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FACULDADE DE ENFERMAGEM-FAEN
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM-DEN
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MOSSORÓ
2014
EDIONE RODRIGUES BATISTA
MOSSORÓ
2014
EDIONE RODRIGUES BATISTA
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
Profª. Ms. Amélia Carolina Lopes Fernandes
Orientadora - UERN
_____________________________________
Profº. Ms. Lucidio Clebeson de Oliveira
Membro - UERN
_____________________________________
Profª. Ms. Graça Rocha Pessoa
Membro - UERN
Dedico este trabalho a
todas as rezadeiras.
Símbolos de fé,
humildade e ajuda ao
próximo.
AGRADECIMENTOS
Considero a gratidão uma das mais belas virtudes do ser humano. Agradecer é saber
reconhecer que sozinho ninguém chega a lugar algum. Os caminhos da graduação por vezes
foram tortuosos e angustiantes, mas também tive o privilégio de contar com pessoas
iluminadas, que afagaram meu coração, acreditaram em mim e compartilharam seus melhores
sorrisos.
Agradeço primeiramente a Deus, fonte de amor inesgotável, pelo dom da vida, por me
conceder sabedoria e discernimento, por iluminar meu caminho e guiar meus passos, me
amparar, conduzir, proteger e me dar forças quando eu achava que tudo iria desabar.
Agradeço a Nossa Senhora, por me envolver com seu manto sagrado, enxugar minhas
lágrimas e fazer eu me enxergar melhor que julgava ser.
Gostaria de agradecer imensamente aos meus pais, Maria Salete e José Pedro,
exemplos de humildade para mim. Sem vocês eu não teria chegado tão longe, por vocês eu
estou aqui e continuarei firme na caminhada. Obrigada pelo apoio, incentivo, dedicação e
amor. Aos meus irmãos Edilma, Edivânia e Edivan, cada qual, a seu modo, contribuiu de
forma significativa para o meu crescimento, vocês foram/são indispensáveis em minha vida,
obrigada por tudo. Aos meus sobrinhos Alzirinha e Juninho (coisa linda), pela pureza e
inocência de infância que me salvaram em tantos momentos. Amo muito todos vocês.
Agradecer aos demais familiares que contribuíram de forma direta e indireta durante
essa caminhada. As minhas amigas de Antônio Martins, por compreenderem os momentos de
ausência nos aniversários, nas festas, nos finais de semanas e nas conversas jogadas fora. Que
apesar da distância e falta de tempo não se afastaram e continuaram com o mesmo carinho
comigo.
De forma especial, agradeço a minha companheira Luzia Cibele, presente em todos os
momentos. Lembro que um professor uma vez disse: “nunca vejo uma sem ver a outra, estão
sempre juntas”. Foi muito bom compartilhar esse tempo com você. O segredo de nossa
amizade ter dado certo foi principalmente a cumplicidade, o carinho, saber conviver e
respeitar as diferenças uma da outra. Obrigada por tudo, pelos sorrisos, pelas brincadeiras,
pelo apoio, por me emprestar seu ouvido, seu ombro amigo, sua casa e seus pais (risos), és
muito especial e a levarei em meu coração.
A você, Sarah Mikaelly (Sarinha), quero agradecer pela amizade e pela pessoa
especial que és. Apesar de ter me dado muito trabalho (kkk), hoje posso dizer que tenho muito
orgulho do quanto você vem amadurecendo. E mesmo eu não estando mais tão perto para
acompanhar o restante do seu processo de formação e puxar sua orelha, saiba que pode contar
comigo. Se cuide e siga com fé e coragem, amo você.
Anderson, lembro a primeira vez que conversamos, no curso de veterinária, entendi
uns 30% do que você dizia, pois você falava muito rápido e eu ficava constrangida em
perguntar pela terceira vez o que você estava dizendo e fingia que havia entendido (kkk).
Você foi um dos poucos que não mudaram comigo, que permaneceu o mesmo com o passar
do tempo e que sei que posso contar. Agradeço de coração pela amizade, pelas risadas por
motivos mínimos, pelas visitas (in) esperadas – parece que adivinhava quando mais eu
precisava destas. Já sinto muita saudade, amo você, meu ‘fi’.
Morar longe de casa não é nada fácil hein? Vocês conhecem bem essa realidade não é
Elisangela e Tayrine? Duas pessoas que eu gosto de graça, pessoas de bem e que me fazem
bem. Cativaram-me de forma especial e particular, chegaram e ficarão em meu coração.
Obrigada por me acolherem, por me ouvirem e pela amizade sincera. Tayrine, continue com
essa vontade toda sua de vencer, com humildade, com esse sorriso e esse astral contagiante.
Elisangela, Deus vem mostrando a cada dia o quanto você é iluminada, você é uma guerreira
e maravilhas Ele tem em sua vida.
