditivamente o trabatho dos estagiârios, descurando a forrnaçao
daqui, todas as pessoas que prestavam cuidados no hospital de- deles; pela tendência de manter os enferrneiros perrnanenternen-
verern possuir urn curso de enfermagem. 0 segundo foi a cedên- te confinados ao interior do hospital e sempre tutelados pelos
cia de lugar de urn sistema de organizacao de cuidados centralizado medicos" (p. 138).
no chefe, a urn outro corn reparticão de responsabilidade pelos Em 1952, processa-se uma reforma importante no ensino de
chefes de equipa. Apesar destas alteraçöes, constatava-se que na enfermagem, tendo-se entao estabelecido que o Curso Geral de
prestacão de cuidados as enfermeiras continuavarn mais preocu- Enfermagem teria três anos e que as habilitaçöes liter.rias de
padas corn a tarefa ern si própria do que corn a pessoa a quern admissao seriam o 10 ciclo. Ao Curso de Auxiliares de Enferrna-
prestavarn cuidados (Krouac et al., 1994). gem foi acrescentado urn perIodo final de seis meses de estâgio,
Em Portugal, no periodo correspondente ao que acabârnos de perfazendo urn total de 18 meses de curso, e as habilitaçöes de
relatar, assistia-se a urna realidade corn algumas caracterIsticas adrnissäo passararn a ser a instruçao prirnaria (42 classe) (Noguei-
diferentes. At& ao inIcio da d&ada de 40 "cada hospital criava ra, 1990). Finalmente a partir do firn da década de 50, princIpios
curso corn o prograrna que meihor the parecia responder as neces- de 60, parece assistir-se a modificaç6es sucessivas e marcantes na
sidades de preparação do seu pessoal de enfermagem" (Soares, 1997, Enfermagern em Portugal. Säo já várias as escolas que possuem
p. 54). 0 ensino teórico de enferinagem, alérn de ser dirigido por enfermeiras na sua direcçäo, e em 1965, é produzida urna pro-
m&licos, era coadjuvado por enfermeiras que funcionavam corno funda remodelaçao dos planos de estudo quer do Curso Geral de
auxiliares de ensino, sendo que estas, ate 1947, näo possuIam forma- Enferrnagern, quer do Curso de Auxiliares. As habilitaçöes de
çäo pedagógica (Soares 1997). 0 ensino pratico era feito por enfer- acesso ao prirneiro dos cursos referidos passou a ser o 2° ciclo
meiras que pouco sabiam e que nao tinham tempo disponIvel (Soares, dos liceus. Estas alteraçöes tiveram urn impacto relativo dado
1997), estando a aprendizagern confiada a prática ou a irnprovisacao que a maioria das pessoas faziam o Curso de Auxiliares de Enfer-
de boas vontades (Decreto-Lei - 32612 de 31 de Dezembro de 1942). rnagern, corn urna duraçao de 18 meses e para cujô ingresso apenas
Ao curso de enfermagem eram apenas admitidas mulheres solteiras era exigido o 10 ciclo. Nesta época os cuidados de enferrnagem
ou viiivas sern fllhos, tal corno era determinado pelo Decreto-Lei n° nas instituiçöes de sade erarn essencialrnente assegurados por
31913 de 12/3/42. Alern disso, era vedada a possibilidade de con- estes profissionais. Esta situaçao alterou-se a partir de 1976 e
trair rnatrimónio a todas as enfermeiras que presta.ssern servico em deu origem a unificaçao da carreira de enfermagem e a extinçäo
instituiçöes piib]icas. do Curso de Auxiliares de Enfermagern.
A partir de 1947, 6 introduzida urna alteraçao legislativa que leva
a criaço do Curso de Auxiliares de Enfermagern, corn urn ano
42 L 43
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO 5cIo-MORAL'ERNCIAS TEORICAS CONCEPçOES C NFERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL

1.3.3. Paradigina da transformacdo no planeamento e na implementacão de medidas de proteccão


sanitária que ihes são destinadas". Peia prirneira vez e de uma
o paradigma da transformação perspectiva os fenórnenos como forma explicita nurna declaração desta natureza, é reconhecida as
i'inicos mas em interacção corn tudo o que os rodeia. As mudan- pessoas a capacidade e apossibilidade de serem agentes e parcei-
ças ocorrem por estâdios de organizacão e de desorganizacão, ros nas decisöes de saide que ihes dizern respeito e que inicial-
mas sernpre em direcção a nIveis de organizacão superior mente eram da ünica e exciusivaresponsabilidade dos técnicos de
(Newman, 1992). Isto 6, "urn fenômeno é inico no sentido em sa(ide.
que ele não pode jamais parecer-se cornpietamente corn urn outro. Deste ponto de vista, a pessoa é considerada urn ser inico em
Alguns apresentam algumas similitudes, mas nenhum se parece que as mfiltiplas dimensöes formam uma unidade. Este ser intei-
completarnente já que cada fenómeno pode definir-se por uma ro e finico é indissociável do seu universo. A pessoa está em
estrutura e urn padrão ilnicos. E uma unidade global em interacção relação corn o seu ambiente ou corn o seu meio envolvente, seja
reciproca e simuitnea corn uma unidade global mais larga, este interno ou externo. A sai'ide é concebida como uma expe-
mundo que o rodeia" (K&ouac et al., 1994, p. 13). B assumida riência englobando a unidade "ser humano-ambiente", e não é
a condicão de mudança perpétua e de nao-equilibrio, em que a urn haver que possuamos, urn estado estável ou uma ausCncia de
interacção de fenómenos complexos ê entendida como o ponto doença. Fazendo parte da dinârnica da experiência humana, a saüde
de partida de uma nova dinâmica cada vez mais complexa. integra-se na própria vida do indivlduo, das famllias e dos grupos
Podemos situar o inIcio do paradigma da transforrnação em me- sociais que evoluem nurn ambiente particular (Kérouac et al.,
ados da década de 70. Bie representa a base de uma abertura das 1994).
ciências de enferrnagern sobre o mundo, e engloba autores como Urna das teorias que, entre outras, terão influenciado e contribu-
Watson (1985, 1988), Rogers (1988, 1989), Newman (1990, ido para esta visão foi a toria geral dos sisternas, desenvolvida
1992) e Parse (1990, 1992). Este fenórneno ocorre nurn contex- por von Bartalariffy (Moigne, 1977). Esta teoria encarava o ser
to em que se evidencia a abertura das fronteiras, primeiro, no humano como urn sistema composto por vários subsisteinas em
piano cultural, depois, no econémico e, por fim, no politico; em interacção perrnanente e sisternática. Por sua vez, o sistema "pes-
que a cultura ocidental e a oriental se influenciam mutuarnente; soa" está também em interacção corn sistemas e supra-sistemas
em que os grandes movirnentos populacionais e de capitais, trans- da mais diversa ordern. Neste jogo de interacçöes existe uma
formarn respectivarnente a composicão étnica de urn pals e o seu sensação de perpétuo movimento e de alteração constante, pelo
percurso económico; e em que as comunicaçöes se intensificam que qualquer fenómeno considerado deixa de se poder apontar
e dão lugar a uma proliferacão de experiéncias (Kérouac et al., como ponto de partida ou de chegada. Deixa de ser posslvel
1994). determinar qual a causa e qual a consequência.
E também neste contexto que em 1978 ocorre a Conferéncia A natureza dos cuidados de enferrnagern foi necessariarnente in-
Internacional sobre Os Cuidados de Safide Primários, onde é su- fluenciada por esta abertura Para o mundo. Nesta perspectiva, Os
blinhada a necessidade de proteger e promover a sade de todos cuidados visarn manter o bern-.estar tal como a pessoa o define.
Os povos do mundo. A Organizacão Mundial de Saáde elabora a A enfermeira coloca ao dispor de cada pessoa os seus conheci-
célebre dec!aração de Alma-Ata (1978). Nela se propöe urn sis- mentos e acompanha-a nas suas experiências de saáde, no seu
tema de cuidados baseados nurna filosofia em que "os hornens ritrno e segundo o caminho que ela própria escoiher. "Intervir
tern o direito e o dever de participar individual e colectivarnente significa 'ser corn' a pessoa. A enfermeira e a pessoa SãO parcei-
44 1 45
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOc,O-MOR' 1EFERNCIA5 TEORICA5 CoNcEp(;oEs ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL

ros nos cuidados individualizados" (Kérouac et al., 1994, P. 16). Setembro), e que se inicia o processo que conduziu a criaçio de
A pessoa é então conceptualizada como urn todo indissociâvel e uma carreira de enfermagem linica. A partir de 1976 (Decreto-
rnaior que a soma das suas partes, como urn ser corn carâcter de -Lei 534/76 de 8 de Juiho), verificou-se uma transforrnação pro-
unicidade em relação consigo rnesmo e corn o universo. Enten- funda. Pela prirneira vez, foi criada uma carreira de enfermagem,
de-se que a pessoa evolui na procura de uma qualidade de vida dividida em três ramos distintos, o da safide püblica, o hospitalar
que ela define de acordo corn as suas potencialidades e corn as do ensino. A carreira do ensino so se podia ter acesso corn
suas prioridades (Kérouac et al., 1994). A saiide é encarada como urn minirno de trs anos de experiência na prestação de cuida-
urn valor e uma experiência vivida segundo a perspectiva de cada dos. Foi extinto o Curso de Auxiliares de Enfermagern e criado
pessoa. Neste paradigma tern-se ainda em consideração o bern- urn curso de enfermagem ilnico, mantendo a designacâo de Cur-
-estar e a realização do potencial de criaço de cada pessoa. Por so de Enfermagem Geral, corn a duraçäo de 3 anos. As profissi-
sua vez, a experiência de doença é vista como fazendo parte da onais auxiliares de enfermagem fol-ihes proposta a frequência de
experiência de sadde. 0 ambiente compreende o conjunto de urn curso de equiparacäo que Ihes permitiria o ingresso na nova
todo o universo, sendo que a pessoa é parte integrante deste carreiraunificada e a equiparacäo a enfermeiras. Processo idênti-
ambiente. Embora distinto da pessoa, o ambiente coexiste corn co ocorreu corn os enfermeiros psiquiátricos e coni as enfermei-
ela. Corn efeito, pode-se considerar que a pessoa e o ambiente ras parteiras. Nestes casos, após a frequëncia de urn curso de
estão em mudança constante, miitua e sirnultnea (Kérouac et equiparacäo, era-ihes conferida equiparacão a enfermeiras especi-
al., 1994). alistas. No entanto, apesar destas alteraçöes e das habilitaçöes
A investigacão em enfermagem é considerada algo de normal e literârias exigidas para o ingresso no Curso de Enferrnagem Ge-
necessário, e é agora baseada nos rnodelos conceptuais próprios ral terern passado a ser o 70 ano (curso liceal), aquele continuava
da disciplina. "Caracteriza-se pela diversidade de métodos de in- a no conferir qualquer hibilitaço acadmica e a existir a mar-
vestigacão cientifica permitindo a compreensäo de fenómenos cada gem do sistema oficial de ensino. Institui-se ainda que a progres-
vez mais complexos, multivariados e globais" (Krouac et al., so vertical na carreira seria feita corn base em forrnaço
1994, p. 17). A prestacäo de cuidados influenciada por esta fib- complernentar (i.e., curso de especializacão em enfermagern e
sofia abrange os conceitos de cuidados globais e integrals, atribuindo curso complernentar). Urn articulado semeihante a este rnanteve-
as enfermeiras a inteira responsabilidade do conjunto. dos cuida- se corn a reviso da carreira de enfermagem em 1981 (Decreto-
dos de enfermagem requeridos por urn cliente. A nIvel da pres- Lei 305/81 de 12 de Novembro) e essa exigência era cornurn
taçäo de cuidados esta é uma das diferenças mais irnportantes aos profissionais de todos os rarnos da carreira (i.e., safde p6bli-
relativamente ao paradigrna anterior. A enfermeira, ao garantir Ca, hospitalar e ensino). Verificava-se, porérn, uma diferença fun-
todos os cuidados requeridos por uma pessba, co-responsabiliza- damental. Enquanto as escolas de enfermagem incentivavam a
-se corn ela no processo de cuidados. 0 processo interrelacional actualizaco dos seus elernentos e lhes possibilitavam a fi-equéncia
entre a enfermeira e o utente ganha assirn o seu verdadeiro sig- dos cursos exigidos para a progresso na carreira, nas instituiçöes
nificado. hospitalares e de safde péblica tal não se verificava. Embora os
Em Portugal, nesta altura, vivia-se urn perIodo pós-revolu- quadros destas filtirnas instituiçöes conternplassem lugares de
cionário corn repercussöes sociais e socioprofissionais da mais enfermeiras especialistas, era, e ainda é, relativamente fácil, cons-
diversa ordern. E neste contexto que é extinto o Curso de tatar que grande parte desses lugares esto vagos. Quando assirn
Auxiliares de Enferrnagem (Decreto-Lei 440/74, de 11 de no acontece, tal poderâ dever-se a ocupaco desses lugares por
46
L 47
CoNcEpcoEs DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S6cIo-M0RALv'FERENCIAS TEORICAS
CONCEPcOES DNFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO
SOCI0 -MORAL

enfermeiras oriundas do curso de Parteiras e do curso de Enfermei-


a pessoa, a saiide e a doença, o ambiente, bern como a prestaçao
ros Psiquiátricos, enfermeiras que, em funço das alteracöe.s irtroduzidas
de cuidados, passaremos a enunciar, de forma resumida, as esco-
nas carreiras profissionais em 1976, passaram a ocupar esses lugares
las de pensamento em enfermagem. Estas escolas surgirain a partir
de acordo corn o processo que já descrevemos.
dos anos 50 e é no mesmo periodo que, nos Estados Unidos, se
Embora durante vrios anos se tenha falado da integraçäo do ensirio
começa a desenvoiver o paradigma da integração. Concomi-.
de enfermagem no Sisterna Educativo Nacional, tal so se veio a verificar
tantemente verificou-se o aparecimento de diversas teorias na area
em finais de 1988 (Decreto-Lei n.° 480/88 de 23 de Dezembro). 0
das cincias sociais e humanas, tais como a teoria da rnotivação
ensino de enfermagem foi integrado no Ensino Superior, a nIvei do humai-ia de Maslow (1943, 1970), a teoria do "stress"
Ensino Superior Politécnico, e o Curso Superior de Enferrnagem de Selye
(1965), a teoria do desenvoivimento de Erikson (1971)'e a teoria
passou a conferir o grau de Bacharel em Enfermagem. A fi-equncia
dos sistemas de von Bertaianffy (Moigne, 1977), entre outras.
de urn Curso de Estudos Superiores Especializados passou a conferir
Qualquer destas teorias é fundamental para a caracterização e
aos enfermeiros o grau de Licenciado em Enfermagem.
compreensão do paradigma da integração. A sua influência faz-se
Em Abril de 1990 as Escolas Superiores de Enfermagem inicia-
também sentir no aparecimento das escolas de pensamento em
ram a leccionaço do Curso Superior de Enfermagem, corn pia-
enfermagem e nas caracterIsticas que estas assumiram. Já referi-
nos de estudo e programas da sua total responsabilidade. Estes
mos que o paradigma da integração se caracteriza pela orientação
pianos de estudo no diferiarn muito dos que estavarn anterior-
para a pessoa e acontece que qualquer uma das primeiras quatro
mente em vigor, que já incluIarn disciplinas como lflvestigacão
escolas de pensamento em enfermagem se caracteriza igualmente
em Enfermagem, Introduço a EstatIstica e a Informática, entre
pela sua orientação para a pessoa. Urn outro factor que terá sido
outras, desde as reformas de 1976 e 1987.
marcante no aparecimento dessas escolas foi o primeiro progra-
0 Artigo 100 do Decreto-Lei 480/88 de 23 de Dezembro pos-
ma de estudos graduados para enfermeiras oferecido pelo Columbia
sibiiitou a todos os enfermeiros a obtenço do grau de bacharel University's Teachers College (Meleis, 1991). 0 contexto em que se
ou do grau de licenciado, para o que aqueles profissionais tive-
revelaram as escolas de pensamento em enfermagem, aliado a
ram de se submeter a urn processo de equiparaco. A equipara- experiência e a formação das enfermeirasmentoras é responsâ-
cão era automática se as habilitaçoes literárias que os enfermeiros
vel pelas principais caracterIsticas que as escolas assumiram. Por
possuIssem, quarido do inicio do Curso de Enfermagem Geral,
tiltimo, é relevante referir que embora Meleis (1991) afirme que
fossem as suficientes para permitirem o acesso ao Ensino Supe-
se pode falar em teorização em enfermagem desde Nightingale,
rior. A equiparaçao era sujeita a urn mecanismo de apreciação certo é que so a partir da década de 50 houve uma tentativa de
curricular se tal condição não se verificasse.
teorização sistemática. Assim, apenas considerarernos os modelos
De sublinhar que obtendo o grau e iicenciado, o enfermeiro passou teOricos posteriores a esta data.
a ter acesso a todos os nIveis acadmicos.
De acordo corn tudo o que atrás dissemos e corn as suas bases
cientIficas, podemos reagrupar os conceitos da disciplina de en-
fermagem em seis escolas: a escola das necessidades, a da
1.4. Escolas de pensamento em enfermagem
interacção, a dos efeitos desejados, a da promoção da sade, a do
ser humano unitário e a do cuidar (Kérouac et al., 1994). As
Após termos contactado corn as grandes correntes de pensamen-
quatro primeiras são escolas orientadas para a pessoa, enquadran-
to e termos conhecido a sua influência sobre a forma de encarar
do-se no âmbito do paradigma da integração. As duas iltirnas
49
49
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SccIo-MoRA REFERENCIAS TEORICAS
CONCEPcOES
ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

escolas caracterizam-se por urna abertura para o mundo, enqua-


Abdelah (1969) e D. Orem (1980) (ver Quadro 1). Em qualquer
drando-se por isso no paradigma da transformaço.
destes modelos tentou-se responder a questao: "0 que fazem as
enfermeiras?"

1.4.1. A escola das necessidades


1.4.2. A escola do interacçâo S

Nesta escola é notória a infiuência da teoria da motivaço humana de


Maslow (1943, 1970) e da teoria do desenvolvirnento de Erikson
Esta escola tern origem nos Estados Unidos da America, prOximo
(1971). Sendo urna das escolas que se integra no paradigrna da inte-
do fim da década de 50 e princIpio da de 60. 0 seu aparecimen
gração, a sua orientaçâo é para a pessoa. Neste contexto, o conceito to enquadrase num contexto de desenvolvimento econOmic
de pessoa assume urna importncia central. E entendida como urn oe
cultural em que se verificava urn crescente aurnento de atenço
ser em crescimento e em mudança desde a concepco ate a morte para as necessidad es relacionais e de intimidad
(Pearson & Vaughan, 1986). Entende-se ainda que toda a pessoa e das pessoas. Como
exemplo pode apontar-se
possui urn conjunto de necessidades, hierarquizadas de acordo corn o a importancia e o sucesso que a teoria
psicanalItica alcançou nos Estados Unidos, magistralmente carica-
grau de importncia, para a sua sobrevivência. So apOs a satisfaçäo
turado em alguns filmes de Woody Allen. A escola da interacço
das necessidades mais prementes (i.e., respirar, corner, beber, elirni-
foi influenciada or outras teorias tais como a terapia centrada no
nar, etc.), a pessoa estará capaz de se preocupar corn outras neces-
cliente, de Rogers (1974), a teoria sistémica de von Bertalanffy
sidades tambérn elas importantes, mas no vitals (e.g., amor e pertença, (Moigne, 1977), a fenornenologia e o existencialj
auto e hetero-estima, etc.). Assirn, a pessoa desenvolve-se na tenta- smo Das diver-
sas teóricas que se podern incluir nesta escola, destacamos H.
tiva de satisfazer as suas necessidades de modo autOnomo. A pessoa Peplau (1990), I. King (1968) e I.
necessitará de cuidados de enfermagem sempre que, por qualquer Orlando (Marriner, 1989)
(ver Quadro 2).
razo, ela prOpria não consiga satisfazer as suas necessidades. Na escola da interacçäo a pessoa é perspectivad
Os obstáculos rnais frequentes a satisfaço das necessidades so as a a partir da te-
oria sistémica. Assim, encara-se a pessoa como urn sistema aber-
situaç6es de doença e, deste modo, poder-se-â dizer que as enfer- to, delimitado por fronteiras permeávei
meiras tern por objectivo assistir a pessoa naquio que ela no con- s face ao ambiente
circundante, corn o qual mantém trocas de matéria, de energia e
segue fazer sozinha, sempre no pressuposto da recuperação da informaç o. Considerase
mdependência ou da capacidade de auto-cuidado. ainda que a pessoa e constituIda por
vários subsisternas, sendo que esta escola atribui atenção especial
O principal papel assumido pela enfermeira será o de substituiço da
ao psicolOgico. A saCde é definida de urn ponto de vista dinami-
pessoa ate esta readquirir a sua independência. For sua vez, a saide co, como a capacidad e de ajustamento aos
é encarada como a capacidade de ser independente em relaçäo a "stressores" do ambiente
interno e externo e pela utilizaço optima dos recursos, corn
satisfação das suas prOprias necessidades. Os factores ambientais so
objectivo de a pessoa aprofundar
tidos em consideraço na medida exacta em que contribuem, ou no o seu potencial rnáximo de vida.
For sua vez, o ambiente e constituid o
para a satisfaço e para a independencia na satisfaço das necessidades pelo conjunto de pessoas
significativas corn o qual cada urn de nOs interage. Pode ser definido
das pessoas.
também como urn supra-sisterna corn o qual existe uma troca
De entre os diversos modelos conceptuais que se podem englo-
sistematica de matéria, de energia e de informaçao. Os cuidados
bar nesta escola destacarnos o de V. Henderson (1969, 1978), F. de enfermagem so entendidos corno urn processo interactivo entre
50
51
ABDELLAH OREtI HENDERSON ZO
- . .-•

> (no

. C 0•-
0
Z
-. -:
C.
0
(I)0
C)
C
0
0
U)0

in

1VJ0P1.0IDQ9 OIN3ITJIA10AN3sBa 3 &'39YIJH3dN 30 S3Od33No3 SV1IQ3j SV)NH3d3 lVoJj-oI9S OLN3)'IIA1OAN3S3O 23 W3U)V)')UI3JN3 30 S3QOd3TN03
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SeC%O-MORAL: FERNCIAS TEORICAS CONCEPcOES c' ENFERMAGE, E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

urna pessoa que tern necessidade de ajuda e uma outra capaz de


iha oferecer. oU)
Este iltimo papel é assumido pela enfermeira que, como forma w
de se habilitar para ajudar a outra pessoa, precisa de clarificar os U) 'fl -
seus prôprios valores. Isso permitir-lhe-â usar a sua própria pes- oo
121
soa de modo terapêutico e comprometer-se nos cuidados que

I
presta. 0 fim 61timo dos cuidados de enfermagem é a criação de
condiçöes que permitam o desenvolvirnento da personalidade da
pessoa carenciada de ajuda.
o processo de cuidados desenvolve-se em quatro fases: orienta-
ção, reconhecimento, aprofundamento e resolução. Durante todo
(a
O processo eessencial manter a integridade da pessoa e ter em
-- j
D -- -
consideração que ela 6 capaz de reconhecer as suas necessidades (5
-J
--,--

e de promover a sua auto-formação. A subjectividade e a intui- o


ção passaram a ser valorizadas em todo o processo de prestacão z0 -- - -. -.

de cuidados (Peplau, 1990). (5


Ld -
--.-,-
.-.-..- -
(a
Ui

I
C)

1.4.3. A escola dosefeitos desejados (a


o
--
-
----- -- .- g

UI
1
Esta escola adoptou esta designação porque as teóricas que a criaram
UI
(e.g., Neuman, 1982; Roy, 1988) tentaram conceptualizar os
resultados ou os efeitos desejados dos cuidados de enfermagem
"
(ver Quadro 3). (a
UI

Isto acontece porque entendem que o objectivo final dos cuida- m C:


(a0 - - '5
dos de enfermagem consiste em estabelecer o equilIbrio, a esta- 0
bilidade, a homeostasia, ou em preservar a energia. Algumas das
teorias em que esta escola se baseia são a teoria dos nIveis de U
1
aW
adaptacão de Helson (K&ouac et al., 1994; Meleis, 1991), a
teoria da crise de Caplan (1980), a teoria do "stress" de Selye (n
(1965) e a teoria geral dos sistemas de von Bertalanffy (Moigne,
1977), entre outras. !
Esta escola também se enquadra no paradigma da integração, Go
orientando-se para a pessoa. Neste contexto, a pessoa é concep-
tualizada como um ser bio-psico-cultural, urn sistema de adapta-
ção em constante interacção corn o meio ambiente e dispondo de
54 a 55
CoNcEpcoEs DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL: PERENCIAS TEORICAS
CONCEPCOES OF 'NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCO-MORAL

quatro modos de adaptacão: o modo fisiológico, o modo "concei- de desenvolver a sade da famIlia e de todos os seus rnernbros,
to de Si", 0 modo "funcão segundo os papis" e o modo através da activação do seu processo de aprendizagern (ver Qua-
interdependência. dro 4).
A saiide é perspectivada corno urn estado dinrnico de bern-estar
ou de doença, determinado pelas variâveis fisiológicas, psicolôgi-
cas, socioculturais e espirituais ligadas ao desenvolvimento 1.4.5. A escola do ser humano unitdrio
(Neuman, 1982). Ou então corno urn estado ou urn processo de
ser ou de vir a ser urna pessoa integrada e unificada. 0 arnbiente Esta é a prirneira escola que se situa no contexto da abertura
é conceptualizado corno tudo o que seja susceptIvel de afectar o sobre o mundo, integrando-se, portanto, no paradigma da trans-
desenvolvirnento da pessoa (Roy, 1988). fonnação. As teorias que servem de referência a esta escola são
Neste contexto, os cuidados de enferrnagem são perspectivados a fenomenologia, a teoria sistérnica e as teorias da fIsica, entre
corno intervençöes que visarn a integridade da pessoa e que se outras. 0 conceito base desta escola é o de "ser huinano unitá-
interesSarn por todas as variáveis que tern efeito sobre a resposta rio", proposto corno substituto do conceito de holisrno. Tal subs-
da pessoa aos agentes de "stress", corn o objectivo de ihes reduzir tituição tern a ver corn a perda progressiva de significado do
o efeito. termo "holisrno" devido ao seu uso sisternático e por vezes ma-
dequado. Apesar disso, o conceito é, basicarnente, o rnesmo, pre-
tenderido-se que nesta escola readquira o seu verdadeiro significado
1.4.4. A escola da promocâo de saáde e dirnensão
Das diversas autoras desta escola destacamos, Martha F. Rogers
Esta escola baseia-se na filosofia dos cuidados de sade prirnârios (1988, 1989) e Rosemarie J. Parse (1990, 1992) (ver Quadro
e na teoria da aprendizagern social de Bandura (Kérouac et al., 5). De acordo corn elas, a pessoa e encarada corno urn ser aber-
1994) e tern ainda como referenda a teoria geral dos sisternas to, tendo a capacidade de agir em sinergia corn o universo, ou
(Moigne, 1971) aplicada a farnIlia. Conjugando estes diversos então, corno urn campo de energia unitário epandimensional,
contributos constata-se que a preponderncia que as anteriores em que o todo não pode ser cornpreendido a partir do conheci-
escolas atribuIam a pessoa é, neste caso, conferida a farnilia. Esta mento das partes.
é entendida como urn grupo social capaz de aprender a partir das A sa(ide das pessoas é encarada como urn valor e como urn pro-
suas próprias experiëncias. Alias, a farnilia 6 apresentada, simul- cesso continuo de troca de energia favorecedora da expressão do
tanearnente, corno recurso e corno entidade passivel de ser potencial máxirno da pessoa. 0 arnbiente é tarnbérn ele conside-
intervencionada pela enfermeira. Por sua vez, a saiide é vista rado urn carnpo de energia pandirnensional, onde são reagrupados
corno urn dos recursos rnais valiosos de urna nação e entendida e reorganizados todos os elernentos exteriores ao campo de ener-
corno urn processo social que encerra atributos interpessoais apren- gia hurnano.
didos e desenvolvidos corn o tempo, principalmente no contexto lj
Os cuidados de enfermagern visam a prornoção da saáde, de modo
familiar.
a favorecerern a interrelaçao harmoniosa entre o hornern e o
0 arnbiente é apresentado como o contexto social no qual se arnbiente. F ainda objectivo de quern presta os cuidados de en-
processa a aprendizagern. Por iiltirno, Os cuidados de enferma-
fermagem, a qualidade de vida, através da participação qualitativa
gem sac, perspectivados corn o objectivo de prornover, de reforçar e da pessoa nas suas experiências de saide.
56
57
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S600-MORAL: REFERENCAS TEORICAS
CONCEPçOES DE rNI FERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

1.4.6. A escola do cuidar


LiI
a

<U. Ui Nos iltimos anos o conceito de "cuidar" tern vindo a aparecer


o < - sisternaticarnente na literatura de enfermagem. De facto, é difIcil
U
0 0 U
-
o 0 Q
Q .-
encontrar uma revista da especialidade que no contenha pelo
< -i....
0 menos urn artigo que, fale do cuidar. 0 interesse por este con-
0 Iii
U Lii
in
U' ceito é relativamente recente, podendo-se dizer que rernonta, na
o
I_I
(I) -
0 literatura forte americana, ao inIcio da década de 80. Uma das
Iii
primeiras autoras a propé-lo como tema central para a disciplina
a It
-0U' de enfermagem foi Leininger (1981, 1989). Posteriormente Benner
o I-.
'- Li e Wrubel, na obra "The Primacy of Caring" (1989), sugerern que
10 z :- <U) zf-.0
a prática de enfermagem baseada na primazia do cuidar deverá
< substituir aquela em que a base era a prornoço, a prevenco e
-J

oa . 0 a restauraço da saüde. Por seu lado, Watson (1985, 1988) afir-


-
z za - ma que as enfermeiras criaram urn ideal do cuidar que é simul-
S S
w
U)
- Lii
U)
- tanearnente humanista e cientifico. A escola do cuidar é a segunda
Lii U'
> V cuja orientaço se situa no contexto da abertura para o mundo e,
I - I
-:.. portanto, engloba-se no paradigrna da transformaçäo. Das diver-
I;) ft
U) U)
sas autoras desta escola destacamos Madeleine Leininger (1981,
Z 1 U:
Lii U' :- 1989) e Jean Watson (1985, 988) (ver Quadro 6).
ILii S
Lii
LiL
U) - ---
< U) -
-:
De acordo corn elas, a pessoa é urn ser vivente que cré e corn-
preende corpo, alma e espIrito (Watson, 1985). Pode-se tambérn
o 0
Lii ,. . entender como urn ser cultural que sobreviveu ac, tempo e ac,
Lii . ---
(n
<-.. SS U)< espaco (Leininger, 1981). Neste contexto, a sa6de das pessoas é
4 o;: LB
. . entendida como a harmonia entre corpo, a alma e o espIrito. 0
a - a arnbiente é constituido por todos os aspectos contextuais nos quais
0Lii 0Lii
z ..-....-.'- se encoritram os individuos e os grupos culturais (Leininger, 1981).
o :- CCC- ---. U-
U 06 As teóricas desta escola créem que as enfermeiras podern meiho-
IN rar a qualidade dos cuidados que prestarn as pessoas, se se abri-
L
L6 z
b rem a dimensöes como a espiritualidade e a cultura, e se integrarem
Lj
C)) U)
o Oo2 os conhecirnentos ligados a estas dirnensöes na prestação de cui-
< ' -4 UJ
dados. Os cuidados de enfermagem, de acordo corn as rnesrnas
S9O 3S 6VII
teóricas, so simultaneamente uma arte e uma ciência humana do
cuidar, urn ideal moral e urn processo transpessoal que visam a
prornocäo da harmonia entre "corpo-alma- espIrito".

56 . 59
1
CONCEPcES oE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL: REFERENCIAS TERICAS
CONCEPcOES DE = NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

2. A Enfermagem como disciplina e profissão: a


prática do cuidar
a
o5
oo Afirmámos que entendlamos a enfermagem como uma discipli-
I-
2
na/profissao. No entanto, e apesar de termos tentado identificar
os seus conte(idos consensuais, bern como delinear a forma como
são entendidos em função de cada urn dos paradigrnas que enun-
ciámos, entendemos que a enfermagem não se reduz aos mencio-
nados contefidos. Collière (1990), ao referir-se ao processo de
10 profissionalização da enfermagem, afirma que "todos os oficios
que tern como base o saber das suas práticas se podem profis-
sionalizar sem prejuIzo, pois tern as suas raIzes" (p. 46): Isto é,
considera que a enfermagem tern por base "o saber das suas
práticas", e que a profissionalizaçao se poderâ, por isso, fazer
sem receios. Deste modo, é colocado em lugar central o papel
(n da prática e do saber prático. Mas o que queremos dizer quando
Ui
> falamos em prática? 0 que é uma prática?
-'
Se aceitarmos que "pritica" deriva etimologicamente da expres-
(fl são grega Praxis, entäo a mesma terá que ser entendida como
z uma das três actividades básics. As outras duas serão Theoria e
UI
UI
-I
2 Poiesis e cada uma destas actividades implica formas de conheci-
UI
mento distintas. A Theoria estava relacionada corn Sophia, on
Ill conhecimento teórico; a Praxis estava relacionada corn Phronesis
UI
(I)
S
ou c9nhecimento prâtico, e a Poiesis estava relacionada corn Techne
Dl 0
(I) ' a ou conhecirnento artIstico. Tarnbém os critérios de su cesso erarn
oa distintos de urnas actividades para outras. 0 firn ültimo da Theoria
UI
I.. era a Verdade, da Praxis era a Feliciclade, e da Poiesis a ProduçEo de
Z
o
0
-
- algo born (Allmark, 1995).
S
If)
o Neste conceito de Praxis cabiam actividades como o governo de
- 0
comunidades, visto que o seu objectivo era a polItica e a ética
a --
o a-- - (Alirnark, 1995). No entanto, e de acordo comMacintyre (1990),
--
< - O conjunto das práticas é mais extenso e inclui as artes, as ciên-

G NO1\iM N 131
cias, os jogos, a polItica, no sentido aristotélico do termo, a
composição e o sustento da vida de farniuia, etc. 0 termo "prâ-
tica" é redefinido por esta iiltima autora (Maclntyre, 1990) da
seguinte forma: corn a expressão "prática" pretende-se significar
60
t 61
CONCEPçOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL:, FERNCIA5 TEORICAS
CONCEFceES E, NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

qualquer actividade humana cooperativa, coerente e complexa e


desiderato, Varnos, no entanto, partir do princIpio que corn o
socialmente estabelecida. Todas as actividades hurnanas corn estas
tempo a criança encontrará nos hens especIficos do xadrez (i.e.,
caracteristicas possuern bens internos que säo realizados durante
uma certa e elevada capacidade analItica, uma imainaçäo estra-
a tentativa para se alcançarem os padröes de excelência que säo
thgica e uma intensidade competitiva) urn novo conjunto de boas
considerados apropriados, e parciaimente definitivos, para essa
razöes, näo para ganhar numa situaçäo especIfica, mas para tentar
forma de actividade. Como os padröes de excelncia considera-
a exceléncia. A partir deste rnomento, se a criança não jogar de
dos apropriados nunca so definitivos, a ampliaço e a busca
forma honesta engana-se a ela prôpria. Tal acontece porque, neste
constante dessa excelência tern como consequncias a ampliaço
caso, a motivação para ganhar deixou de ser algo de exterior
sisternática da capacidade hurnana para alcançar essa excelência.
(e.g., ganhar dinheiro para comprar chocolates), passando a ser
Poder-se-â dizer que uma prática consiste prirneiro que tudo nurn
uma rnotivação inerente ao exercicio da prépria actividade (i.e.,
sistema completo de significados e não num 'skill' particular
jogar bern pelo prazer que isso The d).
envolvido numa determinada actividade (Bishop '& Scudder, 1991).
Como concluso deste exemplo poderemos dizer que existem
Assirn sendo, dar urn pontal:)6 numa bola corn perIcia ou assentar
dois tipos de bens que podem ser alcançados pelo jogo de xa-
tijolos numa parede no so uma prtica. Mas será jâ uma prática
drez. Por urn lado, temos aqueles que poderemos denominar de
o jogo de futebol ou a arquitectura. Dc igual modo, no será
"hens externos" e que estão ligados ao jogo de xadrez como a qualquer
uma prática plantar batatas, ou fazer a higiene a uma pessoa. Mas
outra prática. Tern a ver, neste caso, corn o ganhar o dinheiro
s&-lo-á a agricultura ou a enferrnagem.
para adquirir os chocolates. Noutros casos, poderäo ter a ver
No entanto, a definiço apresentada contérn alguns aspectos que
corn a aquisiço de prestIgio, farna, estatuto, etc. Por outro lado,
devem ser clarificados. 0 primeiro tern a ver corn a noço de existem os "bens internos", inerentes a prâtica de xadrez, bens
'hens internos'. Para o explicar servir-nos-ernos do seguinte exem- - 1 1 *1 1
que nao pocierao ser alcançacios ae outra rorma
rma senao jogancio
fo
plo: Imaginemos uma criança corn perto de sete anos, extrema-
xadrez ou participando em qualquer outra prática coin estas ca-
mente inteligente e a quern se pretendia ensinar a jogar xadrez.
racterIsticas. Atribui-se-lhes a designaçao de 'hens internos' por duas
Porhrn, ela não mostrava grande interesse por esta actividade,
razöes: a primeira, porque so podemos falar dos hens internos de
antes dernonstrando urn enorme desejo por chocolates, embora
cada uma das práticas especificas, ou seja, no ha bens internos
tendo poucas oportunidades de os conseguir. Dir-se-ia a criança
inerentes a todas as práticas, mas sim especIficos a cada uma
que se ela jogasse xadrez uma vez por sernana corn a pessoa que
delas. No caso apresentado, sO os podemos especificar em rela-
The pretendia ensinar, ganharia cern escudos para comprar choco-
ço ao jogo de xadrez. Segundo, porque des so podem ser identi-
lates. Dir-se-ia ainda a criança que essa pessoa jogaria de forma
ficados e reconhecidos pela experiência dos participantes na prâtica
progressivamente mais complexa, de tal modo que seria difIcil,
ern questäo. Aqueles que fazern parte dessa prática, mas no tern a
mas não impossIvel, ela ganhar. Se o conseguisse, ganharia urn
necessria experiência, - so incompetentes para julgarem os "hens in-
adicional de duzentos escudos. Isto motivaria a crialiça a jogar, e
ternos" (Maclntyre, 1990). Dito de outro modo, cada urn de nós sO
a jogar para ganhar. De referir que, nesta situacão, a criança tern
terá capacidade para apreciar a magistralidade de urn determinado
boas razöes para jogar xadrez, no as tendo no entanto para jogar
lance se for participante experirnentado desta prática.
de forma honesta. 0 objectivo h, de cada vez que disputa uma
Urn outro aspecto que carece de alguma explicaçào diz respeito
partida, ganhar o dinheiro que The permita comprar os chocola-
aos padröes de excelência. Dc acordo corn MacIntyre (1990),
tes, sendo por isso válidas todas as hipóteses para atingir tal
uma prática envolve padröes de exceléncia e obediéncia a regras.
62
63
CONCEPçOES DE ENFERMAGEM 6 DESENVOLVIMENTO S6cIo-M0RAL: :ER6NCIAS TEORICAS CONCECOES Di NERMAGEM 6 DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