Acho que a pessoa que eu mais ‘briguei’ nessa faculdade foi Maíle (kkkk), e no final a
gente sempre acabou se entendendo. Agradeço pela amizade, por todos os momentos
compartilhados e por tão gentilmente fazer de sua casa um espaço de aconchego para mim,
lembrarei com muito carinho e saudades. Tem um lugarzinho no meu coração destinado a
você. Agradeço também a Bianca, que junto comigo forma ‘as duas neguinhas’, (kkk). Uma
hora ela é a calma em pessoa, outra é um furacão, difícil é achar um meio termo, mas aprendi
a conviver e principalmente respeitar o seu jeito de ser. Que Deus abençoe suas escolhas e
projetos.
Quero agradecer de forma geral a toda minha turma. A turma da superação.
Enfrentamos muitas coisas, algumas delas nos fortaleceram, outras acabaram nos afastando,
mas nos piores momentos, nos quais estávamos mais fragilizados, a união prevaleceu e
conseguimos nos manter firmes – com algumas cicatrizes, mas de pé. O convívio não foi
fácil, muita gente diferente, mas procuramos saber lidar com essas diferenças da melhor
forma e, sobretudo, respeitá-las. Agradeço a cada um de vocês, que mesmo sem perceber me
ensinaram um pouco mais sobre a dor e delícia da arte da convivência. Sucesso a todos nessa
nova fase de nossas vidas.
Agradeço também a Keylla, Priscila e Elizandra. Não foi preciso muito tempo para
que vocês conseguissem me cativar, cada uma, de um jeito especial, tornou a caminhada um
pouco mais prazerosa. Obrigada pela amizade e carinho, meninas. Desejo muita força e
sucesso nessa parte final da faculdade, fácil não será, nunca ninguém disse que seria, mas eu
acredito no potencial de cada uma e sei que a recompensa virá na mesma medida. Vocês estão
no meu coração.
Como agradecer a Amélia hein? Confesso que palavras não são suficientes.
Orientadora, professora e, sobretudo, amiga. Você plantou muitas sementinhas em mim, mas
fez muito mais que isso, ajudou a regar, cuidou, cultivou e não deixou de confiar que sairiam
bons frutos. Muito do que sou hoje sem dúvidas foi também graças a você. Sua humildade,
sensibilidade e disposição em ajudar a tornam um ser incrível. Obrigada por cada momento,
pelos ensinamentos, lições de vida, por me acolher nas incertezas e aflições, pela proteção,
pelas orações, paciência, preocupação e por acreditar em mim quando eu mesma não
acreditava. A você toda minha gratidão, respeito e saudade. Amo você, ‘minha fia’.
Agradeço também aos membros da banca, Lucidio Clebeson e Graça Rocha, que tão
gentilmente aceitaram participar e trouxeram ótimas contribuições para o trabalho. Lucidio,
além de membro da banca também gostaria de agradecer pelo professor exemplar que você é,
pela dedicação e disponibilidade em ajudar em vários momentos. Você contribui muito para o
meu processo de formação. Muito obrigada.
A todo o corpo docente da FAEN, meus sinceros agradecimentos. Vocês fazem parte
dessa conquista. Todos, ao seu modo, me ensinaram muitas lições e tiveram significativa
importância durante o processo de formação. Alguns me cativaram de um modo especial, pois
souberam me enxergar com mais cuidado e carinho... Como não se contagiar com o astral e a
risada de Luka? Impossível. A presença dela traz mais leveza e luz para a FAEN. Gosto
demais de você sua ‘Loukinha’. E os abraços apertados de Erica, quase quebrando meus
ossinhos, como agradecer? Aprendi muito com você, muito obrigada. Rafael, obrigada pelo
apoio e incentivo, por me ensinar com palavras, atitudes e até mesmo com o olhar. Sua ajuda
nos fortaleceu para continuar a caminhada nos momentos mais difíceis. Patrícia, apesar de
sofrer bullying, gosto demais de você ‘maga véia’, essa máscara de durona não me
impossibilitou de enxergar o ser sensível que és, obrigada por tudo. Agradeço também a Líria,
Suzana, Johny, Kelyanne, Carmélia, Raquel, Katamara e a todos os outros professores, tanto
os da FAEN quanto aqueles que vieram de outros departamentos. Obrigada Mestres, por
ajudarem a construir e tornar esse sonho real.
Agradeço também a todos os funcionários da FAEN, Zeiza, Ritinha, Munhoz,
Veridiano, Eliete e cada um que passou e está atualmente lá, a caminhada não teria sido a
mesma sem a ajuda de vocês. Agradeço de modo especial a Seu Almir, que me acolheu tão
bem desde o início da faculdade. Uma pessoa humilde, prestativa, de humor incomparável e
que me fez enxergar as coisas simples da vida com mais cuidado. Sentirei saudades da
companhia, das conversas, das risadas e de tomar aquele cafezinho com pão doce nos finais
de tarde. Levarei no meu coração todos os momentos.