Os padröes de excelência e as suas regras acompanham e parti- siderada uma prática. Parece-nos que ninguérn colocará em djivi-
iham a história da respectiva prática. Foi dito, quando se definiu da que a enfermagem é uma 'actividade humana cooperativa,
o conceito de "prâtica" que os padroes de excelência eram par- coerente e complexa e socialrnente estabelecida'. E uma activida-
cialmente definitivos. De facto assirn é, visto que eles tern urn de humana quer porque é executada por seres humanos, quer
carácter evolutivo que se prende, por urn lado, corn a história da porque se dirige a outros seres humanos. E duplarnente coopera-
respectiva prática e por outro, corn a capacidade dos participan- tiva porque carece de urn grande sentido de união entre todos os
tes dessa prática ern expandirem os padr6es de excelência. Isto seus profissionais e também porque a pessoa necessitada de cui-
significa que os padroes de excelência não são irnunes a crItica. dados é co-responsve1 e co-prestadora desses cuidados. Por firn,
De notar que, neste caso, a critica tern como consequência o é socialmente estabelecida, pois que, de acordo corn Collière
desenvolvimento do próprio padrão de excelência. No entanto, (1989), "cuidar não pode ser urn acto isolado, amputado de toda
não é qualquer pessoa que pode proceder a essa crItica. Para o a inserção social.... Cuidar é urn acto social.... e implica uma
fazer carece primeiro de entrar na prática em questão, de sub- responsabilidad e social" (p. 324). Se aceitarrnos estes aspectos
meter-se aos padroes de excelência alcançados ate esse momento como verdadeiros, então tarnbérn teremos que aceitar que esta
da história, e de sujeitar as suas atitudes, preferências e gostos, actividade possui bens internos. Afirmamos isto porque, de acor-
aos padröes que definern essa prática, ou seja, a pessoa precisa de do corn Maclntyre (1990), todas as actividades hurnanas corn
participar e de partilhar os padröes de excelencia de uma prática aquelas caracteristicas, possuem bens internos. Independentemente
para, por urn lado, compreender esses rnesrnos padröes e, por do que acabámos de afirmar, existem razöes que tern a ver corn
outro lado; poder criticá-los e participar na sua expansão. a nossa experiencia enquanto pessoa, enquanto profissional de
Poder-se-â afirmar, neste momento, que existe uma diferença prestação de cuidados e, ainda corn os argumentos de vários te-
fundamental entre os dois tipos de hens (Maclntyre, 1990). 0 óricos de enfermagem. *
'bern externo', ao ser alcançado, passa a ser propriedade nossa, Relativarnente a nossa experiencia enquanto pessoa, sempre que
possuimo-lo. Quanto mais nós tivermos, menos os outros terão. estivernos na situação de receptores de cuidados, apreciámos
O 'bem interno' é a meta da competicão para a excelencia, e "ao sobrernaneira o esforço que era desenvolvido pela pessoa que
ser alcançado transforma-se nurn hem para toda a comunidade cuidava de nós, no sentido de fazer bern o que estava a fazer,
que participa nessa prâtica" (Maclntyre, 1990, pp. 190-191). No pelo simples prazer que isso lhe dava. De notar que, nesta situa-
entanto, a autora defende que os hens internos so poderão ser ção, éramos observadores privilegiados, na rnedida em que, es-
alcançados pelos participantes que possuIrern virtudes, ou seja, tando na condição de receptores de cuidados, fazIamos parte da
por aqueles que tiverem adquirido uma qualidade humana que os 'cornunidade' de 'práticos', visto sermos profissionais de enfer-
capacite para alcançar esses bens. Por outras palavras, segundo magem, quer a pessoa que estava a cuidar de n65 0 soubesse, ou
Maclntyre (1990), "ternos que aceitar como componentes de qual- flao.
quer prática corn 'bens internos' e padroes de excelência, as virtudes No que concerne a nossa experi€ncia como prestador de cuida-
da justiça, da coragem e da honestidade"(p. 191). dos, ha alguns aspectos que pensarnos serern marcantes. Prirnei-
Poderão estas reflexöes ser aplicadas a Enfermagein? Caso pos- ro, possulmos a convicção, decorrente do convIvio profissional,
sam, quais as implicacoes? de que existe concordância dentro da cornunidade de profissio-
Face a definição de 'prática' já apresentada (Maclntyre, 1990), nais de enfermagem, sobre o que são "bons cuidados de enferma-
somos de opinião que, de facto, a enfermagem poderá ser con- gem". 0 segundo, decorrente do prirneiro, é que so os que
64
65
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL FERENCIAS TEORICAS CONCEPcOES D
I NFERMAGEM E DESENVOLVMENTO SOCIO-MORAL

participarn na prática tern noção da complexidade e da perIcia a acção possam, agora, ser mais gerais. No entanto, ainda persis-
exigida por urn determinado cuidado e so capazes de identificar te uma rnarcada incapacidade para ir além das regras e orienta-
os padröes de excelência inerentes a essa prtica. Por outro lado, cöes para a acço.
os profissionais so adjectivados de bons ou rnenos bons no exer- 0 nivel de competente (nivel III) começa a ser atingido por Volta
cIcio da sua actividade em funço da perIcia demonstrada na re- dos trés anos de exercIcio profissional. Neste nivel existe já algu-
soluço de situaçöes concretas. E serão considerados tanto meihores ma experiência profissional acurnulada, o que permite a enfer-
profissionais quanto mais próximo dos padröes de excelência meira começar a ver as suas acçöes em funçao de objectivos de
definidos estiver o seu desempenho. De acordo corn o que aca- longo aicance ou de pianos. Estes pianos estabelecern uma pers-
bâmos de dizer, a excelência no exercIcio desta prática so se pectiva e assentam na avaliaço consciente, abstracta e analItica
consegue participando dela. Jarnais se corneça como perito. All- dos problemas.
as, a trabaiho de Benner, From novice to expert: Excellence and power No entanto, sO no nivel seguinte - proficiente - é que a enfer-
in clinical nursing pratice (1984), faz prova disso mesmo. Corn meira percebe as situaçöes globairnente e é guiada por máxirnas,
base nos seus estudos, a autora afirma que os incrementos na isto é, adquire de facto a capacidade de abstracçao a partir da sua
perIcia do desempenho so baseados quer na experiência, quer na prOpria prática. Por Oltimo, no nivel de perito, a enfermeira deixa
educaço. Afirma ainda que, de acordo corn o "Modelo de Aqui- de se guiar por princIpios anailticos (i.e., regras, directrizes, etc.)
siçäo de PerIcia" de Dreyfus, urn indivIduo passa atravs de cinco e passa a entender a situaço intuitivarnente e como urn todo, e
nIveis de proficiência: principiante, principiante avançado, corn- a concentrar a sua atenção sobre o essencial (Benner, 1982,
petente, proficiente e perito. A passagern de uin nivel a outro 1984). A enfermeira perita age a partir de urn conhecirnent
pressupöe mudanças ern dois aspectos gerais do desempenho. Urn o
profundo da situaço; quando interrogada acerca das suas acçöes
o inovimento de progressiva confiança em principios abstractos responde, a semelhança de f
um mestre de xadrez que efectuou
que o levam a utilizaçäo de experiência concretas passadas, como urn lance magistral, 'porque sentia que era certo' (Benner, 1982).
paradigrnas. 0 outro d uma rnudanca na percepco e entendi- Relativamente aos argurnentos
de teOricos de enfermagem, gos-
mento da exigência de uma dada situaço. De acordo corn essa tarlamos de saiientar Benner e Wrubel (1989),
rnudanca de percepcão, a situaço passa a ser encarada menos que assurnem no
seu livro 'The primacy of caring',
que a prática de enfermagem d
como uma cornpilacão de pedacos igualmente relevantes, e mais urn todo sistemático corn uma noçäo de exceIência inerente a
como urn todo cornpleto no qual so alguns aspectos säo relevan- prOpria prática: "a exceléncia está incorporada na prOpria prática,
tes. Corn base nestes dois aspectos, o principiante (nivel I) ainda
e a prática é, por isso, uma arte moral e näo sirnplesrnent e uma
no possui suficientes experiëncias que possarn funcionar como Ciência aplicada ou uma tecnologia" (Benner & Wrubel, 1989,
paradigmas. Por outro lado, no possui capacidade para sopesar Pp. 19-20). Por sua vez, Watson (1988)
define o conceito de
Os vaflos elernentos em confronto nurna dada situaço, pelo que 'human care'
como urn processo entre seres hurnanos (i.e., enfer-
se lirnita a cumprir regras sern descortinar as possIveis excepcöes meira e pessoa) que implica urn compromisso moral de protec-
as rnesrnas. ço da dignidade humana e de preservaçao da prOpria humanidade.
o principiante avançado (nivel II), detentor de alguma experien- Para este comprornisso moral ter verdadeira expresso, não pode
cia, corneça já a ter ern consideraço alguns "aspectos" (i.e., Ca-
ser reduzido a mera retórica. De salientar, alias, que a própria
racteristicas globais que requerern experiência em situaçöes reais autora refere que a "cuidar so pode ser verdadeiramente demons-
para serem reconhecidas). Isto permite-ihe que as orientaçoes para
trado e praticado, interpessoajmente" (Marriner, 1989, p. 168).
66
67
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCIO-MORAL'FERNCIAS TEORICAS
CONCEPceES D - NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCIO-MORAL

Conjugando isto corn o que é referido por Benner e Wrubel 3. Cuidados de enfermagem e desenvolvimento
(1989), jamais se conseguirâ algo que 6 apresentado como "o Sócio-moral
ideal moral da enfermagem", se nos limitarmos a aplicacão de
urn conjunto de técnicas aprendidas. E necessário que a enfer- No capItulo anterior apresentou-se a Enfermagern como uma pratica
meira participe na pratica para que consiga atingir uma excelên- e isto significa, de acordo corn Maclntyre (1990), que, enquanto
cia que ihe permita pôr a técnica ao serviço da pessoa de forma prâtica, possui 'hens internos' especificos. Estes 'hens internos'
são a
criativa, transformando assim a prestacão de cuidados numa arte, meta da cornpetição para a exce1ncià, e so podem ser alcança-
e preservando deste modo a dignidade da pessoa. dos pelas pessoas que possuirem uma qualidade humana (i.e.,
Não pretendemos que daqui se conclua que defendemos uma virtude) cujo exercIcio as capacite para os alcançar.
clivagem entre a teoria e a prâtica corn valorização de uma face Das diversas virtudes citadas (e.g., coragern, honestidade, justiça)
a outra. Pretendemos, tao s6, chamar a atenção para o facto de realçâmos a da justiça. Por sua vez, diversas autoras de enferma-
que a prática dos cuidados de enfermagem vai além de qualquer gem (e.g., Benner, 1988; Bishop & Scudder, 1991 ; Watson, 1985,
saber teórico e/ou técnico que possamos considerar (não o dis- 1988) destacarn a componente moral dos cuidados de enferma-
pensando, no entanto). E pressuposto que tais cuidados se sub- gem, e chegarn a apresentar o cuidar em enfermagem como urn
metam a padröes de natureza &ico-moral. Nesta perspectiva, e imperativo moral, cujo fim Oltimo será a preservação e a protec-
de acordo corn Benner e Wrubel (1989), a prática & uma fonte cão da dignidade humana (Watson, 1985,1988). Seri então que,
constante de novos dados e de novos saberes que enriquecem de para prestar cuidados de enfermagem corn estas caracterIsticas, as
modo progressivo qualquer teoria. Por estas razöes, pensamos enfermeiras carecem de possuir algurna capacidade especial? Ou
que é importante estudar a prática dos peritos no sentido de que será antes que podemos entender a moral como uma caracterIs-
ela nos abra novos conhecimentos, novas areas de interrogacão tica- inerente as pessoas e pasIve1 de desenvolviment o?
Se for
ou novos entendimentos (Benner & Wrubel, 1989). este o caso, o problema não fica autornaticamente resolvido. Seri
ainda necessário equacionar a questäo relativa ao modo como essa
caracterIstjca tern sido encarada e "ensinada".
0 primeiro aspecto considerado é mencionado por Collière (1989)
e refere-se ao advento do Cristjanjsmo e a concornjtante modi-
ficaçao do papel das mulheres, da muiher prestadora de cuida-
dos. De facto, a partir deste mornento, os cuidados passaram a
ser prestados por mulheres devotas que tinham renunciado ao
seu papel de mulheres procriadoras. Essa renñncia era condiçao
indispensável e resultava da irnposição de rigorosas regras mora-
listas, de natureza religiosa, a que as mulheres se submetiam. Os
cuidados de enfermagem erarn enformados por essas regras.
Corn o advento da Medicjna como ciëncia e corn a necessjdade
dos medicos partilharem algumas das suas tarefas no sentido de
terem mais disponibilidad e para outras consideradas mais
dignificantes, as enfermeiras são convidadas a partilhar o saber
68
1 69
C0NcEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SÔCIO-MORAL: - FERNCIAS TEORICAS CONCEPQOES tE NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

medico e, em contrapartida, a submeterern-se as suas ordens primeiro é saber qual o seu nIvel de desenvolvimento do racio-
(Collière, 1989). Sobressai a moral da obediência ao poder e ao cinio moral: so elas que se confrontam no dia-a-dia corn as si-
saber m&lico que se prolonga ate aos nossos dias e ganha a di- tuaçöes, säo elas que tern que assurnir as decisöes. Em que
mensäo de obediência a instituico. A partir do mornento em princIpios éticos se baseiarn quando as assumern? Pensarnos ser
que as enfermeiras iniciam o seu processo de autonomizaço, pertinente tentar saber quais os factores que influenciarn o seu
tentam por todos os meios por em causa esta situaço. A elabo- nIvei de desenvolvimento do raciocInio moral. A partir dal, corn
raço, por diversas organizacöes de carácter socioprofissional, de efeito, é mais fâcil perspectivar formas de o promover e estirnu-
códigos deontológicos, ê disso prova bastante. lar.
A partir dos anos setenta, emerge o conceito da enfermeira como
advogada do utente. Este conceito veio introduzir profundas al-
teraçöes no lugar da enfermeira face ao utente dos serviços de 3.1. Teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg
saide. A partir daqui o utente estâ no centro da equipa de saCde
e acima da instituição. A enfermeira coloca-se perante ele, não Entre as teorias do desenvolvimento moral, a de Kohlberg (1981,
como extensão do medico ou da instituiçäo, mas como sua 1984) 6,. actualmente, a que nos parece rnais relevante para o
advogada (Schattscbrieider, 1992). Os cuidados de enfermagern contexto da Enfermagern. Apresentamos a seguir algurnas das suas
säo orientados para que o utente seja considerado pela enferrnei- principais caractenIsticas, baseados, principalmente no livro de Lou-
ra, e por toda a equipa, como urn fim e nunca como urn meio renço (1992) Psicologia do Desenvolvimento Moral: Teoria dodos
(Ribeiro, 1995). implicaçes.
Esta forma de encarar os cuidados de enfermagem e o seu des- Para este autor, uma das caracterIsticas principais da moralidadé
tinatário, vern questionar o ensino de enfermagem. A quesiio ser prescritiva, norrnativa e generalizavel estando, por isso, rnais
para a qual Se procura resposta é saber qual é a meihor forma de ligada ao dorninio do dever do que ao dornInio do ser. Tendo
ensinar esta perspectiva aos estudantes de enfermagem. Se ate em consideraçäo o carácter estruturalista-construtivista desta teo-
aqui era claro o que se devia ensinar, a partir de agora sabe-se o ria, podemos desde já enunciar dois critérios do desenvolvimento
que näo se quer ensinar. E neste contexto que surge a teoria do
moral: a cogniço, o raciocInio ou juIzo moral, e a acção moral.
desenvolvimento moral de Lawrence Kohlberg (1981, 1984), teoria O primeiro tern a ver corn o desenvolvimento cognitivo que nos
que propôe a justiça como princIpio moral básico. Corn base na permite ter consciência da obrigaco imposta pelas regras e ajui-
mesma, Munhall (1982) propöe alteraçöes.no processo educativo da moralidade das acçöes. 0 segundo refere-se ao
dos estudantes. de enfermagem no sentido de se promover o de- cumprimento ou no das regras.
senvolvimento moral. Esta autora, na verdade, considera o de- Urn outro aspecto a ter em consideraço reside naquilo que o
senvolvimento moral urn pré-requisito para a prestaco de cuidados. principal autor desta teoria, Kohlberg (1981, 1984), definiu como
Foi corn base em alguns destes pressupostos que Ribeiro (1995) a essência da rnoralidade e que é o sentido de justiça. Nas pala-
dirigiu o seu estudo, no sentido de saber se o curso'de enferma- vras de Lourenço (1992), o desenvolvimento moral e "considera-
gem promovia ou no o desenvolvimento moral dos estudantes do como a construçäo de pnincipios morais e de justiça que esto
de enfermagem.
Para além das normas morais e sociais vigentes" (p. 29).
Relativamente as enfermeiras que esto na prestacäo de cuidados,
Os pressupostos metaéticos desta teoria so urn dos seus pilares
pensamos que existern alguns aspectos que merecern atençäo. 0 fundarnentais na medida em que estabelecern, a partida, as dife-
70
1 71
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S600-MORAL: REFERNCIAS TEORICAS
CONCEPCOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVtMENTO SOCIO-MORAL

renças face a outras teorias. Desses pressupostos, salientam-se os


tern ainda a ver corn a sequência invariante dos estâdios de desenvol-
que assumern que: as concepçöes morais das pessoas e dos povos
vimento moral (Lourenço, 1992). Isto 6, a teoria de Kohlberg assu-
podern ser hierarquizadas (i.e., pressuposto da não neutralidade);
me que, seja qual for a cultura, os estádios de desenvolvirnento moral
que as diferentes concepçöes morais resultam de construçöes
sucedem-se numa ordem invariante (i.e., estádios 1, 2, 3, 4 e 5).
pessoais em interacção corn o meio social (i.e., pressuposto do Por iiltirno, este principio aflrma que existe urn conjunto de normas
construtivismo); e o que afirma que as cogniçöes morais são
e elementos morais que são transculturais (Lourenço, 1992 ; ver
importantes para se saber se tal ou tal acção é moral ou não
Quadro 7). Este aspecto, no entanto, não exclui a possibilidade
(i.e., pressuposto do cognitivismo).
de haver outras culturas que apelem a outras normas ou a outros
Em sIntese Os pressupostos metaéticos sao Os Seguintes:
elementos morais. Por norma moral entende-se a consideraçäo
Näo neutralidade. Afirma que as concepçöes de moralidade nunca
de carácter moral que constitui justificação para determinada opcão
são merarnente descritivas neutras e imparciais; que essas con-
moral. Se, por exemplo, uma pessoa defende que a enfermeira
cepcöes morais podem ser hierarquizadas em nome de principios
deve ser capaz de prestar bons cuidados de enfermagern, porque
morais que são do dominio do dever e não do ser; que são esses
os seus utentes tm direito a receber cuidados de qualidade, entäo
principios que estão na base do respeito pelo relativismo cultu-
a opção "a enfermeira deve ser capaz de prestar bons cuidados"
ral; e, finalmente, que renuncia a falácia naturalista (Lourenço,
justifica-se pela invocação da norma dos direitos civis (i.e., os seus
1992, PP. 37-38), ou seja, não aceita que a moral seja aquilo que
utentes tern direito a receber bons cuidados). Se a justificação
é socialmente aprovado como tal. Se aceitássemos tal concepçäo, tivesse a ver corn a necessidade de cumprir o que a lei estipula
estarIamos a assurnir como válida uma determinada concepção como função da enfermeira, então a norma invocada seria a da
moral (i.e., aquela que era socialmente aprovada), quarido a par- lei (ver Quadro 7).
tida se pretendia não apresentar nenhuma.
Os elementos morals são, For seu lado, consideraçoes morais
Feriomenismo. Segundo este pressuposto uma acção moral näo pode
apresentadas paralegitirnar a opção por determinada norma moral.
ser qualificada de moral sem se atender as razöes ou motivos
Se, por exemplo, uma enfermeira defendesse que riunca se deve
pelos quais e praticada; o raciocinio moral da pessoa que pratica
chegar atrasado ao local de trabaiho porque "Se os horários exis-
essa acção expressa-se pela linguagem moral que o sujeito utiliza
tern é para serern cumpridos", esta enfermeira estaria a rnanifes-
normalmente; a acção moral deve ser entendida como urn todo, tar uma orientação moral normativa (elemento I, do Quadro 7).
ou seja, como algo que envolve forma e conteüdo (Lourenço, Se uma outra enfermeira defendesse o mesmo acto corn a neces-
1992, p. 40).
sidade de se precaver contra retaliaçoes do seu chefe, então es-
Universalismo etico. Procura chegar a principios &icos universals e gerais.
taria a rnanifestar uma orientação moral utilita'ria (elemento 7,
Envolve vrios outros aspectos que devem ser considerados. Quando
Quadro 7). No entanto, se uma terceira enfermeira defendesse,
Se fala em universalismo &ico não se pretende dizer que todas as
ainda, o mesmo acto porque ao reconhecer a si. própria o direito
pessoas agem de acordo corn tais principios, rna.s que, em termos de ser substituida em tempo iitiI, o reconhecia a todas as suas
ideals, seria born que o fizessem. Pretende-se ainda dizer que os
colegas, esta enfermeira estaria a manifestar uma orientação moral
juizos morais emitidos por qualquer pessoa pretendem ser para a justiça (elemento 15, Quadro 7).
universalizáveis. Quando emitirnos urn juizo moral, pretendernos que Prescritivismo e'tico. Defende que os juizos morais são do domInio
todas as outras pessoas o façam, e que esse seja urn dos principios do dever (i.e., prescritivos, näo descritivos), e näo do dornInio
que "governe" as acçöes das pessoas. 0 princIpio do universalisrno do ser, portanto,. que os juizos morals dizern respeito ao que
72
1 73
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL: PEFERCNCIAs TEORICAS
CONCEPc,3ES 0 tNFERMAGEM s DESENVOLVIMEN-1- O SOda-MORAL

QUADRO 7: ELEMENTOS E NORMAS MORAlS TRANSCULTURAIS


bar algo a alguem (conteuido) pode. ter por trás razöes que te-
ELEMENTOS MORAlS NORMAS MORAlS
nham a ver corn a satisfação imediatista de uma vontade indivi-
FF
dual. Por seu lado, não roubar (conteido), que é o oposto da
V. situação anterior, pode ter na sua génese o medo de represálias
S LJ
e de consequências individuais. Tanto uma quanto a outra justi-
A H C C HF
ficação (forma) tern subjacente a mesma estrutura ou filosofia
H
moral, que é uma filosofla orientada para os direitos individuais
F CF mas entendidos de forma individualista, calculista e cornercial (i.e.,
- - 'I:
-
estrutura de Estádio 2). Este pressuposto assume ainda que a
1 forma é mais importante que o conteido, e que o ponto de vista
CrLF

F
Sr
FLF
moral é definido em função de critérios formais ou racionais que
C FL CL

tendem a suscitar adesão e acordo (Lourenço, 1992, p. 52).


Orientaçöo por e para princIpios. De acordo com este pressuposto,
o ponto de vista moral é baseado em princIpios gerais. e näo em
regras concretas, ou seja, todas as normas e regras se submetem
a princIpios. Segundo Lourenço (1992) "as diversas normas soci-
FONTE, LouRENço (1992)
ais, polIticas ou religiosas perderiam toda a razão de ser se pu-
sessem em causa o princIpio da justiça ou do tratamento igualitário
de todas as pessoas"(p. 53). Este pressuposto afirma ainda que ha
desejável e não apenas ao que é desejado (Lourenço, 1992, p.
princIpios formais, tais corRo a diferenciaçao, a integracão, a
46).
reversibilidade e o equilIbrio, que são critérios em norne dos
Cognitivismo. Este pressuposto é urn dos que confere a teoria de
quais um certo raciocinio moral é mais elevado que urn outro.
Kohlberg urn carâcter mais diferenciador, relativamente a outras
Por iltimo, são relevantes os procedimentos que contribuem para
perspectivas do desenvolvimento moral. De facto, assume que o
que tais critérios formais sejam mais facilmente respeitados. 0
juizo moral é sobretudo urn assunto da razão; que não e a ex-
imperativo categórico de Kant, que afirma, "age de tal modo que
pressão de conflitos irracionais, nern o resultado de mera pressão
a tua acção possa ser sempre universalizável", seria uma forma de
social; e que a qualidade moral de uma acção não pode ser afir-
assegurar o princIpio da universalidade.
mada sem se levar em linha de conta o raciocInio moral que ihe Construtivismo. Com base neste pressuposto pode afirmar-se que
• está subjacente (Lourenço, 1992, p. 48).
as concepçöes morais são fruto da actividade estruturante do sujeito
Formalisnio estrutural. Diz-nos que é importante distinguir entre
• na sua interacção corn o meio fIsico e social, ou seja, "o nivel de
forma e conteido no raciocInio ou na acção moral, e, também, desenvolvimento moral de um sujeito resulta menos de acomo-
• que diferentes conteiidos de raciocInio moral ou de acção moral
daçöes passivas ao meio e mais da sua actividade assimilativa e
podem ter subjacente o mesmo aspecto formal. Isto quer dizer
construtora" (Lourenço, 1992, p. 56).
que a mesma forma pode encerrar contei'idos diferentes ou que
Orientaçao para a justiça. Dc acordo corn este pressuposto, a jus-
• o mesmo conteido pode derivar de diferentes formas ou filoso-
tiça é o principio moral básico e 6 o aspecto mais estrutural
fias morais. Por exemplo, será fácil compreender que rou-
do juIzo ou do raciocInio moral (Lourenço, 1992). Poder-se-a
74
75
CONCEPçOES DE ENF'ERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SêCIO-MORAL - EFERENCIAS TEORICAS
CONCEPcOES or 'NFERMAGEM E DES

dizer, assim, que a teoria de Kohlberg tern uma orientaço


deontolôgica.
Face ac, exposto, poder-se-á depreender que é uma teoria que
pressupöe a existência de etapas, nIveis e estádios pelos quais as
pessoas passam na sua evo1uço, de uma menor para uma maior
maturidade moral. Existe uma certa associação entre a idade e o
desenvolvimento moral. As crianças ate cerca dos 8-9 anos, em
F o
o

ILl
IL
U)
a:ILl
IL
Lu
V

r
.
•V
U
-
-
-

V
V -
media, tern urn raciocInio moral pré-convencional, raciocinio em 4 V - -
VO.
que predomina a heteronornia moral (i.e., obediência, constran- F- - L. -
ct>
U0

gimento e respeito unilateral); a partir dos 12 anos, predomina Z p V.


71,

o - - Ln
a moral convencional (i.e., cooperação e respeito mituo) ; e a -0
partir dos 25 anos ha já possibilidade de uma moralidade pós- I-
0
Lul
convencional (i.e., orientada por princIpios éticos). LI.
U) -
Lul
Kohlberg (1981, 1984) estudou preferenclalmente o desenvolvi- a: V

mento moral nos adolescentes e nos adultos. Para o efeito utili- =


0 -
zava que punham em confronto dois valores (e.g., 0 -
0
o dilema de Heinz, confronto entre o valor vida e o da proprie-
lul
U) -.
dade), seguidas de urn conjunto de perguntas que levam a pessoa
- -. - 40
a optar e a expor as razöes da sua opco. Kohlberg identificou, a:
corn este método, trés nIveis de desenvolvimento do raciocInio
o .
moral e dois estádios em cada nivel (ver Quadro 8).
I- -V --
o—U V

U o 0
4
it
3.1.1. NIveis e est6dios de desenvolvimento sócio-moral Lul 2
En
0
NIvel pré-convencional .4
I-
U)
0 prirneiro nivel de desenvolvimento sôcio-moral é designado Iii
ILl
por nivel pré-convencional. Os individuos pertencentes a este nivel U)
lul
de desenvolvimento tendem a reduzir a justiça e a moralidade a >
Z .
urn conjunto de normas externas a que se obedece para evitar o V

V.
castigo ou para satisfazer desejos e interesses pessoais concretos e o V- -
0
individualistas (Lourenço, 1992). A norma nâo foi ainda interio- 0< :-
<a:
:
1 0
1 -;
rizada. V

Estâdio 1 - E o primeiro estâdio de desenvolvimento e a orien-


tação dos sujeitos deste estádio 6 para a punicâo e para a obedi-
ência. As pessoas no distinguem nem coordenam perspectivás.
76
77
CONCEPQcES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCLO-MORAL: EFERNCIAS TEORCAS
CONCEPçc,E5 0
NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

"Em caso de conflito entre pontos de vista diferentes.... apenas


cons ideram correcta urna perspectiva: a sua se ihes evita o casti- estudos reahzados, se concentra a maioria dos adolescentes e adultos
das sociedades ocidentais. -
go, ou a da autoridade, entendida contudo como poder fIsico e
exterior" (Lourenco, 1992, p. 96). Verifica-se também que neste Estádio 3 - 0 individuo deste estádio apresenta preocupação corn
as normas e as convençoes sociais, podendo no entanto dizer-se
estâdio de desenvolvirnento, as pessoas não tern capacidade para
que tal preocupação é sobretudo do ponto de vista de urna ter-
coordenar perspectivas nas operaçöes de justiça: as suas opera-
ceira pessoa relacional e afectiva ou que se conforma a estereó-
cöes de justica regern-se por critérios externos, fIsicos e mate-
riais e "igualitaristas". Por exemplo, "Nunca se deve roubar"; tipos sociais. Pode falar-se em orientação para o "born menino"
"Deve-se sempre obedecer ao pai porque o pai é quem manda", (ou para o "born marido", a "enfermeira dedicada", etc.) e para
etc. uma rnoralidade de aprovação social e interpessoal. Apesar de se
Estádio 2 - Neste estádio existe urna orientaçäo calculista e ins- reclamar urn curnprirnento de normas por todos, isso nada tern
trumental, isto é, "as acçöes são consideradas justas e correctas a ver corn o princIpio da universalidade, rnas antes corn a respos-.
quando são urn instrumento que permite satisfazer desejos, inte- ta a urn estereótipo. Em caso de conflito de interesses; o indivI-
resses e necessidades do próprio e, porventura, do outro embora duo deste estádio já consegue distinguir, coordenar e hierarquizar
entendido do ponto de vista individualista e concreto" (Lourenço, perspectivas, fazendo-o, no entanto, a partir do ponto de vista
1992, p. 98). Poder-se-á dizer que é urn estádio dualista, na de 'uma terceira pessoa afectiva e relacional. Apesar disto, pode.
medida em que os valores morais estão nas consequências das afirrnar-se que, pela prirneira vez, existe a capacidade de utilizar
acçöes e não nas acçöes como acontecia no estâdio 1. E também a regra de ouro, ou seja, tratarrnos ou julgarmos o outro corno
gostarIamos que ele nos tratasse ou julgasse.
urn estâdio prudencial porque são as consequências que regulam
o cumprimento ou a transgressão das normas. Por iiltirno, é urn Estidio 4 - Pode dizer-se que neste estádio os individuos subor-
estádio "intelectual", na medida em que ha cálculo entre ganhos dinam os interesses individuajs ao sisterna sócio-moral corno urn
e perdas, cumprindo-se o que implica ganhos e evitando-se o que todo (Lourenço, 1992). Existe orientação para a manutenção da
implica perdas. De qualquer modo, neste estâdio já existe urna lei, da ordern e do progresso social a partir de urn ponto de vista
certa distinçao de perspectivas, embora coordenadas de urn pon- mais geral e racional 'e rnenos relacional. Pode ainda dizer-se que
Os individuos deste estádio jâ distinguern coordenam e hierarquizarn
to de vista individualista e concreto.
perspectivas do ponto de vista de urna terceira pessoa imparcial,
institucional e legal.
NIvel convencional
Os sujeitos pertencentes a este five1 ji interiorizaram as normas
NIvel pós-convencjonal
e as expectativas sociais e regularn a sua acção em função dessas
B urn nivel que so se atinge apOs Os 20 a 25 anos, sendo consi-
normas e expectativas e não ern função da recompensa ou do
castigo, como acontecia no five1 anterior. 0 indivIduo deste nIvel derado portanto urn nIvel de raciocinio moral de adultos. E urn
de rnoralidade é aquele que tenta viver de acordo corn as normas nIvel atingido apenas por urn nürnero reduzido de pessoas. Neste
socialmente aceites e que cumpre o seu dever e a ordem estabe- nIvel, o raciocInio moral e a acção são governados por princIpios
gerais tais corno o direito a vida, a liberdade on
lecida. Poder-se-á dizer que ha urna subordinação das necessida- a justiça. 0
des individuais ao ponto de vista do grupo (Lourenço, 1992). valor moral das acçOes depende mais da sua conformidade corn
Este nIvel compreende dois estádios, sendo neles que, segundo estes princIpios do que corn as normas sociais e as leis vigentes.
E relevante neste nIvel que o individno se posicione antes da
78
79
C0NCEPcOEs DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL FERENCIAS TEeRICAS CONCEPcES D\_)NFERMAGE4 E DESENVOLVIMENTO
SOCIO-MORAL

sociedade, entendendo-a ao serviço do indivIduo e dos seus direi- De acordo corn Kohlberg (1981, 1984), neste estádio atinge-se a
tos fundamentais. Pode dizer-se que este nivel de desenvolvi- consistência maxima entre os juizos denticos e os juIzos de res-
mento moral 6 urn nIvel que se orienta para a transforrnação da ponsabifidade ou seja, quern conhece o bern pratica o bern.
sociedade, enquarito que o convencional se orientava para a sua
rnariutenção.
Estâdio 5 - Neste estádio os indivIduos encaram as normas de 3.2. Perspectiva do desenvolvjmento moral de Gilligan
forma relativista. Reconhecem que, por vezes, elas podem en-
trar em conflito corn os princIpios. Os indivIduos tendern a De entre as posiçöes crIticas aos trabaihos de Kohlberg, merece-
manifestar orientação para o contrato social e para o bern -nos referenda a assurnida por Carol Gilligan (1982). Existern
comum (i.e., para o major bern para o major nimero). Em duas razöes para tal. A primeira tern a ver corn o facto de esta
caso de conflito de interesses, corneça a existir a capacidade de autora defender a existencia de uma orientação moral para o
distinguir, de coordenar e de hierarquizar perspectivas do ponto cuidado, a par corn a orientação para a justiça. A segunda tern a
de vista de uma terceira pessoa moral, racional e universal. Por ver corn o facto de ela defender que essa seria a orientaçäo pre-
filtjmo, as operacöes de justica são formuladas coordenando pre- ferencial das muiheres (Gilligan, 1982). Segundo esta autora, as
ocupacöes de igualdade, recipiocidade e equidade (Lourenço, muiheres orientamse para a relação entre o "self' e OS
outros,
1992). para uma relação que acentua a intirnidade, a conexão e a inclu-
Estâdio 6 - Kohlberg desistiu deste estádio como realidade são e para uma relaçao em que, na resoluçao de conflitos, nm-
empirica, embora sempre o tenha mantido como meta ideal moral. guérn saia magoado da situação.
As caracterIsticas deste estâdio diferem das do estádio anterior, Atendendo a que a esmagadora maiorja dos profissionai
s de en-
na medida em que, naquele, algumas das caracterIsticas apenas fermagem é feminina, e quehá quem defenda que o cuidar é
eram intuIdas, e neste, são clararnente assumidas. Ou seja, existe mago e ideal moral da ciência de enfermagem (e.g., Leininger,
uma clara orientação para princIpios éticos universals, prescritivos, 1988 ; Watson, 1985, 1988), achárnos por bern fazer uma breve
auto-escolhidos e generalizâveis. Por exemplo, no estádio anteri- referência a
teoria de C. Gilligan (1982). Esta autora corneçou
or defendia-se o major bern para o rnaior niimero. Esta orienta- por defender que, de acordo corn os esthdos levados a cabo por
ção teleológica pode ser muito ütil do ponto de vista social; no Kohlberg, as mnlheres, fruto da sua preocupação corn o cuidado
entanto, 6 sempre problemâtica para todos aqueles que estão em ou benevolência, se situavam normalmente no estádio 3 de de-
menor hiimero, uma vez que serão sempre tratados de modo senvolvjmento do raciocinjo moral. Por sua vez, os homens, fru-
desigual e em função do major nümero. Neste estádio, este pro- to da sua preocupação corn as questöes dos direitos e deveres,
blema 6 ultrapassado uma vez que as acçöes se orientam por situavamse preferencjajmente no estádjo 4. Dada a natureza
princIpios universals aplicáveis a todas as pessoas. As perspectivas desenvolvirnentista da teoria de Kohlberg, isto colocava as mu-
em confronto são hlerarquizadas a partir de urn ponto de vista de Iheres em desvantagern porque teriam sistematicarnente urn me-
urn ser-racional-moral. As pessoas deste escidio submeterão sem- nor, desenvolvimento do raciocInjo moral, pelo que Gilligan
pre as suas acçöes ao controlo da universalidade, perguntando a apelidou esta teoria de sexista (Gilligan, 1982 ; Lourenço, 1992
si próprias se aquela acção poderá ser universalizada. Subrnet- ;
Rest, 1986). Esta posição foi parcialrnente abandonada
depois de
Ias-ão igualmente ao principio da reversibilidade, perguntando-se se ter verificado que nos casos em que as muiheres atingiam es-
se advogariam aquela solução para si prôprias. tádjos de menor desenvolvirnento moral, tal se devia ao facto de
80
ALI. 81
CoNcEpcoEs DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO ScIO-MORALEFERNCLAS TEÔRICAS CONCEFcOES oF NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo -MORAL

a variável sexo se confundir corn a variável habilitaçöes literárias. 3.3. Desenvolvimento para a justica versus desenvolvi-
De facto, verifica-se uma correlaço positiva entre o nivel de mento para o cuidar
habilitaçôes literárias e o estâdio de desenvolvimento do raciocI-
nb moral (Lourenco, 1992; Lourenco e César, 1991; Rest, 1986). Quando apresentámos a Enfermagem a partir de uma perspectiva
Ora como as habilitaçöes literrias so habitualmente menores epistemológica, assumimos que a teoria da integraçäo era a que
nas muiheres, estas apresentarn, consequentemente, menor nIvel meihor explicava o desenvolvimento do saber nesta disciplina.
de desenvolvimento do raciocInio moral. Em consonncia corn isso rejeitárnos a convergência obrigatória
Restaram, no entanto, algumas outras discordncias relativarnen- para urn paradigma. Assumirnos, no entanto, que se deve pro-
te a teoria de Kohlberg. Gilligan (1982) defende que a justiça e mover o desenvolvimento das capacidades individuais que nos
o cuidado so duas orientaçöes morals diferentes, o que implica permitam prestar cuidados de acordo corn determinadas caracte-
a existência de dois modos distiritos de considerar o que é urn risticas. Se, como sugere Condon (1986), se pode perspectivar o
problema moral e como resolve-b. Enquanto a orientaço para a desenvolvimento para o cuidar em paralelismo corn os nIveis de
justiça defende que todos devem ser tratados de modo justo, a desenvolvimento do raciocinlo moral (Kohlberg, 1.81,1984), então
orientacäo para o cuidado defende que não devemos abandonar o dever-se-á promover quer odesenvolvirnento do raciocinio mo-
outro quando em dificuldade (Lourenço, 1992). Defende ainda ral, quer o das caracteristicas inerentes ao cuidar.
"que a rnaioria das pessoas descreve e resolve problemas morals No nosso entender, tambéni os paradigrnas atrás apresentados H
apelando fundamentalmente para uma dessas 'orientaçôes" (Lou- (Newman, 1992; Newman, Sirne & Corcoran-Perry, 1991;
renço, 1992, P. 116). Por iiltimo, as muiheres optarão, funda- Kérouac et al., 1994) se poderão conjugar corn os nIveis de
mentalmente, pela orientação para o cuidado, enquanto que os desenvolvimento sócio-moral (Kohlberg, 1981, 1984). A ser as-
homens faräo a opco pela justica. sirn, existirão sernelhanças tntre os nIveis de desenvolvimento
Apesar destas posic6es, alguns estudos relativos ao assunto (e.g., sócio-moral e os paradigmas e Os nIveis de desenvolvimento para
Kohlberg, 1984; Lourenço, 1989, 1991; Rest, 1986, entre outros) O cuidar, propostos por Condon (1986). Segundo esta autora,
no subscreveram Gilligan. Quando a benevolência não resolver pode falar.-se em orientaçäo para o cuidar, tal como em orienta-
a situação, a iinica saida que resta é a justica e poder-se-á con- çâo para a justiça, nurna perspectiva Kohlberguiana. Assirn sen-
siderar que a re1aço, a intimidade e a conexo estäo implicitas do, Condon (1986), sugere trés nIveis de desenvolvimento para
na justiça. Ao respeitar o outro como urn fim em si mesmo, o cuidar. Também Ribeiro (1995), servindo-se da terminologia
nunca como urn meio, estou a relacionar-me corn "todo o outro" proposta por Condon, bern como de vrios outros autores (e.g.,
de urn modo bastante próximo (Lourenco, 1992). Fawcett, 1989; Pearson & Vaughan, 1992), criou uma greiha de
A perspectiva desta autora teve algum impacto e aceitaço na anahse corn trés mveis de orientaçäo face as concepçöes domi-
Enfermagem, principalmente nos Estados Unidos da America nantes ern enfermagem (i.e., tratar, rnista e cuidar).
(Swanson, 1991). No entanto, a maioria dos estudos sobre o Se relembrarmos algurnas das caracterIsticas do paradigma da :
nIvel de desenvolvimento do raciocInio moral das enfermeiras categorizacäo, veriflcamos que as ideias que predominarn tern
foram conduzidos corn base na teoria Kohlberguiana e na meto- semelhanças corn as da moralidade pré-convencional. Neste
dologia proposta por Rest (1986) (ver, Crisham, 1980; Duckett paradigma, a pessoa é apresentada de modo fraccionado, não
et al, 1992; Ketefian, 1981; Pinch, 1985; Ribeiro, 1995). integrado e, acirna de tudo, dependente das condiçoes em que se
14

encontra e que ihe são impostas. 0 ambiente é algo separado da


82
83
coNcEpcEs bE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOcIo-MORAL:;''ERtNCIAS TEORICAS CONCEcOE5 DI NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCIO-MORAL

pessoa e fragmentado em social, fisico e cultural (Kérouac et al., ausncia de cuidado e uma marcada presença de orientação para o
1994). A pessoa e o ambiente aparecern como duas entidades tratar. A preocupação predorninante é corn o orgão afectado, corn o
distintas e separadas. Existe tambérn urn certo fatalismo na me- diagnóstico medico, o tratamento e a cura. Condon (1986) propöe
dida em que a pessoa nos surge a mercê dos acontecimentos. urn paralelismo entre o pré-cuidado e o nivel pré-convencional na
Poder-se-a dizer que a pessoa se situa na encruzilhada da submis- teoria de Kohlberg (1981). No nivel pré-convencional a pessoa tam-
são as condiçöes que ihe são favoráveis ou adversas, mas impos- bern rnantérn uma relação de exterioridade corn as normas e as regras
tas, e do desejo de domInio dessas mesmas condiçöes para seu sociais e, acirna de tudo, mantém corn elas uma relação interesseira.
usufruto. Obedece-Ihes para evitar o castigo ou então para satisfazer desejos
Ainda neste paradigma, mas a nivel do ensino de enfermagem, é estritamente pessoais. 0 relacionamento interpessoal é sempre urn
relevante que as escolas de enfermagem são dirigidas por m6di- meio para alcançar os seus objectivos e nunca urn fim em si.
cos por padres. Os conteiidos ensinados são, do ponto de No paradigma da integração veriflcam-se dois acontecimentos
vista técnico, constituIdos por conhecimentos rnédicos (Colliêre, estreitarnente interligados que são marcantes para o desenvolvi-
1989; O'Brien, 1987; Reverby, 1987), e do ponto de vista das mento da Enfermagem. 0 primeiro refere-se ao processo de
atitudes, por regras moralizadoras. Estas regras cram veiçuladas autonornização da Enfermagem, quer relativarnente a Medicina,
pelas escolas de enfermagem, mas da responsabilidade da hierar- quer a hierarquia da Igreja Católica. Neste contexto, foram cria-
quia religiosa, que também tinha responsabilidades na gestão das dos modelos teóricos especIficos da Enfermagem, verificando-se
mesmas (Colliêre, 1989; Reverby, 1987). 0 ensino era baseado o incentivo da investigação, alteração dos modelos de trabaiho,
na memorização por repeticão das técnicas, e na ordem e obe- etc. (Meleis, 1991; Kérouac et al., 1994). 0 segundo tern a ver
diência as regras. Em conformidade corn este tipo de ensino, os corn a "orientação para a pessoa" (Kérouac et al., 1994) subja-
profissionais de enfermagem possuIam uma identidade proflssio- cente a todas as alteraçóes #atrás referidas. Tudo isto foi feito
nal ligada a medicina. PossuIam ainda uma noção estrita da Ca- tendo a pessoa como preocupação central: da pessoa já não se
deja hierárquica onde o medico detinha o poder, que delegava/ tern uma perspectiva unidimensional, mas sirn a de urn todo
/partilhava corn a enfermeira chefe. Na prestacão de cuidados formado pela soma de diversas dirnensöes em interrelação. A
imperava urn método de trabaiho que previa a especialização de pessoa, por sua vez, vive inserida nurn ambiente corn o qual se
tarefas, como se de uma linha de montagern se tratasse. A aten- relaciona através da troca de estIrnulos positivos e negativos.
ção centrava-se sobre o orgão afectado, o tratamento e a cura Todavia, no ensino de enfermagern verificam-se algumas altera-
(Kérouac et al., 1994) e aplicava-se, na prâtica, a parcelizacão cöes significativas. As estruturas orgânicas das escolas de enfer-
que se aprendeu em teoria. Cada profissional era responsável por magern corneçam a ser da responsabilidade das enfermeiras. Os
uma parte dos cuidados a pessoa e a relação corn esta era mera- "curricula" dos cursos de enferrnagem começarn a reflectir as al-
mente instrumental. Deste modo, a pessoa não era encarada como teraçöes decorrentes da orientação para a pessoa e da adopção
urn fim em si própria. de modelos teóricos especificos da Enfermagem. Introduziram-se
Pensamos que existem semelhanças entre o paradigma da ainda outras alteraçöes, de onde se destaca a valorizaçao, em termos
caiegorizacão e o primeiro nivel de desenvolvimento para o cui- relativos, de disciplinas da area das ciências sociais e humanas
dar, proposto por Condon (1986), bern como corn a orientacão (e.g., Sociologia, Psicologia, entre outras), o afastarnento pro-
para o tratar proposta por Ribeiro (1995). Neste primeiro nivel, gressivo da influência da perspectiva rnoralizadora católica e a
que Condon apelidou de pré-cuidado (pre-caring), existe uma valorização dos contei'idos especIficos de enfermagern.
84 t 85
CoNcEpcEs DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOcIO-MORAL 'FERENCIAS TEORcAS C0NCEpcOES D\ :NFERMAGEM E
DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