Não poderia deixar de agradece a todos os pacientes que tive a oportunidade de
acompanhar e ajudar. Aprendi muito com vocês, não apenas a cuidar de determinadas
patologias, mas também pelas ricas histórias de vida que tive oportunidade de ouvir. Cada
pessoa é um universo. Vocês me possibilitaram experiências que não se encontra em livro
nenhum. Agradeço também a todos os profissionais que compartilharam suas experiências e
ensinamentos comigo, que tiveram paciência e souberam me conduzir da melhor forma na
construção do conhecimento.
Por fim, e não menos importante, agradeço as rezadeiras participantes da pesquisa pela
acolhida, humildade e disponibilidade em compartilhar suas histórias de vida. Histórias estas
repletas de significados, ajuda ao próximo, amor a Deus e ao ofício, sensibilidade, superação
e continuidade do saber. Mulheres de fé, que fazem o bem as pessoas por meio das
benzeções, reestabelecendo a saúde e criando vínculos de confiança, respeito e cuidado. A
vocês gradeço de todo meu coração. E a todas as rezadeiras, Deus está com vocês em cada
momento.
Porque cada um, independente das habilitações
que tenha, ao menos uma vez na vida
fez ou disse coisas muito acima da sua natureza e
condição, e se a essas pessoas
pudéssemos retirar do quotidiano pardo em que
vão perdendo os contornos, ou elas a si
próprias se retirassem de malhas e prisões,
quantas mais maravilhas seriam capazes de
obrar, que pedaços de conhecimento profundo
poderiam comunicar, porque cada um de
nós sabe infinitamente mais do que julga e cada
um dos outros infinitamente mais do
que neles aceitamos reconhecer.
(José Saramago)
RESUMO
The effort to develop this research, related to the knowledge of popular practices of care
emphasizing the practices of prayers, arose from the need to better understand this knowledge
present in our childhood, that given the fact that these practices have been supplanted by
scientism, they have resisted through time, keeping their cultural traditions through the
generations through oral sources, once they are not in historical records. We seek to
understand what we did not understand before, and instead give voice to these women hidden
behind the curtains of the biomedical model, relate to nursing tools that enable the user to
understand in order to consider their own knowledge and the community, considering them as
complementary in the search for cure. In this perspective, this study aimed to know the life
story of folk healers in the town of Mossoró - RN, discuss the construction of knowledge and
practices that permeate the craft of folk healers, reframe the social inclusion of this group in
relation to informal education and social spaces that host or integrate them. We had as target
audience two (02) folk healers of the municipality Mossoró - RN. The research is qualitative
in nature and to achieve the goals we used the life history as a methodological approach. To
construct the data we used the semi-structured interview. Data analysis was made through the
theory of social representations, as well as presentation of the history of each to then discuss
the thematics reaching our goals. From the study we realized the importance and
representation that the office of folk healer plays in society, and that the sharing and exchange
of knowledge between those women and the formal health institutions provide benefits in
improving the health-disease process. Also realize the strong symbolic influence of
religious/spiritual elements present in the office of prayer, these aspects can be considered in
assisting the user in all its dimensions.
tempo”. Apesar de resistir com o tempo, essas práticas vêm sendo de certo modo reprimidas e
desvalorizadas pelo contexto moderno, correndo o risco de perder suas origens e perder-se
enquanto referencial cultural.
Quando um determinado grupo social toma consciência da importância de sua
identidade, o mesmo torna-se mais resistente às imposições das elites, bem como ofensivas de
grupos estranhos (SILVA, 2009). A identidade é assim preservada e sobrevive através de
saberes e formas de reprodução e transformação social até os dias atuais graças à memória das
comunidades.
Dito isto, a cultura popular se expressa por vários personagens, dentre eles estão as
rezadeiras, figuras importantíssimas na busca de um equilíbrio na saúde no contexto das
práticas espirituais, levando em consideração corpo e mente como sendo indissociáveis no
restabelecimento das condições de saúde-doença. A cultura popular é definida por Chauí
(1986, p.25), como “um conjunto disperso de práticas, representações e formas de consciência
que possuem lógica própria, distinguindo-se da cultura dominante exatamente por essa lógica
de práticas, representações e formas de consciência”.
Os hábitos e comportamentos dependerão do lugar, da sociedade e do contexto no qual
os indivíduos estão inseridos, sendo assim, há uma variação na identidade cultural de acordo
com o dinamismo social e consequentemente as respostas dadas a cada demanda social serão
diferentes. De acordo com Cavalcante (2006, p. 34),
... a cultura e as concepções sobre saúde e doença condicionam o modo de vida dos
seres humanos, condicionam, mas não determinam, pois é também verdade, que as
pessoas modificam esses padrões, reconstruindo valores e concepções. De modo
correspondente à abordagem dialógica da saúde, a cultura é entendida como um
processo de interprodução ou de co-produção. Identifica-se assim, uma relação
desigual de forças nessa co-produção, porém é dessa desigualdade e das implicações
dos movimentos de dominação que é gerada a base para a transgressão e para a
produção de novos padrões.
medicina, por se constituir num paradigma hegemônico, vai funcionar como uma ‘máquina de
captura’, cooptando tudo o que está a sua volta, controlando e sistematizando outras práticas”.