Na prestaco de cuidados verificararn-se tarnbém algumas altera- posta por Gilligan (1982). Parece-nos então que existe algum
çöes significativas. Destaca-se a substituiço do m&odo de traba- paralelismo entre esta perspectiva "caritativa" e a orientaço moral,
iho " tarefa", pelo m&odo de trabaiho "por equipa". Isto teve cujo objectivo é que na resoluçao de conflitos ninguérn sala
como consequência a alteraçäo das relaçöes quer corn a enfer- magoado da situação (Gilligan, 1982).
meira-chefe quer corn o utente. As relaçöes corn a enfermeira- Se o paradigma da integraçäo pode ser entendido como urn pro-
-chefe modificaram-se porque esta deixou de ser a responsvel longarnento do paradigma da categorizaço, no da transformaço
iinica por todos os cuidados de enfermagem. A responsabiidade verifica-se uma alteraço profunda relativamente a tudo o que
é agora cornpartilhada corn as enfermeiras que prestam os cuida- está para trás. A pessoa é, neste paradigma, encarada como urn
dos, principalmente as chefes de equipa. As relaçöes corn o uten- ser ünico, total e irrepetivel e em interrelaçäo constante corn
te modificaram-se, uma vez- que a enfermeira o começa a encarar tudo a que o rodeia. Este conceito aplica-se, tanto a pessoa Ca-
de modo individualizado e o utente começa a conseguir identifi- recida de cuidados, como a enferrneira. Isto quer dizer que ambos
car a pessoa que 6. responsâvel pelos cuidados que the so pres- se relacionam nesta base, sendo essa relação, elernento essencial
tados, o que facilita a relação. do processo de cuidados (Kérouac et al., 1994). Isto 6 notório
No entanto, no final dos anos 50 prindpios de 60, os cuidados de ern qualquer uma das duas escolas cuja orientaço se baseia na
enfermagern eram descritos como urn serviço hurnano de suporte, e "abertura para o mundo" (i.e., a escola do ser hurnano unitário
caridoso (Gortner, 1983). Apesar das alteraçöes, parece prevalecer e a escola do cuidar) (Kérouac et al., 1994). Porque a pessoa é,
uma perspectiva caritativa dos cuidados em que o utente está a fren- agora, colocada acima da instituiço, a enfermeira assume-se como
te dos interesses da enfermeira, e esta tenta ser cumpridora, quer advogada do utente (Schasttschneider, 1992), posicionando-se .o
dos desejos do utente, quer das regras da organizacão. seu lado e näo como extensäo da organizaco ou do poder me-
As semelhanças, neste caso, sero corn o segundo nivel que Condon dico. Este novo posicionamdito perrnite-lhe urn respeito total
(1986) denomina de transiço para o cuidar (transcaring) e que pela pessoa a quern presta cuidados. Permite-ihe, enfim, encará-
Ribeiro (1995) denomina de orientação mista. As caracteristicas -lo como urn firn em Si próprio e nunca como urn meio. Mas ao
principais deste nivel tern a ver, de facto, corn uma orientação assumir-se como advogada do utente, vai confrontar-se corn con-
rnista: se bern que se possa falar na ernergência do cuidar, ainda flitos e dilernas da mais diversa ordern, que terá que resolver.
prevalece algurna orientaço para o tratar. 0 utente começa a No entanto, se a sua acçäo for orientada por princIpios, será essa
ser preocupacäO central da enfermeira, no entanto ainda corn mesma orientaço que lhe vai perrnitir a resoluçao dos referidos
base em estereótipos (e.g., born doente). A enfermeira corneça a conflitos e dilemas.
afirmar-se corn autonornia e como defensora do utente, porém, 0 terceiro nivel proposto por Condon (1986) denomina-se cui-
no chega a questionar as regras da organizacäo. Condon (1986) dado centrado na pessoa (person centered caring), e o proposto por
propöe urn paralelismo entre este nivel e o convencional da teo- Ribeiro (1995) denomina-se cuidar. Quer urn quer outro carac-
na Kohlberguiana, onde prevalece a moralidade interpessoal e a terizarn-se pelo facto de considerarern a pessoa como detentora
subordinaçäo das necessidades individuais as necessidades do gru- de direitos que devern ser sempre respeitados, e de deveres para
po (Lourenco, 1992). A perspectiva caritativa que caracteriza, corn os outros. Tarnbérn a enfermeira se posicioria como pessoa
quer o paradigma da integraço, quer o nivel de transiço para o corn direitos e deveres: Neste contexto, e no exercIcio das suas
cuidar de Condon (1986) ou a orientaçäo rnista de Ribeiro (1995), funçoes profissionais, a enfermeira afirma-se colocando o utente
encontra ainda algurn paralelisrno corn a "ética do cuidar" pro- acima da instituiço e dispondo-se a defende-lo perante esta.
86 87
CONCEPçOS DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S600-M0RAL 'EFERNCIAS TEORICAS CONCEFcOES o-
ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

De acordo corn Condon (1986), existe paralelisrno entre este que a referida autora chegou foi que existe correlação entre Os
nivel e o nivel pós-convencional da teoria Kohlberguiana. De notar valores de Indice F elevados (i.e., a relativa irnportãncia que urn
que no nivel pós-convencional de raciocInio moral se apela exac- sujeito dá as consideraçoes rnorais orientadas por principios na
tamente a orientação por principios. Destaca-se o principio da tomada de decisão sobre dilemas morais (Lourenço & César, 1991))
justiça que é efectivado através da universalidade, da reversibiidade e a orientação para o cuidar. Portanto, as pessoas que apresen- 2
:
e da cornunicaço ideal (Lourenco, 1992). 0 objectivo final é tarn rnaior desenvolvimento do raciocInio sócio-moral são aquelas
que a pessoa seja sempre encarada como urn firn em si própria que possuern maior orientação para o cuidar.
e nunca como urn meio. No sentido de se deterrnjnar o nivel de desenvolvimento do ra-
Quando caracterizmos a Enfermagem como uma prática disse- ciocmnio moral das enfermeiras tern sido feitos diversos estudos, J

mos que, de acordo corn Maclntyre (1990), possuiria "bens in- noutros paises (Crisham, 1981; Munhall, 1983; Mustapha, 1988; '1
ternos" e padröes de excelência. Estes so seriarn alcançados por Pinch, 1985, entre outros). Em 1992 foi publicado urn artigo de
pessoas que possuIssem determinadas virtudes, norneadamente a revisão critica de vários trabaihos de investigação sobre o nivel
da justiça. Ora a justiça é apresentada por Kohlberg (1981, 1984) de desenvolvimento do raciocInjo moral, elaborados corn base na
como a virtude principal, senão a ünica. Se aceitarmos que a teoria de Kohlberg e de acordo corn a metodologia de Rest
Enfermagern é urna prática e que, portanto, tern "bens internos", (1986b). Neste artigo os diversos autores, entre os quais várias
sO as pessoas virtuosas a alcançarão. Se aceitarrnos também que, enfermeiras, bern como James Rest, constatarn três aspectos que
de entre as virtudes, a mais importante é a justica e que essas vir- nos parecem relevantes (Duckett, et al. 1992). 0 prirneiro tern
tudes são passiveis de desenvolvimento, será licito deduzir que o em consideraçao o facto de a populaçao de profissionais de enfer-
desenvolvimento dessa virtude é essencial para que se prestem cui- magern ser constituida essencialrnente por rnulheres, e afirma que
dados de enferrnagern de acordo corn as caracteristicas prOprias, quer não existern diferenças nos Adores alcançados pelas rnulheres face
do paradigma da transforrnação, quer do cuidado centrado na pessoa aos alcançados pelos hornens. Tal conclusão vern rnais urna vez
(Condon 1986), quer do cuidar (Ribeiro, 1995). Deste rnodo, aca- refutar a posição de Gilligan (1982), segundo a qual as rnulheres
bamos come, tInhamos cornecado: do ponto de vista epistemolOgico obteriarn valores inferiores aos dos hornens dado possuirern urn
não defendemos a convergência para urn paradigma, tal como era rnodo prOprio de desenvolvimento sOcio-moral. 0 segundo diz-
proposto por Kuhn (1970), defendemos antes o que é proposto por nos que as enferrneiras apresentarn niveis de desenvolvimento de
Meleis (1991) na teoria da integração, já atrás referida. Todavia as- raciocInjo moral idêntico ao de pessoas de outras profissôes, corn
surnirnos a defesa do desenvolvimento das capacidades individuais que nivel académico serneihante. Este facto vern refutar a ideia de
perrnitem prestar cuidados de acordo corn as caracteristicas que atrás que os valores alcançados pelas estudantes de enfermagem ou
enunciárnos. Esta posicão tern a ver corn as raz6es teóricas expostas, pelas enfermeiras são, geralrnente, inferiores aos alcançados por
rnas também corn razöes de natureza empIrica. pessoas corn idêntico nivel académico. 0 terceiro afirma que o A.

Ribeiro (1995) realizou urn estudo corn estudantes de enferma- nivel de desenvolvimento do raciocinjo moral aumenta corn o
gem em que analisou o impacte do curso de enferrnagern quer nivel de educação formal (i.e., habilitaçoes académicas) das pes-
no seu desenvolvimento sOcio-moral, quer na orientação para o soas. A idade so por si não é urn factor a que se possa atribuir
cuidar ou para o tratar. Relacionou ainda a orientação dos estu- responsabilidade pelo desenvolvimento do raciocInio moral, e isto
dantes quanto as concepcöes dorninantes em enfermagern corn o vem de encontro ao afirmado por Rest (1986b) a partir dos di-
seu nivel de desenvolvimento sOcio-moral. Uma das conclusöes a versos estudos por ele realizados.
88
89
CONCEPCOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO 56ClO-M0RM.: PFERENCIAS TEORICAS CONCEPçOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOC,O-MORAL

Ketefiari (1981) elaborou urn interessarite estudo feito corn en- metodologias. Os estudos exploratórios utilizam-se quando não
fermeiras, em que verificou a influência do pensamento critico e existe muita informação acerca de urn tema. Segundo Brink (1989),
da educação formal no desenvolvimento sócio-moral. Para o efei- este tipo de estudo "tern vindo a ser cada vez rnais utilizado
to usou o teste para definir valores morais (DIT) de Rest (1986), tendo urn significado válido na teoria e na construção do conhe-
bern como o teste de apreciacão do pensarnento critico (Critical cimento em enfermagem" (p.141). A sua necessidade impöe-se,
Thinking Appraisal Test). Conclui que aqueles dois factores, em assirn, pela raridade de estudos sobre este tema em Portugal.
conjunto, são, em graride parte, responsâveis pelo aumento do Noutros palses (principalmente anglo-saxónicos) foram efectua-
nivel de desenvolvimento sócio-moral. dos alguns estudos corn caracteristicas serneihantes, no entanto,
Tarnbm Crisham (1981) desenvolveu urn estudo em que utili- as suas realidades socioprofissionais e históricas são rnuito diver-
zou urn teste de dilemas de enfermagem (Nursing Dilemma Test) mest) sas nossa. Por exemplo, no Reino Unido, Butterworth & Bishop
por ela elaborado, e a metodologia proposta por Rest (1984). (1995) tentaram identificar, através de urn "survey" (estudo ex-
Entre as várias conclusöes, destaca-se o facto de os valores de P ploratório, levantamento) efectuado a enferrneiras, parteiras e
(metodologia de Rest) como os valores de NP (i.e., a relativa "visitadoras domiciliárias" peritas, quais as caracterIsticas de uma
importncia atribuIda aos princIpios morais na tornada de deci- prática optima. Do estudo resultou a identificaçäo de dezoito ca-
söes morais em enfermagem) serem tanto mais elevados quanto racteristicas-chave.
major era o nivel educacional. Urn outro estudo (Waterworth, 1995), feito em Inglaterra, pre-
Partindo dos pressupostos de, por urn lado, existir correlação posi- tendia explorar o valor da prática ôlInica a partir da perspectiva
tiva entre o nivel de desenvolvimento do raciocinio moral e a orien- dos enfermeiros envolvidas nessa mesma prática. Os objectivos a
tação para o cuidar e, por outro, se verificar igual correlação entre atingir erarn aumentar o conhecirnento e desenvolver "insights"
o nivel de desenvolvimento e as habilitaçöes Iiterrias, pensamos que (conhecimento profundo) scthre a prática de Enfermagem e iden-
pertinente, para o desenvolvimento da Enfermagern para o cuidar, tificar conceitos centrais nos "cuidados terapêuticos" (i.e., aque-
o investimento no desenvolvimento moral das enfermeiras, através les cuidados que representaram uma diferença positiva). Através
da sua educação formal. Neste sentido, Munhall (1982) propöe o deste estudo foram identificadas cinco dirnens6es de Enferrna-
desenvolvimento moral como urn pré-requisito para a formação em gem: a dimensão centrada na pessoa, a dimensão interpessoal, a
enfermagem. Propöe ainda urn conjunto de sugestöes para estimular dimensão comumcação e a dimensão trabalho em equipa.
o desenvolvimento' moral, das quais destacamos: Em Portugal, Abranches (1995) desenvolveu urn estudo explora-
- Os constructos teóricos do d esenvolvimento moral dever-se-ão tOrio que pretendia compreender as concepcöes/representaçoes
tornar parte integrante da educação em enfermagem. em enfermagem de urn grupo constituido por docentes de enfer-
- Deverão ser criadas oportunidades para os estudantes de enfer- magem e enfermeiras-chefes de algumas escolas e hospitais de
magem experimentarem conflitos e desequilIbrios sócio- Lisboa. Uma maioria relativa dos individuos que participaram no
-cognitivos. estudo tinha uma concepçâo de enfermagem que se enquadrava
- Deverão ser criadas oportunidades para que o processo educa- num paradigma de transição entre o biomédico e o do cuidar.
tivo contemple a possibilidade de discussão em grupo e "role Este paradigma tern semelhanças corn o paradigma da integração.
taking" de dilemas morais hipotéticos e sobretudo da vida real. Por sua vez Paz (1995), realizou urn estudo corn estudantes e
O nosso estudo insere-se, de certo modo, neste contexto. Será docentes de uma escola superior de enfermagem e corn enfer-
urn estudo exploratório corn uma abordagem por triaiigulacão de meiras prestadoras de cuidados. Pretendia investigar qual a con-
90 W 91
CONCEIçOES DE ENFERMAGEM E DEsENvoLvIMEro S600-MORAL FERNCIAS TEORICAS

cepcão de enfermeira competente que cada urn dos grupos pos-


sula. Nas conclusöes deste trabaiho so apontadas várias compe-
tências essenciais a enfermeira competente.
Também os estudos na area das representacöes sociais da enfer-
meira ou da Enfermagern tern dado alguns contributos para a II PARTE
cornpreensão desta problernâtica. Destacamos os realizados por INVESTIGAçA0 REALIZADA
Lopes e Costa (1993), sobre as representac6es da profissäo de
Enfermagem; por Valeriano (1993), sobre as representacöes da
Enfermagern nas enfermeiras; e ainda por Mendes (1995) sobre
a representaco da enfermeira nas estudantes de urna escola su-
perior de enfermagern.
No nosso estudo procederemos ainda a urna abordagern por trian-
gulaco de metodologias que se caracteriza pelo emprego de mill-
tiplos métodos para enfrentar urn ünico problema de mvestigaco
(Pout & Hungler 1991; Waltez, Strickland & Lenz, 1991). De
acordo corn Waltez, Strickland e Lenz (1991), a triangulacao de
metodologias 6 o processo mais adequado, quando o objectivo é
estudar conceitos complexos corn rnültiplas dirnensöes, corno 6 o
caso dos conceitos de enfermagem e de born enfermeiro.

92
CONCEPcOES DE 7
,NFERMAGEM E DESENVOLV!MENTO SOCIO-MORAL
/

4. Objectivos e fundamentaçao

Em grande parte, este trabaiho baseia-se na caracterizaço das


concepçöes de Enfermagem proposta por Newman (1992),
Newman, Sime e Corcoran-Perry (1991), e Kérouac et al. (1994)
em paradigmas (i.e., paradigma da categorizaçao, da integraçäo e
da transformaço). Baseia-se, também, na similitude entre estes
paradigmas e os niveis de desenvolvirnento para o cuidar propos-
tos por Condon (1986). De acordo corn essa similitude, podem-
-se apontar pontos de convergência entre as caracterIsticas do
paradigma da categorizaçao e as do nIvel de pré-cuidado (pre-
caring); entre as do paradigma da integraço e as da transição
para o cuidar (transcaring); e entre as do paradigma da transfor-
mação e as do nIvel do cuidar centrado na pessoa (person-centered
:1
caring). Baseia-se, por fim, nas conceptualizaçoes de Kohlberg sobre
o desenvolvimento moral. Neste contexto, os objectivos que nos
propomos atingir so os seguintes: ft
(1) Ana1isr as orientaçoes dos enferrneiros sobre os conceitos de
'Enfermagem' e de 'Born Enfermeiro', vistos a luz dos paradigmas
da categorizaço, da integr4o e da transformaço.
(2) Saber se as orientaçöes referidas diferem ou no em funço
de certas variáveis: anos de serviço, habilitaçoes literárias e
profissionais, posicionarnento na carreira e local de trabalho.
(3) Relacionar as referidas orientaçôes corn o nIvel de desenvol-
vimento sócio-moral.
(4) Compreender as concepçöes de 'Enfermagem' e de 'Born
Enfermeiro' dos identjficados como bons enferrneiros, na con-
vicço de que tais concepçöes nos ajudam a compreender os
conceitos de 'Enfermagem' e de 'Born Enfermeiro'.
Porquê analisar as orientaçoes dos enferrneiros sobre os conceitos
de 'Enfermagem' e de 'Born Enfermeiro'?
Para o desenvolvirnento da Enfermagem enquanto profisso e
disciplina, torna-se necessário clarificar qual ou quais as con-
cepçöes de Enfermagem dos seus diversos intervenientes (e.g.,
enfermeiros..clinicos , gestores, docentes, investigadores, etc.).
AtribuImos especial importncia as concepçöes de Enferma-
95

f
I N V E S T I G A ç A 0 R E AL 1 Z A 0 A CONCEPcOES DE 'FERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCI0-MORAL

gem dos enfermeiros que prestam cuidados (i.e., enfermeiros- enferrneiro deverá possuir? Que relação existe entre as caracte-
-clinicos). risticas de urn born enfermeiro e a sua concepção de enferma-
De acordo corn Kérouac et al. (1994), a Erifermagem é urna disci- gem? E a concepcao de born enfermeiro na perspectiva de uma
plina profissional e as disciplinas corn esta.s caracteristicas "tern por enfermeira cuja orientação, em terrnos de concepção de enfer-
objectivo desenvolver os conhecimentos que servem para definir e magem, é para o paradigma de categorização, será idêntica ou
guiar a prática" (p. 3). Para o desenvolvimento destes conhecimentos diferente da concepção de uma outra cuja orientação tende para
cabe urn papel decisivo aos enferméiros que prestam cuidados (Benner, o paradigma da transformação? As caracteristicas de urn bom
1982, 1984; Benner & Wrubel, 1989) porque, de acordo corn o enfermeiro terão alguma relação corn as caracteristicas de urn
conceito de prática de Maclntyre (1990), so acedem a riqueza de enfermeiro perito, tal como são apresentadas por Benner
saberes especificos de uma prática, os que nela participam. (1982,1984)? Sera urn born enfermeiro, como participante que e
Na Enfermagern, os cuidados são prestados a cada pessoa de rnodo 411
numa prática, uma pessoa dotada de virtudes, tal como diz
personalizado e nurn contexto relacional sendo, por isso, neces- Maclntyre (1990)? E poder se a dizer que urn born enfermeiro e
sário "recriar" o saber perante cada pessoa e em função dela pro- aquele que está orientado para a justiça, virtude por excelência,
pria (Benner & Wrubel, 1989; Bishop & Scudder, 1991; Watson, de acordo corn Kohlberg (1981, 1984)?
Ip
T.

1985, 1988, entre outros). Daqui resulta uma riqueza de sabe- Quer o conceito de "enfermagem" quer o de "born enfermeiro"
res, das pessoas que estão na prestacão de cuidados, que é fun- serão pesquisados a luz de grandes correntes de pensamento
damental considerar, para que as teorias explicitas se desenvolvam devidarnente conceptualizadas, que influenciaram e influenciam o
nessa base e nessa diversidade de situaçöes. Dal a necessidade de rnodo de vermos o rnundo e que são denominados paradigrnas
conhecermos as conceptualizaçoes resultantes desses saberes. (Newman, 1992; Newman, Sirne & Corcoran-Perry, 1991; sAl

A importancia da análise das orientaçöes dos enferrneiros que K&ouac et al., 1994).
prestam cuidados em relação as concep96es de enfermagem jus- Relativamente ao segundo objective, (i.e., saber se as orientaçöes.
tifica-se ainda pela nossa convicção de que, entre esses enfermei- referidas diferem ou não em função dos anos de serviço, das
ros, as concepcöes de enfermagem são diversas. Esta diversidade habilitaçoes literárias e profissionais, do posicionamento na car-
resultarâ de vários factores, mas as experiências profissionais de reira e do local de trabalho), a escolha da prirneira variável jus-
cada uma, terão nisso urn papel marcante. tifica-se tendo em consideração os nIveis de desenvolvimento
De acordo corn Pearson e Vauhgan (1992), as concepcöes de profissional propostos por Benner (1982, 1984). De acordo corn
enfermagem são construIdas paulatinarnente no decurso da vida esta autora, é possivel distinguir cinco niveis de desenvolvimento
pessoal e profissional, e condicionarn o desempenho profissional. profissional no desernpenho de uma enfermeira: principiante,
Segundo estas autoras, "todas as enfermeiras tern uma imagem principiante avançado, competente, proficiente e perito. Neste
sobre o que realmente é a enfermagem e o que a enfermeira desenvolvimento profissional, o tempo de serviço é primordial JIN
faz.....Contudo, tornar explicitos esses pontos de vista.... não é enquanto tempo de aquisição de experiência e não enquanto fac-
All

uma actividade que se encontre normairnente nas enfermeiras" tor meramente cronolOgico. No entanto, essa experiência tern de
(p.3). ser sujeita a urn processo de reflexão critica constante, no senti-
Estreitamente ligada a questäo das concepcöes de enfermagem do de poder ser ponto de partida para nIveis mais elevados de
está a concepcão de born enfermeiro. Sendo os cuidados presta- entendimento (Benner, 1982, 1984). Maclntyre (1990) refere
dos por pessoas, a pessoas, que caracteristicas é que urn born tambrn que qualquer participante numa prática carece de tempo
96
97
I F . ....-
I N V E S T I 8 A ç A o R -E A I Z A D A
CONCEPIES C NEERMAGEM
E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

para aceder aos padroes de excelência alcançados por essa mesma


Estas escolas funcionam próximo dos respectivos hospitals, e é
prática, at& esse momento.
neles que a malaria dos seus alunos faz as estágios hospitalares,
A segunda variâvel (i.e., habilitaçöes literárias e profissionais)
existindo, portanto, uma "comunhão cultural" entre a escola e o
justifica-se porque, no actual contexto profissional, coexistem hospital.
enfermeiras que possuem habilitaçöes diversas, desde o primeiro o terceiro objectivo (i.e., relacionar as orientaçöes corn o nIvel
ciclo ao nIvel de licenciatura. Por outro lado, nos ültimos tem- de desenvolvimento sócio-moral) encontra a sua justificação no
pos, tern-se verfficado urn acréscimo do ni'imero de enfermeiras
paralelismo entre os paradigmas da categorização, da integração e
a frequentarem cursos de pós-graduaco. Este é urn dos factores da transformação e o desenvolvimento para a cuidar de Condon
apontado por diversos autores coma fundamental para o desen- (1986) e, entre estes e a desenvolvimento sôcio-moral de Kohlberg
volvimento do raciocinio sócio-moral (e.g., Crisham, 1981; Lou- (1981, 1984). Justifica-se também corn base na cornpanente
renço & Césaf, 1991; Munhall, 1983; Mustapha, 1988; Pinch, axiológica e ético-moral que diversos autores (e.g., Bishop, 1991 ;
1985; Rest, 1986b). Watson, 1985, I988a, 1988b) afirrnam ser fundamental na en-
Estreitamente relacionado corn as duas variáveis referidas, temos fermagem. Se inerente aos conceitos de enfermagem e de born
o posicionamento na carreira. Fazendo urn estudo retrospectivo, enfermeiro existe uma componente ético-moral, então faz senti-
constata-se que a carreira de enfermagem (desde a determinado do averiguar qual o nIvel de desenvolvimento sócio-moral das
no Decreto-Lei 305/81 ate ao estabelecido no Decreto-Lei 437/ enfermeiras que prestam cuidados.
/91) prevé, essencialmente, duas formas de progresso: a hori- o i'iltimo objectivo (i.e., compreender as concepçöes de enfer-
zontal e a vertical. Essa progresso pode fazer-se corn base em magem e de born enfermeiro, dos identificados coma bans enfer-
duas componentes, o tempo de serviço e a formacäo (quer a meiros, na convicção de que tais concepçoes nos ajudarn a
continua, quer a pós-graduada). A progresso horizontal depende compreender os conceitos de f
enfermagem e de born enfermeiro)
aperias do tempo de servico. No entanto, para a progresso ver- tenta conjugar a pensamento de duas autoras. Por urn lado, a
tical é necessârio conjugar o tempo de serviço corn a formaçao,
concepção de prática tal coma Maclntyre (1990) a apresenta e,
o que pressupöe uma atitude de interesse e tern como conse- par autro, a conceito de niveis de perIcia praposta par Benner
quéncia o posicionamento em escalöes hierarquicamente diferen- (1982, 1984). -
ciados. Interessa-nos verificar ate que ponto a progressão vertical De acordo corn Maclntyre (1990), apenas tern acesso aos pa-
influencia qualquer dos conceitos em estudo. dröes de exceléncia de uma determinada prática, as peritos que
Por fim, pensamos que o local de trabaiho é urn factor a ter em nela participam. Ou seja, so
uma comunidade de "práticos" (i.e.,
conta. Ernbora se trate de hospitals corn algurnas caracterIsticas comunidade de profissionais) é capaz de identificar os bens me-
semeihantes (e.g., todos eles pertencem a mesrna grande regiäo rentes a prOpria prática e recanhecer as que, de entre eles são
e tern capacidades rnais ou menos aproximadas), existem, no considerados bans práticos (i.e., peritos). Par sua vez Benner
entanto, dais factores a considerar. 0 primeiro diz respeito a (1982, 1984), diz que é possIvel distinguir cinco niveis de pro-
possibilidade de desenvolvimento de culturas arganizacionais dis- ficiência no desempenho das enfermeiras. 0 incremento na perl-
tintas entre as diversos hospitals, já que estão inseridos numa cia do desernpenho ao longa destes niveis é baseado quer na
região geograficamente rnuito vasta. 0 segundo tern a ver corn experiência quer na educaço. 0 nIvel de proficiência mais ele-
facto de qualquer destes hospitals ter profissionais provenientes, vado é a de perito. 0 enfermeiro perito é aquele que age a
essencialmente, da escola de enfermagem da respectiva cidade. partir de urn conhecirnento profundo da situação.
98
99

______ ___ --
I N V E S T I G A ç A 0 R E A I Z A 0 A CONCEPcOES C 'gNFERMAGEM E DESENVOLVIMEN

Não afirmarnos que Os "bons práticos" na concepcão de Maclntyre S. Metodologia


são peritos, tal como Benner os define, mas partimos do princI-
pio de que se eles são considerados bons profissionais pelos seus 5.1. Sujeitos
pares, é porque o seu desempenho corresponde ao ideal de born
(i.e., perito) da comunidadè que constituem. A nossa amostra experimental é constituIda por todos Os enfer-
Corn base neste pressuposto tentarernos, através de entrevista, meiros ligados a prestação de cuidados corn mais de cinco anos
compreender Os conceitos de enfermagem e de born enfermeiro, de serviço, dos hospitais distritais de Evora, de Beja e de
dos profissionais considerados bons pelos seus pares. Fazemo-lo Portalegr&. 0 total de enfermeiros que obedecia a estas condi-
na convicção de que estes profissionais serão os que conhecern Os çöes era, em I de Junho de 1996, de 576.
padröes de excelência, os que tern acesso aos bens inerentes a A opção por urn mInimo de cinco anos de exercicio profissional ljg
práti-ca e, por isso, serão pessoas cuja virtude da justiça estará tern a ver, essencialmente, corn os resultados alcançados por Benner
mais desenvolvida. Neste contexto, os seus conceitos de enfer- (1982, 1984), e decorrentes da aplicação do "Modelo de Aquisi-
magern e de born enferrneiro terão particular irnportãncia. cão de Pericia" de Dreyfus, a Enfermagem.
Analisando as caracteristiças dos diversos niveis de aquisição de
pericia na prestação de cuidados de enfermagem, propostos por
Benner (1982, 1984), verifica-se que é a partir do nivel III que
começa a existir alguma capacidade de abstracção em função da
propria experiência Decidirnos então que deveriarnos englobar Pill

no nosso estudo enfermeiros que, no rnInirno, estariarn clara-


mente no nIvel III (i.e., cofnpetente). Para o efeito servirnO-nos
unicamente do factor 'tempo de serviço', visto ser impensável
aplicar previarnente o Modelo de Aquisição de Pericia de Dreyfus.
Esta decisão baseia-se na aflrrnacão de Benner (1982), segundo a
quâl o nIvel III será atingido por volta dos três anos de serviçO.
Rl
Optárnos pelos cinco ou mais anos de serviço, corn o intuito de
possuir urna garantia adicional de que os enfermeiros dos dois Al

prirneiros niveis dificilmente entrariam na população experimen-


tal deste estudo.
Visto que urn dos objectivos iniciais do presente trabaiho é analisar
os conceitos de enferrnagern e de born enfermeiro dos profissionais
que estejam na prestação de cuidados fizemos o estudo unicamente.
corn os enfermeiros nessas condiçöes, excluindo todos os que esta-
yarn hgadas a admirustração/gestao de serviços

I
Foi solicitada a devida autorizaçio para a usa dos nomes dos hospitals envolvidos no
cstudo.
100
101
I N V E S T I S A ç A o R E A(I Z A 0 A CONCEF-cOES D}NFERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SÔCIO-MORAL

Escoihernos os três hospitais distritais da Regiäo de Saiide do dos ja em pleno periodo de férias (rnês de Julho) e, também
Alentejo por possuirern algumas caracterIsticas semeihantes: corn a sua eventual complexidade e extenso.
nimero de profissionais de enfermagem entre os 120 e os 350; A populacao em estudo era essencialmente feminina, sendo cons-
servirern uma populaço de uma regio geograficarnente extensa, tituida por 144 mulheres e 38 homens. A media de idades dos
mas que apresenta caracteristicas dernogrMIcas, culturais e socio- enfermeiros que aderiram ao estudo situava-se nos 37 anos, corn
-económicas corn aspectos cornuns; e a maioria dos profissionais urn desvio padrão de 8 anos.
de enfermagem destes hospitais ter feito a sua formaçao de base A media de idades por hospital é rnuito sernelhante e situava-se
nas ti-es escolas de enfermagem existentes na regio, tarnbém elas nos 37 anos no hospital de Evora, e nos 36 nos hospitais de Beja
corn algumas caracterIstjcas sernelhantes. Assim, so escolas cujos e de Portalegre. Os dois primeiros tinham urn desvio padro
edificios se localizam nos recintos dos hospitals, a populaçäo es- anlogo ao da população (8 anos), e o ültirno tinha urn desvio
colar é baixa (entre 100 e 200 alunos) e a maioria dos estágios padro de 7 anos.
do curso realizam-se no hospital contIguo. Quanto as habilitaçöes profissionais e literárias dos sujeitos em
Este conjunto de factores confere uma certa homogeneidade as função de cada urn dos hospitals constata-se que 83.17% dos
exigencias colocadas aos profissionais, e perrnite que os enfer- sujeitos afirma possuir unicarnente o Curso de Enfermagem Ge-
meiros que trabalharn num determinado hospital se conheçarn ral ou Curso Superior de Enfermagem, e apenas 6.25% afirma
relativarnente entre si. Este facto é relevante para o nosso traba- possuir urn curso de Especia1izaco em Enfermagem (Tabela 2).
lho, que assenta no pressuposto de que os profissionais de uma Relativamente as habilitaçöes literárias, constata-se urn decrésci-
determinada cornunidade conhecern o desernpenho uns dos ou- rno do grau académico a medida que a idade progride.
ti-os. So assim poderão nornear o enferrneiro que considerarn born A este facto gostarIamos de acrescentar urn outro que nos diz
ou perito no exercIcio da sua profisso. que cinco dos 13 sujeitos cm Curso de Especializaco em Enfer-
Urn i'iltirno factor tern a ver corn o facto de serern Os hospitais magem, trabaiham em serviços de ObstetrIcia, e dois trabaiham
para onde tern ido trabalhar a maioria dos profissionais forrnados em serviços de Pediatria, o que perfaz mais de 50% do total de
pela escola onde exercernos actividade profissional. Pensarnos que, sujeitos com especialidade. Resulta, ass im, que na maioria dos
para a estruturaço das concepçöes individuais, irnportante a serviços onde o estudo se realizou, no ocorreu nenhuma respos-
experiência de prestação de cuidados de cada urn, rnas é também ta de sujeitos corn Curso de Especializaco em Enfermagem.
de considerar o contributo da forrnaço inicial. Verifica-se ainda que apenas 52.88% dos sujeitos corn Curso de
Ao estudo aderirarn 213 enfermeiros dos tres hospitais, o que Enfermagem Geral afirrnam possuir o grau acadérnico de
corresponde a 36,97% do total de enfermeiros corn cinco ou bacharelato ou equivalente legal. De referir, contudo, que presu-
rnais anos de serviço. Foram excluIdos cinco enfermeiros (0,86%) mimos que a percentagern de sujeitos corn equivalência a
por näo terem preenchido completamente urn dos dois questio- bacharelato possa ser superior, essencialrnente por duas razöes. A
nários apresentados de que adiante falarernos. •Deste rnodo, o primeira é porque o rnirnero de sujeitos que se situam na cate-
nlrnero total de sujeitos do estudo fol 208 (ver Tabela 1). 124 goria "Do 5° ao 7° ou 12° ano" é considerável (31 indivIduos).
eram do Hospital de Evora; 40 do Hospital de Beja; e 44 do Esses sujeitos tern predorninantemente, entre 11 e 20 anos de
Hospital de Portalegre. Pensarnos que o relativamente reduzido serviço. Conjugando isso corn o previsto no artigo 100 do De-
nñmero de sujeitos que aderirarn ao estudo tenha a ver corn o creto-Lei n° 480 de 88 de 23 de Dezembro, bern corno corn as
facto de os instrurnentos de colheita de dados terem sido aplica- grelhas utilizadas pelo j6ri norneado para atribuiço de equivalên-
102
1 103
N V E S T I G A ç A 0 R E . Z A D A CONCEPçOES )ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIC-MORAL

1
:.i•-i
i
-
-I

I-
z

';-
-- cc.m ,occm 2

cmc ?'OC_fl

ell
C: m

'C 'C

co In

Z z

•: -c -c
j:: • m- —cm
'C
0 0
> >
UI -UI

Z (c Z

UI
1ipi

U_I •. -0- - -c H
cm cC -c U(
HW
-c-0

104 105
I N V E S T I 6 A ç A o R E A I Z A 0 A
CONCEPcOES o___ NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

cias a bacharelato ("Enfermagem em Foco", n' 1, Janeiro de 91),


orientação dos enfermeiros sobre os conceitos de enfermagern e
poderemos afirmar que, dificilmente, urn sujeito que possua corno
de born enferrneiro, relativarnente aos paradigmas da categorização,
habilitacöes o 5° ano (90 pontos), e tenha 11 anos de serviço (55
da integração e da transforrnaço. Para a sua construçäo servirno-
pontos), näo obtenha equivalncia, uma vez que o nümero de
nos, alérn de mais, dos contributos teóricos de Kérouac et al.,
pontos a atingir para que a equivalência fosse concedida era de
(1994), de Meleis (1991), de Newman (1992), de Newman, Sirne
145. A segunda razão tern a ver corn as di'ividas que nos foram
e Corcoran-Perry (1991), e de Pearson e Vaughan (1992). A
colocadas por alguns sujeitos que nos contactaram-pedindo ins-
estrutura essencial do instrumento baseia-se na caracterizaço das
truçoes de preenchirnento. Através das mesmas foi-nos dado
concepçöes de enfermagem e de born enferrneiro, por paradigmas.
perceber que, por "habilitaçôes literrias", se entendia as habilita-
Nos passos para a construço deste questionário tivernos em con-
çöes anteriores ao Curso de Enfermagem, ou que estiveram na
sideraço a sequência proposta por Burns & Grove (1993). Go-
base da atribuição da equivaléncia a bacharelato. Tal raciocinio
meçmos por identificar quais os conteidos que fariam parte de
terá a ver corn o facto de durante muitos anos o curso de enfer-
cada urn dos conceitos. Alguns autores (Fawcett, 1984; Flaskerud
magem no constituir habilitação literária.
& Halloran, 1980), que analisaram documentos escritos por vá-
rios teóricas de enfermagern, reconheceram que os conceitos fun-
damentals da disciplina de enfermagem so o cuidar (cuidados de
5.2. Instrumentos de coiheita de dados
enfermagem), a pessoa, a saide e o ambiente. E a partir da for-
ma particular corno os enferrneiros entendem a re1aço entre estes
Neste trabaiho utilizámos instrurnentos de tipo quantitativo e de
conceitos que se poderá clarificar o campo especIfico de enfer-
tipo qualitativo. No primeiro temos o "Questionário Sobre os
magem. Em sintese, servimo-nos dos conceitos referidos como
Conceitos de Enferrnagern e de Born Enfermeiro" (Lopes & Lou- *
consensuals e denommarno-los conteudos do conceito de enfer-
renço, 1996) e Teste para Definir Valores Morais de Rest (1986),
magem, dado ser este iiltjmo o conceito que pretendemos estu-
teste de que existe urna traduçäo experimental para português dar.
(Lourenço & César, 1991). Nos segundos incluem-se entrevistas
semi-estruturadas, aos enfermeiros considerados bons profissio- Explicitárnos depois quais as caracterIsticas que cada urn dos
conteüdos (i.e., cuidados de enfermagem, pessoa, saide e arnbi-
nais pelos seus pares. Os dados destas entrevistas seräo analisados
ente) assumia em funço de cada urn dos 'paradigrnas (i.e.,
corn base na estrutura que serviu de base para a construçäo do
paradigma da categorizaço, integraçäo e transforrnaçäo). Por outro
Questionário Sobre os Conceitos de Enfermagem e de Born En-
fermeiro, e sero cornparados corn os dados resultantes da apli- lado, construlmos, para cada conteüdo, afirmaç6es traduzindo
supostarnente cada urn dos paradigmas em foco (i.e., categorização,
caçäo do referido Questionrio.
integraço e transforrnaçao). Ainda de modo mais especifico,
construlmos duas afirmaçoes, por conteüdo e por paradigma. Havia
5.2.1. Question drio Sobre os Conceitos de Enfermagem e de assirn, seis auIrmaçöes por conteiTido (i.e., trés paradigmas vezes
Born Enfermeiro duas afirmacoes) e 24 afirmaçöes para cada conceito (i.e., enfer-
magern e born enfermeiro; quatro conteñdos por conceito vezes
O Questionârio Sobre os Conceitos de Enfermagem e de Born seis afirmaöes por conteüdo). Cada par de afirrnaçoes era supos-
to representar a forma mais caracteristica de entender aquele con-
Enfermeiro foi construido corn o objectivo de analisar qual a
teTido dentro do respectivo paradigma. Para cada afirmaçao existe
106
107
I N V E S T I G A Q A o R E A\ I Z A D A
CONCEPcOES DL)NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S0cIo-MIRAI

uma escala de tipo Likert (i.e., 1 - Nunca; 2 - Rararnente; 3 -


lii
Algurnas vezes; 4 - Quase sempre; e 5 - Sernpre), como se pode
U,
verificar no exernplo do Quadro 9, quadro relativo ao conteido
"cuidados de eriferrnagern" em relação ao conceito de enferma-
E
gem. 'a
As duas primeiras afirrnaçöes correspondern ao paradigma da 0
0
integração; as duas segundas ao da transforrnação; e as duas i1-
r

tirnas ao paradigma da categorizacão. 'a

No questionário, a ordem dos contedos (quer do conceito de


0
enferrnagern, quer de born enfermeiro) resulta do processo alea- 0

tório a que foram sujeitos. Foi ainda aleatorizada a sequência dos


tres pares de afirrnaçöes de cada conteádo, correspondente a cada 'a
z
urn dos três paradigmas, bern como as duas afirmaçöes em cada
par.
Procedernos a determinação dos elementos consideraclos essen-
z
ciais ern cada urn dos conteiidos (e.g., rnodo como o conteüdo 0
z
entendido, relação daquele contei.iido corn outros, etc.). Man-
tivemos esses elementos constantes ao longo dos paradigmas, de-
finindo-os, no entanto, de acordo corn as caracteristicas de cada
urn dos paradigmas: se urn dos elementos valorizados no contei:i-
do "pessoa" 6 a forma como a mesma 6 entendida, isto significa
que teremos afirmaçöes acerca desse elernento na perspectiva do
paradigma da categorizacão, da integração e da transformação.
Assim, relativamente ao primeiro conteiido (i.e., pessoa), enten-
demos que os elementos que devern ser realçados são a forma -- ... .

como a pessoa é entendida e a participacão da pessoa na sua . .;


própria saiide. Fizernos esta opcão, porque entendemos que o RIN

conteüdo "pessoa" 6 urn dos conteüdos centrais do conceito de Owl- WIW

enferrnagern. Assim sendo, a forma como a pessoa que presta


cuidados conceptualiza a pessoa a quem os cuidados são presta-
ii •
E
f
I
dos, assume urna irnportancia determinante para o processo de 0
prestacão de cuidados. 0 segundo elemento (i.e., participacão da 0 • 4•I :; •-
D - af.
pessoa na sua própria sailde) é importante na medida em que, •- •.
dependendo da forma como o enfermeiro o entender, resultara a
não participacão, o incentivo a participacão, ou o reconhecirnen-
to da autonomia da pessoa na determinação do seu prSprio carni-
108
109
I N V E S T I G A q A o R E A I Z A 0 A
CONCEPçOES ENFERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SOCIOMORAL

nho. Por outro lado, contribuir-se-á para a clarificação do campo -Se aqui urn dos elernentos realçados no conteüdo "cuidados de
especifico da enfermagem, na medida em que se perspectiva a enfermagem". For iiltimo, pensamos ser importante destacar esta
mterrelação entre dois dos conteñdos centrais do conceito de dicotomia como elemento importante do conteádo "saáde", dado
enfermagem, pessoa e saüde (Kérouac et al., 1994). que foi urn dos que sofreu rnaiores alteraçöes ao longo dos
o conteiido "cuidados de enfermagem" (modos de accão) 6 apre- paradigmas (i.e., categorizacão, integração e transformação).
sentado por K&ouac et al. (1994) sob a designacão de cuidar. Relativamente ao conceito de born enfermeiro, o procedirnento
Enquadra-se tambérn no corijunto dos conteüdos sisternaticamen- foi sernelhante ao anteriorrnente referido. As dificuldades a ultra-
te referidos pelos mais diversos autores, quando se referem a passar foram rnaiores, dado não terrnos encontrado, na bibliogra-
disciplina de enfermagem (Fawcett, 1984; Flaskerud & Halloran, fia consultada, elementos explicitos que nos permitissern dizer
1980). Apresentamo-lo sob a designação de cuidados de enfer- quais os conteüdos a incluir. Socorremo-nos essencialrnente da
magem, para que não se confunda corn o conceito de 'Cuidar', opmiäo de autores como Butterworth e Bishop (1995) e Benner
entendido este como filosofia, paradigma ou teoria. Entendemos (1982, 1984), e ainda dos já referidos Newman, Sime e Corcoran-
que os elernentos que devern ser realçados neste conteüdo são, Perry (1991), Newman (1992) e Kérouac et al. (1994).
por urn lado, a orientação dos cuidados de enfermagem e, por Corn base no já referido trabaiho de Butterworth & Bishop (1995),
• outro, a participacão da pessoa nesses rnesmos cuidados. Relati- constatmos quais erarn as caracterIsticas-chave de urna optima
vamente ao primeiro, destacamos a orientação ou objectivos dos prâtica, do ponto de vista dos enferrneiros, das parteiras e das
cuidados de enfermagem porque, no nosso entender, 6 mais fácil "visitadoras dorniciliárias" tidas como peritas. Muitas destas carac-
enunciar o porquê e o para quê dos cuidados, do que conceptualizá- teristicas relacionavarn-se corn capacidades que os profissionais
los. Destacamos ainda a participacão da pessoa no seu próprio devern possuir (e.g., ser inovador, demonstrar capacidade de ii-
processo de cuidados de enfermagem. Esta participacão é uma derança, demonstrar capaidades de cornunicação). A partir do
forma de a pessoa contribuir para a sua própria saide. Dá-se trabaiho de investigacão desenvolvido por Swanson (1991), yen-
assim expressão a interrelaçäo entre os contei'idos. ficámos quais erarn os cinco processos de cuidar e respectivas
Do conteñdo "ambiente", destacarnos a sua definição bern como sub-dimensöes. Estes processos de cuidar foram identificados a
a sua interrelação corn o contei'ido "pessoa". Evitárnos que a de- • partir das vivências de pessoas que receberam cuidados (e.g.,
finição fosse demasiado abstracta e genrica, pelo que a mesma rnulheres que tivessem sofrido urn aborto espontneo, rnães), e
aparecera enunciada face a pessoa, dado ser esta a faceta que tarnbérn de pessoas que prestaram cuidados (e.g., enfermeiros,
mais nos interessa destacar neste conteiido (e.g., ambiente como medicos, pais). Qualquer urn dos cinco processos de cuidar tern
o conjunto dos contextos em que a pessoa está inserida). 0 se- a ver corn caracterIsticas da pessoa que presta cuidados. 0 pni-
gundo elemento do contei'ido "ambiente" realça de novo a memo deles é denominado "conhecer", e define-se como a capaci-
interrelação corn a pessoa.
dade de tentar cornpreender urn acontecirnento que tern sentido
Tarnbérn o conteádo "sañde" é definido de forma implicita face na vida da outra pessoa (Swanson, 1991). 0 segundo processo
ao conteüdo "pessoa". Para alérn da sua definiço, interessa-nos de cuidar denornina-se "estar corn", e tern a ver corn a capacidade
ainda quer a dicotomia saáde-doença, quer a dinamica dessa mes-
de a pessoa que presta cuidados se abrir ernocionairnente a reã-
ma dicotomia. Entendemos que a compreensão desta dicotomia, lidade da outra pessoa. Urn outro processo de cuidar é fazer
bern como da sua dinamica, é fundamental para a definição da por", entendido no sentido de fazer pelo outro o que ele faria a
orientação dos "cuidados de enfermagem". Ou seja, cornplernenta- si pr6prio se tal fosse possivel. 0 quarto denomina-se "possibili-
Ill
I N V E $ T I G A ç A o R E A" I I 2 A 0 A CONCEPcOES ÔENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

tar", e compreende o processo de facilitaçio da passagern do outro pessoa, mas também o enfermeiro detentor de urn conjunto de-
pelas transiçöes da vida e processos desconhecidos. Por i'iltirno, o terminado de saberes que orientam a sua acção (cuidar de pesso-
quinto processo denomina-se "manter a crença", e caracteriza-se as) nurn determinado sentido. São portanto estes os elementos
pela capacidade de manter a fé na capacidade do outro para ul- que são destacados neste conteñdo. Por urn lado, o que o enfer-
trapassar os acontecirnentos (Swanson, 1991). Por firn, corn base rneiro sabe ou precisa saber e, por outro, como é que orienta as
no trabaiho desenvolvido por Benner (1982, 1984) junto de pro- suas acçöes ern função desses saberes. Assim, no paradigma da
fissionais de enfermagern, tivernos acesso as caracteristicas dos categorização -sobressaem sobretudo os saberes medicos, pelo que
enfermeiros nos diversos nIveis de desenvolvirnento -profissional. a acção dal resultante é, essencialmente, colaborar corn o medico
Conjugando estes dados corn a forma como o enfermeiro era na cura da doença. No paradigma da integração, o enfermeiro
entendido, bern - como corn as caracteristicas de cada urn dos coloca os saberes medicos a par corn muitos outros de que ne-
paradigmas, decidirnos que os contei'idos a incluir no conceito de cessita e a acção resultante caracteriza-se essencialmente pela afir-
born enfermeiro seriam: o enfermeiro enquanto pessoa (valores e rnação da autonomia da disciplina/profissao. Por firn, no paradigma
atitudes); o enfermeiro e os seus saberes; o enfermeiro na sua da transformação, os saberes aparecem definidos de forma auto-
relação corn os outros corneçando pela relacão corn o doente/ norna e a acção resultante é orientada corn base nesses saberes.
/cliente; e o enfermeiro na sua relação corn os outros elementos 0 conteüdo que se segue quase que nos é imposto urna vez que,
da equipa. sendo os cuidados de enfermagem prestados a pessoas por pes-
Eram iniimeras as opcöes que se nos deparavarn para caracterizar soas, temos necessariamente que equacionar a forma como os
O conceito de born enfermeiro. Mas, dada a centralidade atribul- intervenientes nesse processo se relacionam. A partir daqui, o
da a pessoa na caracterização do conceito de enfermagern, pare- que está em causa é o enfermeiro na sua relação corn os outros,
ceu-nos oportuno iniciar a caracterização do born enfermeiro corneçando pela relação coii o doente/cliente. Neste contei'ido
entendendo-o como pessoa. Deste modo, surge o primeiro con- são realçidos elementos que tern a ver corn a relação do enfer-
teádo que denorninârnos, "o enfermeiro enquanto pessoa (valores meiro corn o doente/cliente, e também corn a relação do enfer-
e atitudes)". Uma outra razão para a inclusão deste conteido meiro corn os seus sabers e corn a organização. Esta opção tern
teve a ver corn as caracteristicas da prática dos cuidados de en- razöes de natureza histórica e socioprofissional. Entende-se que o
fermagem e corn a irnportncia das caracteristicas indiyiduais para enfermeiro tern evoluldo de urna posição de ausência de saberes
essa prâtica. Entendernos ainda que os elementos a realçar neste prOprios, o que o transforma nurn executor de actos delegados e
contei'ido deveriarn ser, por -urn lado, o enfermeiro e o seu auto- prestador de serviço a organização, para urna outra de pessoa
-conceito, principalmente no que diz respeito a valores e atitudes corn saberes prOprios, executor de actos autónornos, e prestador
e, por outro, o enfermeiro na relação corn a pessoa corn a de serviços a pessoa que a ele recorre e a quern tern de respon-
instituição. Estes dois elementos estão estreitarnente interre- der. Estas duas posiçöes extremas são matizadas por unia posição
lacionados e são de extrerna importncia para se compreender a interrnédlia, na qual o enfermeiro inicia a sua autonornização de
forma como o enfermeiro se relaciona corn as outras pessoas e -- saberes e acçöes, estando, por isso, rnais centrado nesse Drocesso
corn a instituição. de autonomização que nas teorias que afirma defender.
Urn outro contedo que decidirnos incluir no conceito de born Por fim, o conteido "o enfermeiro na reIaço corn os outros
enferrneiro denornina-se, "o enfermeiro e os seus saberes". 0 elementos da equipa". Este surge na sequência do anterior e am-
que nos interessa neste conteiido não sO é o enfermeiro enquanto da como- consequência do contexto multiprofissional em que os
112 113
I N V E S T I G A c A 0 R E I Z A 0 A
CONCEPcOES 0 -'ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

cuidados so prestados. Justifica-se pela simples razão de que o


enfermeiro no 6 actor i'rnico no campo dos cuidados de sade. hi

hi
Trata-se de urn campo em que a crescente complexidade das U,

situaç6es tern obrigado a especia1izaço de saberes e tern origina- hi

do o aparecimento de novas profiss6es. In


4" hi

o processo de criaço e de aleatorizaçao das afirrnaçöes foi idn- I.. hi


C
In a
tico ao referido para o conceito de enfermagem, e deu como S
a.
resultado o exemplo que se apresenta no Quadro 10 relativo ao
conteiido "o enfermeiro como pessoa", conteádo, por sua vez, 0
In C
In
relativo ao conceito de born enfermeiro. Iii
a.
o questionário terrninava corn urna questão aberta, onde era 0
0
solicitada a identificaço de ate três colegas que fossern conside- 1 Si
rassem bons enferrneiros.
Após a construção do questionário iniciárxios o seu processo .de
U'
U.
validaçao. Escoihemos urn grupo de cinco enfermeiros considera-

L
z
Ii'
dos peritos a quern enviárnos o instrumento criado. Juntarnente z
z
enviárnos a sua fundamentaço teórica, e a justificaçao de cada 0
0
urna das afirrnaçöes do mesmo. Era-Ihes pedido que se pronun-
ciassern sobre a relevncia (i.e., aquilo que é importante ou aqui- -
o
lo que é preciso ou necessrio): o - S
o 3 -
- dos conceitos escoihidos (enfermagem e de born enfermeiro);
- de cada urn dos conteüdos do conceito de enfermagem; o 5
U. A

- de cada urn dos conteádos do conceito de born enferrneiro; 1


A
0
R. - de cada uma das afirmaçoes produzidas para o conceito de 4 - --
enfermagem; In -,
- de cada urna das afirrnaçöes produzidas para o conceito de born
enfermeiro.
A frente de cada urn destes itens foi colocada urna escala de "tipo
Likert", corn cinco hipóteses de respostas possiveis, como se Se-
Io
Ij

r
k :

S
gue no exemplo:
2 - Relativarnente ao Conceito de "Enfermagern", considero que 2 A
c
o Conteüdo "pessoa". e: 00 5
-,
NASA SEE F L FE ,E JF A€A4TE rELEAAF t
Cy

A maioria dos juizes consideraram que todos os itens atrás refe-


ridos erarn rnuito relevantes. Apenas urn dos juIzes considerou
114
I N V E $ T I G A c A o R E Ar I Z A D A CONCEPçeES D 'NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

alguns dos itens corno relevantes. Apesar disso foram sugeridas homogeneidade parcelar. E suposto que exista homogeneidade entre
algumas alteraçöes, que foram acatadas. Conclulmos deste modo, o conjunto de afirrnaçöes de urn determinado conceito e de urn
que o instrumento possuIa uma validade de conteido aceitâvel, paradigma especifico. Neste contexto, entendemos aplicar o teste
tal corno é definida por Donald, (1990), Pout e Hungler (1991), de homogeneidade a de Cronbach ao conjunto das afirrnacöes de
entre outros. cada urn dos paradigrnas em cada urn dos conceitos.
0 segundo passo no processo de va1idaço do instrumento de Os valores do a de Cronbach alcançados, foram genericamente
coiheita de dados, foi sujeitá-lo a urn "teste". Para o efeito, Se- baixos, sendo. que, em alguns casos, foram mesmo rnuito baixos
leccionámos o hospital de S. Bernardo em Setübal, por o consi- (e.g., paradigma da integração e da transformaço do conceito de
derarmos corn caracteristicas idênticas as dos hospitais onde born enfermeiro).
pretendIamos fazer a aplicaço definitiva. No referido hospital, Procedeu-se ainda a uma anâlise detaihada da distribuiço da
solicitou-se o preenchimento do questionário a todos os enfer- frequência de resposta por categorias, Para cada afirmaço.
rneiros corn cinco anos ou mais de exercIcio profissional; que Nesta análise, verificou-se a existéncia de afirmaçöes que sendo
estivessem na prestação directa de cuidados; e que estivessem de embora do mesmo conteádo e do mesmo paradigma, obti-
serviço no dia por nós escolbido Para a sua ap1icaco. nham uma distribuiço de respostas totalrnente divergente.
Responderarn ao questionário 47 enfermeiros. 35 erarn mulheres Tal era o que se verificava, por exemplo, corn as duas afirma-
e oito eram hornens, havendo quatro que no responderam a esta çöes do contedo "pessoa", do paradigma da categorizacäo, con-
questo. A m&lia de idades era de 35 anos Para o grupo, sendo ceito de enfermagem. Apesar de serem as duas do mesmo
de 37 anos Para os homens e de 35 Para as muiheres, corn um paradigma, a primeira delas obteve uma distribuição de respostas
desvio padräo de seis anos quer num caso quer no outro. Todas em que a percentagern acumulada das duas prirneiras categorias 1
as pessoas que responderarn disseram estar posicionadas no nivel (Nunca) e 2 (Rararnente),*é de 63,8%. Por sua vez, a outra
I da carreira de enfermagem. afirmaçao deste mesmo paradigma obtém uma distribuiçâo de
Aos dados obtidos decidirnos aplicar urn teste de Idelidade no respostas que se acumulam nas categorias 4 (Quase Sempre) e 5
sentido de determinarmos o grau de consistência do Questioná- (Sempre).
rio Sobre os Conceitos de Enfermagem e de Born Enfermeiro Verificou-se, ainda, que em algurnas afirmaç6es, as respostas se
(Donald, 1990; Bryman & Cramer, 1993). Aplicmos urn teste acumulavarn maioritariamente na categoria 3 (Algumas Vezes).
de consistêncja interna denominado alfa de Cronbach ou coefi- Por Liltimo, constatou-se que em alguns contei'idos existia uma
ciente alfa, também chamado teste de homogeneidade (Donald, opcäo sistemática pelas categorias 4 (quase sempre) e 5 (sem-
1990). Este teste "traduz essencialrnente a media de todos os pre), independentemente do paradigma a que as rnesrnas perten-
coeficientes de bi-partiço possiveis" (Bryman & Cramer, 1993, ciarn, ou seja, as respostas acurnulavarnse nas categorias 4 e 5,
p.90), sendo que o seu valor poderá variar entre 0 e 1, "valor quer a afirmaço fosse do paradigma da categorizacão, quer fosse
que pode ser interpretado da mesma maneira que o coeficiente do paradigma da transformaçäo.
de correlação de Pearson" (p. 90). No entanto, tendo em consi- Tendo por base esta análise, resolvemos introduzir as alteraçöes
deraçâo o facto de o referido questionário ser constituldo por que considerámos oportunas no sentido de colrnatar estas dfficul-
dois conceitos, existindo cada urn deles nIveis de resposta hete- dades. Decidimos realizar urn novo "teste" para aferir as altera-
rogéneos, correspondentes a cada urn dos paradigmas, näo se po- çöes introduzidas. Optárnos pelo Hospital de Sta. Luzia em Elvas.
derá falar em homogeneidade de todo o questionrio mas sim em A opço teve a ver corn a impossibiliclade de utilizaço do lios-
116 117
I N V E S T I G A ç A o R E A Z A 0 A
CONCEPçOES DE NFERMAGEM C DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

pital de S. Bernardo em Setübal, que j tinha sido usado para o 0 DILEMA DO MEDICO

primeiro "teste". 0 Hospital de Sta. Luzia apresenta ainda algu- UMA MUL1ER ESTAVA A MORRER DE CANCRO, INCIJRAVEL, TEMPO APENAS SEIS MESES DE VIDA. TINHA PORES TERRIVEIS,
rna.s caracteristicas serneihantes aos hospitais onde preteridliamos MAS ESTAVA TAO FRACA DUE UMA BOA DOSE DE UM MEDICAMENTO PARA ABRANDAR AS PORES, COMO A MORFINA, PA-
LA-IA MORRER MAIS DEPRESSA. DEURANTE E QUASE LOUCA DE PORES, A MULNER PEDIA AO MEDICO, NOS PERIODOS
fazer o estudo. As condiçoes de aplicaco foram idnticas as usa- DE CALMA, DUE LIfE DESSE UMA DOSE DE MORFINA DUE A FIZESSE MORRER. DIZIA DUE NAO CONSEGUIA SUPORTAR A
DOR E DUE, DC QUALDUER MOnO, IA MORRER PENTRO DE POUCOS MESES.
das no Hospital de S. Bernardo, em Setábal.
O DUE DEVERIA 0 MEDICO FAZER?
A este questionârio responderarn 23 enfermeiros, sendo 10 do ASSINALE COM UM X A SUA ESCOL}IA:

sexo masculino e 13 do sexo feminino. A media de idades para DEVERIA PAR A MULHER UMA DOSE DC MORFINA DUE A FIZESSE MORRER I_I
NAp CONSIGO PECIDIR I_I
os indivIduos de sexo masculino era de 35 anos, corn urn desvio NAO DEVERIA PAR A MULHER ESSA DOSE DE MORFINA I_I

padrao de quatro anos, e para Os indivIduos de sexo femimno era FONTE LounENço E CESAR (1951)

de 37 anos corn urn desvio padrão de dez anos. De acordo corn


os 23 enfermeiros que responderam, 22 erarn do nIvel I da car-
reira de enfermagem e urn era do nIvel II, portanto enfermeiro Basicamente, este instrumento é composto por seis dilernas rno-
especialiSta. rais na sua versão completa (Rest, 1986a, 1986b). 0 exemplo
Após este procedirnento aplicárnos de novo o teste estatistico CX do dilema do medico e da morte misericordiosa é o que aqui se
de Cronbach, a sernelhança do que tinharnos feito atrás. Consta- apresenta.
tárnos que todos os valores deste teste, em todos os paradigmas, Após cada dilema, apresenta-se ao sujeito urn conjunto de 12
meihoraram consideraveirnente, sendo que a maioria apresenta afirrnaçöes que devern ser avaliadas "em termos de Muita, Bas-
valores próximos de 0,8. ConcluImos assim que o questionârio tante, Alguma, Pouca ou Nenhuma irnportncia, em relaçäo a
possula uma consistência aceitável, e decidimos aplicá-lo corn as uma tornada de deciso justa" (Lourenço, 1992, pp. 149-150). As
caracteristicas que detinha. afirrnaçöes pertencem a est$1ios de desenvolvimento moral dife-
rentes. Em cada conjunto de 12 afirmaç6es podero aparecer al-
gurnas sem sentido, que se destinam a testar o empenho do sujeito
5.2.2. Teste para Definir Valores Morais na resposta ao questionrio. E suposto que o sujeito atribua pou-
Ca ou nenhuma importncia a esse tipo de afirmaçöes, caso con-
No nosso estudo usámos também o Teste para Definir Valores trário, deduz-se que está a tentar dar uma boa irnagem de si ou
Morais (ver Quadro 11), tambérn designado por DIT (Defining a responder de forma menos rigorosa, sendo o questionário eli-
Issues Test). Trata-se de urn instrumento de avaliaço do desen- minado (Rest, 1986a, 1986b; Lourenço, 1992). As 12 afirma-
volvimento do raciocIriio moral, criado e desenvolvido por Rest çöes que se seguem ao dilema do medico so as que se apresentam
(1986a, 1986b) corn base na teoria do desenvolvimento moral de no Quadro 11.
Kohlberg (1881, 1984). 0 aparecimento deste teste teve a ver Após valorar cada uma das 12 afirmaçöes, o sujeito e convidado
corn a cornplexidade da metodologia proposta por Kohlberg. Tern a seleccionar as quatro afirmaçöes mais importantes, ordenando-
como grandes vantagens a facilidade de aplicaco, a codificaço -as da mais para a menos importante. A prirneira afirmaçao es-
objectiva, a estandardizaçao e a dependência minima da fluência coihida so atribuIdos quatro pontos; a segunda trës pontos; a
verbal (Lourenco, 1992). Alérn disso, o referido teste ji está terceira, dois pontos; e Cltirna urn ponto.
traduzido em português e já foi experirnentado numa amostra Em conclusão, poder-se-á afirmar que este instrumento envolve
portugliesa (Lourenço e César, 1991). tarefas de recogniço, compreenso e preferncia (Lourenço, 1992),
118 119
I N V E S T I G A ç A 0 R E A\ I Z A D A
CONcEPçoES DENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCI0M0RAL

isto é, "os

I sujeitos säo chamados a reconhecer, a compreender e


optar por certo tipo de consideraçoes, em vez de outras, para a
tomada de uma decjso moral" (p. 151).
=
C
0
a-
Iniciase a avaliaçao do desenvolyimento do raciocInlo moral do
sujeito, procedendo.se a verificaçao da Consistêflcja das suas res-
z
I-,
C
2 postas. 0 questionárjo é elirninado Se, na avaliaçao do grau de
a
0
a- importncia de cada afirmaçao, o sujeito atribuiu o mesmo grau
de importancia a nove ou mais afirmaçoes, em dois ou mais di-
C
C
lemas. Seri elirninado também, se houver iflconsistnCja entre a
avaliaçao (rating) e a ordenaçao (ranking,
C
ou seja, a parte do
0 questionário em que o sujeito é convidado a ordenar as afirma-
cöes da mais para a menos importante). Explicando meihor, existe
iflconsistêncja sempre que o sujeito, na ordenaçao (ranking),
es-
6 - - colheu corno a mais importante ou a segunda mais importarite,
uma afirmaço a que na avaliaço (rating) tinha atribuld
o - - o pouca
VOIN 1'1131 z '
importncia, havendo outras a que tinha atribuIdo mais impor-
Ui
- tância. Assim sendo, é eliminado o questionário sempre que existir
.4
inconsistência, qualquer que seja 0 nhlmero, em mais que dois
0
r - . dilemas. E
o elirninado ainda, se o nhImero de flconsistêncjas em
Ld qualquer dilema for superior *a 8. Para calcular o nlmero de
inconsistências conta-se o nllmero de afirmaçoes a que na avalia-
çäo (rating) o sujeito atribuiu importnci
: -
a superior a afirmaço
U, -. - que foi escollhida como a mais importante, ou como a segunda
mais importante na ordenaço (ranking). Por fim,
8 JIM p; elimina-se am-
da o questionrio, Se a soma total da pontuaço obtida para as
- -
ff It,

U
LLI
I afirmaçoes sern sentido for superior a oito.
4: Procede-se, finalmente, ao cálculo do Indice P,
. 5 -Y E : senta a relativa importncia que urn sujeito dá
Indice que repre-
LL
V AM as consideracoes
= morals orientadas por princIpios na tomada de decisöes sobre
dilemas morals (Rest, 1986). Este é urn dos vários indices que
é possivel calcular no DIT; é também o mais usado. De referir
ainda que o Indice P
-: é uma variável continua, e não urn estádio
discreto e qualitativo. Deste modo, no poderemos afi rmar que
urn sujeito pertence a este ou aquele estdio, mas saber
em que
extensão manifesta vários tipos de organizaço de pensamento
moral. Na prática, o Indice P correspond e
120
ao nimero de vezes
121
I N V E S T I G A ç A o R E A, 1 Z A D A
CONCEPce,ES L—,-ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

que urn sujeito considera corno mais importantes as afirmaçöes


- Conhecer as práticas de urn profissional de enfermagem, consi-
do estâdio cinco ou seis (Lourenco, 1992). Para o seu ciculo,
derado born enfermeiro pelos seus pares;
começa-se por somar os valores obtidos em cada dilema para os
- Compreender os conceitos de enferrnagem e de born enfermei-
estádios cinco e seis, o que dá origem a urn score bruto. Posterior- ro a partir dessas práticas.
mente, divide-se este score pela constante 0,6 obtendo-se urn score
Num segundo tempo, e de acordo corn as mesmas autoras, cons-
standardizado, ou seja, o Indice P. truimos o guião que serviu de referncia a condução da entrevis-
Impöe-se uma chamada de atenção crucial, e referida por Kohlberg ta (Quadro 12).
(1984), por Rest (1986) e por Lourenço (1992): os instrumentos
Relativarnente as questöes apresentadas,cda uma delas tern a
de avaliação moral são sempre instrumentos de avaliação do pen-
sua própria justificação. Corn a primeira questão pretendia-se
samento moral e nunca instruiaentos de avaliação do valor moral
confrontar a pessoa corn o facto de os colegas o considerarem
da pessoa. De urn ponto de vista moral, toda a pessoa, qualquer
urn born profissional, registar as suas reacçöes a esse facto, bern
que seja o seu estatuto ou condição, merece ser tratada corno
como as razöes que entendia justificarem a opinião dos colegas
urn fim em si mesma, isto é, corn respeito e consideração. para o considerarem assim.

5.2.3. Entrevistas
QUADRO 12: GUIAO DAS E1TREVISTAS

De urn ponto de vista geral, podemos dizer que a entrevista é INTRoDuçAo


QUERIA COMUNICAR.LI.IE
uma conversa corn determinado objectivo (Ghiglione & Matalon, QUE AS/OS COLEGAS/OS QUE RESPONDERAM AO QUESflONARIO QUE Eli PASSE! NESTE HOSPITAL
Wa CONSIDERARAJ,I UM SOM PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM

1993). Nesta definicão cabe todo o tipo de entrevistas. No nosso QUESTOES:

caso especIfico, trata-se de uma situação em que a entrevista 1 -.0 OLE PENSA DESTE FACTO E QUE RAZOES ENCONTRA PARA QUE OS SEIJS COLEGAS 0 CONSIDEREM UM SCM
PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM?
solicitada pelo entrevistador, tendo por objectivo o "aprofunda- 2- t CAPAZ OS ME DESCREVER PORMENORIZADAMERTE UMA SITUAçAO QUE TENHA OCORRIDO RECENTEMENTE (NA
SEMANA PASSADA) EM CUE VOCC
CONSIDERS CUE PRESTOU SONS CUIDADOS DE ENFERMAGEM?
mento de urn campo cujos temas essenciais conhecemos mas que POROUS E QUE CONSIDERS CUE NESSA SITUAcAO PRESTOU SONS CUIDADOS DE ENFERMAGEM?

não consideramos suficientemente explicados em urn ou outro 2.1 -E CAPAZ GE ME DESCREVER PORMENORIZADAM
ENTE UMA SITUAçA0 QUE TENHA OCOSRIDO RECENTEMENTE
aspecto" (Ghiglione & Matalon, 1993, p.72). Este nosso estudo (NA SEMANA PASSADA) EM CUE VOCE CONSIDERE QUE PRESTOU MAUS CIJIDADO5 GE ENFERMAGEM?
PORQLJE E CUE CONSIDERA CUE NESSA SITUAçAO PRESTOU MAUS CUIDADO5 GE ENFERMAGEM7
urn estudo exploratório em que começárnos por usar uma abor- 3 - TENDO FOR SASS 0 CUE ME ACABOU GE
DESCREVER, BEM COMO A SUA VIDA PROFISSIONAL,
dagem quantitativa e que complementarernos corn uma aborda- ENFERMAGEM? 0 QUE E PARA SI A

NESSA MESMA SASS, COMO CARACTERIZARIA


UN BOM ENFERMEIRO?
gem qualitativa. Optárnos por entrevistas semi-directivas. Este tipo
de entrevistas, permitindo embora a existência de uma greiha de
temas previarnente definida, concede ao entrevistado liberdade
para abordar os temas pela ordem e corn a profundidade que Corn a segunda questão/tema pretendia-se que o entrevistado
pretender, bern corno expressar as suas percepcöes, crenças e descrevesse situaçöes paradigmáticas em que ele próprio conside-
sentimentos (Ghiglione & Matalon, 1993). rasse que prestou bons/maus cuidados de enfermagern (foi urn
De acordo corn Waltz, Strickland e Lenz (1991), e na sequência bom/rnau enfermeiro). Pretendia-se, a partir da análise destas
dos objectivos gerais delineados para este estudo, corneçámos por situaöes, determmar quals as dimensöes que caracterizam uma
traçar objectivos especificos para a entrevista: situação de 'bons cuidados de enferrnagem' e uma outra de 'maus
cuidados de enfermagem'.
122
123

I
-
I N V E S T I G A ç A o R E A L I Z A 0 A CONCEPGOES 0ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

Por fim, corn a ültima questão pretendia-se que o sujeito proce- Relativamente a definiçäo das unidades de análise, tivemos em
desse a uma reflexão sobre os casos descritos e/ou sobre a sua consideraçao quer o "corpus" em análise, quer os objectivos deste
vivência profissional e que, a partir daI, enunciasse as componen- estudo, quer ainda os conceitos de unidade de registo e de con-
tes essenciais do seu conceito de enfermagem e de born enfer- texto. De acordo corn Vala (1984), unidade de registo é urn
meiro. segmento determinado que se caracteriza colocarido-o numa de-
A análise das entrevistas, depois da sua transcriçäo, foi feita corn terminada categoria. A colocaço numa determinada categoria
base na tcnica de aniise de conteido. De acordo corn depende dos objectivos do estudo, e do enquadramento teórico
Krippendorf, (citado por Vala, 1986), a análise de conteádo é que lhe servern de base. De entre as diversas unidades de registo
"uma tcnica de invetigaco que permite fazer inferncias, vail- (formais, semanticas,...), optámos pelas semanticas, ou seja,
das e replicaveis, dos dados para o seu contexto" (P. 103). A aquelas em que a unidade mais comurn é o tema "uma afirmaçao
finalidade desta técnica "será pois efectuar inferências, corn base acerca de urn assunto" (Bardin, 1991). Nestas, e de acordo corn
numa lógica explicitada, sobre as mensagens cujas caracterIsticas o mesmo autor, procura-se "descobrir os rnc1eos de sentido ... sendo
foram inventariadas e sistematizadas" (Vala, 1984, P. 104). geralmente utilizada para estudar rnotivaçöes de opiniöes, de ati-
Para a codificação das respostas, corneçârnos por criar uma greiha tudes, de valores, de crenças, de tendências, etc,"(pp. 105-106).
de anâlise prévia. Esta tinha corno base a caracterizaço dos con- Unidade de contexto, segundo Vala (1984), "é o segmento mais
ceitos de enfermagem e de born enfermeiro por paradigmas (i.e., largo de conteiido que o analista examina quando caracteriza uma
categorizaco, integraco e transforrnaço). Verificámos a posteriori, unidade de registo" (P. 114) e cuja dirnensäo é optima para que
e após leitura flutuante das entrevistas, que existiam ideias e se possa compreender a significaco exacta da unidade de registo
conceitos que näo se enquadravarn nas categorias por nós propos- (Bardin, 1991). De acordo corn isto, definimos como unidade de
tas, e outros que eram transversais a essas mesmas -categorias. contexto cada uma das entrvistas, uma vez que ao assumirem
Corn o objectivo de estabelecer categorias que relevassern simul- urn carácter semi-directivo, e ao solicitarern o relato de situaçöes
taneamente da problemâtica teórica e das caracterIsticas concre- reais, as afirmaçoes sO ganham sentido se se tiver em considera-
tas, do material em anJise (Vala, 1984), decidimos alterar as çâo a totalidade da entrevista.
categorias definidas previamente. Da conjunção destes elementos Pela análise das entrevistas, constatou-se ainda que os enfermei-
resultou uma greiha de análise (Anexo I) em que a estrutura ros se expressavam numa linguagem real e numa outra conclicio-
geral se caracteriza pela existência de ti-es temas (i.e., binómio nal. A linguagern real é relativa ao concreto ou a sua análise
enfermeiro/doente, enfermagem e born enfermeiro) e para cada (e.g., "...Enfermagern é prestar cuidados, é ajudar uma pessoa
urn destes temas pela existência de três nIveis paradigmaticos de que sal da vida de... do meio social dele normal,..." E2). A
analise (i.e., categorizaco, integraçäo e transformaço). 0 tema linguagem condicional projecta-se no ideal (e.g., "0 enfermeiro
"binómio enfermeiro/doente" rio apresenta exaustividade nem tern que ter as duas coisas, tern que saber estar corn o do-
exclusividade relativarnente aos outros temas, uma vez que resul- ente e tern que saber cuidar do doente naquilo que é a sua
ta de uma análise transversal. - area de actuaço" E4). Deste modo, foram consideradas "reals" as
A justificaço teórica da greiha foi já apresentada, uma vez que unidades de registo que relatavarn situaçöes concretas, procediam
foi corn base neste mesrno raciocInio que foi construIdo o "Ques- a sua anlise ou conceptualizavam a partir delas. Foram conside-
tionârio Sobre os Conceitos de Enfermagem e de Born Enferrnei- radas "ideals" se no resultavam da análise de situaçöes reals des-
ro critas, se eram apresentadas por OpOSiçO a uma determinada
124 125
CONCEPcOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO 50CIoM0N
R E A l Z A 0 A
I N V E S T I C A c A o

soas entre preencher urn questionâriO razoavelmente extenso, de


realidade, se eram contraditórias ou opostas ao conceito inerente urna so vez, ou serern charnadas duas vezes a colaborar no estu-
a anJise da situação por elas descritas, ou se utilizavam tempos
do. Optámos pela primeira destas duas hipOteses.
verbais ou expressöes condicionais (i.e., deveria, penso que deve,
tern de ser,...). o primeiró hospital a ser contactado foi o Hospital de Portallegre.
Verificmos que as pessoas que tinham cornparecido para preen-
Corn esta base, dividirnos cada urn dos três nIveis paradigrnáticos
de anâlise de cada urn dos ternas em real e ideal,
do- que resultou cher os questionarios eram rnuito poucas (seis). Confrontados corn
esta diflculdade, e após troca de ideias corn as pessoas que con-
urna greiha de anâlise corn a seguinte estrutura: nosco colaboravarn (Enferrneira Directora e algurnas Enfermeiras
Chefes), decidirnos alterar a estratgia de aplicacão dos questio
nrios. Dado que qualquer dos instrumentoS tinha instruçOes de
[iiiMio ENFERMEIRO/
preenchimento decidimos distribuir questionáriOs por todos os
I__REAL
DOENTE rEAL
I rsonalizado aos enferrneiros que
serviços, e dirigi-los de modo pe
ENFERMAGEM REAL