Diante disto, para entendermos como se dá essa prática precisamos conhecer um
pouco melhor como essas mulheres exercem o ofício de rezadeiras. De acordo com Theotonio
(2010, p.34), “rezar é garantir a continuidade da harmonia com o próprio corpo, é debelar o
mal que incomoda, é restabelecer a saúde”.
O ofício de rezadeira foi por muito tempo relegadas ao sexo feminino, devido à
interpretação do cuidado, culturalmente e historicamente tida como elemento feminino, de
cunho maternal, todavia assexuado. Figuras masculinas na categoria de curandeiros existiram
– e existem, em momentos e realidades espaçados. A mulher no papel de rezadeira remonta às
questões medievais das perseguições aos elementos sociais que não estivessem diretamente
ligados à hegemonia da Igreja – as conhecedoras de orações, chás, cuidados espiritualizados,
isoladas dos aglomerados sociais e estigmatizadas pelas perseguições da Inquisição.
A presença das rezadeiras nas ruas, integrantes das camadas populares, sempre
estiveram mais abertas ao convívio com os grupos sociais, estabelecendo uma relação mais
autônoma diante da sociedade, construindo verdadeiras redes de socialização, contribuindo
assim para a edificação de uma teia de significados (CONCEIÇÃO, 2010).
Neste sentido, “as rezadeiras também são fortes líderes em suas comunidades, por isso
não deveríamos combatê-las, mas aliarmos a força de liderança que essas pessoas exercem
junto aos programas governamentais de saúde preventiva” (PIMENTEL, 2007, p. 278).
No que tange à liderança, percebemos a importância da pessoa da rezadeira nas
comunidades. Deste modo, sua atuação se relaciona principalmente aos resultados que
compreendem o bem-estar, percepção da melhoria em quadros de elevado estresse e à
vivência de momentos de espiritualidade. Assim, concebemos a relevância da temática
quando se repensa a possibilidade de discutir a saúde na perspectiva da ciência, abordando a
religiosidade/espiritualidade como necessidade básica humana.
Nesse contexto, as práticas populares do cuidado - no caso das rezadeiras, vem
mostrar que uma atenção às várias dimensões do ser humano, uma investigação sobre os
problemas de saúde e algumas orientações produzem, em alguns casos, mais efeito que uma
prescrição medicamentosa. Que na realidade, no momento de fragilidade diante da doença
existe uma pessoa que necessita ser compreendida, que requer uma atenção voltada não
apenas para aquela parte do corpo afetada pela doença.
Discutir a importância das rezadeiras nos grupos sociais a que pertencem assoma-se ao
objeto de estudo no sentido de que, uma vez que entendemos o indivíduo como parte da
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experiências formadoras, no sentido de que eles, os relatos, têm essa particularidade de ser
territórios, por vezes tangíveis e invisíveis (JOSSO, 2008).
Nesse ínterim, a escolha das rezadeiras levou em consideração o tempo de ofício e a
representação destas ante a sociedade, dando-se preferência àquelas mais conhecidas e mais
procuradas pela população, bem como aquelas que estiveram desempenhando o papel de
rezadeiras por, no mínimo, 20 (vinte) anos, independente do grau de instrução ou educação
formal a que tenham tido acesso. Como critérios de exclusão, estão rezadeiras que
apresentavam algum problema de saúde que inviabilizassem o ofício bem como que não
estivessem desenvolvendo a prática no momento.
Dando prosseguimento, quando do momento da coleta de dados, as entrevistas foram
realizadas nas próprias residências das rezadeiras, pelo fato destes espaços constituírem-se
como campo onde se operam suas práticas, por conter os símbolos e onde as manifestações
espirituais acontecem, deixando-as o mais a vontade possível para discorrer sobre sua história
de vida.
Deste modo, pudemos elaborar um formato geral para a organização do trabalho, de
forma que a presente pesquisa está disposta com base em três capítulos, os quais foram
fundamentados com o propósito de atingirmos os objetivos traçados. No primeiro capítulo
abordamos “Sobre o Interesse em se Estudar Acerca das Rezadeiras”, contendo esta breve
introdução da temática e também a metodologia utilizada na pesquisa.
O segundo capítulo consiste na “Contextualização Histórico-Social do Oficio de
Rezadeira”, no qual buscamos trazer um resgate de como o ofício de rezadeira foi sendo
estabelecido e sobrevive até os dias atuais, bem como os fatores que se relacionam e
influenciam esta prática como: os modelos tecnoassistenciais em saúde e sua relação com as
rezadeiras; a questão da religião/espiritualidade como necessidade humana básica e as
representações sociais no contexto das benzeções.