I r IDEAL
obedeciarn aos crit&ios estabelecidos. Foi concedido urn perlodo
r BOM
ENFERMEIRO
L REAL
IDEAL de urna semana. A mesma estratégia foi adoptada para todos os
outros hospitais.
5.3. Procedimento o priineiro instrurnento a ser cod ificado foi o QuestionáriO So-
bre Os Conceitos de Enferrnagern e de Born Enfermeiro. Desta
codificacão resultou a eliminacão de cinco questionriOs (0,86%),
Iniciárnos o nosso estudo corn a decisao de que os dois instru-
mentos de coiheita de dados iniciais (i.e., Questionário Sobre os por estarern incornpletarneflte preenchidos pelo que o total de
sujeitos a considerar passou a ser de 208.-A codiflcação consistiu
Conceitos de Enfermagem e Born Enfermeiro e DIT), seriam
na soma da pontuacão ol.,tida por cada indivIduo, em cada urn
aplicados em sirnultaneo. Decidimos, ainda, que prirneiro seria
das afirmaçOes dos diversos contedos, e em cada urn dos
preenchido o Questionário Sobre os Conceitos de Enfermagem e
paradigmas. 0 total das pontuacOes para cada paradigma podia
Born Enfermeiro e, em sequncia, o DIT. Para a tornada destas
variar entre urn mInirno de 8 e urn rnáxirno de 40.
decisöes foram consideradas, quer a possibilidade de os contei-.
Relativarnente a questo aberta, colocada no final deste questio-
dos de urn e outro questionário se influenciarern, quer a exten-
nârio, ela apenas foi respondida por 29,8% dos sujeitos. SO no
so dos instrurneritos de coiheita de dados. Relativamente ao
Hospital de Evora é que se verificou urn nñmero de respostas
prirneiro destes aspectos, considerou-se que essa possibilidade era
tal, que permitiu a hierarquizacO dos nornes referidos. Nos Hos-
desprezivel. Urn dos questionários, 6 constituldo por urn conjun-
pitais de Beja e Portalegre foram referidos urn conjunto de no-
to de afirrnaçöes acerca dos conceitos de enfermagem e de born
rnes, rnas apenas urna (mica vez. Face a isto, e para ser possivel
enferrneiro. 0 outro, & constituido por urn conjunto de dilemas,
efectivar a segunda parte do trabalho, foi necessrio adoptar
que poem em confronto principios, seguidos de aflrrnaçOes rela-
medidas reputacionais. Para o efeito, socorrêrno-nos da colabora-
tivas aos referidos dilernas. Quanto a extensio dos instrurnentos ço de enfermeiros-chefes e de responsáveiS pelos Departarnentos
de coiheitas de dados, embora o DIT seja urn instrurnento exten-
de Forrnaço. Apresentárnos-IheS a lista dos nornes que nos ti-
so e que exige concentraço, o Questionário Sobre os Conceitos
nharn sido referidos pelos colegas dos respectivos hospitais, e per-
de Enfermagem e de Born Enfermeiro 6 urn instrumento pouco
guntárnos-lhes se naquele conjunto de pessoas estavam os nomes
K- extenso. Por outro lado, equacionárnos o incórnodo para as pes-
127
126
I N V E 5 T I G A ç A 0 R E A: I Z A 0 A CONCEPceES D ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO S6cI0MORAL

de enfermeiros que eles consideravam bons profissionais. Em caso um caso de impossibilidade. As entrevistas foram feitas de modo
afirmativo, pediamos-ihes pie nos indicassem os quatro que na individual, em local escoihido pelos entrevistados, normalmente
sua opinio mais se destacavam. uma sala ou gabinete que garantisse a privacidade. As entrevistas
o segundo instrumento a ser codificado foi o DIT, tendo, para foram gravadas e tiveram uma duração que variou entre os 15 e
O efeito, sido utilizado o respectivo manual (Rest, 1986a). Após os 50 minutos. Todos Os sujeitos entrevistados, a excepcäo de
se fazer a verificação das inconsistências das respostas, constatou- dois, tinham mais que dez anos de serviço.
se que 30,28% dos sujeitos apresentavam os mais diversos tipos Procedemos depois a codificaço das entrevistas. 0 primeiro tema
de inconsistências. Dado que esta percentagem é francarnente a ser codificado foi, o "binómio enfermeiro/doente-utente", ten-
superior a que 6 admitida por Rest (ate 15%), decidiu-se, corn do em consideração que o mesmo no apresenta exaustividade
o acordo do orientador deste estudo, atenuar urn pouco as exigên- relativamente aos outros. Posteriormente procedemos a codfficaço
cias do manual de codificaço. Para. a tornada desta deciso foram das unidades de registo referentes aos dois temas restantes, ou
consideradas as condiçöes previstas para o preenchimento deste ins- seja, "enfermagem" e "born enfermeiro".
trumento (i.e., preenchimento individual em sala própria, corn Solicitámos, posteriormente, a colaboraço de uma pessoa corn
or presente), e as condiçoes reals em que isso se verificou formação na area da enfermagem e da sociologia, corn mestrado
(i.e., preenchimento individual em local desconhecido e sem presen- em ecologia humana, e corn experiência de investigaco (nomea-
ça de orientador). Em sIntese, foram eliminados os sujeitos que: damente, corn prática de análise de contei'ido). Foram-ihe envia-
- obtiveram uma pontuaco superior a 8 nas afirmaçöes sem sen- das as greihas de análise, e os verbatins das entrevistas no sentido
tido; de proceder a sua classificaço. Em seguida, procedeu-se a corn-
- atribuiram na avaliaçäo (rating), nove ou mais vezes o mesmo paraco entre a classificaçäo do juiz e a nossa. Nos casos em que
grau de importncia a diversas afirmacoes em três ou mais di- se verificou discordncia, ocedeu-se a redistribuico das unida-
lemas (anteriormente, dois dilemas); des de registo por consenso.
- aqueles em que se verificou inconsistencia entre a avaliaço Na análise dos resultados que se seguem e referentes ao Questio-
(rating) e a ordenaçäo (ranking), nomeadamente quando houve nário Sobre os Conceitos de Enfermagem e de Born Enfermeiro
inconsistências em mais de três dilemas (anteriormente, dois e ao Teste de Definir Valores Morals considerâmos os seguintes
dilemas), e o nimero de inconsistências em qualquer dilema grupos de variâveis:
superior a nove (anteriormente oito). - Variáveis Independentes:
Após a aplicacão destas novas regras, foram eliminados 13,96% - Hospital, Serviço, Idade, Sexo, Anos de Serviço, Posiciona-
do total dos questionários. mento na Carreira, Habilitaçôes Literárias e Habilitaçöes Pro-
Houve ainda a eliminação de 26 sujeitos (12,50%), por não te- fissionais.
rem preenchido na totalidade o respectivo questionário, sendo - Variáveis Dependentes:
17 do Hospital de Evora, uma do Hospital de Beja e 8 do Hos- - Pontuaço obtida nos paradigmas da categorizaco, integraçäo
pital de Portalegre. 0 total de participantes que responderam e transformação.
integralmente ao Teste para Definir Valores Morals e que ultra- - Estádio 2, Estádio 3, Estádio 4 e Indice P (quando se trata do
passaram os critérios de excluso, foi de 153. DIT).
Após isto, contactámos todos os enfermeiros no sentido de rea-
lizar a respectiva entrevista. Todos aceitaram, tendo ocorrido apenas
128 129
CONCEPçOS r ENrERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL

6. Apresentaçao e análise dos resultados


No capItulo que se segue, proceder-se-á a apresentaço dos re-
sultados obtidos corn a ap1icaco do Questionário Sobre os Con-
ceitos de Enfermagern e de Born Enfermeiro; Teste de Definir
Valores Morais; e entrevistas. Os dados do primeiro destes ins-
trumentos so relativos a 208 sujeitos, que responderam a tota-
lidade do questionário. Os dados do Teste para Definir Valores
Morais so relativos apenas a 153 sujéitos (i.e., os que responde-
ram por inteiro ao referido instrumento e estavam dentro das
respectivas normas).
Por se verificar que alguris dos sujeitos nâo indicaram idade, sexo,
etc. aparecerá nas tabelas respectivas uma categoria corn a desig_
naço de ."valores perdidos".

6.1. Orientaçao para a categorizacao, a integracâo e a


transformaçao

O primeiro- objectivo deste estudo era analisar as orientaçöes dos


enfermeiros sobre os conceitos de Enfermagem e de Born Enfer-
meiro, vistos a luz dos paradigmas da categorizaço, integracäo e
transformaço. A Tabela 3 apresenta as médias e desvios padröes
dos paradigmas de categorização, integraço e transformaço, para
cada urn dos dois conceitos.
Relativamente ao conceito de enfermagern, destaca-se a opco clara
dos enfermeiros pelo paradigma da transforrnaçao (M34.70), segui-
da de perto pelo paradigma da integração (M=33.86). Como áltima
opção, os enfermeiros escoiheram as afirmaçoes do paradigma da
categorizaço (M=19.80). A aplicaço do teste de Friedman mostrou
que essa diferença é significativa (X2= 291,08, p< 0,001).
Relativamente ao conceito de born enfermejro, os enfermeiros
também optaram primeiro pelo paradigma da transformaço
(M33.99), seguido do paradigma da integraçao (M=29.64), e,
por iltimo, o paradigma da categorizaco (M21.31). Após apli-
caço do teste de Friedman, verificou-se que as diferenças entre
131
_______ I
N V E S T I G A c A 0 R E L I Z 0 A CONCEPçOES VENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

TABEI 3: MDIAS E DESVIOS PADROES DOS PARADIGMAS DE Em resumo, os enfermeiros orientam-se para os paradigmas da
CATEGORIZAcAO, INTEGRAcAO E TRANSFORMAcAO PARA OS CONCEITOS
DE ENFERMAGEM E DE BOM ENFERMEIRO.
transformaço e da integraço em qualquer dos conceitos consi-
derados, sendo essa orientaço mais evidente no conceito -de en-
PARADIGMAS fermagem do que no conceito de born enfermeiro.
CATEGORIZAcAO INTEGRAçAO TRANSFORMAçAO
CONCEITOS MEDIA D.P. MEDIA D-P', MEDIA D.P'.
EE.1 CE )3 3 3 34
31.EEERNft 3) 44 23 4 2

- DEsvIO PADRAO
6.2. Orientaço para os paradigmas da categorizacäo,
integracao e da transformacao em funçâo de algumas
variáveis demograficas
as médias eram significativas (X2 = 334,47, p< 0,001). Existi-
ram porérn algumas diferenças entre as médias relativas aos dois Era tarnbérn objectivo deste estudo saber se as orientaçöes dos
conceitos. Por exemplo, o valor do paradigma da categorizaço enfermeiros diferiarn ou não em funcão dos anos de serviço, das
para o conceito de born enfermeiro é superior ac, valor da media habilitaçoes literárias e profissionais, do posicionamento na car-
do mesrno paradigma para o conceito de enfermagern. Para ye- reira e do local de trabalho. A Tabela 5 apresenta os dados re-
rificar se estas diferenças erarn significativas, deciclimos aplicar o lativos aos conceitos de enfermagem e de born enfermeiro, em
Teste de Wilcoxon. Isto é, cornparámos as médias do paradigma funço do local de trabalho. A análise deste quadro mostra que
da categorizaco no conceito de enfermagem, corn as médias do existem diferenças nos valores das médias, em funço do hospital
mesmo paradigma no conceito de born enfermeiro, e repetirnos onde os enfermeiros trabaiham.
a operação para todos os outros. Como se pode observar na Tabela Estas diferenças no sao, em geral, estatisticarnente significativas,
4, as diferenças so estatisticamente significativas tal corno resulta da aplicaço do teste de Kruskal-Wallis. Poder-
Enquanto que a opco pelo paradigma da transformaço é mais -se-a dizer assim, que a orientação dos enfermeiros rio apresenta
evidente no conceito de enfermagem que no conceito de born diferenças em funço do hospital em que os mesmos exercern a
enfermeiro, a opcão pelo paradigma da categorizaco é mais vi- sua actividade.
sIvel no conceito de born enfermeiro que no conceito de enfer-
magern.
6.2.1. 0 conceito de enfermagem
TABELA 4: VALORES DE SIGNIFICANCIA, RESLJLTANTES DA APLICAcAO Do
TESTE DE WILCOXON A DIFERENA DE MEDIAS DENTRO DOS MESMOS A Tabela 6 apresenta os valores para os paradigmas da
PARADIGMAS PARA AMBOS OS CONCEITOS.
categorizaco, da integraço e da transformaço (conceito de en-
Z SIGNIFICANCIA (F) fermagem), em função dos anos de serviço, da idade, das habi-
ft JR C)
I2FEXç 1124
litaçoes literárias e do posicionarnento na carreira.
T1'ASE2RRAçAC TED CRRAcRC - 24 - 0,3

I - CORRESPONDE ADS PARADIGMAS DO CONCEITO DC ENFERMAGEM"


2 . CORRESPONDE ADS PARADIGMAS DO CGNCEITO DC 60M ENFERMEIRO

132 133

C
I N V E S T I G A ç A 0 R E A Z A D A CONCEPcES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENO SOCIO-MORAL

TABELA 6; MDIA$ E DESVIOS PADRES DOS TRES PARADIGMAS EM


Li
0 FuNcAo DOS ANOS DE SERvIcO, IDADE, HABILrrAcoES LITERARIAS £
6 2 POSICIONAMENTO NA CARREIRA (C0NCEITO DE ENFERMAGEM).
0-
CONCEITO DE ENFERMAGEM
0
U-
CAFEG0RIZAçA0 INTEGRAçA0 TRANSFORMAcAO
In
z MEDIA I) P' MEDIA OP. MEDIA OP
'C o 2,85 34.8 MM
S •
I- fl-I! -4,18. 2.6g. 353.- :28i
Li - - •4,3 374 3S4 3J1
o • -- 4k': 2,73 348 3&
"C 2G 20 - S'32 2 - J5 F90 35.0
0-
g - n• •%AC

Li
I- • • - -. .i.•• - _
;IOWA
5 Zcl
43 -, 2216 1 49 34'C - 34.2
5D 59 N 39 3- . '13
-
F' 60 - - -. - 200

*' AN-
0 - - 245 j 6 3-
UI .2 4
o 3,6
'C - - . - -.
0
In
'C zi C

S
13 I - DESVJO PADRAO
It
'C
a-

o Da análise desta tabela, destacarnos a tendência geral das médias,


In U-
UI
o do paradigma da categorizaco, para aurnentarern corn os anos de
ir tA
serviço e corn a idade. Cont do, esta tendëncia inverte-se para o
a. I-
In nIvel das habilitaç6es literárias, ou seja, a medida que o nivel das
o a.
habilitaçöes 1iterrias aurnenta, os valores relativos ao .paradigrna
LI
o da categorizaco dirninuern. A aplicaco do teste Kruskal-Wallis
cu
'C
-I 8
a-A rnostrou que a diferença de rnédias, relativarnente aos anos de
'Ca. -
U- - serviço, é signiicativa (X2 = 21,45, p< 0, 001). 0 mesmo se
0
passa para a diferença de médias relativarnente a idade (X2 = 20,50,
--0
Iflo p< 0,001), e as habilitaçoes literárias (X2 = 10,49, p<. 0,04)..
<0
- - 8
- Estas tendências esto bern ilustradas nos Grâficos 1 e 2.
03
'CD
F- LL -- -

134
135

T A
I N V E S T I G A ç A R E A I Z A C A CONCEP(;OES ENFERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

quando se consideraram as habilitaçoes profissionais e o


sexo.
Resumindo, os valores do paradigma da categorização Para o
conceito de enfermagem, aumentam corn a idade- e corn os anos
de serviço, e diminuern corn as habilitaçoes literárias.
Relativamente ao paradigma da integração, apesar de existirem
diferenças em funço dos anos de serviço, essas diferenças nao
apresentam qualquer padrão evolutivo caracteristico, o mesmo
acontecendo em re1aço a idade. Quanto as habilitaçoes literárias
e ao posicionamento na carreira, verifica-se uma ligeira evoluçäo
20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 a medida que progredirnos nas respectivas categorias, mas esta
Idade tendéncia so atinge valores significativos no caso das habilitaçoes
liter.rias, (2 = 15,32, p< 0,005).
GRAFIc0 1: EvoLucAo DO VALOR DA MEDIA DA CATEGORIzAcAO CO Em concIuso, e relativamente ao paradigma da integraço, os
CONCEITO CE ENFERMAGEM, EM ruNcAo CA IDADE.
valores da media aumentarn a medida que o nIvel das habilitaçoes
literárias aumenta.
No que diz respeito aos valores do paradigma da transformaçäo,
em funçao das variáveis já referidas, constata-se, pelas análises
0
tcz efectuadas, que nenhurna das diferenças é significativa.
0'
cz
N Em sintese, e no que se ffiefere ao conceito de enfermagem, o
I-
0
0)
paradigma da categorizaço apresenta diferenças significativas em
a)
4- funçao dos anos de serviço, da idade e das habilitaçoes literârias;
cz
0 o paradigma da integraço ern funço apenas das habilitaçöes ii-
ca terárias; e ) paradigma da transformaço no apresenta diferenças
'0)
significativas em funço de qualquer das variáveis em estudo. Assim,
Ate 2' Ano ciclo 5' ao 7' ou 12' ano Licenciatura ou equi
no conceito de enfermagem, o paradigma mais "sensIvel" parece
2' ao 5' ano Bacharelato ou equiv ser o da categorizaçäo, e a variável independente mais "seisIve1"
Habilitacoes Literárias parece ser a variável das habilitaçoes literárias.
Decidirnos ento, aprofundar a análise das relaçöes entre o
• GRAFICO 2: EVOLUçAO DO VALOR DA MEDIA CA CATEGORIZAcAO DO paradigma da categorizaço relativo ao conceito de enfermagem e
CONCEITO DE ENFERMAGEM EM FuNcAO DAS HABILITAcOES LITERARIAS
as variáveis "anos de serviço", "idade", e "habilitaçoes literárias".
A apIicaço do teste de corre1aço r de Pearson, rnostrou uma
Quanto a diferença entre os valores do paradigma da categorizaço, corre1aço positiva, embora moderada, entre categorizaco e ida-
relativos aos enfermeiros de nIvel I e five1 II, constata-se, pela de (r = 0,33), e uma correlaço negativa entre a categoriza9 0 e
aplicacao do teste de Mann-Whitney, que essa diferença no é as habilitaçoes literárias (r = - 0,23) p< 0,001), em ambos os
significativa. Diferenças näo significativas apareceram também casos). Dado que o nIvel de habilitaç6es literrias diminula corn
136 137
!1T
I N V E S T I G A ç A o R E A L I Z A 0 A
CONCEcOES 1' ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO ScIo-MORAL

a idade/anos de serviço, a prevalência do paradigma da


res do paradigma da categorizaco em funçao dos anos de servi-
categorizaco pode dever-se ao efeito conjugado de todas essas
ço, e idade, a semelhança do que se passava corn o mesmo
variâveis, como é visIvel no Gráfico 3.
paradigma relativamente ao conceito de enfermagem.

TABELA 7: MEDIAS E DESVIOS PADROES DOS TRES PARADIGMAS PARA 0


CONCEITO DE BOM ENFERMEIRO, EM FuNcAo DOS ANOS DE SERVIcO,
IDADE, HABILITAcOES LITERARIAS E POSICIONAMENTO NA CARREIRA.

Habilit. Literárias
CONCEITO DE ENFERMAGEM
E3 Ate 2 Ano ciclo cATEG0RIzAcA0 INTEGRAçAO TRANSFORMAcAO

2 - L) Ano 5 MEDIA D.P'. MtDIA DO. MEDIA D.P'.

52 7Q •1i7 451 .1
ou 122 Ano
-

23 70 53~ 2.84
ED Bacharel. ou equiv.
L15 53 -, - s9L
o Licenciat. ou equiv. 21 25 .1 . 2

30-39 50-59 - -
- 9 61 2 -r
- 3 4,38
I4•
Idade

GRAEICO 3 - VARIAçAO DOS VALORES DA CATEGORIZAcAO RELATIVOS AO


CONCEITO DE ENFERMAGEM EM VUNcAO DAS HABtLITAcOES LITERARIAS E ATE Is L19 44~ 29K 111 340-1
-
IDADE. . 3.02
- • ,v 'z 2.67
- ' 156 29 20 , 64 3H 3.Z
12 5 Di 2 .
. 1.77

Algumas análises efectuadas permitem afirmar que a acço con-


junta da idade/anos de serviço e habilitaçoes literrias, sao Os - 04, 77 .. . - 297-
factores que mais condicionam a adopco ou rejeiço do paradigma • D.F. DESvI0 PADRA0

da categorizaçäo, parecendo, no entanto, ser o primeiro destes


factores (i.e., idade/anos de servico) aquele que exerce malor
influência,
A aplicaçao de urn teste de Kruskal-Wallis a diferença entre as
médias mostrou que, quer num caso quer no outro, a diferença
era significativa (X2= 42.16, p< 0.001; X2 37.57, p< 0.001,
6.2.2. 0 conceito de born enfermeiro
respectivamente).
A Tabela 7 apresenta Os valores dos paradigmas da categorizaço, 0 aumento do paradigma da categorizaçäo relativo ao conceito
integração e transformaçao, para o conceito de born enfermeiro, de born enfermeiro em funço da idade, é apresentado no Grá-
fico 4. Al se constata o seu aumento progressivo, sendo o mes-
em funçao dos arms de serviço, idade, habilitaçöes Iiterárias e
carreira. Na análise desta tabela, destaca-se a evoluçäo dos valo- mo mais notório na passagem do grupo dos 30-39 para Os 40-49
anos, e do grupo etário dos 50-59 para os 60-69 anos.
136
139
I N V E S T I G A c A o R E A I Z A 0 A CONCEPcOES Dr NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOcIO-MORAL

A aplicacão do teste de Kruskal-Wallis a diferença de médias,


0
lt rnostrou tarnbérn uma diferença estatisticarnente significativa
c 28
Co
N
(X2 = 23.47, p< 0.001). 0 Gráfico 5 permite visualizar o de-
26 créscirnd dos valores da media do paradigma da categorizacão
0)
0)
C5 24
relativos ao conceito de born enfermeiro, em função das habili-
0 taçöes literárias. De modo mais especIfico, h urn decréscirno ate
ja 22 a categoria "bacharelato ou equivalência", verificando-se depois
70
20 uma ligeira inversão, sendo logo retomada a tendência inicial.
18
Isto pode dever-se ao facto de o bacharelato não constituir, para
40-49 50-59 60-69 rnuitos profissionais, urn grau académico de facto, rnas sirn urn grau
decorrente de urn processo de atribuição de equivaléncia, na sequên-
Idade
cia das alteraçoes recenternente introduzidas na profissão.
GRAFICO 4: EVOLUcAO DOS VALORES DO PARADIGMA DA CATEGORIzAcAO Quanto aos valores para o paradigma da categorizacão em funcão
RELATIVOS AO CONCEITO DE BOM ENFERMEIRO EM FuNcAo DA IDADE.
do posicionamento na carreira, verifica-se que são mais elevados
no nivel I que no nivel II, não sendo contudo esta diferença
Relativamente as habilitaçöes literárias, verifica-se o oposto, ou
estatisticarnente significativa. Tambérn não apareceram diferenças
seja, os valores do paradigma da categorizacão decrescem a me-
significativas em função das habilitaçoes profissionais e do sexo,
dida que aumenta o nivel académico. Assim, começamos corn
(não constantes no quadro).
uma media de 23.00 para a primeira categoria (i.e., ate ao 2 0
Relativamente a variável "serviço" (i.e., serviços de internamento onde
ano de ciclo) e terrninarnos corn urna media 16.87 na ültima
os enfermeiros prestarn cuiddos), verificou-se que existe urn con-
categoria (i.e., licenciatura ou equivalente).
junto de serviços corn valores abaixo da rnédia geral (M=21.31): as
unidades de cuidados intensivos (M17.66), os servicos de urgência
(M18.54), pediatrias (M=19.27), cardiologias (M19.33) e cirur-
gias (M=19.53). Por sua vez, outros serviços como as ginecologias
(M25.50), as consultas exteruas (M24.75), os blocos operatórios
(M=23.90) e as maternidades (M=23.83), apresentam valores acima
da referida media geral. 0 teste de Kruskal-Wallis rnostrou que essas
diferenças cram estatisticarnente signfficativas (x2 = 27,87, p< 0.01).
Em conclusão, quanto ao paradigma da categorização relativo ao
conceito de born enfermeiro, os enferrneiros escoihem-no tanto mais
Ate 2 ou equl quanto mais idade e/ou anos de serviço possuem, e tanto menos
Do 21 ao 51 ano Bacharelato ou equiv quanto maiores forern as suas habiitaçoes literárias. De referir que a
HabilitaçOes Literárias sua maior on menor escoiha tern ainda a ver corn o serviço onde Os
enferrneiros trabaiham.
GRAFICO 5: EVOLUçAO DOS VALORES DO PARADIGMA DA CATEGORIzAçAO
RELATIVOS AO CONCEITO DE BOM ENFERMEIRO, EM F0NçAO DO NIVEL DAS
Em relação ao conceito de born enfermeiro, face ao paradigma
HABILITAçOES LITERARIAS da integracão, começarnos por fazer referência a evolução dos
140 141

-
I N V E S T I G A ç A o R E A I Z A 0 A
CONCEP;IIES r
ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

valores deste paradigma em funco da variável "serviço" (não cons-


tarite na tabela), porque podemos assim fazer o contraponto corn de serviço e da idade, mas tais diferenças no sao estatisticamen-
te significativas.
o que acabou de ser afirmado relativamente ao paradigma da
Os valores do paradigma da transformaçao apresentam pequenas
categorizaco, face a esta mesma variável. Verifica-se que exis-
tern variaçöes nos valores deste paradigma, em funçäo dos servi- variaçöes, em funçao das quatro primeiras categorias das habilita-
cöes literrias (i.e., 'ate ao 2° ano', 'do 2° ao 5° ano', 'do 5° ao
ços. Serviços como unidades de cuidados intensivos (M=31.00),
7° ou 12° ano' e 'bacharelato ou equivalência'). No entanto, os
cardiologia (M30.88), pediatria (M30.50) e ortopedia
valores da filtima categoria (i.e., licenciatura ou equivalente)
(M=30.20), tern valores acima da rndia geral (M=29.64), e os
apresentarn urna diferença considerável face aos das categorias
serviços de urgência (M27.72), ginecologia (M27.83), rnedi-
anteriores. Após a aplicaçao do teste de Kruskal-Wallis a diferen-
cina (M=28.62) e de consultas externas (M=28.68), apresentam
ça de médias, venificou-se que essa diferença era estatisticamente
valores abaixo da media geral. Aplicado o teste de Kruskal-Wallis significativas (X2 = 12,24, p< 0.01).
a diferença de médias, verificou-se que esta diferença era estatis-
Resurnindo, os valores do paradigma da transformaço em rela-
ticamente significativa (2 = 24,80, p< 0.01). De salientar que
os lies primeiros serviços (i.e., unidades de cuidados intensivos, çäo ao conceito de born enfermeiro, apenas apresentam variaço
significativa em função das habilitaçoes Iiterárias, notarido-se urn
cardiologia, pediatria), referidos corno tendo valores acima da
aumento acentuado ao nIvel de licenciatura.
media geral, SO Os mesmos que no paradigma da categorizacäo
A relaçao entre paradigmas e o conceito de born enfermeiro
apresentavarn os valores mais baixos. Por outro lado, os serviços
mostra, de novo, que é o paradigma da categorizaço o mais
de ginecologia e- de consultas externas, referidos como tendo médias
abaixo da media geral, faziam parte do grupo de serviços que no sensivel a certas vaniâveis em análise. Assim sendo, decidirnos
repetir o procedirnento adotado relativamente ao conceito de
paradigma da categorizaco apresentavam valores acima da media enfermagern: verificar a relaçao entre o paradigma da categorizaç
geral. Parece, assirn, existir urna relacão inversa entre os valores o
destes dois paradigmas. Ou seja, os enfermeiros das unidades de e os anos de serviço, idade e habilitaçoes literánias aplicando o
teste estatIstico r de Pearson. Verificámos que existe correlaçao
cuidados intensivos, cardiologias e pediatrias, rejeitam mais as
positiva, de fraca a moderada, entre categonizaço e idade e anos
afirmaçöes do paradigma da categorizacäo e escoihem mais as do de serviço (r = 0.42 nos dois casos), e correlação negativa, tam-
paradigma da integraço. Corn os enfermeiros dos serviços de
ginecologia e consultas externas, passa-se 0 inverso. bern de fraca a moderada, entre o rnesrno paradigma e as habi-
litaçöes literárias (r = -0.26). De refenir que qualquer urn destes
Quanto aos valores do paradigma da integraço em funço da variá-
ye1 "anos de serviço", veriflca-se que esses valores tendem a aumen- valores é estatisticamente significativo (p< 0.001). Correlacionámos
tar a medida que progredimos nas categorias desta variável. A aplicaçao ainda as habilitaçoes literánias cm a idade e corn os anos de
do teste de Kruskal-Wallis mostrou que a diferença de médias era serviço, tendo aparecido uma correlaçao negativa, de moderada a
forte (r = -0.57 e -0.65 respectivamente
estatisticamente significativas (X2 = 12,33, p< 0.04). As outras di- ) Isto é, os valores no
paradigma da categorizaç o sâo tanto mais elevados, quanto mais
ferenças encontradas não foram significativas.
idade e mais anos de serviço Os enfermeiros possuem, e tanto
Em resumo, quanto ao paradigma da integraço, parece haver
urn aumento progressivo em funço da idade. mais baixos quanto rnaiores forem as suas habilitaçoes literárias.
Relativamente aos valores do paradigma da transforrnaçäo, yen- H pois influência conjugada de vários factores (ver Gráfico 6).
fica-se a ocorrência de pequenas diferenças em funcao dos anos
142
143
I N V E S T I (3 A Q A 0 R E A 1 Z A 0 A-
CONCEPcOES 0 'NFERMAGEM
J
E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

situação ideal. Seria de esperar, por exemplo, urna relação inversa


entre Os paradigmas da categorização e da transformação. Mas a ánica
0 28 coisa que se poderá afirmar é que existe o esboço de urna relação
26
cri inversa entre o paradigma da categorização e o da transforrnação, no
24 Habilit. Literárias
conceito de born enfermeiro.
0
0) 22 E3 Ate 2Q Ano ciclo A não existência de relação inversa entre os dois paradigmas pode
ci)
2 - 52 Ano ter a ver corn o fenómeno de desejabilidade social. Na literatura da
0
Ci 18
En 52 -72 ou 122 Ano especialidade, a linguagem denominada de "cuidativa" aparece como
16 sinónjmo de moderrijdade.
to Bacharel. ou equiv.
14
Pelas razôes atrs expostas, e tendo em consideração a "sensibilidade"
12 0 Licenciat. ou equiv.
40-49 60-69 manifestada pelo paradigma da categorização em urn e outro concei-
30-39 50-59 to, decidimos analisar a orientação dos enfermeiros tendo em consi-
Idade deração a aceitação ou rejeiçäo das afirmaçoes deste paradigma.
Corn base neste raciocinio, e tendo em consideração que o paradigma
GRAF1c0 6: EvoLucAo DO PARADIGMA DA CATEGORIZAcAO RELATIVO AO da categorizaçäo pode assumir valores entre oito e 40, dividimos este
CONCEITO DE BOM ENFERMEIRO, EM FUNcAO DA IDADE E DAS HABILITAES
LITERARIAS. intervalo em três partes iguais. Os valores inteiros possIveis entre
oito e 40 são 33, dividindo este nfirnero por três, obtemos intervalos
Pode concluir-se que, relativamente ao conceito de born enfenneiro, de 11 valores cada: de oito a 18, de 19 a 29, e de 30 a 40. 0
o paradigma da categorizacão é o que apresenta maior variação em primeiro destes intervalos (i.e., 8-18), corresponde a valores de media
função das diversas variâveis. De destacar a sua maior aceitação a baixos, portanto, a urna rejeão das afirmaçoes do paradigma da
medida que aumentam os anos de serviço e/ou a idade, e a sua categorização. 0 intervalo intennédjo (i.e., 19-29), corresponde a
maior rejeiçâo a medida que aurnentam as habilitaçoes literrias. Estes urna zona de transição em que, não havendo urna rejeição clara dessas
dados são consistentes corn o aumento do paradigma da transforma- afirmaçoes, também não são aceites em absoluto; e, por áltimo, o
ção, em função do rilvel das habilitaçoes 1iterrias. Por fim, parece terceiro desses intervalos (i.e., 30-40), correspoiide a urna aceitação
que os enfermeiros que trabaiham em serviços como uriidades de clara das afirrnaçoes do referido paradigma.
cuidados intensivos, cardiologias e pediatrias, tern urn conceito de Assim, se considerarmos a media do paradigma da categorização relativa
born enfermeiro relativamente diferente dos que trabaiharn em ser- ao conceito de enferrnagern (M=19.80), verificamos que se situa na
vicos como ginecologias e consultas externas. Ou seja, os primeiros parte inferior do intervalo interméclio (i.e., 19-29). Tal significa que
rejeitam mais afirmaçöes pertencentes ao paradigma da categorização estes enferrneiros rejeitam grande parte das afirmaçoes do paradigma
que os segundos. da categorização. A media do paradigma da categorizaçao do concei-
Os conceitos de enfermagem e de born enfermeiro apresentarn, to de born enferrnejro (M=21.31) situa-se igualmente no intervalo
portanto, mais sernelhanças entre si quando são vistos 3. luz dos intermédlio.
paracligmas da categorizacão, do que dos paradigrnas da integração e Corn base nesta análise, poder-se-á concluir que a orientação dos
da transforrnação. enfermeiros sobre os conceitos de enfermagem e de born enfermei-
Corn base ern tudo o que j3. foi dito, constata-se que não se verifica ro, é para o paradigma da integração. Esta orientação é mais eviden-
a relação entre os paradigmas que seria suposto verificar-se numa te no conceito de born enfermeiro, que no conceito de enfermagern.
144
145
/
I N V E S T I G A ç A o R E AL I Z A 0 A
CONCEPctES OE
ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

6.3. Paradigmas de orientaçâo dos enfermeiros e nivel


TABEL.A 9: VALORES DO
de desenvolvimento sócio-moral INDICE P EM FUNcAO DA IDADE, ANOs DE
SERVIcO, HABILITAcOES LITERARIAS, HABILITAcOES
PRORISSIONAIS
POSICIONAMENTO NA CARREIRA E SEXO.

A Tabela 8 apresenta os valores obtidos pelos participantes no


Teste de Definir Valores Morais (i.e., as médias, e desvios pa- lm
INDICE
MEDIA
P
DR.'

dröes relativos ao Estddio 2, Estádio 3, Estádio 4 e Indice F), em 30-39


4454
4370
funço de cada urn dos hospitais. IL 40-49 3653
50-53 35,55
8660 35.83 I 17

8: 222

HI
TABELA MEDIAS E DESVIOS PADROES DO DIT EM FUNcAO DO
3.74
HOSPITAL. ~gqrk

ESTADIO/!NDICE 26-95 21 87 AW
ESTADIO 2 - 6E30 36.25
ESTADIO 3 ESTADI0-4 INDICE P 2210
HOSPITAL MEDIA DR.' MEDIA D.P. MEDIA D.P. - MEDIA D.P.

01 l 355 5 J 186 858 4 4 114 .24.60 252


2-5
676 2105 2004 965 2072 12,28 4453 134 , 3233 104
045AL604E 5-77I2 4567 II 22
6 50 551 2080 925 24,110 1053 3985 1235 I-
- 84f5FA3 41,28 3(15
6 53 3 9 65
565 509 2222 893 14 No 19 J118 1221

409 1222
CEE3 S9
- D.P. DESVIO PADRAO - 1020

NroI 41,12 264


II - 4534 1052
Na análise da referida tabela, destacarnos os valores da media do
Indice P. Como se pode constatar através da análise, verffica-se Muu5o 39i6
I - 41
13 65
12 41
que a media geral é de 41.18. Destaca-se o hospital de Beja corn I - D.P. DESVIO ISADRAO

valores acima dessa media (M=44.59). Os hospitais de Evora e 2- CEGICSE - CURSO SE ENFERMAGEM GERAbCURSO
SUPERIOR SE ENFERMAGEM
3 - CEENF - CURSO SE ESPEEIAIJZAçAo EM
de Portalegre apresentam valores inferiores a media geral, sendo ESPECIAUZ000S EM ENEERMASEM
ENFERMAGEMURSO DE ESTIJSOS SUPERI000S

o de Portalegre, o que apresenta valores mais baixos.


A Tabela 9 apresenta os valores de Indice P em funcão da idade, E de salientar que as variáveis em funço das quais os valores de
anos de serviço,. habilitaçoes literárias, habilitaçoes profissionais, Indice P apresentarn diferenças acentuadas, so as mesmas em fun-
carreira e sexo.
go das quais os valores do paradigrna da categorizaçäo, relativos
Na análise desta tabela, constata-se que ha urn decréscirno pro-
ao conceito de erifermagem, e de born enfermeiro, apresentavarn
gressivo do valor do Indice F, quer em funco da idade, quer em
diferenças significativas. Isto faz pensar numa possIvel relaço entre
funçäo dos anos de serviço (excepco para a categoria "mais de o paradigma da categorizaço (para os conceito de enfermagern e
30 anos" de servico). Ou seja, regra geral, o valor de Indice P de born enfermeiro) e valores do Indice P. A Tabela 10 apresenta
decresce a rnedida que a idade e/ou os anos de serviço aumen-
dados sobre essa relaço. A análise desses dados mostra urna
tam. Os valores do Indice P em funço das habilitaçöes literárias,
diminuiço progressiva dos valores do paradigma da categorIzaço,
profissionais e carreira, variam de modo inverso àquilo que aca-
(quer para o conceito de enfermagern, quer para o de born en-
bámos de descrever para as variáveis idade e anos de serviço. fermeiro) a medida que os valores do Indice P
vão aumentando.
146
147
I N V E S T I G A ç A o R E A L I Z A D A
CONCEPcOES 'JFERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

TABEL.A 10: VALORES DOS PARADIGMAS DA cATEG0RIZAcA0 PARA Os


CONCEITOS DE ENFERMAGEM E DE BOM ENFERMEIRO EM FuNcAo DOS TABELA 11: VALORES DO F'ARADIGMA DA TRANSFORMAcAO RELATIVOS
VALORES DE INDICE P. ADS CONCEITO OS ENFERMAc3EM E OS BOM ENFERMEIRO EM FUNcAO DO
INDICE P.

NOICE P ENFERMAGEM-cATEGORIZAcAO BOM ENFERMEIRO-CATEGORIZ.


MEDIA OP.' MEDIA D.P. INDUCE P ENFERMAGEM-TRANSFORMAcAO BOM ENPERMEIRO-TRANSFOR.
9 MEDIA D.P.' MEDIA OR'.
244.
2 I 04 3
21 i9 5.37 9
40 - 9 5 *1,p
3 3 9 391 460 35 02 _76
1- -i 3446 274
70 10 011 ) LID 1 4.. 43
35 53 2.75
39X 0.00
12 2a4

I - D.P. DESVIO P*oRAo


111, WN 334 '34O 3,12.