O terceiro capítulo consiste na “História de Vida das Rezadeiras: Mulheres de Fé”,
tendo como eixo principal a história de vida de duas rezadeiras, seus saberes, práticas e
experiências de vida compartilhadas dispostos em duas categorias, uma para cada rezadeira.
Em uma terceira categoria discorremos sobre a influência da reza no fazer saúde. Por fim,
trazemos as considerações finais da pesquisa.
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Discorrer sobre a história das rezadeiras não se constitui uma tarefa simples, devido
tanto à rica simbologia presente no ofício da reza, quanto no fato de que estas foram ao longo
do tempo sofrendo com a desvalorização, negação e deslegitimação de seus saberes, não
aparecendo em registros históricos e dificultando assim um maior reconhecimento da
atividade. Porém, tentar-se-á fazer um resgate de como essas práticas foram – e vem sendo
realizadas – e resistem até os dias atuais, considerando as benzeções como sendo uma das
práticas mais antigas de cura de que se tem conhecimento. Vale salientar que, não se pretende
aqui, mostrar como surgiu a reza e sim trazer aspectos importantes que se relacionam,
permeiam e que influenciaram tal saber.
A relação do homem com a natureza se dá desde tempos imemoriais, sempre buscando
utilizar os recursos naturais para subsistência e tentando explicar e interpretar os fenômenos
que acometiam e dizimavam populações, estes fatos eram considerados antigamente como
castigo dos deuses. Os acontecimentos relacionados ao processo saúde e doença também eram
tidos como intervenção divina. Sendo assim, buscava-se tratar as doenças através de rituais
mágicos, oferendas, poções mágicas, sacrifícios, amuletos, dentre outras práticas permeadas
de misticismo. Os responsáveis para identificar e afugentar os maus espíritos eram os
chamados pajés, feiticeiros e sacerdotes que desenvolviam os rituais de cura (PIRES, 1989).
Os feiticeiros uniam a magia e a religião aos conhecimentos empíricos sobre raízes,
ervas e frutos. Diziam que algumas ervas amargas, quando usadas repugnavam a si próprios e
também repugnariam os espíritos e com isso poderiam afugentá-los. Esses feiticeiros
representavam os médicos daquela época, na qual se constituía uma medicina que se
destacavam os elementos mágico-religiosos (SILVA, 1989).
Denise Pires (1989) considera os feiticeiros e pajés como sendo não apenas os
primeiros médicos, e sim, prefere denominar estes intermediários especiais das sociedades
tribais como primeiros profissionais da saúde no Brasil, pois as ações de saúde envolviam
tanto atividades básicas hoje desenvolvidas por médicos, como também aquelas de
responsabilidade dos enfermeiros e farmacêuticos.
Segundo Soares (2011, p. 5) “a cultura das rezadeiras tem uma formação híbrida. De
um lado influência de elementos religiosos africanos e indígenas e do outro a do português,
conduzido por traços de práticas mágicas da cultura europeia”.
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num primeiro momento do século XVI até os fins do século XVIII, na Europa, a
representação institucional da medicina ainda estava bastante vinculada a (...) uma
biociência médica incipiente, no interior da qual era inevitável a mistura da dinâmica
científica com elementos religiosos, revelando o quanto o biocartesiano estava
impregnado pela metafísica.
Por volta do século XIX ocorreu de fato uma alteração efetiva desse quadro, tendo
como fatores influenciadores o positivismo biológico e uma exaltação da racionalização
técnica, que tencionou indiretamente abolir as práticas curativas mágico-religiosas. Sendo
assim, foi legado aos médicos o monopólio e exclusividade na prática de cura, fazendo com
que as outras formas de práticas desse ofício caíssem na ilegalidade e clandestinidade, que em
geral eram mulheres, acusadas de serem charlatãs (ALEXANDRE, 2006).
Keith Thomas (1991), em seu livro “Religião e Declínio da Magia”, traz que a
medicina popular tradicional, era composta por um misto de medicamentos do senso comum,
adquiridos da vivência acumulada da assistência a doenças e partos, bem como
conhecimentos transmitidos a respeito das propriedades terapêuticas de plantas e minerais.
Somados a isto, incluía-se também certos tipos de cura ritual e formas mágicas, que eram
usadas juntamente com medicamentos (plantas) ou até mesmo sozinhas compunham a forma
exclusiva de tratamento.
Esse mesmo autor nos diz que muitos curandeiros alcançavam grande êxito no
tratamento de pacientes que apresentavam sintomas somáticos, sem nenhuma patologia
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orgânica. Sendo assim curavam seus pacientes mais pela mente do que pelo corpo, em virtude
disto suas técnicas antecipavam estudiosos dos males psicossomáticos.
“O maior trunfo do curandeiro era a imaginação de seu cliente e, em vista do que se
sabe hoje sobre as potencialidades de qualquer tratamento que conte com a absoluta fé, tanto
do médico quanto do paciente, a força desse trunfo não deve ser subestimada” (THOMAS,
1991, p. 180).