I - DR. - DESVIO PADRE0

Aparece pois, urna re1aço inversa entre os valores do paradigma


sivo a rnedida que aurnenta o nivel das habilitaçoes literárias. De
da categorizaçäo, de urn e outro conceito, e os valores do Indice
P. A aplicacao do teste r de Pearson revela urna correlaçâo destacar, sobretudo, a relaçao inversa entre o paradigma da
categorizaco e o Indice P, e a relaço positiva entre o paradigma
negativa, de fraca a rnoderada, entre as referidas variáveis
da transforrnaço e o rnesrno Indice P.
(r = - 0.39 para o paradigma da categorizaco, conceito de en-
fermagem; e "r" = - 0.40 Para o mesmo paradigma, conceito de
born enfermeiro).
A Tabela 11 apresenta os valores do paradigma da transforrnaçâo, 6.4. Concepcoes de enfeirnagem e de born enfermeiro
conceitos de enferrnagern e born enfermeiro, ern funço dos valores através das entrevjstas
do Indice P. Através da análise desta tabela, podernos constatar o
inverso daquilo que referirnos relativarnente ao paradigma da Como forma de dar resposta ac, iiItirno objectivo deste trabaiho,
categorizacão, ou seja, existe urn aumento progressivo dos valo- entrevistámos 11 enferrneiros clistribuidas pelos três hospitals, de
res do paradigma da transformação, a rnedida que os valores do acordo corn a metodologia já exposta. A ideia foi cornpreender
J'ndice P vo aurnentando. as concepgöes de enfermagem e de born enfermeiro, dos identi-
Verificárnos tambérn a força de associação entre as variáveis ern ficados corno bons enferrneiros, na convicço de que tais concep-
causa (i.e., Indice P e paradigma da transforrnacão), através da çöes nos ajudarn a compreender esses rnesrnos conceitos.
aplicaço do teste r de Pearson. Obteve-se urna correlaçäo posi- Passarnos a apresentar os resultados da análise de conteddo das
tiva, de fraca a moderada, entre elas (r = 0.21, conceito de entrevistas feitas. A anâlise tern urn carácter essencialrnente qua-
enferrnagern; e r = 0.25, conceito de born enfermeiro). litativo. Isto no quer dizer que no sejam feitas algurnas consi-
Ern resurno, face a estes dados parece que os valores de indice P deraçoes corn urn carâcter mais quantitativo, sobre alguns aspectos.
apresentam urn decréscimo progressivo, a rnedida que a idade e/ Antes de apresentarmos esses result3dos é devida urna nota sobre
/ou os anos de serviço aurnentam, verificando-se o oposto rela- o rnodo corno foi interpretado o uso dos termos "doente" e "tra-
tivarnente as habilitaçoes literárias, ou seja, urn aumento progres- tar". Os mesmos sâo, por norma, entendidos corno fazendo parte
148
de urna linguagem biornédica ou centrada na doença. Apesar deste
149
1 - I
CoNcErceEs DE 'IERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SeCIOMORAL
R E A LI Z A D A
I N V E S T I GA ç A

Neste contexto, natural que o termo "colega" apenas seja usado


entendimento mais ou menos genralizado, e em funço de di-,
relativamente aos pares profissionais, tal como se constata no extrac-
versos factores, entendemos no atribuir centralidade a estes ter-
mos, e categorizá1os em função do sentido geral do discurso to seguinte.
produzido. Uma das razöes desta Iecisão, tern a ver corn o facto
( ... ) Corn relaçöes humanas penso que excelentes, penso que
de as entrevistas terem sido feitas apenas a enfermeiros que tra-
isso que ê urn factor a considerar bastante, quer seja a five1
baiham em hospitais. Al, os terxios "doente" e "tratar" fazem
de. . .de auxiliares de acçäo médica, quer seja corn a parte rn&lica,
parte da cultura organizacional, uma vez que os hospitais esto
quer corn os colegas, penso que sou urn individuo corn boas
genericamente vocacionadas para tratarnento dos doentes. As-
relaçôes humanas.
Sim, estes termos so adquirem sentido no contexto do discurso
de cada pessoa que os usa. Por outro lado, parece existir temor de alguma conflituosidade entre
Os diversos intervenientes no processo terapêutico. Neste caso, o
doente passa a fazer parte da teia relacional. Esta conflituosidade
6.4.1. 0 binóniio enfrrmeiro/ decorreria do facto de se ser demasiado sensIvel, e de se "viverem os
problemas dos doentes". Dal a necessidade de "uma pessoa ficar in-
Iniciarnos a análise pelo tema birn5mio "enfermeiro/doente-Uten dependente", tal como se pode observar no extracto que se segue.
te" pelo facto de ter urn carácter transversal relativarnente a todos
Os
outros. Alm disso, este tema icont6m unidades de registo que
também constam de outros temas, pelo que no possui as propri- (....) Queixas habituais do doente em reIaço ao enfermeiro,
do enfermeiro em relação ao doente, ao medico, ( ... ) eu feliz-
edades de exaustividade e exclusijvidade. No entanto, dada a pre-
mente ate hoje nunca tive. TambCm não sou daqueles indivi-
sença constante deste binOmio aoI longo dos discursos, e ainda a duos das pessoas pensarern que,... sei Ii.... viverern os problernas
centralidade que ele adquire, pareceu-nos importante inclul-lo como
das pessoas, de uma pessoa ser to sensIvcl que ... também
tema. De salientar, por firn, que este tema não foi abordado de
não quer dizer,... uma pessoa tern que ficar independente.
rnodo especffico nas entrevistas, tendo resultado do discurso es-
pontâneo dos sujeitos entrevistalos. A ideia corn que se fica é que a noço de "relaçöes humanas
A prirneira categoria a considerar neste tema, ê ø paradigma da
excelentes", deverá ser decomposta e ser considerada em separa-
categorizacão. Tendo embora estaF categoria recoihido poucas unida-
do a relaço corn os medicos, corn os auxiliares de acçäo mddica,
des de registo, existem algurnas que nos merecem realce. A primeira
corn os colegas e, por firn, as relaçöes corn os doentes. Corn
tern a ver corn a forma como 6 entendida a relação entre alguns dos
estes ñltimos, dever-se-â ter o cuidado de no permitir grande
intervenientes no processo terapifico (e.g., enfermeiros, medicos,
proxirnidade, devendo as relaçöes restringir-se ao problerna con-
doentes, auxiliares de acço rn&lica). Nesta categoria, os enfermeiros
creto que ali os trouxe (doença?). De algurn modo, isto d con-
entrevistados dizern existirem relaçöes humanas excelentes entre os
firmado por urn outro sujeito que entretanto reconhece que,
diversos intervenientes. No entanto, parece não existir nog-do de equipa,
actualrnente, se tratarn doenças e no doentes.
uma vez que, ao falar-se de relaçöes, se estabelece uma clivagem
entre "auxiliares de acçâo medica", a "parte m&lica" e "os colegas".
( ... ) E entretantO cu costurno dizer que neste momento tra-
Parece prevalecer uma certa no comunicabilidade entre os diversos tam-se doencas e não se tratam doentes.
sectores profissionais, e o doente no 6 considerado nestas relaçöes.
151
I N V E S T I 6 A ç A o R E Al Z A 0 A CONCEPGOES NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO -MORAL

o foco de atenção é a doença e näo a pessoa doente, dando a tris de nós e que a ansiedade vai crescendo. E só isso que eu
ideia de que aquela entidade tern uma existncia própria, para penso.
além da pessoa.
Em resumo, e relativamente ao paradigma da categorizacão, po- Esta reversibilidade impilcita parece indiciar o reconhecimento
der-se-á dizer que ele se caracteriza por urn dos pares do binómio do outro como pessoa igual a nós, corn os mesmos direitos e
(i.e., o enfermeiro) se posicionar como técnico que parece pos deveres, corn sentirnentos e afectos. Esta abertura ao outro pare-
suir espIrito de classe, mas no de equipa. Apesar de tudo, diz ce ter, na sua génese, urn auto-reconhecimento do enfermeiro
relacionar-se corn os outros técnicos e corn os doentes. As rela- como pessoa. Porque para considerarrnos o outro corn sentirnen-
çöes corn os referidos técnicos parece no se estruturarem em tos e afectos, corn direitos e deveres, está sempre implIcito o
funçäo do doente, assumindo antes urn carácter social. Os doen- principio "tal como nós próprios". A aflrmaço do enfermeiro
tes constituern o outro par do binómio. As relaçöes corn eles como pessoa, nunca é explicitamente afirmada, mas surge apenas
parecern restringir-se a doença, considerando-se que a proximi- por entreposta pessoa. Säo os colegas, ou entäo os doentes, que
dade e a atenço ads seus problemas pode ser fonte de conflitos passararn a ver-nos e a considerar-nos como, pessoas, tal como
e perturbar o desempenho. afirmarn alguns dos entrevistados:
no entanto, o paradigma da integração que detém a preferén-
cia dos sujeitos entrevistados, sendo 0 que recebe o maior niime- ( .... ) E cu penso que a nIvcl dos doentes dcpois veêm o en-
ro de unidades de registo. fcrmeiro,... ate podc ser,... so calhar o doentc ye no offer-
0 aspecto que destacamos em prirneiro lugar é o reconhecimen- mciro uma pessoa se calhar humana, uma pessoa quo a trata
to da irnportncia do "relacionamento humano corn o doente". born. (.....) Mas sc calhar o doente tambCm ye cssa parte fun-
Este reconhecimento tern irnplIcito urn certo "colocar-se no lugar damental do enferreiro, ye q ue está ali urn amigo que o quer
do outro", tal como afirmam dois dos sujeitos entrevistados: ajudar.

(.....) E muito importante o relacionarnento hurnano corn o ( .... ) Sc calhar quando as pessoas dizem quo cu sou boa enfcr-
doente, estar junto delo. Por vezes nós esquecemos quo o "estar meira, so calhar esto a vcr a possoa ern si( .... )
do ]ado do Ii", o estar all numa cama, é uma situação extre-
mamente dificil. Esta forma de os profissionais se afirrnarern como pessoas parece
esconder algum receio de afirrnaço, e revela algurna rnodéstia e,
( .... ) Para mirn o ser enferrnciro não é csscncialmcntc ser urn ento, afirmam-se através do reconhecimento dos outros. Alias,
born técnico, embora isso seja rnuito irnportantc. Mas penso existern duas situaçöes da nossa vivência durante o processo de
quo também é o born relacionarncnto corn o doentc, ... a partc investigacão que nos parece ilustrarern o que acabou de se afir-
hurnana é essencial. mar. A prirneira tern a ver corn a solicitaço feita aos enferrnei-
ros para indicarern nornes de colegas que considerassem bons
( ... ) E nos conseguirmo-nos transpor para o cadeiro (referên- profissionais. Esta solicitaço, para alérn de receber uma baixa
cia ao cadeirSo da hernodiáliso). Sentirmos quc cstamos a ser taxa de resposta, despoletou o mais diverso tipo de reacçOes,
puncionados, quo estarnos a ter uma máquina, quo tcmos do- quer por escrito, quer verbais, notando-se em todas elas urn traço
res, que ha tanta coisa quo nós no sabemos 0 que Sc passa por cornurn: a dificuldade em assumir a diferença e a individualidade.
152
153
I N V E S T I G A ç A o R E A I Z A 0 A
CONCEPçOES 'b-JENIERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

o outro acontecimento tern a ver corn a reacço dos entrevista-


ao dispor dessa pessoa os conhecirnentos quc nbs tcmos, scr
dos a pergunta corn que se abria a entrevista:
enfermeiro começa logo em nós, acho quc nascc connosco.
- "Sabe que os colegas que responderam ao questiondrio que eu passei
neste hospital a consideraram uma boa prfissional de enfermagem? 0
Reconhecendo estas caracterIsticas como fazendo parte da profis-
que pensa deste facto?"
são, o enfermeiro passa a preocupar-se não so corn a doença,
Perante isto, grande parte dos entrevistados rnostrava sinais de
mas tambérn corn outro tipo de problemas e de sofrirnentos. Isto
algum ernbaraço, e dificuldade em assumir esse facto de forma
mesmo é afirmado por urn enfermeiro ao descrever uma situação
clara, a mistura corn satisfaço. Tal é visIvel nas palavras de al-
por ele vivenciada:
guns dos entrevistados:
( .... ) Decidi ficar junto daque]a senhora quc estava bastante
( ... ) Vamos lá ver. Este facto, cu no me rnanifcstci logo mas
angustiada naquele rnornento. ( .... ) 0 problema dcla naquele
ha urn impacto positivo saber que ha colegas que me acharn
mornento era a ansiedade,... o sentir-se,... pronto.. estar no
born profissional.
hospital longe dos flihos, do rnarido... se caihar se cstivesse em
casa poderia tarnbém desabafar corn os farniliarcs c tcria o apoio,
( ... ) Isso depende urn bocado de,... a partida assumo as res-
aqui no tinha, e ento seria o enfermeiro.
ponsabilidades. Os meus colegas designaram-me como se eu
fosse urn born enferrneiro( ..... ).
Impilcito a este posicionamento está a pessoa nas suas diversas
dimensöes. Ou seja, a preocupação do enfermeiro já não é sO
( ... ) Urna ccrta surpresa per urn lado, c per outro lado acho
corn a doença, mas também corn a forma como ela é vivida por
que faz bern a nossa auto-estirna.
aquela pessoa. A doença poIe ter repercussöes sobre a vida "so-
cial, familiar, econOmica...." da pessoa e esta poderá ter que ser
Quando o profissional de enfermagem se assume como pessoa, o ajudada nesses aspectos.
viver profissional deixa de ser encarado como urn sacerdócio,
que irnplica sacrifIcio e sofrimento. Em sua substituição, é intro-
(....) Geralmente a pessoa chega au c sai dc tudo, a vida so-
duzido o gosto pelo que se faz, o gosto de estar corn as pessoas.
cial, a vida familiar, a parte económica e portanto, e precisa de
No entanto, isso exige algurna intuição e saber, tal como dizem
ser ajudada,
alguns enfermeiros:
Estamos assim perante uma nova realidade: considerar-se e assu-
( .... ) Gostar do que faz.....Pronto sobretudo cu acho que a
mir-se que tanto o enfermeiro como o doente/utente são pesso-
parte hurnana 6 fundamental, ter uma certa intuição, destreza,
as corn dirnensöes diversas (bio-psico-sociais), em interacção, corn
dinamismo, porque eu acho que a profissao tambérn exige de
direitos e deveres, corn sentirnentos, afectos e medos. Perante
nós uma certa genica.
esta realidade, o enfermeiro tern a noção de que tern que "fazer
o que (entende) que será meihor para a pessoa que (tern a sua)
( .... ) Portanto a enfcrrnagem no fundo 6 isto, 6 saber estar
frente". 0 fazer o meihor implica dar resposta as mültiplas face-
corn a pessoa, saber estar disponivel para a pessoa, para que
tas atrás referidas e que o enfermeiro reconhece como sendo
corn essas cluas armas possamos dar os conhecirnentos, ou pôr
parte integrante da pessoa. Os cuidados adquirern também urn
154
'55
I I I
I N V E S T I G A ç A o R E A Z A 0 A CONCEPcOES DNFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

carácter multifacetado. E, porém, perante algurnas destas novas doente/utente como urn dos seus membros, tal como se observa
facetas, que se sente que o profissional por vezes vacua, como se na fala deste enfermeiro:
no soubesse exactamente que resposta dar. E ento, os enfer-
meiros detectarn as situaçöes, reconhecern-ihes importncia e ( .... ) Nós aqui zangarno-nos corn os doentes e des zangarn-se
decidern, em função disso, deixar de fazer umas coisas para fazer connosco,.. 6 quase urna familia. E nas farnilias acontece isso.
essas outras. So que, nestas situaçöes, parece faltar-Ihes em de-
ciso e destreza aquilo que, em situaçöes de outra natureza (e.g., A situação torna-se particularmente paradigmática na descriçao
deste outro sujeito:
emergência médica, entre outras), ihes sobra. Urn dos sujeitos
entrevistados refer a o seguinte:
( .... ) 0 senhor estava corn hemorragia digestiva c cstava, apa-
( .... ) Pronto e al nós, muitas vezes no sabemos muito born rentemente, relativarnente bern (......) Tinha-lhc falecido urn
como reagir, mas tcntei falar corn cia, au,.. crnbora o serviço fliho. Talvez scja por aI que eu me agarrei urn bocado mais
cstivesse bastante "pesado" e tinha pouca disponibilidade, mas aquele doente, ... quo era urn fliho que era da mesma idade
tcntci ficar junto dela c faiar ate cia ficar urn pouco mais cal- que eu, e que tinha urna fliha precisarnente corn a idade do
ma..... decidi ficar junto daquela senhora que cstava bastante rneu fliho,... e ole tinha falecido ha dois ou três moses (.....
angustiada naquele rnomento. Cerca das 10 horas fez uma hemorragia brutal,... Talvez o ter-
-me pegado mais corn aquele doente durante todo o turno,...
o enfermeiro ate pode ter a nocão de que o que é preciso, pode tocava-me a mim próprio,... e tentei que ( .... ) c posterior-
ser muito pouco, como dizia urn outro enfermeiro, "Urn son-iso, mente ole não voltou para a Medicina, que era o rneu serviço,
foi para a Cirñrgia, d fui Ia ye-b. Por acaso at6 a altura de o
as vezes nem precisamos de falar, basta urn sorriso". No entanto,
as dificuldades e as hesitaçöes permanecem porque no se deve Senhor ter alta do vez em quando ía Ia ye-b.
"actuar dernasiado corn o coracão, embora não o pondo de parte.
De salientar que estas descriçoes foram apresentadas como situa-
(...) E fundamental manter a cairna mas, ao rnesmo tempo, so-
frer urn bocadinho corn a situaço". çöes de bons cuidados de enferrnagem. Não pretendernos insinu-
Urn outro enfermeiro acrescentava: ar que os cuidados näo tenham sido bons. A questo que colocamos
é de outra natureza: nestas descriçoes consegue-se perceber que
( .... ) Eu sofro muito corn as situaçcs.... porque .... eu não o os erifermeiros foram sensIveis as situaçöes de sofrirnento das
conhcço de lado nenhum, mas se for rncu doente, é quaso pessoas, no entanto, a forma como agirarn resultou do planea-
como se fosse da minha famIlia. Eu estabeleço urn do de liga- rnento de urn processo relacional terapêutico ou de urn envolvi-
ço corn o doente que eu sci que é dernasiado, tenho tcntado mento pessoal caritativo? Ou seja, parece haver essencialmente
encurtar esse ]ago, mas eu sei que 6 dificil. urna confusäo entre o agir, porque se é sensivel ao sofrirnento,
tal como agiria qualquer outra pessoa que tarnbérn fosse sensIvel
Ou seja, ele tern a noço de que aquela forma de gerir a relação ao sofrimento, e àquele sofrirnento especifico, e o agir porque,
no serâ a mais adequada, porque ihe está a provocar sofrirnento, do ponto de vista profissional, se entenden que aquela pessoa
mas tarnbérn no vislumbra urna forma diferente de a gerir. Chega- carecia de urna intervençâo terapêutica. Esta arnbiguidade consti-
-se a estabelecer o paralelismo corn a farnilia, considerando-se o tui, quanto a nós, a caracterIstica mais marcante de toda esta
157

r
I N V E S T i G A ç A 0 R E A I Z A 0 A
C0NCEPcOES 0
NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

categoria (i.e., paradigma da integraço), ou seja, dificuldade em


( .... ) Principalmente o que cstá cm causa 6, julgo Cu, o respei-
gerir as relaçöes, em determinar as "distncias", em decidir o que
fazer e como fazer. to rrlütuo entre o doente e o enfcrmeiro que cstá a tratar cleic.
Concluindo, e relativamente ao paradigma da integração, poder- Ou seja, são duas pessoas corn direitos e deveres c desde quc
cxista respeito de parte a parte, penso que 6 mais fácil resolver
se-a dizer que ocorreram algurnas alteraçoes marcantes no "binómio
as questöcs.
enfermeiro-doente/utente". Dá-se inicio ao reconhecimento, quer
da pessoa do enfermeiro, quer da pessoa beneficiria dos cuida-
( .... ) No fundo as caracteristicas que é prcciso ter 6
so rcspei-
dos, começando por isso a haver razo para se falar do princIpio
tar as pessoas que trabalharn connosco, tal corno gostarIamos
da reversibilidade. Na sequncia deste reconhecirnento, passam a
que nos respeitassem a nós, ou seja, valorizá-los corno profis-
considerar-se todas as outras vertentes da pessoa e no so a doença
sionais que são, c valorizar também o doente como pessoa, c
ou o que corn ela se relaciona. Destas vertentes rnerece especial
tentar perceber urn pouco, c as vczes ha tempo, 6 apenas uma
destaque a afectivo-emocional, quer do enfermeiro, quer da pes-
questão do vontade, tentar perceber urn pouco o que 6 que so
soa a quem säo prestados cuidados. Este destaque tern a ver corn
passa corn aquele indivIduo.
as dificuldades de gestão demonstradas pelos enferrneiros na ten-
tativa de satisfaçäo das necessidades nessa area. Podemos dizer
(....) No fundo é so isto, o doente tern o dircito do saber
que reconhecern que näo devern ter urna perspectiva reducionista
porque 6 que isto vai ser feito ou porquc aquilo não vai ser
da pessoa, no entanto, tambm no sabern muito bern como hão-
fcito. A partir dal pronto.
de agir face aos sentirnentos da outra pessoa ou aos seus.
Na categoria seguinte (i.e., paradigma da transforrnaco), encon- o respeito m(ituo, a igualdade de direitos, a reversibilidade e a
tram-se algurnas respostas para questöes anteriormente coloca-
individualidade, passaram a sex principios norteadores do binOmio
das. 0 primeiro aspecto a salientar, e que constitni uma novidade,
enfermeiro-doente/utente
é a afirrnaço de que a "..enfermagem é urn conjunto ( .... )
Urn outro aspecto que nos merece grande realce é a posiço de
é mais urna forma de estar e ao mesmo tempo de fazer as coisas,
reciprocidade que o enfermeiro passou a adoptar, ou seja, o
de ajudar o doente. .". Recordamos que a concepcäo de enferma-
enfermeiro já não e a pessoa caritativa que se & corn total des-
gem, na categoria anterior (i.e., "paradigma da integração") era
prendirnento, no esperando nada em troca, mas alguem que
referida como sendo constitulda pela soma de duas partes, urna afirma:
técnica, outra hurnana.
Para operacionalizar a concepçäo de enfermagem atrás expressa,
(....) Para mim 6 urn dar c reccber, porcue cu aqui dou mas
o enfermeiro precisa de reunir urn "conjunto de caracteristicas
recebo algo gratificante
que façarn dele urn individuo equilibrado", sendo que urn "mdi-
vIduo equilibrado näo é o que está sempre a sorrir". Ou seja, os
(......) porquc sofreram rnenos c porquc, ao urn cabo, cbs
cuidados de enfermagem globais devem ser prestados por indivI-
gostam da enfermeira que os cstá a tratar. E scntcm confiança
duos também entendidos corno seres ñnicos e dotados de deter-
nessa enferrneira.
miriadas caracteristicas. Por outro lado, o agir passou a ser regido
por princIpios, tal corno afirma urn dos entrevistados:
Esta posição já se vislurnbrava quando, no paradigma da integra-
ço, surgiu pela primeira vez o gosto polo que so faz.
158
159'

57
I N V E S T I 0 A ç A o R E A, I Z A 0 A CONCEPçOES Di, NPERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO•MORAL

Por outro lado, neste paradigma o enfermeiro parece saber o Por ültimo, os cuidados passararn a ter urn cenário, corn carac-
que tern a fazer perante a diferença, inerente a individualidade, teristicas significativamente diferentes. 0 enfermeiro agora afir-
e a complexidade introduzida pela vertente afectivo-ernocional. ma "(...)que é das armas mais importantes que o enfermeiro deve
Marca-se assirn uma diferença clara corn aquulo que acontecia no ter é 'saber estar corn". Este 'saber estar corn' contextualjza os
paradigma da integração. Al o enfermeiro apercebia-se que algo cuidados e, ao mesrno tempo, atribui centralidade a pessoa a quern
não estava bern, que a outra pessoa estava em sofrirnento, pelo Os mesmos são prestados.
que ia para junto dela falar, sern no entanto, saber o que mais Em termos de conclusão, relativarnente ao paradigma da trans-
fazer. Neste paradigma o enfermeiro diz que: forrnação, salientamos o agir em função de principios orientado-
res de toda a acção, o saber ouvir e reconhecer os problemas do
(...) 0 mais importante no fundo é, ouvir o que é que o doente e agir em conformidade, usando, se necessário, o seu ser
doente tern para dizer, tentar perceber urn pouco aquele doen- como "arma" terapêutica, em suma, o saber "estar corn" a outra
te, visto que eles são todos diferentes. pessoa.
Relativamente ao "binómio enfermeiro-doente/utente" resta-nos
Esta profissional dá atenção e respeita a individualidade na sua apenas fazer referncia ao uso da linguagem ideal e a relação
diferença, e ouve o que a pessoa tern para dizer. Esta é urnadas desta corn a linguagem real. Para tal, charnamos a atenção para
atitudes fundarnentais inerente a qualquer profissao de ajuda. E, a Tabela 12, onde apresentamos os dados que passaremos a co-
ainda, urn princlpio fundamental para que se possa agir de acor- mentar. Da referida tabela constam, o ni'imero de sujeitos por
do corn as necessidades da pessoa que está perante n6s. Também categoria e o nümero de unidades de registo por sujeito. Na
a gestão das relaç6es e das clistancias interpessoais deixou de parte inferior do espaço correspondente a cada uma das dimen-
'constituir problema, porque o enfermeiro tern consciência que söes (i.e., real e ideal), de cla uma das categorias, aparece-nos
tern que ser "uma pessoa equilibrada". Para além disso, ele sabe o respectivo total (e.g., 2/2). 0 prirneiro dIgito representa o
que tern que usar a sua pessoa como "arrna" terapêutica: total de sujeitos e o segundo o total de aiirrnaçöes.
Podemos constatar que o paradigma da integração é o que recebe
( .... ) Mas tenho uma muito concreta que é a de urn doente rnaior ni'imero de preferéncias dos sujeitos, bern como major ni'irne-
recentemente internado corn uma insuficincia cardIaca grave, ro de afirrnaçoes. Isto vem confirmar o que já tiriharnos afirmado de
em que, corn a minha maneira de ser, de estar e de prestar que seria este o paradigma que recebia o major ni'irnero de unidades
ajuda, urn indivIduo que estava semi-comatoso, urn bocado de- de registo. Corn base nisto, poder-se-Ia afirmar que a orientação
sorientado espacio-ternporalmente, corn algurnas atitudes agres- dominante dos enfermeiros que foram entrevistados, no tema "binórnio
sivas......eu consegui, corn a minha maneira de ser e de estar, enfermeiro-doente/utente", é para o paradigma da integração.
dc falar corn ele, que dc, no firn do turno estava a falar cal- Isto não quer dizer que cada enfermeiro, entendido de modo indi-
mamente cornigo e curiosamente, falávamos da vida dos flihos. vidual, se situe apenas num ou noutro dos paradigmas. Pela análise
do quadro constata-se que os enfermeiros poderäo ter uma opcão
(.....) Eu penso que, fundamentairnente, foi a atitude de corn- predominante, mantendo, no entanto, "traços" (linhas de tonalidade
preensão, a atitude de calma, de colocar-me no lugar dde, azul) de urn paradigma contIguo. Por exemplo, o aujeito El tern
tentar colocar-me no lugar dele, perceber porque é que dc uma orientação predominantemente para a integração; no entanto,
estava a reagir tao mal ao internamento.... mantém aspectos que tern a ver corn o paradigma da categorização.
160
161
I N V E $ T I G A ç A o R E A I Z A DA
CONCE66ES DNFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

TABELA 12: ANALISE ESTRUTURAL DA ORIENTAcAO DOS ENFERMEIROS


scgura, tern de transmitir segurança, tern que saber ouvir, e
NO TEMA "BINOMIO ENFERMEIRO/DOENTE-UTENTE" FACE ADS PARADIGMAS
DA CATEG0RIzAcA0, INTEcSRAcA0 E TRANSFORMAçAO. tern que ser cuidada.

As expressöes em destaque so as que conferern aos discursos urn


caracter ideal ou de futuro condicional.
As setas de cor rosa estabelecem a relaço entre as afirmaçoes de
urn indivIduo relativas ao real e as relativas ao ideal. A primeira
ilaço é que, também aqui, o major nmero de sujeitos e de
unidades de registo se localizam na integração. No entanto, pen-
samos que se deve realçar, na linguagem idealizada, o facto de o
paradigma da categorizaço no receber nenhum registo. Parece
assim perspectivar-se, em termos ideais, urna rejeiço deste
paradigma. Por outro lado, quando o enfermeiro usa a linguagem
El. E2. - ENFERMEIROS ENTREVIS1ADOS idealizada ou projectiva, usa-a normalmente ou cm relaçao ao
OPçOES DOS ENFERMEIROS EN1REVIST000S PELAS DIVERSAS CATEGORIAS.

- USe DO UNGOAGEM IDEAUZADS seu paradigma de orientaçäo preferencial, ou ao imediatamente a


seguir (ver linhas de tonalidade rosa): quando fala em termos do
que deveria ser, nunca o faz no enquadramento de urn paradigma
Uma outra caracterIstica dos discursos dos enfermeiros entrevis- anterior ao seu paradigma de orientaço preferencial.
tados, já por nós referida, tern a ver corn o facto de se expres- Quando os enfermeiros usam a linguagem idealizada, vincam a
sarem, quer nurna linguagem concreta e real, quer nurna linguagem irnportncia de algumas carac1rIsticas da sua prestaço de cuida-
de futuro condicional e ideal. Enquanto a primeira diz respeito a dos. Se essas caracterIsticas no so próprias do paradigma em
realidade concreta, na segunda é feito o confronto entre aquilo que o enfermeiro se situa, a nIvel do real, este renega-as projec-
que existe e aquilo que deveria existir, como poderemos consta- tarido-se no ideal. Se, por outro lado, essa caracteristica integra
tar nas falas de alguns dos sujeitos: o paradigma em que o enfermeiro Se localiza a nIvel do real, este
reforça-a. Assim, na linguagem idealizada utilizada no paradigma
(....) Mas por outro lado tambrn penso que temos que nos da integraço, chama-se a atençäo para a necessidade de Se pers-
esquecer urn pouco seno também "entrarnos" muito nos pro- pectivar a pessoa como urn todo, tal como se pode observar na
blernas do doente e nós temos que nos defender urn fala atrás citada. Realça-se por outro lado a necessidade de o
bocado. enfermeiro estar hem consigo próprio para poder estar bern corn
Os outros. F, por fim, destaca-se a importãncia da relaço corn o
( .... ) Deviamo-nos preocupar no sentido de eomeçarmos a doente como parte fundamental do processo de prestaço de
ver o doentc no seu todo, c no chegar aqui c tratá-lo porquc cuidados, tal como se pode verificar no depoirnento seguinte:
tern urna pneumonia,, tern uma fractura, mas sirn tudo.
(..) Eu acho que a boa rclaç5o 6 fundamental, a boa relaSo
( ... ) Aeho quc tern que estar bern consigo e tentar entender corn a pessoa é fundamental. Eu acho que 6 fundamental a
Os outros, tern que ser urna pessoa, que mesmo que não seja pcssoa gostar da enfcrmagcm, gostar de cstar corn as pcssoas c
162 163

F V
I N V E S T I 0 A ç A o R E A I Z A 0 A
CONCEPcOES 0
NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

dc aprcnrler, saber que cstâ na enfcrmagcm para ajudar o outro


c para Ihe prcstar urn born scrviço. taque. 0 prirneiro é urna clivagern entre os aspectos prâticos e
os teóricos da profissao, valorizandose, norrnalrnente, mais os
Tal como jâ foi afirmado, qualquer urn dos aspectos realçados prirneiros que os segundos. Tanto se pode rejeitar o processo de
nestas afirmaçoes, fazern parte do paradigma da integraço. Pelo enfermagern como algo que tern a ver corn as escolas, e que
que, ao serern reafirmadas como urn ideal a-atingir, constituiro, pouco tern a ver corn a prática, como se pode fazer a apologia
como que urn desejo para os enferrneiros que possuern caracte- da prática como forma privilegiada de aprendizagern, relegando
rIsticas do paradigma da categorizacäo; e urna manifestaçao de para segundo piano os outros aspectos, tal como se constata nos
necessidade de reforço dessas caracteristicas para os enfermeiros extractos seguintes.
que se localizarn no paradigma da integraço.
Parece poder concluir-se, que a orientaço preferencial se dirige ( ... ) Ache quc as cscolas sc viram muito, sci Ia,... para Proces-
SOS dc Enfcrrnagern c cssas coisas todas. Não sci sc valcrá muito
para a integraço; cada sujeito, entendido de modo individual,
poderâ ter urna orientaçâo preferencial para urn deterrninado a pcna andarrnos corn o Pt-occsso de Enfcrmagcrn, passados
cstcs anos.
paradigma, no entarito, mantérn traços de urn paradigma contI-
guo; é usada urna linguagern idealizada que se pode projectar no
paradigma dorninante desse sujeito, ou no iniediatamente a Se- ( .... ) Sc caihar mais estágios para des (os alunos) tcrcn-t mais
guir. Assirn, enquanto na caracterizaço da orientaco de urn sujeito prática. Aquilo que cu vcjo é que a grande prcocupação dde5
se pode dizer que existe uma orientaço para urn paradigma dorni- 6 a nIvcl dc notas, dc processo. Sc caihar nern fez a algaliaçao
nante, mas corn traços do irnediatamente anterior, relativarnente a corrccta corn assépsia, etc., mas tcve de cscrevcr tudo muito
bcrn.
sua idealização passa-se algo de diferente, ou seja, idealiza-se para o
seu paradigma dorninante ou para o irnediatamente a seguir.
Ern conciusäo, e relativamente ao "binómio enfermeiro-doente/ ( .... ) fIco Scrnprc corn a irnpressão que ncstc rnOmcnto se dá
/utente", destacamos a orientaçäo predomin ante para a integra- imcnso valor, e cu acho que tcm algurn valor, mas cu penso
ço. Os aspectos que aparecerarn como mais relevantes foram a que sc cstá a exagcrar, na qucstão da prestação dc cuidados
afirrnaço do enfermeiro (urn dos pares do binórnio) e o conse- mas fundarncntalmente corn urna das partcs que são os rcgistos
C que são o cscrcvcr tudo o mais tccnicarncnte possIvcl c que
quente reconhecirnento do doente-utente (outro dos pares do
binórnio) como pessoas. muitas vczcs... isso dcpois prcnde-se corn o Proccsso dc En-
fcrrnagcrn sc caihar.

6.4.2. A Enfermagem. Ou ento defende-se o saber que os profissionais acurnulararn a


custa da sua prática, porque esse parece ser o uinico saber válido,
Quanto ao terna "enfermagem" faremos tarnbérn urna análise do como afirrna urn outro enfermeiro.
conteiido propriarnente dito e urna outTa mais estrutural (i.e.,
relaçäo da linguagern ideal corn a real). Ern termos do paradigma (....) Eu sou cnfcrrncira, mas posso vir a scr utcntc c a ncccs-
da categorizacäo, nota-se que ele no recebe a preferéncia dos sitar dc cuidados, como já ncccssitci. Pois cu digo-lhc, cu prcflro
OS rncus colcgas "veihinhos", provavelrncntc ate teoricamente
sujcitos entrevistados. No entanto, aiguns aspectos merecern des-
corn muitrnenos conhccirncntos, do que as pessoas quc São
164
165
- -
I N V E S T 1 G A ç A o R E A L Z A 0 A CONCEPcES OS
FERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

formadas neste morncnto, do que prefiro os colcgas que sc


Resurnindo este paradigma, podemos afirmar que a Enfermagem
pressupöc que scjarn urn todo. Que tcnharn tcoria c prática c
entendida na dicotomia teoria/prática, corn valonzação desta
que tcnham urn horizontc muito mais amplo. ..... Porquc ha
iiItima, sendo a pessoa perspectivada de modo parcelar. Nos
uma coisa que é importantc, os anos de prática lcvam as pes-
cuidados de enfermagem é valorizada a doença e tudo o que corn
soas,... e essa treta dc que as pessoas sabern fay.cr, mas não ela se relacione.
sabern porque é que fazem, não é bern assim. As pcssoas aca- No tema "enfermagern", mas no paradigma da integracão, são
barn por saber porque 6 que estão a fazer as coisas, c não rnc
destacados outros aspectos da profissão que constituern vertentes
vcnharn cá corn histórias ...... Pode não scr Ia corn todos os
novas e abordagens diferentes. Urn dos que primeiro se destaca,
nomcs corrcctos c exactos que cstão nos livros, mas as pcssoas
e por oposição ao que foi dito no paradigma anterior, é que a
sabern porquc é que fazem, c tern o cuidado de saber porque Enferrnagern é referida como urna profissão que tern por objec-
C que fazem. Perguntarn dali, vão aos livros claqui, não sci tivo ajudar a pessoa em "todos Os aspectos", como referia urn dos
quC,... e sabcrn. enfermejros:

Não se pretende atribuir menor importância ao saber prâtico. ( ... ) Enfcrrnagcm C prcstar cuidados, C ajudar urna pessoa que
Pretende-se, isso sim, realçar a já referida clivagern teoria/práti- sai da vicla dc... do meio social dde normal, e ajudá-lo cm
Ca, em que se valoriza urn dos aspectos, normalmente a prática, todos Os aspcctos, na doença, em todos os nIvcis, ... C urn ser
em detrimento do outro. Alias, neste exemplo vai-se urn pouco bio-psico-social.
mais longe porque se admite que os profissionais poderão nem
saber "os nomes correctos e exactos que estão nos livros", no Os outros aspectos a que o enferrneiro faz referência, decorrem
entanto sabem por que é que fazem e isso é que é valorizado. do facto de a pessoa ser consicerada urn ser bio-psico-social e da
Esta clivagem sera urn dos aspectos mais caracterIsticos deste necessidade de a Enfermagern, enquanto profissão, se preocupar
paradigma. corn todas as vertentes que vão para além da doença entendida
Urn outro aspecto referido no paradigma da categorizacão como de modo restritivo. Apesar disso, o exemplo que é dado ainda é
relevante, & o facto de a pessoa não ser vista como urn todo, mas O
da doença, como se houvesse dificuldade em referir outros. No
sirn em função do orgão afectado, como referia urn enfermeiro: entanto, porque a pessoa é urn ser bio-psico-social, a Enferrna-
gem não pode lirnitar a sua atenção só ao desempenho técnico,
( .... ) Eu penso que ncstc mornento, não sei sc a nivel da pres- que visa dar resposta quase exciusivamente a situaçöes de doen-
tação directa nas enferrnarias isso acontece, mas cu apercebo-
ça. Tern que ter tambérn em consideração a vertente psicológica
mc a nIvcl do rneu scrviç.o, que os cuiclados são prestados cm e a social, entre outras. E neste contexto, que urn dos enfermei-
parcel a. ros entTevlstados valoriza o papel da comunicação, como forma
de acesso ao lado psicológico.
(.....) A gentc aperccbc-se dc situaçöcs incrIvcis cm que o doente
não C cstudado nurn todo. Eu costurno dizcr que o doente C
(....) Portanto a comunicação continua a scr urn aspccto rnuito
partido cm bocadinhos c cada urn deics so ye aqucic bocadi- irnportante... Essa comunicaç5o vai -nos lcvai- tarnbm ao laclo
nho, - psicológico.

166 167

I T
I N V E S T I G A ç A o R E A Z A 0 A CONCEPQOES DI~NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

A1is, consideramos esta linguagem particularmente caracteristica não haver a noção de complexidade e de totalidade envolvidas
deste paradigma, na medida em que nos sugere a existência de nos cuidados de enferrnagern.
urn ser coristituIdo por diversas partes (i.e., ser bio-psico-social), No entanto, porque a pessoa enquanto ser bio-psico-social é urn
partes que so mais uma soma ou ocasionalmente urn conjunto ser igual a nós, introduz-se o principio da reversibilidade, isto 6 ,

em interacço, do que propriarnente urn todo. Existe o lado psi- o estar do lado de 1, o perspectivar as coisas a partir de urn
cológico, tal como existe o lado biológico, o social, entre outros. outro ponto de vista. Esta e, quanto a nós, a grande alteração
E ento, neste contexto, que a Enferrnagern Se redefine. Tentan- introduzida por este paradigma. Recordarnos que no tema ante-
do reflectir urn pouco todos estes aspectos, alguns dos sujeitos rior (i.e., "binórnio enfermeiro-doente/utente") e no paradigma
entrevistados diziam o seguinte: correspondente ocorreu idêntico fenómeno.
Uma outra caracteristica digna de realce no paradigma da inte-
( .... ) Penso que é isso mesmo, alérn de praticarmos bons tra- gração, é a que diz respeito aos conhecimentos. Faz-se referência
balhos da parte técnica, ao utilizarmos todos os conhecimentos aos conhecimentos como algo que se adquiriu e que se vai adqui-
adquiridos c quc varnos aduirindo ao longo dos anos, é muito rindo ao longo da vida. Dâ-se a ideia de uma construção inacabada
importante o relacionamcnto humano corn o docntc, cstar jun- e ao serviço da parte técnica, como se pode verificar na situação
to delc, por vczcs nós esquecernos que o "cstar do lado dc Ia" já atrás referida. Constata-se, alias, o desaparecirnento da refe-
o cstar ali nurna cama, quc é uma situaçao extrcrnarnente di- rencia a dicotornia teoria/prática, e os conhecimentos são cob-
lieu, por vezcs csqucccrno-nos disso. cados ao serviço da técnica, ou, melhor dizendo, "dos bons
trabaihos da parte técnica". Para se ser born enfermeiro é condi-
( ..... ) Sc nós prcstarrnos maus cuidados técnicos ou menos bons ção indispensável ser-se possuidor de conhecimentos e não ape-
cuidados, não cstarnos a ser, na minha perspcctiva, bons enfer- nas de experiência. A juntara isto, existe a necessidade de urn
meiros, mesmo quc cstcjarnos excepcionalrncntc na forma dc born relacionamento humano. No entanto, flea-se corn a ideia de
cstar corn o docntc. Ou seja, CU SC cstivcr muito bern corn o que a necessidade de conhecimentos so existe relativamente a
docntc, der-me muito bcrn corn dc, isso so no chega, é prc- parte técnica, sendo a parte humana algo de inerente a prOpria
ciso mais quaqucr coisa. Tal como o contrário também não pessoa. Alguns dos enferrnèiros entrevistados não fazern esta se-
chcga, se cu fizer tudo bern ao docnte mas o tratar abaixo dc paracão, e entendern que a necessidade de saber é extensiva a
cão, tambérn no... todos os aspectos.