O exercício de curar era efetuado especialmente por mulheres, que eram chamadas de
sábias pela população e de bruxas por parte dos médicos, da Igreja e dos poderosos. Essas
mulheres além de promover os rituais de cura também se dedicavam à atividade como
trabalho na realização de partos e primeiros cuidados aos recém-nascidos. Era considerado um
trabalho, com características de ofício, essencialmente de cunho feminino, sendo duramente
perseguindo entre os séculos XIV e XIX em toda a Europa, numa ação conjunta da
corporação médica e das Igrejas Católicas e Protestantes (PIRES, 1989).
Tanto os protestantes quantos os católicos de meados do século XVI eram veementes
em sua oposição no que se referia à magia popular e ambos denunciavam essas práticas em
termos que teriam sido aprovados por seus descendentes medievais. “As injunções reais de
1547 fulminavam contra encantadores, feiticeiros, sortilégios, bruxos e adivinhos”
(THOMAS, 1991, p. 218).
Tal oposição às práticas religiosas populares, culminou no conhecido período em que
se instalou a Santa Inquisição. Não podemos falar sobre esta sem levar em consideração seu
contexto histórico, pois muitos a conhecem apenas como sendo uma “perseguição aos
hereges”, sem atentar para a finalidade e para os interesses envolvidos no processo, interesses
estes fortemente ligados à condição política vigente. O contexto Inquisitorial pode ser
analisado sob várias vertentes e por se tratar de um período muito longo de atuação, é
necessário ter um olhar mais atento aos aspectos históricos, sociais, políticos e religiosos que
estavam acontecendo concomitantemente à Inquisição.
Para melhor compreender esse contexto no que se refere ao ofício de rezadeira nos
reportaremos à figura feminina da época, figura esta advinda geralmente de origem humilde e
sem o saber científico imbuído do espírito acadêmico das universidades então em expansão na
Europa da Idade Média. Estas mulheres eram vistas como uma ameaça para a classe médica
que estava em ascensão. A Igreja Católica era então representante da hegemonia política,
sobretudo na Europa Ocidental; juntamente a alguns membros das classes mais altas da
sociedade – desde reis, senhores feudais a viscondes a outros títulos medianos de nobreza,
receosos com a crescente influência desses grupos de mulheres sobre as populações
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camponesas com menos posses, acabaram utilizando a Inquisição como forma de neutralizar
mudanças sociais e políticas em potencial.
Já no contexto do Brasil colonial, as rezadeiras não podiam realizar seus rituais em
público, pois a Igreja Católica trazida pelos colonizadores com o intuito de controle e de
manutenção do domínio exercia cerimônias e rituais públicos, como por exemplo, missas aos
domingos e dias santos como forma de obrigar todos a seguirem o que era imposto pela
cultura europeia. Porém, mesmo sendo proibidas quaisquer formas de manifestação religiosa,
as rezadeiras – sendo elas católicas ou de outras crenças, utilizavam como meio de não serem
punidas, os ambientes fechados de suas próprias residências para desenvolverem suas crenças
(SOARES, 2011).
A esta forma de realizar a prática das curas, se seguiram alguns ramos da prática da
reza, como a realização desta em ambientes fechados, com limitação do número de pessoas
presentes, o que depende, por exemplo, de fatores espirituais do momento da reza.
Segundo Monteiro (2011, p. 15), “a perseguição aos hereges – com o confisco de bens,
prisões, torturas e, finalmente, com as condenações – foi a principal arma inquisitorial para
atingir seus objetivos”. A atuação da Inquisição tinha seu momento crucial através dos
processos inquisitoriais, nos quais o acusado era preso e depois questionado de seus desvios
heréticos. Durante o processo ocorria a verificação das denúncias, bem como testemunhas
eram ouvidas, e se o acusado não confessasse suas culpas o método da tortura seria utilizado.
Passada essa tramitação, ficaria a cargo do inquisidor decidir pela condenação ou não do
acusado, determinando também uma penitência a ser aplicada em casos de condenação.
Os acusados não tinham conhecimento de quem os acusava, era tudo realizado de
forma sigilosa para preservar o denunciante de represálias. As torturas utilizadas eram de uma
crueldade absurda, os meios eram os mais diversos possíveis e usados até que os culpados
confessassem as culpas - mesmo sendo inocentes em alguns casos, pois não suportavam mais
as torturas e buscavam um ponto final no sofrimento.
Sendo assim, qualquer um que seguisse diferentes formas de manifestação religiosa
corriam o risco de serem condenadas por meio da Igreja através do Tribunal da Inquisição,
sendo acusados de bruxaria e feitiçaria. (SOARES, 2011).
No Brasil nunca foi instaurado um tribunal do Santo Ofício, a atuação era realizada
por meio de visitas inquisitoriais, nas quais ocorriam investigações e vigilância a respeito de
práticas religiosas divergentes da tida como oficial, com intuito de repreendê-las e difundir o
Cristianismo, os casos julgados mais graves eram encaminhados para o Conselho Geral da
Inquisição em Portugal (OLIVEIRA, 2012).
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O modo como são organizadas as ações de atenção à saúde, relacionadas tanto aos
aspectos tecnológicos quanto assistenciais, em uma determinada sociedade, diz respeito ao
modelo assistencial que está sendo empregado. Sendo assim, modelo assistencial configura-se
como um instrumento de articulação e organização, abrangendo tanto recursos físicos,
tecnológicos e humanos que estejam disponíveis para buscar resolubilidade para os problemas
de saúde das coletividades (JÚNIOR E ALVES, 2007). De acordo com Merhy (2000, p.1),
o tema de qualquer modelo de atenção à saúde, faz referência não a programas, mas
ao modo de se construir a gestão de processos políticos, organizacionais e de
trabalho que estejam comprometidos com a produção dos atos de cuidar do
indivíduo, do coletivo, do social, dos meios, das coisas e dos lugares. E isto sempre
será uma tarefa tecnológica, comprometida com necessidades enquanto valores de
uso, enquanto utilidades para indivíduos ou grupos.
das necessidades. Sendo assim, ao longo da história, dois modelos coexistem de modo
contraditório ou complementar, são eles o modelo médico hegemônico e o modelo sanitarista.
Esses modelos que predominam no país não tem comtemplado nos seus
fundamentos o princípio da integralidade: ou estão voltados para a demanda
espontânea ou buscam atender necessidades que nem sempre se expressam
em demanda. Diante dessas limitações, desde a 8ª CNS discutem-se
problemas identificados na prestação da atenção, entre as quais as
desigualdades no acesso aos serviços de saúde, a inadequação face às
necessidades, a qualidade insatisfatória e a ausência da integralidade das
ações (PAIM, 2008, p. 555).
instrumentos, uma vez que os atuais não estão resolvendo as necessidades de saúde da
população.
Apesar do aumento no número de serviços de saúde – se comparado a outrora, muitos
cidadãos ainda tem o acesso dificultado e muitas vezes quando o tem, este é deficitário, não
contemplando suas reais necessidades e não atendendo de forma integral e humanizada e nem
considerando o modo de vida dos usuários. Com isso, muitos dos problemas que poderiam ser
contemplados conforme a contribuição dos próprios usuários são mascarados pela falta de
diálogo e pela desconsideração do sujeito como ator capaz de ajudar no seu processo de cura.
De acordo com Feuerwerker (2005, p. 496),
nos aspectos do viver que não podem ser mensurados, dada a polissemia do ser e a
complexidade das relações que o integram. São nesses pontos onde se encontram, muitas
vezes, as respostas para o processo de adoecimento que se torna manifesto no corpo físico.
“Se não houvesse homens no mundo, se o mundo fosse constituído apenas de objetos, então a
linguagem da ciência seria completa. Acontece que os seres humanos amam, riem, têm medo,
esperanças, sentem a beleza, apaixonam-se por ideais” (ALVES, 1999, p. 144).
Vale salientar que, não se pretende aqui, desvalorizar a importância do saber
científico, pois é inegável sua significativa contribuição na área da saúde. Queremos, ao
contrário, enfatizar a existência de outros saberes – no caso o saber popular da rezadeira, que
não devem ser desprezados e deslegitimados, pois ao analisarmos mais precisamente,
percebemos que muitas coisas antes de se tornarem objetos de pesquisa científica, já faziam
parte do cotidiano de pessoas simples, desprovidas do saber acadêmico, mas repletas de
sensibilidade, com olhar diferenciado e capaz de solucionar alguns problemas de saúde-
doença – seja por meio de benzeções e/ou na utilização de ervas e plantas.
Não desprezamos o saber científico. Mas defendemos a importância de aliar outros
saberes a ele. Visto a compreensão de que o mesmo não constitui a única forma legítima de
compreensão ou intervenção sobre a realidade de saúde. A compreensão sobre a saúde e a
doença pertence não somente à história superficial dos progressos científicos e tecnológicos,
mas também, à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às
instituições, às representações, às mentalidades (LE GOFF, 1991).
Assim, a doença é caracterizada pela desordem, já a cura irá buscar uma reordenação,
uma ressignificação que não poderá ser alcançada considerando a doença apenas como uma
causa determinada. É necessário então, articular os sintomas a um todo, a uma teia de
significações. Sendo assim o paciente depara-se com vários sintomas aos quais não consegue
atribuir sentido, é preciso ajuda de outro alguém na construção de uma linguagem socialmente
aceita, que lhe possibilite pensar e compreender esses sintomas (QUINTANA, 1999).