(.....) E urn conjunto dcstas duas coisas, 6 o saber lazcr coisas


E necessário juntar ao born desempenho técnico, o born relacio- quc o docntc ncccssita quc o cnfermeiro faça por dc, c tarn-
narnento humano. A semelhança do que jâ dissemos relativamen- bern saber ouvir o docntc, saber rcspeitar o doentc, saber cstar,
te a forma como se redefiniu a pessoa no paradigma da integração, ( ... ) so cstc conjunto dc coisas 6, quc quanto a mirn, fazcrn a
tarnbérn na redefiniçao do conceito de enfermagem se flea corn cnfermagcm.
a sensaço de que esta é constituIda pela parte técnica, e pela
parte humana. As duas tern que estar presentes; no entanto, flea- Poder-se-á deduzir daqui que o ouvir, o respeitar e o estar, tam-
se corn a sensação que existe a parte técnica e a parte humana, brn são passIveis de aprendizagem. Dc notar, por outro lado,
tal como alias havia o lado biologico, psicolôgico e social. Parece que ao atribuir-e a necessidade de conhecimentos apenas a parte
168 169
I N V E S T I 6 A ç A o R E A L- Z A 0 A
CoNcEpcOEs DE IFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

técnica, se está a menosprezar a parte humana. Importante é aquilo


portante e o principio em nome do quai actuarnos, so depois a
que carece de conhecimentos para se fazer e, portanto, so alguns
pessoa que está a nossa frente e, por ültimo, a pessoa do enfer-
sabero. A outra componente, atribuindo-se-ihe importncia,
meiro. Neste caso näo é assim, porque aparece como requisito
qualquer urn a poderá desenvolver porque no carece de apren-
fundamental o gostar da profissão, o que implica respeito e con-
dizagem e é inerente a pessoa.
sideração por si prOprio e consequentemente pelo outro.
Alguns dos entrevistados adoptam ainda urna posico variante desta,
Assim, relativamente ao paradigma da integraço pode dizer-se
tal como abaixo se pode verificar:
que o que mais se destaca é a redefiniço do conceito de pessoa
e do prOprio conceito de enfermagem. De outro modo, porque
( ... ) Mas penso que 6 urna profisso quc cxigc tanto de nós,
se passou a considerar a pessoa como urn ser bio-psico-social,
que sc não gostarmos 6 muito dificil cstarrnos ali a ajudar os
passaram também a considerar-se outras vertentes nos cuidados
outros, não 6 so executar técnicas. Isso acaba por ser, SC ca-
de enfermagem, e näo sO a doença propriamente dita. Pelo que,
]bar, o mais fácil, porque isso aprcndc-se, fax-se assim, ha 1
os cuidados de enfermagem, para serem completos, passaram a
umas variantes, depois isso tern urn bocado a vcr corn a des-
abrariger urna parte t&nica e urna parte humana. Esta ültima
treza.. Agora tudo o mais... (rcfiro-mc) aspecto crnocional.....
tanto é considerada inerente a pessoa do enfermeiro, como pas-
c nOs prOprios, das pessoas que cstão a nossa frcntc e nós
sIve1 de aprendizagem, sendo que essa aprendizagem pode ate ser
prOprios.
mais dificil do que a primeira. Ou seja, parece haver uma ausên-
cia de nocäo de totalidade e cornplexidade, quer nos conceitos
Ou seja, qualquer componente requer aprendizagern, sendo que de pessoa, quer de enfermagem.
a prirneira será a mais fácil porque tern poucas variantes. A que o ñltirno paradigma a considerar neste tema é o paradigma da
possui variantes infinitas torna-se mais dificil, é a outra parte,
transformaçao. Neste, o prim&ro realce vai para 0 facto de, na
tudo o mais, 6 o aspecto ernocional. Torna-se ainda mais corn- definiço da enfermagem, aparecer referência aos principios que
plexo porque, para alm de ser importante considerar os aspec-
devern nortear a profisso on a acço dos seus profissionais.
tos ernocionais da pessoa que está perante nós, é tambm necessrio
considerar os nossos.
) A enfermagem para mirn .....6 saber ser justo corn as
Por fim, interessa referir a importncia que a pessoa parece ter pcssoas, olhâ-las de igual coma cu, saber que esti ali urna pessoa
adquirido neste paradigma. Pela primeira vez se diz que é neces- igual a mim.
sário gostar da profisso, "gostar do que faz.. .". Isto parece-nos
reflectir a importncia que a pessoa adquiriu, porque esta ineren-
( .... ) E nos conseguirmo-nos transpor para a cadcirão (rcfc-
te o princIpio da reciprocidade. Se o que estiver em causa for o
rência ao cadeirão da hcmodiálisc). Sentirmos que cstarnos a
cumprir urna tarefa delegada, o princIpio que ihe está inerente é
ser puncionados, que cstarnos a ter urna maquina, que temos
a obediência a urn terceiro. Aqui, a pessoa do enfermeiro assume
dares, que ha tanta coisa que nós nio sabernos que se passa
urn papel secundário, porque o que está em causa é o cumpri-
por tras (IC nOs c que a ansiedade vai crescendo.
mento da tarefa. Pela mesma razo, a pessoa do doente/utente é
secundarizada. Se, por outro lado, o que estiver em causa for o No conceito deste enferrneiro surgem-nos dois princIpios 9ue
principio do sacerdócio, também aqui a pessoa do enfermeiro destacarnos, o princIpio da justiça e o da reversibilidade. Corn o
aparecerá relegada para segundo piano. A 6nica coisa que é im- princIpio da Justica, pretende-se dar ao outro, na justa medida.
170
171
I N V E S T I G A c A o R E A 'I Z A 0 A CONCEPcOES bNFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO
SOCIO -MORAL

Corn o da Reversibilidade, que é o cornplernento natural do TAB 13: ANALISE ESTRUTURAL


DA ORIENTAcAO DOS ENFERMEIROS
primeiro, tern-se em consideraço que do outro lado está uma NO TEMA "ENFERMAGEM" FACE AOS
PARADIGMAS DA CATEGORIzAcAO,
INTEGRAcAO E TRANSFORMAcAO
pessoa igual a nós, corn a qual devemos agir como gostariamos
que agissem connosco. Isto näo pressupöe que 0 outro seja mais CATEG0RJzAcAO
INTEGPAcAO TRANsFORMAcAO
ou menos que nós, mas que seja igual, e que o respeitemos tal REAL E22 Eli
723
corno nos respeitamos a nós pr6prios. Por outro lado, a recipro- ER- E3.- I

cidade que já se vislumbrava no paradigma anterior (i.e., integra- r E4-2

co) quando se afirmava a necessidade de se gostar da profisso, ElO- 1


EAPEJRMAGEM 11-2
é aqui afirmada clararnente quando se diz que a Enfermagem "é an
dar e receber". Desapareceu por completo a atitude de espIrito -4
E-1 S_i
de sacrificio, de despojamento, de dádiva total da nossa pessoa.
E4 1
Buscamos reciprocidade e realizaço. Neste contexto, o profissi- IDEAL
E9-3
0-ID
onal de enfermagem é uma pessoa que possui urn conjunto de
conhecimentos, é urn perito que se disponibiliza para ajudar a El. E2, - ENFERMEIROS ENTREVISTADOS
outra pessoa, naquilo que ela precisar. 14 00 - OFçOES DOS ENFERMEIROS ENTREVISTROOS PELAS DVERSAS CATEGORIAS.
- USO DA UNGLIAGEM IDEAUZADA

( .... ) Portanto a enfermagem no fundo é isto, é saber estar


corn a pessoa, saber cstar disponIvel para a pessoa, para que Relativamente a expresso da linguagem ideal e da sua relaço corn
corn cssas duas armas possamos dar os conhecimentos, ou pôr a linguagem real no tema "enfermagem", alguns dos destaques säo
ao dispor dessa pessoa os conhecimentos que nós ternos. análogos aos referidos para o tma anterior (i.e., binómio enferrnei-
ra-doente/utente) Veriflca-se, tambérn, neste tema que a maioria
De salientar ainda que a responsabilidade que noutras categorias dos indivIduos e das afirrnaçöes, se localizam no paradigma da inte-
era sinónimo de obediência, nesta adquire uma nova coloraçäo e gração (ver Tabela 13). Se atentarmos numa análise individual, yen-
funciona como consequência da reversibilidade. Sornos responsáveis flea-se também que os sujeitos se localizam predorninantemente num
porque do outro lado está uma pessoa igual a nós, tal como se paradigma (i.e., paradigma da integração), embora possuindo carac-
poderá depreender do que afirmou urn dos sujeitos entrevistados: tenisticas do paradigrna imediatamente anterior ou posterior.
De referir tan-ibém que neste tema Se verifica a existência de uma
( .... ) E preciso ser responsive]. Eu acho que na enfermagem o linguagem idealizada; corn caracteristicas idênticas as referidas para o
essencial tambérn é isso. Ser-se responsive] c saber que é urn tema anterior. Principalmente quando é solicitada conceptualizaçao
doentc que ali cstá c não urna máquina que cstá ali seritada. E aos entrevistados, existe tendência para que a resposta surja em un-
urn ser hurnano corn nccessidadcs iguais as nossas. guagern conditional ou idealizada, sendo que se idealiza sempre para
o paradigma dominante ou para 0 imediatamente a seguir. Para alérn
Em resumo, as caracterIsticas predominantes do paradigma da disso, o paradigma da categorizaço no recebe opco de qualquer
transformaçao säo a centralidade da pessoa e a redefiniço dos sujeito, em termos de utilizaçao de linguagern idealizada.
conceitos em funcão disso, bern como a orientaço dos cuidados As caracteristjcas da linguagern idealizada, na integraçäo, realçam
de enfermagem por princIpios. a necessidade de a pessoa "ser vista no seu todo e em geral". Por
172 173
I N V E S T I G A ç A o R E A I Z A 0 A
C0NCEPç6ES DE ENEERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

outro lado, é feita referência a necessidade de a Enfermagern ter


prirnento se justifica a si próprio. Explicando rnelhor, algurnas
as duas componentes consideradas essenciais, e de preferência
entrevistadas apresentam como caracteristica irnportante de urn
sern dicotomias teoria/prática, como adiante se pode verificar
born enfermeiro o ser sempre pontual:
abaixo.
( .... ) Scmprc fui urn inclivIcluo pontual, cm quinzc anos
calhar
Sc
( .... ) 0 cnfcrrneiro tern queter as duas coisas, tern que
cheguci urna vez atrasado. Scrnpre fui urn indivicluo organiza-
saber cstar corn o doentc c tern que saber cuidar do cloentc
do, arrumado cm qucstöcs dc scrviço.
naquilo quc 6 a sua árca dc actuaço.

( ... ) Pontualiclacic, rcsponsabilidadc naquilo quc cxccuta, orga-


( .... ) As pcssoas tern que tea- conhccimcntos teóricos, mas
nizado, is vczcs a gcntc ye aqucics cnfermciros dcsarrumados,
nunca se pock csqucccr quc a prâtica C fundamental, porquc
quc dcixam tudo...., atC na questio do vcstuário, ati na partc
não lidarnos corn papeis, lidarnos corn pcssoas ..... Não dlissocio
dc poupanca, a nivcl dc cicctricicladc
dc mancira ncnhurna dos aspectos tcóricos. Não pock haver
dissociaçao.
( .... ) Tento curnprir, quandlo crro digo quc crro. Mcsmo que
scja junto do dloutor ou isso, digo.
De referir mais urna vez que nenhuma destas caracterIsticas esta-
va presente na categorizacão, sendo que algurnas até erarn nega-
( ... ) Ah! c urna coisa cu charno scrnprc o dlocntc pclo nomc.....
das, como é o caso da dicotornia teoria/prática. Estavam, no
Eu flxo o nome das pcssoas c cntão nunca trato pelo nümcro
entanto, todas presentes na integraço.
da cama. Isso para mirn foi uma coiSa quc me cnsinaram na
Em concluso, e relativamente ao tema "enfermagem", a orienta- cscola c cu sou rnuito rigorosa corn o quc au api-cncli. Corn as
çäo dos sujeitos 6 preferencialmente para a integracão havendo, bases quc aprendi na cscola SOU rigorosa. -
no entanto, caracterIsticas de outros paradigmas. A caracteristica
que no paradigma dominante aparece corn mais destaque, tern a De realçar que ern nenhurna das situaçöes em que se defende o
ver corn a redefiniçäo do conceito de pessoa. Neste conceito cumprimento das normas como caracteristica irnportarite de urn
passaram a considerar-se outras vertentes (e.g., psicológica, so- born enfermeiro, é referida a pessoa como razão desse agir. Poder-
cial), o que obrigou a redefiniço do conceito de enfermagem. -se-a perguntar, quais as razöes que fazern corn que os profissi-
Para alérn da cornponente técnica, aquele conceito corneçou tarn- onais sejarn sisternaticamente pontuais, e preocupados corn ques-
bern a incorporar urna componente hurnana dos cuidados que toes de poupança de energia eléctrica. Tern a ver corn o reSpeito
pcide ser considerada inerente a própria pessoa ou carecer de que nos rnerece a pessoa a quern prestarnos cuidados? Ou estarnos
aprendizagem. apenas a dar resposta a normas de natureza institucional?
Urna das afirrnaçoes atrás citadas é particularrnente paradigmatica,
na rnedida eni que realça a obediência a autoridade, seja ela de
6.4.3. 0 born enfermeiro que natureza for. De facto, quaido urn dos sujeitos entrevistados
afirma reconhecer o seu erro, ainda que seja perante o doutor
Em termos do paradigma da categorizaco, o born enfermeiro é (i.e., medico), parece-nos que a preocupaço predominante se
referido corno alguém que cumpre normas, sendo que esse cum- prende corn a resposta a autoridade institucional do medico. Isto,
174
175

5-
I N V E S T I G A C A o R E A L Z A 0 A
CONCEPcOES DE 'IFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

de algum modo, é confirmado pela forma como a mesma enfer- suas hecessidades de formaçao. Esta caracterIstica tern como
meira encara as normas veiculadas pela escola. Nunca, em ne- corolário uma certa dificuldade assumida, em manter uma rela-
nhuma destas situaçöes, foi adiantada qualquer justificação que cão corn uma pessoa que permaneça em irLternamento, por urn
tivesse a ver corn o utente a quern são prestados os cuidados. A perIodo de tempo superior ao normal:
ideia corn que se fica, é que prevalece o curnprimento da norma
como fim em si mesmo, ou como resposta a autoridade. (....) Os docntcs quo cstão ali as VCZCS quinzc dias, urn mCs;
A civagem teoria/prática aparece, tarnbém aqui, como caracte- c a pessoa as vezes corncça a ficar corn uma saturação, enquan-
rIstica importante, a sernelhança do que acontecia no terna ante- to quo Sc a pessoa for dcscrnpcnhando tCcnicas ciifcrcntcs pa-
rior (i.e., enfermagem). Igualmente se realça a importancia rccc que não cansa tanto, sci M.
fundamental da prática, tal como se pode constatar na seguinte
afirmação: Refira-se, por outro lado, que o que aparece como gratificante
o desempenho de técnicas diversificadas. Ou seja, aquilo que quebra
( .... ) Quer dizer podc scr urn born tcórico da cnlermagcrn, a monotonia é a diversidade de técnicas e näo o contacto corn as
born,.. scr urn barra; tarnbérn como acontccc al corn cnfcr- pessoas. A relação corn os doentes/utentes é apresentada como
rnciros quc ha, C SC caihar ate é urn rnau cnfcrrnciro na prá- algo a evitar, ou a usar corn prudência. Isto porque o risco de
tica, não C? Não tern urna coisa a ver corn a outra. conflituosidade é elevado e, ainda, porque a enfermeira, na sua
acção, carece de rnanter uma certa frieza e distncia para que
Esta clivagem é acentuada pela forma como 6 entendida a actua- essa acção seja eficaz.
lizacão de conhecimentos, outra caracteristica de born enfermei-
ro: E reconhecido que os seus conhecirnentos teóricos poderiam (.....) TambCm não sc*i dac1ueics individuos das pcssoas
ser maiores. Parece assim que se entra em contradição corn o rcrn quc,... sci Ia, vivcrcm Os problcrnas (las pcssoas, dc urna
que se disse atrás, relativamente a valorização da prátia, rnas de pessoa scr tao sensIvel quo... tarnbCrn nao qucr clizcr, uma
imediato se afirma que a actualização se processa ao ritmo julga- pessoa tcrn quo ficar indepcndcntc.
do conveniente, no serviço, sobre as coisas mais habituais e as
doenças mais frequentes. Esta situação 6 levada ao extremo, quando se assume uma clivagern
nItida entre o eu profissional e o eu pessoal. Quando, no exer-
(.....) Acho quo conhccirncntos a nIvcl tCcnico c dc cnfcrrna- cicio de funçoes profissionais, apenas estâ em causa o eu profis-
gcrn, podcriarn scr rnclhorcs mas nSo são dos piorcs. Vou-rnc sional, nada tendo a ver corn o pessoal.
actualizanclo, não dirci corn livros, livros, rnas you lendo sern-
prc urn bocadinho,. . .. Ia dentro do próprio scrviço vou-me (....) Mas pronto cu acho que ali cstava como profissional,
actualizanclo nas coisas mais habituais, nas docnças mais fre- cstava a trabalhar como cnfcrrneira c nao como pessoa, não C.
qucntcs. ELI como cnfcrrncira a Scnhora pcdiu-rnc, cu dci-lhc, "qucr
mais, não qucr"... sci lá, acho quo aqucic,... cu a mim tocou-
Não se faz referncia a uma actualizaçâo corn base em actividades mc. Dcpois pcnsci, cu so caihar, so tivcssc pcnsado cluas
de formação de qualquer natureza. São as doenças mais frequen- vczcs,... ou so não tivcssc pcnsado, não ]he tinha dado". Mas
tes que merecem o destaque deste sujeito, e que orientam as dCpois pcnsei, "cia cstá-rnc a pcdir. 0 facto de cu no simpa-
176 177

7
I N V E S T I G A c A 0 R E A 'I Z A 0 A
CONCEPcOES DE ENERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOClO -MORAL

tizar corn a Senhora não tern nada a vcr corn aqililo quc Cu
( .... ) Sc caihar quando as pessoas dizern quc cu son boa cnfer-
cstou a fazer agora. ELL cstou a trabaihar". "Estio a ver, afinal meira, SC caihar esto a ver a pessoa em si.
cu no gosto da Senhora, mas sal do contcxto pcssoal do não
gostar c assumi o rneu papcl".
Quando são solicitadas razöes possiveis para os colegas os terem
considerado bons enfermeiros, são apontadas muitas razôes de
Por l2timo, de referir que, neste paradigma, em momento a!- natureza pessoal.
gum se apela a qualquer conceito de equipa ou de trabaiho de
equipa. A ñnica vez que é feita referncia a esta prob1emtica, (.....) Eu ajudo, entre aspas, dado quc a minha cxperiência
para se afirmar a importncia das boas relaçöes corn todos os realrnente não é bern a quantidadc, 6 a c1ualidadc, mas a expe
indivIduos. No entanto, SO os pares profissionais são referidos riência 6 muita, e como cu não me tenho acornodado ao longo
como colegas. Pode assim depreender-se que o factor de identi- destes anos todos, não tenho ficado na gaveta, procure, actua-
ficacão é o pertencer a uma classe, e nâo o estar inserido num lizar-me constantemCnte.
grupo multiprofissional a agir em função das pessoas.
(....) Depois, aliado a isso, também son uma pessoa rigorosa
( .... ) Corn relaçöcs humanas penso que excelcntcs. ..... quer
(.....)E em tcrrnos de prcstaçäo de técnicas, não me sinto uma
seja a nIvel dc. . .de auxiliares de acço médica, quer seja corn pessoa digamos, acanhada. Sou uma pessoa dcscnvolta, que faço
a partc médica, quer corn os colegas, penso quc sou urn mdi- as coisas, conscientcrnente, corn responsabilidade, mas corn urn
vlduo corn boas rclaçoes humanas. determjnado a vontade.

Em resumo, relativamente a este paradigma, o born enfermeiro (.....) Acho quc sournuito dmnamica. Sou uma pessoa quc no
aquele que cumpre sempre as normas, não precisando estas de consigo estar parada......
existir em função das pessoas; aquele que é born na prâtica,
precisando por isso de se manter actualizado sobre as doenças Isto é o oposto do que se verificava na categorização. Em deter-
mais cornuns e as rotinas mais frequentes do serviço onde estâ; minado momento, chegava a ser sugerida uma clivagem entre o
aquele que mantérn urn certo distanciamento face as pessoas a eu profissional e o eu pessoal. Na integração, pelo contrário, são
quem presta cuidados; e, por ültimo, aquele que mantém boas realçadas caracteristicas que, sendo pessoais, também são profis-
relaçöes humanas corn toda a gente, não dernonstrando contudo sionais. Esta alteração constitui, tal como já afirmámos, uma das
qualquer nocão de espIrito de equipa. que mais mudanças terá induzido, quer no conceito de born
Em termos de integração, destaca-se a afirmação do enfermeiro enfermeiro, quer, consequenternente, na prestação de cuidados.
como pessoa. A sernelhança do que se verificou no tema anteri- No paradigma da integração, ao ganhar gosto pela profissão, ao
or, aparecem, pela prirneira vez, profissionais a afirrnar a irnpor- afirmar-se, o enfermeiro parece despertar para o que está a sua
tncia de se sentirern bern no desernpenho da sua actividade: Volta, passando a valorizar tarnbérn o outro como pessoa. Neste
contexto, e tambérn pela primeira vez, o considerado born enfer-
( .... ) 0 quc gosto é dc ser enfermeira, scntir-me bern, c ten- meiro, poe em causa a sequncia das rotinas de urn serviço em
tar desernpenhar o rncu papel 0 rnclhor que posso c sci. funçao de uma Irnica pessoa.

178 179
I N V E S T I G A c A o R E A I Z A D A
CONCEPcOES D7NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCIO-MORAL

( .... ) Pronto c ai nos, muitas vczcs no sabcmos muito bcrn


( .... ) Eu sofro muito corn as situaçöcs.... porcjuc .... cu no o
como rcagir, mas tcntci falar corn cia, au_ crnbora o scrviço
conhcço dc ]ado nenhurn, mas Sc for meu docrite, C cluase
cstivcssc bastantc "pcsaclo" c tinha pouca disponibiiidadc, mas
como SC fOSSC da minha familia. Eu cstabcicço urn do dc liga
tcntci ficar junto dela c falar ate cia ficar urn pouco mais cal-
ção corn o cioentc quc cu Sei que C cicrnasiado, (.....) Eu as
ma. Pronto para mim isto penso quc tambCm C scr born pro-
vczcs pcco por não ter essa frieza nCccssária. Pronto, sinto
fissional.
demais as coisas, parecc que me dizcm logo,.,. cu sinto as
coisas como sc fossem da minha famIlja.
Pela primeira vez se fica corn a sensação de que a pessoa se
sobrepôs a instituiçäo. Ate nern se sabe muito bern como agir, Em sintese, na integraço, o born enfermeiro começa a reconhe-
no entanto, já parece reconhecer-se a prioridade da pessoa sobre
cer-se como pessoa, ainda que por vezes por entreposta pessoa,
a instituiçäo. Esta é a outra vertente do conceito de born enfer-
e a considerar o outro como pessoa. Isto possibilita que o enfer-
meiro. Born enferrneiro é, agora, aquele que se considera a si
meiro oriente os seus cuidados em funço da outra pessoa, valo-
próprio enquanto pessoa e, sirnultaneamente, aquilo que conside-
rizando-a. No entanto, ainda é o enfermeiro quern decide o que
ra cada urn dos outros a quern presta cuidados: é rnelhor.
Em termos de transformaço, corneçamos por destacar a forma
( .... ) Tcnto 6 fazer aquilo que cu penso quc scrá o rncihor
como é assurnido o gosto pelo que se faz, o esforço desenvolvido
Para a pessoa quc tenho na minha frcntc. Digarnos quc a mi-
para o fazer bern feito e a aceitaço do reconhecimento dos outros
nba orientação na minha prática diana tern sido semprc
como algo gratificante.
ciircëcionada nessc scntido, fazer 0 quc CU Vejo quc scrá me-
]her para a pessoa quc tcnho a minha frcntc. (...) Mas gosto de sr enfcrrnciro, portanto Sc OS cOlcgas roe
consideram como urn born profissional isso para mim C grati-
o que sobressai e que orienta a acco, é o que & considerado ficantc, isso revcia quc dc facto de ccrta forma tcnho conse-
born para a outra pessoa. No entanto, 6 de notar que quern
guido, no dia-a-dia, fazcr as coisas minirnarncntc bcrn, que C o
decide o que ê meihor para a pessoa & o profissional. Esta será meu objcctivo, pclo que C gratificantc.
a segunda componente a destacar na integraço, .ou seja, reco-
nhecernos a prirnazia do outro, o que deveria irnplicar ser este a
Uma outra componente que consideramos fundamental, é o me-
escoiher os seus próprios caminhos. No entanto, ternos dificulda- quIvoco reconhecimento da pessoa a quem prestamos cuidados.
de em nos posicionar de modo a que ele possa fazer as suas
Enquanto na integraçao se reconhecia a outra pessoa, mas quern
escoihas, corn a seguranca de saber que tern alguem ao seu lado
decidia o que era meihor era o profissional, nesta isso já näo
disposto a ajudar. acontece:
For outro lado, ao considerar-se e reconhecer-se a outra pessoa como
urn todo, estamos tarnbérn a atribuir irnportncia aos seus sentinien-
( .... ) Fiquei satisfeito corn isto.....Mas penso pronto, quc C
tos. Isto conduz-nos a urn impasse. Por urn lado, & reconhecida assirn quc se deve cstar, sci Ia, aquilo no era nada dc impor-
importância aos afectos e sentirnentos, por outro, ha dificuldade em tantc, portanto era preciso era falar corn o dlocntc c tcntar
lidar corn eles. Este facto está patente em afirrnaçöes reproduzidas cxplicar-ihc... Claro quc era urn docntc especial, mas por isso
mais atrs, bern como nesta que a seguir reproduzirnos: rcquer uma atenção especial.
180
181

- 1 - I
------------- -
I N V E S T I G A c A 0 R £ AI Z A 0 A CONCEPcOES r ENFERMAGEM £ DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

(.....) 0 respeito rnütuo entre o doente e o enfcrmeiro que fui eu que a criei. Foi a minha falta de disponibilidade. Se
cstá a tratar dele. Ou scja, são duas pessoas corn direitos e caihar uma falta de disponibilidade que ate talvez ncrn existia,
deveres e desde que exista respeito de parte a parte, penso mas pronto.
que é mais fácil resolver as questöes
Uma outra novidade no paradigma da transformação é o assumir
De facto, se o princIpio a individualidade, seja-se consequente do erro. No perante uma autoridade e corn algum medo de
e aplique-se; se o princIpio é a igualdade de direitos, aja-se em punicão implicita, como se verificava na categorizacão, mas pe-
conformidade. 0 que parece prevalecer é a centralidade da pes- rante si próprio e perante a pessoa a quem se prestam cuidados
soa e os principios que se aplicam a todas as pessoas, no com e ainda como ponto de paiiida para uma anâlise reflexiva.
igualitarismo, mas com justica. Passou a sentir-se necessidade de
fazer as coisas bern feitas, näo em funçäo de qualquer (...) Porque no fundo aqui o desejo C mais do que desejo, era
perfeccionismo inconsequente, mas porque do outro lado está uma necessidade que a pessoa tinha c eu não atendi concreta-
uma pessoa, pelo que, se as coisas no forem bern feitas, ela rnentc aquela necessidade.....Pronto são aquelcs rnomentos,
acaba por sofrer: mas esses rnornentos também são irnportantcs para a gente
depois orientar toda a nossa conduta a seguir.
( .... ) Porque é que é que eu acho que o enfermciro deve saber
fazer as coisas? Porque se eu passasse para o lado do doente eu Deve-se realçar, por fim, o facto de o profissional de enferma-
queria que cuidasse de mim alguem que me tratassc corn res- gem se assumir e se usar a si próprio como uma pessoa corn
peito, mas que também me soubesse fazer as coisas que preci- potencial teraputico, lidando corn os sentirnentos corn uma notável
sassem de ser feitas. Porque senão ia ficar all espera não sei de naturalidade: 4

que....
( .... ) Eu penso que fundamentalmente foi a atitude dc compre-
Esta centralidade atribuIda a pessoa, passa a ser considerada nos ensão, a atitude de calma, de colocar-me no lugar dele, tentar
padröes de avaliação da qualidade dos cuidados de enfermagern. colocar-me no lugar dde, perceber porque C que dc estava a
Urn cuidado de enfermagem & avaliado como born ou menos reagir tao mal ao internarnento, porque estava longc da fami-
born Se, por exernplo, contribuiu para aliviar ou näo o sofrimen- ha.
to de uma pessoa: -
(.....) Mas depois, o facto de ele soluçar, porquc soluçava
( .... ) Eu considero que foi urn born cuidado dc enfermagem mesrno, quando cu Ihe disse que me ia embora, rnarcou-me
porquc eu consegui contribuir para aliviar o sofrirnento. Por- muito e cheguci a chorar tambCrn. São atitudes que de facto...
que no fundo aquilo era urn sofrirnento que o incornodava já marcou-me imenso. Para mirn foi dos momentos mais ricos
ha dezasseis horas.... que Cu tive,... durante estes anos todos de enfermagem, foi de
facto aquela atitude do choro, .. uma atitude scntida quc ma-
( .... ) Essencialmente porque não atendi a urn desejo da pessoa nifestou rnuito. Para ele aeho 900 foi talvez uma perda Isso no
em Si quando eu vi que não havia nenhuma contra-indicaçao fundo rcflectc todo o a vontade que dc tinha comigo, c todo
Para que o levasse a casa de banho. A 6nica contra-indicação o apoio que cu Ihe poderia char....
182 183
I N V E S T I G A ç A o R E A L I Z A 0 A CONCEPCOES DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

De destacar que, subjacente ao uso da sna própria pessoa como TABELA 14: ANALISE ESTRUTURAL DA ORIENTAcAO DOS ENFERMEIROS
potencial terapêutico, esth o principio da reversibilidade, ou seja, ENTREVISTADOS FACE A CATEGORIZAcA0, INTEGRACAO E
TRANSF0RMAçAO.
a capacidade de se colocar no lugar do outro. Por outro lado, os
sentimentos são vividos de modo assurnido e descomplexado, corn CATEG0RIzAcA0

REt E2 7-'
toda a riqueza pie Ihe 6 inerente. El 3
Relativamente a transformação, pensamos que é de realçar o ES 2
0
assumir-se e o aceitar o outro como pessoa, corn direitos e de-
veres e corn todas as implicacöes que isso possa ter. 0 born Sc.
enferrneiro ou o born cuidado de enfermagern, passam a ser 43$ ETO- 3110
rJr!E1
definidos em função da outra pessoa e, simultaneamente, em função
\. \ - I
da pessoa que presta o cuidado. 0 born cuidado de enfermagem
contribui para o bern estar e para o alIvio do sofrimento do outro, E6-4
58 1
e é desernpenhado por urn profissional corn conhecirnentos espe- IDEAL 00 510 I 6fl
cIficos. 0 born enfermeiro gosta do que faz e não hesita ern
El, ES, -ENFERMEIROSENTREVISTADOS
avaliar, de rnodo reflectido, os cuidados prestados. Os critérios - OPcSES DOS ENFERMEIRDS ENTREVISTA505 PELAS DIVERSAS CATEGORIAS.

desta avaliação são a pessoa a quem os cuidados foram prestados - USO DA LINGOASEM IDEAUZADA

e o seu bern estar.


Relativamente a utilização da linguagem real, e a sua relação corn mas de atender a todas as outras vertentes da pessoa. 0 enfer-
a ideal, as conclusöes são análogas as referidas para os ternas rneiro deve ser uma pessoa que conjuga várias facetas:
anteriores.
De facto, e tal como se pode verificar na Tabela 14, a rnaioria (......) Para mim urn born cnfcrrnciro tern que juntar as duas
dos sujeitos, bern como a rnaioria das unidades- de registo, loca- coisas. Tern que ter urna boa rclaço, tern que ter urn born
lizam-se no paradigma da integração. Nurna anâlise rnais indivi- estar c tern que ter urna boa t6cnica. Tern que ter a von-
dualizada verifica-se tambrn que os sujeitos tern urn paradigma tacic para fazcr as coisas, c cu acho quc cssc a vontacic é na-
de orientação preferencial, mantendo, no entanto, caracterIsticas tural.
de outros adjacentes. Constata-se ainda o uso de uma linguagem
do real e de uma outra idealizada. Tarnbérn neste tema a Relativamente a transformação, 6 dado destaque a necessidade de
categorizacão não recebe qualquer registo relativo a linguagern o enferrneiro "ser urn indivIduo equilibrado", para desse rnodo
idealizada. Apesar disso, urna caracterIstica especIfica deste terna "saber lidar corn o sofrirnento das pessoas", sentindo-o, mas não
é o rnaior uso da linguagern idealizada. Isto pode-se constatar pela se deixando desgastar por ele. Destaca-se, por outro lado, algo
elevada frequência, quer de individuos, quer de unidades de registo, que constitui uma novidade, e que consiste na não sectorização
na integração e transformação. Contrariamente ao que se passava nos entre a tcnica e o humano, ou, se quiserrnos, na hurnanização
outros ternas (i.e., binómio enfermeira-doente/utente e enferrnagem), da técnica:
neste, quase todos os individuos usam esse tipO de linguagern.
No uso da linguagern idealizada destaca-se, no paradigma da in- ) Se a gente conseguir, corn o toque, saber estar na
tegração, a necessidade de "não ligar so a prOpria doença ern si", higicnc, corn a pessoa que ali csti sern cornunicat-, dc olhos
184 185

- r---------------- I
I N V E S T I G- A q A o R S A II Z AD A
CoNcEpQOEs i.
ENERMAGEM S DESENVOLVIMENTO SOCIO -MORAL

fechados, cm coma, ou altamcntc scdaclo, se a gente conse-


7. Discussao dos resultados, conclusöes e impli-
guir ter urn toque, ter uma massagern, ou seja, saber enten-
caçôes
der o que as palavras não consegucrn dizer porquc a pessoa
não cstá a cornunicar, ... se a gente conseguir fazer isto,...
Antes de enunciarmos as conclus5es deste trabaiho destacamos
alguns aspectos que consideramos relevantes. 0 primeiro deles
Em termos do tema "born enfermeiro", parece poder concluir-se
tern a ver comas suas Iirnitaçöes. De facto, cingimo-nos a iden-
que tambérn neste tema a orientação dos sujeitos foi predomi-
tificar e categorizar verbalizaçoes sujeitas aos mais diversos con-
nanternente para a integracão. Consideramos corno aspectos a des-
dicionalisrnos. Não tivernos acesso a prática da prestação de
tacar neste paradigma, o reconhecimento de si próprio como
cuidados, pelo que, todas as conclusöes poderiarn assumir carac-
pessoa, ainda que, por vezes, por entreposta pessoa, e o conse-
terIstjcas muito diferentes se essa outra vertente tivesse sido es-
quente reconhecimento do outro, com todas as consequências
tudada. Por outro lado, o estudo foi realizado em trés hospitais
que Ihe são inerentes. Isto origina a re-orientação dos cuidados
corn caracteHsticas muito semeihantes e especificas. Seri que se
de enfermagem em função da outra pessoa, sendo que quem decide
obterão dados semeihantes em hospitals corn caracterIsticas dife-
o que é born para o doente/utente é ainda o enfermeiro.
rentes? Pensamos ainda que, para se ter urna imagem aproxirnada
das concepçöes de enfermagem a partir do ponto de vista dos
profissionais, será necessário ter também acesso as concepçöes
dos profissionais dos cuidados de saóde prirnários e dos docentes
:F das escolas superiores de enfermagem. Considerarnos ainda corno
Iirnitação deste trabaiho, o facto de os questionários não terem
sido preenchidos nas condiçoes previstas (i.e., ern sala própria e
na nossa presença) o que poderâ estar na origem de uma tao
elevada percentagern de inconsisténcias nas respostas ao DIT.
Quanto ao primeiro objectivo que nos propusemos, analisar as
orientaçöes dos enferrneiros que prestam cuidados nos Hospitals
Distritais de Evora, Beja e Portalegre, relativamente aos concei-
tos de enfermagem e de born enfermeiro vistos a luz dos
paradigmas da categorizaçao, integração e transforrnação, os re-
sultados tendern a rnostrar que a orientação das enfermeiras é
para o paradigma da integração. Esta orientação é mais notória
no conceito de born enfermeiro que no conceito de enfermagern.
Neste ültimo, a orientação aproxima-se do paradigma da trans-
formaçao.
Quanto ao ultimo objectivo, compreender as concepçôes de en-
fermagem e de born enfermeiro dos identificados corno bons
enfermeiros, na convicção de que tais concepçöes nos ajudam a
compreender os mesmos, os resultados da análise de conteiido
186
187
I N V E S T I G A ç A o R E A L I Z A D A CONCEPcOES 'bi ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

das entrevistas efectuadas mostrarn-nos que também aqui, a orien- Lisboa. Concluiu que uma rnaioria relativa dos indivIduos que
taço é para o paradigma da integraço, independentemente do participararn no estudo, tinham uma concepço de enfermagern
terna considerado. A afirrnaçäo e valorização da pessoa, do enfer- que se enquadrava num paradigma de transição entre o biornédico
meiro ou do sujeito beneficiário dos cuidados, como ser dotado e o do cuidar. Este paradigma tinha caracterIsticas serneihantes
de diversas vertentes (e.g., ser bio-psico-social) surge como tra- ao paradigma da integracão.
ço comurn em todos os ternas. Poder-se4 dizer, a sernelhança de Por sua vez, Waterworth(1995) desenvolveu urn estudo em que
Newman (1992) e Kérouac et al. (1994), que Se verifica uma pretendia explorar o valor da prática clinica de enfermagern, a
orientaco para a pessoa. Esta centralidade atribuIda pelos enfer- partir do ponto de vista dos profissionais. Através deste estudo
meiros a pessoa, assenta nurna redefiniçäo do conceito de "pes- identificou quatro dimensöes da enferrnagem:
soa". Nessa redefiniço foram evidenciadas e colocadas em pé de 1. A dimenso centrada na pessoa, em pie o utente é visto como
igualdade, as diversas vertentes, a biológica, a psicológica e a uma pessoa e näo como urn doente;
social. Sendo este facto uma caracteristica deste paradigma, é tam- 2. a dirnenso interpessoal, em que a enfermeira usa o seu "self'
bern evidenciado por alguns trabaihos que foram desenvolvidos na prestação de cuidados corn objectivos terapéuticos;
nesta area. 3. a dirnenso cornunicaçäo, em que a enfermeira providencia
Swanson (1991), por exemplo, na sequência de urn estudo inforrnaçao ou ensino a pessoa; e
fenomenológico desenvolvido em trés contextos perinatais dife- 4. a dirnenso trabaiho em equipa, que pressupöe o espIrito de
rentes (i.e., muiheres que haviam abortado, prestadores de cui- equipa no desenvolvirnento do trabaiho de enfermagem.
dados de uma unidade de cuidados intensivos neonatais e jovens Nas trés prirneiras dimensöes, a pessoa beneficiária de cuidados
mäes de elevado risco social), identificou cinco processos de cuidar. ocupa urn lugar central. Na Cltirna dirnensão ela está implIcita,
o prirneiro denominou-o 'conhecer' e através dele pretendeu assumindo a pessoa do enfrneiro urn lugar de destaque.
compreender urn acontecimento que tern sentido na vida do outro. Por 61timo, Dyson (1996), num estudo piloto, investigou a
o segundo processo classfficou-o 'estar corn' e riele incluiu -conceptualizaçao do cuidar de nove enfermeiros qualificados. Fo-
abrir-se ernocionalmente a realidade do outro. Por sua vez, o ram identificados nove temas, cujo denominador cornum é tarn-
terceiro foi 'fazer por' e aqui a autora englobou o fazer pelo bern a pessoa que recebe cuidados ou a pessoa que os presta.
outro, tal como o outro faria a si próprio se pudesse. 0 quarto No nosso estudo, a centralidade assurnida pela pessoa é reforçada
foi apelidado de 'possibilitar' e compreende o processo de faci- pela necessidade que sentimos em criar urn novo terna denorni-
litação da passagern do outro pelas transiçöes da vida. Por ilti- nado "binómio enferrneiro- doente/utente" Neste terna é analisa-
mo, o quinto denorninou-o 'manter a crença' e inclui o manter do o rnodo como o enfermeiro e o doente/utente, interagem.
a fé na capacidade do outro para ultrapassar urn acontecirnento. Através dessa análise constata-se que .o enfermeiro, ao atribuir a
Como denominador cornurn a todos estes processos esta a pes- ja referida centralidade a pessoa, se confronta corn uma nova
soa, seja ela a beneficiária dos cuidados, ou a prestadora de cui- problernâtica que o faz vacilar. Reconhecendo a importancia e a
dados. necessidade de agir face a algurnas outras vertentes da pessoa
Abranches (1995) desenvolveu urn estudo exploratório que, alérn (eg., psico-social), que vo para além da doença encarada de
do mais, pretendia compreender as concepcöes/representaçöes modo restrito, o enfermeiro constata que estas Ihe exigern uma
de enferrnagern, de urn grupo constituido por docentes de enfer- abordagem para a cjual no está preparado. Ou seja, o enfermei-
rnagem e enferrneiros-chefes de algurnas escolas e hospitais de ro encara e valoriza a pessoa como urn todo, identifica areas
1b8 189

-
I N V E S T I G A ç A o R A I Z A D A
CONCEPcOES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL

problemáticas em novas vertentes da pessoa, mas não se sente psico-social e como, central no processo de prestação de cuidados.
preparado para agir. Isto é particularmente evidente quando the No entanto, não sabem como hão-de satisfazer as necessidades
exigido uma intervencão a ravel relacional. Esta dificuldade está dessa pessoa nos aspectos que vão além da doença. Por urn lado,
em divergência corn o que é apresentado por Newman (1992) e fazem referência a irnportãncia dos aspectos relacionais mas, por
K&ouac et al. (1994) como caracteristica do paradigma da inte- outro lado, não conseguern concretizá-los. No entanto, Rebelo
gração. Esta divergência verifica-se, tambérn, relativamente a qual- (1996) refere que "estabelecer uma relação é uma condição ne-
quer urn dos trabalhos de investigacão atrás referidos. Os rnesrnos cessária, pelo que (os enfermeiros) precisam de aprender a rela-
autores, ao atribuirern centralidade a pessoa que recebe cuidados, cionar-se tal como aprendem as técnicas relacionadas corn os
atribuem concomitanternente centralidade a pessoa que os presta, cuidados de enfermagern" (p. 16). A rnesma autora acrescenta
bern como as suas caracterIsticas individuais e profissionais que que "não ha cuidados de enfermagem sem relação corn o doente
ihe permitem prestar cuidados a todas as vertentes da pessoa. ou corn a familia" (p. 16).
Embora os enfermeiros tenham manifestado, nos conceitos em Dada a constancia desta caracteristica, quer ao longo dos discur-
análise, uma orientação para o paradigma da integração, constata- sos dos enfermeiros por nós entrevistados, quer nos trabaihos de
-se que as caracteristicas desta orientação não são totalmente investigacão portugueses por nós rnencionados, sornos levados a
sobreponiveis corn as do referido paradigma. Isto é também pa- mterrogarmo-nos: será que esta é uma caracteristica cornum aos
tente em alguns estudos realizados no nosso pals. No trabaiho profissionais de enfermagem em Portugal? Serâ que esta compo-
desenvolvido por Abranches (1995), é referido que se nota, no nente dos cuidados de enfermagem é ensinada nas escolas de
discurso de alguns dos intervenientes no estudo, uma dissociação enfermagern? Será que ela é objecto de acçöes de formação ao
entre a técnica e a relação, sendo que "esta 61tima nunca é en- longo da vida profissional dos enfermeiros? Por éltimo, serâ que,
tendida como a base para a pianificacão e inclividualizacão dos cui- apesar de os enfermeiros rconhecerem e atribuirem iinportancia
dados ao doente" (p. 165), antes se restringindo a uma relação de a esta vertente dos cuidados, ela é igualmente valorizada no con-
natureza social, indefinida e sern objectivos terapêuticos. Também texto orgarnzacional onde os cuidados são prestados?
Paz (1995), num estudo exploratório sobre a competência proffssio- Tarnbérn sobre o conceito de enfermagem a orientação dos en-
nal, realizado junto de enfermeiros docentes, alunos de enfermagem fermeiros foi para o paradigma da integracão. Porque neste
e profissionais da prestaçâo de cuidados, constatou que as habilidades paradigma se atribui centralidade a pessoa, o conceito de enfer-
interpessoais eram referidas na rnaioria dos discursos. No entan- magem foi redefinido em função disso. A enfermagem é agora
to, verificava-se que havia uma grande dfficuldade, por parte dos entendida como urn conjunto composto por uma parte técnica e
participantes do estudo, em operacionalizar essas habilidades. uma outra humana. Esta formulação em dupla vertente permite,
Mendes (1995), num estudo exploratório realizado corn alunos no entender dos enfermeiros entrevistados, dar resposta as diver-
de enfermagem sobre a representacão social do enfermeiro, cons- sas vertentes da pessoa. Note-se que os cuidados de enfermagem
tatou que a referida representacão era essencialmente constitulda não nos são apresentados como uma totalidade, mas antes como
por elementos caracterizadores do modelo biornédico. Neste uma soma de duas partes. Isto vem de encontro a forma como
contexto, o papel relacional era inespeclfico, apenas se vislurn- atrâs era definida a pessoa. Ou seja, reconhecendo-se-lhe várias
brando urn papel maternal. vertentes, estas aparecem mais como uma soma que como uma
Face a isto, parece-nos que estarnos perante uma situação clilemática. totalidade. Esta caracteristica esth de acordo corn a forma como
Os profissionais de enfermagem reconhecern a pessoa como ser bio- Newman (1992) e Kérouac et al. (1994) definem o paradigma da
190 191
I N V E S T I G A ç A o R E A Z A 0 A
CoNcEpçc,6 DE ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

integraçäo. Existern cuidados especIficos para a vertente bioiógica


Seri que as enfermeiras atribuem de facto tanta importnci
da pessoa, tal como existern para a vertente psicoiógica ou so- a a parte
cial. Isto leva os enfermeiros a afirmar que, para a relação é relacional dos cuidados de enfermagern? Se atribuem, sentem-se sa-
preciso tempo, esquecendo que quaiquer acto, seja dc de que tisfeitas corn a sua capacidade de resposta? Se näo se sentem satisfei-
tas, tam feito as diligências necessrias no sentido de aurnentarem a
natureza for, é urn acto relacional. Para além disso, nunca é dito
sua capacidade de resposta? Ou reconhecendoihe irnportância, como
ciaramente, pelos enfermeiros entrevistados, o que 6 que enten-
forma de responder s necessidades da pessoa, o contexto organiza-
dem pela parte humana dos cuidados de enfermagem. E enunci-
cional onde os cuidados säo prestados é adverso?
ado o princIpio da reversibilidade sem, no entanto, ser
A orientação das enfermeiras relativament e ao conceito de born
operacionalizado. Tambérn nos trabaihos referidos alias (Abranches,
1995; Paz, 1995; Mendes, 1995) se constata esta dificuidade em enfermeiro é também para o paradigma da integraço. Nesta
perspectiva, o born enfermeiro reconhece-se e valoriza-se a si
definir e operacionalizar o lado humano ou relacional (estas duas
prOprio e, consequenternente reconhece e valoriza o sujeito a
expressöes aparecem como sinónimos) dos cuidados de enferma-
gem. quem presta cuidados, como pessoa. No entanto, é dc quem
decide o que é rnelhor para o utente, o que no deixa de ser urn
Esta sectorizaçäo da enferrnagem é extensiva aos conhecimentos posicionarnento contraditOrjo. Parece existir urn discurso que se
necessários para a desenvoiver. Reconhece-se a necessidade de
assemeiha a urn enunciado de intençOes, existindo dificuldade em
conhecimentos e da sua actualizaço constante ao longo da vida o operacionalizar . Os enfermeiros por nós entrevistados näo fize-
do profissional; afirrna-se que a prática, entendida por oposiço a
ram qualquer referência ao método de trabaiho, nern as relaçöes
teoria, näo é suficiente; no entanto, os conhecimentos que apa-
corn os pares profissionais.
recern evidenciados so os técnicos. Os relativos a componente Relativarnente a opçâo dos enfermeiros, independenternente do
humana ou relacional säo deixados a 'dedicaço', a 'consciência
tema considerado, verifica-se 4ue a integraço recebe a preferén-
profissional', ao que 'é evidente em cuidados de enfermagem',
cia do rnaior nürnero de sujeitos, bern como o major nlirnero de
como dizia Coiliêre (1989), ou ao 'born coraço' da enfermeira,
unidades de registo (ver Tabela 15).
acrescentarnos nós. Sendo verbalizada a importncia atribulda a Se considerarmos a orientaço de cada urn dos indivIduos (linhas
parte humana ou relacional dos cuidados de enfermagem, na prática
de tonaiidade azul), verificamos que existe urn paradigma prefe-
essa importancia é negada. De facto, so é diferenciado e
renciai para o qual se orientarn, geraimente o da integraçäo,
diferenciador, aquilo que carece de ser aprendido para ser exe-
coexistindo, no entanto, caracteristicas de outros paradigrnas
cutado. 0 que é atribuldo a caracteristicas estritamente pessoais,
contiguos. Apenas urn indivIduo apresenta caracteristicas dos tres
tanto pode ser executado por urn profissional de enfermagem
como por qUaiquer outra pessoa. paradigrnas. Existern tambérn alguns indivIduos que apenas apre-
sentam caracteristicas de urn. Pode assirn dizer-se que os enfer-
Deste modo, a forma como a Enfermagem é entendida pelos meiros entrevistados tern urn paradigma de orientação predo-
enfermeiros por nOs entrevistados, está sO parcialmente de acor-
minante, mantendo caracteristicas do imediatarnente anterior ou
do corn a forma como cia é definida no paradigma da integração
posterior. No entanto, o paradigma de orientaçao predominante,
pelas autoras (Newman, 1992 ; Kérouac et al., 1994). Esta noço
sera o que mais rnarcará a orientaçao da prática profissional dos
de enfermagem entende-se na sequncia do modo como atrás era enfermeiros. Dc acordo corn Newman (1992), os vaIore ineren-
perspectivado o binOmio enferrneiro-doente/utente, e vai de
tes a urn paradigma estäo profuridarnente enraizados nos seus
encontro aos resuitados de outros trabaihos por nOs referidos.
aderentes e tornarn-se normativos, indicando o que é importante
192
193
I N V E S T I G A ç A o R E A I Z A A
CONCEPcES I
NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

TABELA 15: ANALISE ESTRUTURAL DA ORIENTAçAO GERAL DOS


ENFERMEIROS FACE ADS PARADIGMAS DA CATEGORIzAcAO, INTEGRAçAO E
Face a isto, e aceitando como válido o paralelismo entre o desen-
TRANSFORMAçA0. volvimento para a justiça e o desenvolvimento
moral, questionamo
-nos sobre a forma mais adequada de se promover a mudança.
CATEGORIZAcAO INTEGRAcAO TRANSFORMACAO V
Seri que essa mudança é possIvel face a forma profunda como os
REAL El-i' E 9 V E4 -1I
E2'Q' E2-Gk valores inerentes a urn paradigma estão enraizados? Dever-se-a
'I
V , tentar a evolução ou convergência, em direcçao a urn determina
ES-2 55-4
E9. 58-4 -
do paradigma (e.g., transformacao)? On, pelo contrário, dever-
BINóMI0 V -se-a tentar a integração entre os vrios paradigmas?
"ENEERMEIRAI 18 - 1
ODENTE-
IITENTE"
ES
Por uiltimo, constatase que quase todos os enfermeiros utili-
V
\;i12 1 30 zam uma linguagem idealizada e dirigida para o seu paradigma
'ENFE:MAGEM'
predominant e ou para o imediatamente
a seguir. No uso da lin-
ENFERMEIRO V
guagem idealizada nenhum enfermeiro opta pela categorizaçao.
I E6-'4 Também Abranches (1995) faz referência a
ES-I
utilização de uma
linguagem idealizada no discurso dos inclivIduos que participaram
510-4
no seu estudo. A utilização da linguagem idealizada, transmite-
DEAL 0,0 511 - . 'la -nos a ideia de algum descontentamento dos enfermeiro
s relati-
vamente a forma como prestam os cuidados. Ou seja, prestam
El, E2,... - ENFERMEIROS ENTREVIST0005
- ovçoEs DOS ENFERMEIROS ENTREVIST0005 FOLkS DIVERSAS CATEGORIAS.
cuidados de uma determinada forma, no entanto, sabem e/ou
- 050 OA LI500ASEM IDEAUZASA
sentem que aquela não é a forma mais adequada. Face a isto, os
enfermeiros afirmam, em linguagem idealizada, que os cuidados
deveriam ser prestados de outra forma. Quando usam essa lin-
e. o que deve ser feito. As pessoas que assim partilham de urn guagem, vincarn caracteristicas que, sendo do seu paradigma do-
paradigma, não conseguem imaginar qualquer outra maneira de
minante, ainda não fazem parte da sua prática, ou entäo idealizam
proceder. Näo sendo o conceito de paradigma sobreponIvel ao para caracteristicas do paradigma imediatament
e a seguir. Este
de representação social, apresenta, no entanto, algumas caracte- facto transmite-nos a ideia de rnudança, em direcção a paradigmas
risticas comuris, na rnedida em que, quer urn quer outro, acabam
posteriores. Tal ideia é, de algum rnodo, confirmada pelo facto
por condicionar os comportarnentos e o desempenho. Neste' con-
de os enfermeiros, quando usam a linguagem idealizada, não
texto, tambm Mendes (1995) conclui, no seu estudo, que existe optarem pelo paradigma da categorização . Esta sensação de mu-
uma estrutura representacional anterior a entrada no curso de
dança responde parcelarmente a algumas das questöes colocadas
enfermagem que este curso praticamente não altera, e que & con- anteriormente, isto porque traduz urn diriarnismo dos profissio-
dicionadora das práticas. Apesar disso, este autor conclui ainda nais corn direcçao estabelecjda.
que as prâticas clInicas desenvolvidas junto dos profissionais, são No entanto, novas interrogaçoes se nos colocarn. Quais as razöes
urn elemento importante na construcão/reconstrução da representa- que impossibilitarn os enfermeiros de prestarern cuidados como
ção social. Por outro lado, Pearson e Vaughan (1992), afinnarn que des entendem que devem ser prestados? Qual a satisfaçao dos
a imagem do que 6 a enfermagem e do que 6 ser enferrneira, 6 algo enfermeiros corn o seu desempenho? Qual a satisfaçäo dos uten-
que se vai construindo ao longo da vida profissional. tes corn os cuidados que receberarn?
194
195
I -r 0
I N V £ S T I G A ç A o R E A L Z A D A
CONCEPGOES [Z,,_ NFERMAGEM £ DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

Prestar cuidados em condiçoes e com caracterIsticas que não estão


ensino de enfermagem a nIvel do ensino superior adquire urn
de acordo corn o que nós entendernos que é correcto, constitui-
valor acrescido, quer pelo facto em si, quer pelas perspectivas de
rá, corn certeza, fonte de descontentamento, quer para o profis-
acesso a todos os graus acadérnicos que isso proporciona. De
sional quer para a pessoa beneficiária dos cuidados. Contribuirá
acordo corn Newman (1992), também o aprofundamento do estudo
ainda para a não autonomização profissional. Face a isto,
dos conceitos e das proposiçöes inerentes a urn paradigma espe-
questionamo-nos, a sernelhança de Mendes (1995) e Rebelo (1996):
cIfico (i.e., transforrnação), norneadamente em cursos de pós-
a quern é que os enfermeiros respondern, ao utente ou a institui-
-graduação, promove o desenvolvimento dos enfermeiros. Assim,
cão? Como efectivar, neste contexto, o papel de advogado do
constatamos que os resultados deste estudo indicam que as habi-
utente, preconizado por vários autores? E como progredir ern
litaçöes profissionais não são significativas na opção dos enfermei-
direcção a autonornia?
ros pelo paradigma da transformação ou na menor escoiha do
Quanto ao segundo objectivo, saber se as orientaçöes atrás refe-
paradigma da categorização. Mas seria de esperar que a formação
ridas diferern ou não em função dos anos de serviço, habilitaçoes
veiculada pelas escolas de enfermagem, principalmente nos cur-
literárias e profissionais, posicionamento na carreira e local de SOS de pós-graduação, interferisse na opcão das enferineiras pelos
trabaiho, interessa referir que os valores do paradigma da
diversos paradigmas.
categorizacão variam preferencialmente em funcão da idade e das o paradigma da categorização revelou ser o mais sensIvel a5
habilitaçoes literárias, em qualquer urn dos conceitos em anâlise.
variáveis independentes em estudo. For esta razão, o estudo
Ou seja, a opção pelo paradigma da categorizacão aumenta corn
relacional foi conduzido preferencialmente corn base neste
a idade e diminui corn as habilitaçöes literárias. A variável idade
paradigma. As variaçöes dos valores dos paradigmas da integração
assume, no entanto, uma importncia acrescida, devido ao facto
e da transformaçao, em função das diversas variáveis em estudo,
de as habilitaçoes literárias dos enfermeiros dirninuIrem a rnedida
são mais evidentes no conceito de born enfermeiro que no con-
que a idade aumenta. Apesar disso, constata-se que as babilitaçoes
ceito de enfermagem. Tais variaçöes, quando ocorrem, vém con-
literrias condicionam principalmente, a opcão pelas paradigmas da
firmar os resultados alcançados para o paradigma da categorização.
categorizacão e transforrnação. As afirmaçoes do paradigma da
Por exemplo, no conceito de born enfermeiro, os valores do
categorizacão relativas aos dois conceitos em estudo, são tanto me-
paradigma da transformação aumentarn corn as habilitaçoes literá-
nos escoihidas quanto mais elevadas são as habiitaçoes literárias. Por
rias e diminuem corn a idade, ou seja, verifica-se o oposto do
sua vez, as afirmaçöes do paradigma da transformaçio, principalmen-
que acontece corn o paradigma da categorização.
te no conceito de 'born enfermeiro', são tanto mais escoihidas quan-
Cabe uma iltima referéncia para o facto de a orientação, face ao
to mais elevadas são as referidas habilitaçoes.
conceito de born enfermeiro, apresentar algurnas diferenças em
De acordo corn Newman (1992), o tipo de conhecimento subja-
função do serviço de internarnento onde os enfermeiros traba-
cente aos dois primeiros paradigmas (i.e., categorização e inte-
lham. Os enfermeiros que trabalharn em Serviços como unidades
gracão) é relevante, mas não suficiente, para a completa elaboração
de cuidados intensivos, cardiologias e pediatrias, escoihem menos
da enfermagem como ciência. Corn base nisto, preconiza o de- o paradigma da categorização e aceitam mais o paradigma da in-
senvolvimento em direcção ao paradigma da transformação. Os
tegraçäo. Por sua vez, os enfermeiros que trabaiharn em serviços
resultados relativos a este objectivo, destacam a importancia das de ginecologia e consultas externas, tm uma opo inversa: aceitaxn
habilitaçoes literárias dos enfermeiros, na opcão por afirrnaçöes mais o paradigma da categorização e menos o da integração. Os
do paradigma da transformaçâo. Neste contexto, a integração do dados relativos as opc6es dos enfermeiros que trabaiham nas uni-
196
197

-. 37 1
I 'i V E S T I G A ç A o R E A Z A D A CONCEPceES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

dades de cuidados intensivos, colidern corn algurnas ideias tradi- análogos, feitos corn estudantes do curso de enfermagem, nomeada-
cionalmente veiculadas. Aqueles serviços, dotados de alta tecno- mente os referidos por Rest (1986) e Duckett (1992). Se corpara-
logia, são apontados como o expoente mximo da perspectiva dos corn os valores encontrados por Lourenço e César (1991),
biomdica e os enfermeiros que Ia trabaiharn são classificados como verifica-se que os mesmos se localizam entre os valores encontrados
aderentes incondicionais dessa perspectiva. No entanto, os resul- para iridivlduos corn o 110 ario (35.77) e para individuos corn estu-
tados deste trabaiho não corroborarn esta ideia. De algum modo, dos universitrios (47.23). De referir ainda que estes valores Se lo-
estão de acordo corn os resultados alcançados por Rebelo (1996) calizam, de acordo corn Rest (1986), no terceiro quartil, ou seja
no seu trabaiho. Al, a perspectiva dos enfermeiros que trabaiham entre os valores 35 e 46. Constata-se iambérn urn aumento progres-
em unidades de cuidados intensivos, asserneiha-se a dos enfer- sivo dos respectivos valores a medida que aumenta o nivel das habi-
meiros que trabaiham em centros de saiide. A autora atribui estas litaçoes literârias, independenternente do sexo. No entanto, os valores
semelhanças a possibilidade de participacão efectiva dos enfermei- decrescern sempre corn o aurnento da idade. Mas na categoria das
ros a vax-los nIveis, ou seja, o contexto organizacional adquire, habiitaçoes Iiterrias, "licenciatura ou equivalente", não existe de-
aqui, uma importancia marcarite, e começa a fazer-se sentir mesmo créscirno do valor de Indice P corn a idade.
antes de o enfermeiro começar a trabaihar num serviço desta Relacionando as orientaçöes dos enfermeiros corn o nivel de de-
natureza. Esta situação ocorre porque, normalmente, existern senvolvimento sócio-moral, é de realçar o facto de serem as
critérios de selecçao para se ingressar nurn serviço destes e o rnesmas variáveis a exercerem influência, quer sobre o Indice F,
processo de preparacão do ingresso em geral é longo e rigoroso. quer sobre os paradigmas da categorização, integração e transfor-
Após o ingresso as exigências não abrandam, sendo sistematica- mação de urn e de outro conceito. For outro lado, verifica-se
mente exigida uma capacidade de resposta efectiva e não rotinei- que existe uma relação inversa entre os valores dos paradigrnas
ra. Na prestaçäo de cuidados existe uma responsabilizacão directa da categorizaçäo, de urn e eutro conceito, e os valores do Indice
pelo que é feito e, assim, pensamos que estes factores contribui- F, ou seja, a medida que os valores de Indice P aurnentain, ditni-
rão para a perspectiva veiculada por estes enfermeiros. nui a ceitação do paradigma da categorização e vice-versa. Este
No extrerno oposto localiza-se o conceito de enfermagem dos facto adquire urn significado relevante, se recordarmos que a não
enfermeiros que trabaiham nas consultas externas. Entendemos escoiha das afirrnaçoes do paradigma da categorizaçäo valida a
que tal facto possa estar relacionado corn as caracteristicas destes opcão pelas afirrnaçoes do paradigma da transforrnaçao. Neste
serviços, ou seja, sendo serviços de consultas médicas, o contacto contexto, esta relação inversa significa que os enfermeiros que
das pessoas que a eles acorrern processa-se preferencialmente corn rejeitarn as afirmaçoes do paradigma da categorização, são aque-
os medicos. For outro lado, muitas vezes os serviços de consul- les que apresentarn maior desenvolvirnento do racioclnio sócio-
tas médicas são entendidos como servicos em que são exigidos -moral. Constata-se ainda a existéncia de uma relação positiva
esforços moderados, pelo que são lá colocados enfermeiros que entre o paradigma da transformação relativo a ambos os concei-
já não podem trabaihar noutras unidades. Por i1timo, as funçoes tos, e os valores do Indice P. Quer dizer, as opçöes pelo paradigina
dos enfermeiros são, muitas vezes, incliferenciadas. da transforrnação são tanto mais frequentes, quanto rnaior é o
Em termos do terceiro objectivo, relacionar as referidas orienta- desenvolyimento do racioclnio sócio-moral dos enfermeiros.
cöes corn o nivel de desenvolvimento sócio-moral, começamos Perante isto, ganha sentido o paralelismo por nés estabelecido na
por dizer que os valores encontrados relativarnente ao Indice P primeira parte deste trabalho. Parece poder afirmar-se que as
(41.18), são genericamente semeiharites aos encontrados em estudos pessoas corn urn elevado nivel de desenvolvirnento do racioclnio
198 199

r
I N V E S T I 0 A ç A o R E A L Z A 0 A CONCEPCOES 0 NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCI0-M0R

sócio-moral, tern tendência a serern tambem desenvolvidas do idealizam, e quais as condiçoes que ihes permitiriam presi
ponto de vista do cuidar (Condon, 1986). Tambérn Ribeiro, (1995) esses cuidados.
no seu estudo, constatou que existe uma corre1aço entre valores - Que Os enfermeiros, no contexto das organizaçöes e associaç
de Indice P elevados e uma orientaço para o cuidar. Aceitando- atrás referidas, promovam discussöes no sentido de determir
-Se este paralelismo, a componente moral dos cuidados de enfer- quais as suas necessidades de forrnaço no sentido de responc
magem, proposta por alguns autores (e.g., Watson, 1985, 1988; rem as necessidades das pessoas.
Benner, 1988; Bishop & Scudder, 1991) ganha urn sentido acres-
cido. Por outro lado, compreende-se que ao prornover o desen-
volvirnento do enfermeiro em direcçäo a nIveis mais elevados do
raciocInio moral, está-se, concomitantemente, a prornover 0
desenvolvimento em direcço ao cuidar. Importa, contudo, não
conferir a esta componente moral urn cunho de tipo rnoralista e
religioso, como pensarnos que acontece, em geral, nas disciplinas
que no ambito da formaço em enfermagem abordam a questo
dos valores e do código deontológico. Ao £rnalizar este trabalho
consideramos pertinente deixar algumas sugestöes:
- Que as escolas de enfermagem promovam o desenvolvimento
sócio-moral dos seus estudantes, quer através de uma disciplina
de psicologia do desenvolvimento moral, quer através da
discussäo da dilemas morais de vida real e inerentes a pro-
fisso.
- Que as escolas de enfermagem invistam na estruturaço do curso
superior de enfermagem, corn base em teorias enquadradas no
paradigma da transformaço.
- Que a formaço ao five1 da pós-graduação seja orientada no
sentido do estudo aprofundado de uma teoria enquadrada no
paradigma da transformaço, de modo a promover-se o desen-
volvimento para o cuidar.
- Que as organizacöes de prestaco de cuidados reflictam sobre a
imporuiñcia da funço dos enfermeiros na satisfaço das neces-
sidades dos utentes, e sobre o necessrio investimento na for-
maçäo dos mesmos para o cabal cumprimento dessa funço. E
- que os enfermeiros se organizem, nas instituiçöes onde prestam
cuidados e/ou nas suas organizacöes profissionais, e promovam
discussöes no sentido de determinarem quais so as condiç6es
organizacionais que näo Ihes permitem prestar cuidados como
200 201
CONcEPçOEs ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

8. Referências bibliográficas
- ABDELLAH, F.G. (1969) - The nature of nursing science. "Nursing Research", 18,
390-393.
- ABRANCHES, M. M. T. (1995) - Concepçöes de enfermagern. Urn contributo para
o estudo desra problemdtica. a! ed. Disscrtaço apresentada no âmbito do 4' CPAE
A Escola Superior de Enfcrmagcm Maria Fernancla Rcsendc, Lisboa.
- ADLER, A. (1947) - Conocimiento del hombre. Buenos Aires: Espc.sc Calpc.
- ALLAN, J.D. & HALL, B.A. (1988) - Challenging the focus on technology: a
critique of the medical model in a changing health care system. "Advances in Nursing
Science", 10, 22-34
- ALLMARK, P. (1995) - A classical view of the theory-praticc gap in nursing. "Journal
of Advanced Nursing", 22, 18-23
- BARDIN, L. (1977) - Andlise de Contei',do. Lisboa: Ediçöe.s 70.
- BENNER, P. (1984) - From novice to expert: Excellence and power in clinical nursing
prance. Menlo Park: California, Addison-Wesley.
- BENNER, P. (1982) - From novice to expert. "American Journal of Nursing", 82:
Marco.
- BENNER, P. & WRUBEL, J. (1989) - The primacy of caring: Stre.ct and coping in
health and illness. Don Mills: Ont., Addison-Wesley,
- BISHOP, A. H. & SCUDDER, J. R. (1991) - Nursing the pratice of caring. New
York: National League for Nursing.
S - BJORK, I. T. (1995) - Neglecteconflicts in the discipljne of nursing: perceptions of
the importance and value of practical skills. "Journal of Advanced Nursing", 22, 6-
12
- BRINK, P. J. (1989) - Exploratory designs. Brink, P.J. & Wood, M.J.; (Ed.) -
Advanced design in nursing research. Newbury Park: Sage Publications, pp. l4l-
160.
- BRYMAN, A. & CRAMER, D. (1993) - Andlise de dados em ciPncias sociais.
lntroduço as tknicas utilizando o SPSS. 2 ccl. Oeiras: Cclta Editora.
- BURNS, N. & GROVE, S. K. (1993) - The pratice of nursing research. 2nd ed.
Philadelphia: W.B. Saunders Company.
- BUTTERWORTH, T. & BISHOP, V. (1995) - Identifying the characteristics of
optimum prance: findings from a surveyof pratice experts iii nursing, midwifery and
health visiting. "Journal of Advanced Nursing", 22, 24-32.
- CAPLAN, G. (1980) - Prin.cipios de psi quiatria preventiva. Rio de Janeiro: Zahar
Editores.
- COLLIERE, M. F. (1989) - Promoi'er a ;'ida. Da prdtica dos muiheres dc virtude aos
cuidados dc enfermagezn. Lisboa: Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
- COLLIFRE, M. F. (1990) - Autonornia do profisso de Enfermagem. Lisboa: "5o-
letirn Sindical: Sindicato dos Enfermeiros Portugueses", 11, Maio-Agosto, 43-
50.
203
I N V E S T I G A ç A o R E AL A 0 A CONCEPCOES NFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SCIO-MORAL

- CONDON, E. (1986) - Theory derivation: Aplication to nursing. "Journal of Nursing - KUHN, T.S.(1970) - The structure of scientific revolutions. Ncurath 0. (Ed.),
Education", 25, 156-159. International encyclopedia of unified science (2nd ed.). (Vol. 2). Chicago:
- Confcrência Internacional Sobrc Cuidados Primários de Sat'ide - OMS/FISE (1978) University of Chicago Press.
- Alma-Ata: (s.n.), 14 p. - LAUDAN, L. (1977) - La dinamique de la science. Bruxelles: Pierre Mardaga.
- CRISHAM, P. (1981) - Measuring moral judgment in nursing dilemas. "Nursing - LEININGER, M.M. (1981) - Caring: an essencial human need. New Jersey: Charles
Research", 30, 104-110. B. Slack.
- DONALD, A. (1990) - Introduction to research in education. 4th ed. London: - LEININGER, M.M. (1988) - Leininger's theory of nursing: Cultural core diversity
Harcourt Brace Javanovich, Inc. and universality. "Nursing Science Quarterly", 1, 152-160
- DUCKETT, L., ROWAN-BOYER, M., RYDEN, M., CRISI-IAM, P., SAVIK, - LOPES, M.J.S. & COSTA, M.G.M. (1993) - Representaçoes do profissdo de enfer-
K. & REST, J. (1992) - Challenging misperceptions about nurse's moral reasoning. magem. "Nursing", Lisboa 5, 14-16.
"Nursing Research", 41, 324-330. - LOURENçO, 0. M. (1989) - E a 9tica do cuidado diferente do &ica da justico?
- ERIKSON, E. H. (1971) - Infancia e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores. Alguns dados empiricos em crianças de 7-8 anos. "Psychologica", 2, 89-91
- FAWCETT, J. (1984) - The metaparadigm of nursing: present status and future - LOURENçO, 0. & CESAR, M. (1991) - Teste de Definir Valores Marais de James
refinements. "Image Journal of Nursing Scolarship", 16, 84-89. Rest: Pode ser usado na investigaço moral portuguesa? "Análise Psicolbgica" 2, 185-192.
- FLASKERUD, J.H. & HALLORAN, E.J. (1980) - Areas of agreement in nursing - LOURENçO, 0. M. (1992) - Psicologia do desenvolvimento moral. Teoria, dados
theory development. "Advances in Nursing Science" 3, 1-7 implicaç6es. Coimbra: Livraria Almedina.
- FREUD, S. (1967) - Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva. - LOURENçO, 0. M. (1993) - Crianças para a amanhâ. Porto: Porto Editra..
- GILLIGAN, C. (1982) - In a diferent voice: Psychological theory and women's - MACINTYRE, A. (1990) - After virtue. (2nd ed.) Notre Dame: IN: University
development. Cambridge: Harvard University Press of Notre Dame Press.
- GHIGLIONE, R. & MATALON, B. (1993) - 0 inquérito: Teoria e prdtica. 2 ed. - MALLISON, M. (1987) - How can you bear to be a nurse? "American Journal of
Ociras: Cclta Editora, Nursing", 87 (419)
- GORTNER, S.R. (1983) - The history and philosophy of nursing science and research. - MARRINER, A. (1989) - Modelos e teorias de enfermeria. Barcelona: Ed. Rol.
"Advances in Nursing Science", 5, 1-8 - MASLOW, A. H. (1943) - A theo' of human motivation. "Psychological Review",
- HENDERSON, V. (1969) - Excellence in nursing. "American Journal of Nursing", 58, 378-396.
69, 2133-2137. - MASLOW, A. H. (1970) - Motivation and personality, 2nd edition, New York:
- HENDERSON, V. (1978) - The concept of nursing. "Journal of Advanced Nursing", Harper and Row.
3, 113-130. - MELDS, A. 1. (1991) - Theoretical nursing: Development and progress.
2nd Edition,
- KEROUAC, S., PENN, J., DUCHARME, F., DUQUETTE, A. & MAJOR, F. Philadelphia: J. B. Lippincott Company.
(1994) - La pense infirmièe. Conceptions et stratgies. Québec: Editions Etudes - MENDES, J. M.G. (1995) - Set Enfermeira: Contributos para o estudo do represen-
Vivantes. taçJo social dos e.studantes do Escpla Superior de Enfermagem de S. Joo de Deus, s/
- KETEFIAN, S. (1981) - Critical thinking, educational preparation, and development ed. Dissertaço apresentada no imbito do 4" CPAE a Escola Superior (IC Enfcr-
of moral judgment among selected groups of practicing nurses. "Nursing Research", magem de Maria Fernanda Resende, Lisboa.
30, 98-103. - MILLER, A. (1985) - The relationship between nursing theory and nursing pratice.
- KING, I. (1968) - A conceptual frame of reference for nursing. "Nursing Research", "Journal of Advanced Nursing'?, 10, 417-424.
17, 27-31. - MOIGNE, J. L. (1977) - La théorie du sistéme general. Théorie de la modllisation,
- KINNEAR, P.R. & GRAY, C.D. (1994) - SPSS for Windows made simple. Hove: Paris: Press Universjtaire de France.
Lawrence Erihaum Associates, Publishers. - MUNHALL, P. (1982) - Moral development: a prérequesite. "Journal of Nursing
- KOHLBERG, L. (1981) - Essays on moral development. Vol.!: The philosophy of Education", 21, 11-15.
moral development. New York: Harper & Row. - MUSTAPHA, S. & SEYBERT, J. (1989) - Moral reasoning in college students:
- KOHLBERG, L. (1984) - Essays on moral development. Vol.): The philosophy of Implications fior nursing education. "Journal of Nursing Education", 28, 107-I11.
moral development: The nature and validity of moral stages. San Francisco: Harper & - NEUMAN, B. (1982) - The Neuman systems model. Aplication to nursing education
Row. and pratice. Norwalk: CT. Appleton-Century-Crofts.
204 205

37 1
N V E S T I G A ç A o R E A L.Z A 0 A
C 0 NCEPc0ES'..
ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

- NEWMAN, M.A. (1990) - Nursing paradigms and realities. CHASKA, N.L.


(Ed.) - The nursing profession. Turning points. St. Louis: The C.V. Mosby - PORTUGAL - Ministério da Saüdc - Decreto-lei n 480/88 - Dctcrmjna a inte-
Company. graco do ensino de cnfcrrnagcm a nivcl do casino superior politbcnico. "Diana
- NEWMAN, M.A. (1992) - Prevailing paradigms in nursing, "Nursing Outlook", da Rcpb]ica", I Sbnic, (295), 23 dc Dc-,.emhro de 1988, p. 5070-5072.
40, 10-13, 32. - RIBEIRO, L. F. (1995) - Cuidar e tratar. Formoçdo em enfermagem e dcceni'olvimento
socio-moral. Lisboa: Educa-Formaçao, Sindicato dos Enferniciros Portugucscs.
- NEWMAN, M.A., SIME, A.M. & CORCORAN-PERRY, S.A. (1991) - The
focus of the discipline of nursing, "Advances in Nursing Science", 14, 1-6 - REBELO, M. T. S. (1996) - Os discursos nov prdticas de cuidados de cn/rmagem.
- NIGHTINGALE, F. (1989) - Notas sabre enfermagem. So Paulo: Cortez Editora. contributo para a andlise dos representaç6es sociais, "Sinais Vitais", 9, Novcnibro.
- NOGUEIRA, M. (1990) - Histdria de enfermagem. 2' cd., Porto: Ediçöcs Salesianas. - REST, J. (1986) - DIT manual: manual for de Difing Issues Test.
Minneapolis:
- O'BRIEN, P. (1987) - "All a woman's life can bring". The domestic roots of nursing University of Minnesota.
in Philadelphia, 1830-1835. "Nursing Research", 36, 12-17. - REST, J. (1986) - Moral development. Advances in research and theory.
New York:
Praeger.
- OREM, D.E. (1980) - Nursing: concepts of pratice. 2nd cc]. New York: McGraw-
- REVERBY, S. (1987) - A caring dillema: Womanhood and nursing in historical
Hill.
perspective. " Nursing Research". 36, 5-11.
- PARSE, R. R. (1990) - Health a personal commitment. "Nursing Science Quarterly",
- ROGERS, C. R. (1974) - Terapia centrada no paciente.
3, 136-140. Lishoa: Moracs Eclitores.
- ROGERS, M.E. (1988) - Nursing science and art: A prospective.
- PARSE, R. R. (1992) - Human becoming: Parse's theory of nursing. "Nursing Science "Nursing Science
Quarterly", 1, 99-102.
Quarterly", 5, 35-42.
- ROGERS, M.E. (1989) - Creating a climate for the implementation of a nursing
- PAZ, A. M.V. (1995) - 0 Enfermeiro competente. Contributos para 0 e.ctudo desta
conceptual framework. "Journal of Continuing Education in Nursing", 20, 112-
prablemdtica. S/ ccl. Disscrtaço aprescntada no 5mbito (10 4" CPAE a Escola
116.
Superior dc Enfcrmagcm dc Maria Fernanda Rcsendc, Lisboa
- ROY, C. (1988) - An explication of the philosophical assumptions of the Roy adaptation
- PEARSON, A. & VAUGHAN, B. (1992) - Modelos para o exerci'cio de Enferma-
model. " Nursing Science Quarterly", 1 26-34.
gem. Lisboa: Associaço Catblica dc Enfcrmeiros c Prolissionais dc Saüdc. 1
- PEPLAU, H. E. (1990) - Relaciones interpersonales en enfermeria. Barcelona: Salvat - SCHASTTSCHNEIDER H. (1992) - Ethics for de nineties. "The Canadian Nurse",
Nov. 16-18
Editorcs.
- SELYE, H. (1965) - The stress syndrome. "American Journal of nursing" 65, 97-
- PINCH, W.J. (1985) - Ethical dilemas in nursing: The role of the nurse and perceptions
99.
of autonomy. "Journal of Nursing Education", 24, 372-376.
- SOARES, M. I. (1997) - Da blusa de brim a touca bronco. Contribuco para a histório
- POLIT, D. & HUNGLER, B.P. (1991) - Investigacion cientifica en ciencias de ía
saude. 3' ed. Mexico: Interamericana, Mac-Graw-Hill. do ensino de enfermagem em Portugal (1880-1950), Lisboa: Educa e Associaço
Portuguesa de Enfcrmciros.
- PORTUGAL - Ministério do Interior - Decreto n° 32612/42 - Rcorganiza o
- STRACHEY, L. (1996) - Florence Nightingale. London: Penguin Books
ensino dc Enfcrmagcm, "Diário do Governo", (302), 31 dc Dczcmbro dc 1942.
- SWANSON, K. M. (1991) - Empirical development of a middle range theory of
- PORTUGAL - Ministbrio do Interior - Decreto n° 36219/47 - Reorganiza o
caring, "Nursing Research", 40 Mai-Jun, 161-166
ensino de Enfcrmagcm, "Diário do Governo", (81), 10 dc Abril dc 1947.
- TOLLEY, K. A. (1995) - Theory from pratice for pratice: is this a reality?
- PORTUGAL - Minist&io da Saiidc - Decreto-lei 534/76 - Aprova o quadro dc "Journal
of Advanced Nursing", 21, 184-190.
pessoal dc enfermagem (10 Ministério dos Assuntos Sociais. "Diário da Rcpcihii-
- TOULMIN, S. (1977) - La compreensiôn humano. Madrid: Alianza Editorial.
ca" I S6ric. 158 (8 dc Julho dc 1976), 1496-1497.
- WATERAORTH S. (1995) - Exploring the value of clinical nursing pratice: the
- PORTUGAL - Ministbrio (las Finanças c do Piano, dos Assuntos Sociais e da
practitioner's persepctive. "Journal of Advanced Nursing", 22, 13-17.
Rcfoi-ma Administrativa - Decreto-lei 305/8/: Aprova a Carrcira dc Enferma-
- WATSON, J. (1985) - Nursing: the philosophy and science of caring.
gem. "Diário da RcpiTh]ica" I Sbrie, 261 (12 dc Novembro de 1981), 2998- Buolder:
3004. Colorado Associated University Press.
- WATSON, J. (1988) - Nursing: Human science and human care il th—y of uur.i g.
- PORTUGAL - Ministério da Saüde - Decreto-lei 437/91: Aprova o regime legal
New York: National League for Nursing.
da carreira dc Enfermagem. "Diana da RcpCtblica" I Séric. 257, (8 dc Novcrn-
- WALTZ, C.F., STRICKLAND, 0. L. & LENZ, E. (1991) - Measurement in
bro dc 1991) 5723-5741.
nursing research. 2nd ed., Philadelphia: F.A. Davis Company.
206
207

r----------- - - - I
I N V E S T I G A ç A o R E A L 1Z A 0 A

- VALA, J. (1986) - A análise de contetdo; SILVA, A.S.; PINTO, J. M. (Ed.) -


Metodologia das ciências sociais. Porto: Ediçoes Afroritamento, pp. 101- 128.
- VALERIANO, M.J. (1993) - Os enfermeiros e as rcpresentacffes de enferma,qem. Al-
gumas ideias e factos. "Servir", Lisboa 41, 171-176.

ANEXOS

iv

208

- - --------- 1 1 - S -
C0NCEPc6ES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOclo-MORAL

OXI

- V

- - V
.
0 -
I'U
a -

- -V

ISM -. U
- -.

WIN

Ii
0

-?11fl-!o0/0E-,- Jftj3

211
A N E X (. - S CONCEPçOES ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

212 213
N E X O $ CONCEPcOES'=-E ENFRMAGEM E DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL

l4thJJ n
E -
- —
- a

o
Pi itIf ii T!
En -

U - -
o •

a I
LL
z
Id

o .II*.
-.$

I- -
o -
Id
I-
zId -,
o -
a.
Id

o -
0

_I
Ofl!J3NJ VO8

215
214
N E x
S

Lo

216

You might also like