Isto posto, na visão científica, a cura está sempre ligada à superação dos problemas
funcionais do organismo e ao reestabelecimento da normalidade por meio de tratamento
biomédico. Já na percepção das rezadeiras, o reestabelecimento da ordem orgânica é possível
através da fé que modifica tanto a mente, quanto o corpo e a conduta do paciente. “Sem
dúvida, a cura no sentido simbólico da saúde é considerada um fenômeno de alta
significação” (ALEXANDRE, 2006, p. 28).
Não existem razões para se duvidar da eficácia de certas práticas oriundas de contextos
místicos. Mas observa-se que a eficácia da magia é implicada pela crença na magia,
27
De acordo com Horta (1979, p. 39), as necessidades humanas básicas “são estados de
tensões, conscientes ou inconscientes, resultantes dos desequilíbrios hemodinâmicos dos
fenômenos vitais”. Este conceito pode ser esclarecido conforme forem sendo estudadas as
próprias características das necessidades, as quais não se manifestam enquanto houver um
equilíbrio dinâmico, a intensidade como irão se manifestar dependerá do grau de desequilíbrio
instalado. “São aquelas condições ou situações que o indivíduo, família e comunidade
apresentam decorrentes do desequilíbrio de suas necessidades básicas que exijam uma
resolução, podendo ser aparentes, conscientes, verbalizadas ou não” (p. 39).
Este conceito elaborado por Horta se fundamenta na Teoria da Motivação Humana
proposta por Maslow, que é baseada de acordo com as necessidades humanas básicas, e,
sendo por ele hierarquizadas em cinco níveis, a saber: necessidades fisiológicas; de segurança;
de amor; de estima e de auto realização. De acordo com Maslow nunca existe uma completa
satisfação ou que seja permanente de uma necessidade, pois, se isso acontecesse não existiria
mais motivação individual (HORTA, 1979).
O primeiro nível é representado pelas necessidades fisiológicas como alimentação,
água, oxigênio. No segundo nível estão as necessidades de segurança e proteção,
compreendendo tanto a segurança física quanto psicológica. O terceiro nível consiste nas
necessidades de amor e gregarismo, contendo as relações sociais, as amizades e o amor
sexual. O quarto nível abrange as necessidades de autoestima, incluindo a autoconfiança, a
autovalorização e o propósito. O quinto nível é representado pela necessidade de auto
realização, o alcance total do potencial e da capacidade de solucionar problemas e lidar de
29
forma realista com determinadas situações no decorrer da vida. “A pessoa cujas necessidades
estão totalmente atendidas é sadia e a pessoa com uma ou mais necessidades não atendidas
está em risco para doença ou pode não ser sadia em uma ou mais dimensões humanas”
(NEVES, 2006).
No livro “Processo de Enfermagem”, Wanda Horta prefere colocar as necessidades em
três níveis, o psicobiológico e o psicossocial – comuns a todos os seres vivos nos múltiplos
aspectos de sua complexidade orgânica -, e o psicoespiritual - característica única do homem.
Algumas necessidades humanas estão diretamente ligadas à dimensão espiritual,
dentre elas estão: necessidade de significado para a vida, onde este significado se dá através
da análise de situações vivenciais e na busca por uma melhor forma de entendê-las;
necessidade de amor e relacionamento, na qual a vida do indivíduo é influenciada tanto por
seus valores superiores quanto pelas relações psicossociais; necessidade de perdão e
necessidade de ter esperança (ALVES, 2011).
Sendo assim, um atendimento que leve em consideração a dimensão espiritual do ser
humano, deve essencialmente, saciar da melhor maneira possível sua fome metafísica;
procurar atender e analisar o problema; estar atento para ouvir os questionamentos, dúvidas e
angústias; ter conhecimento do campo espiritual a fim de não fugir quando for preciso ou
quando o problema for detectado; dialogar a respeito do assunto; demonstrar interesse e
compreensão pelo problema no outro; fornecer meios para prestar assistência; não transferir
problemas de cunho espiritual; ficar atento as possíveis manifestações do problema
(GELAIN, 19774).
De acordo com Alves (1979), a saúde configura-se como um bem espiritual. Não
consiste basicamente em uma dor no estômago, uma tosse que não cessa ou uma palidez
impressionante. Juntamente com os sintomas que se tornam manifestos no corpo físico está a
incerteza, o medo, a ansiedade. “É possível incorporar necessidades espirituais à lógica dos
valores de troca" (p.115).
Vale aqui esclarecer que a espiritualidade não tem o mesmo significado de religião,
pois representam conceitos diferenciados, possuindo suas próprias características. Um
exemplo disso consiste na existência de manifestações espirituais em indivíduos sem que haja
necessariamente uma ligação com algum tipo de religião. De acordo com Monteiro (2006, p.
15),
30
Mesmo enfrentando conflitos, serem negadas, não serem reconhecidas e não terem
seus conhecimentos adquiridos formalmente, a cultura das rezadeiras ainda tem forte
representação na sociedade atual, principalmente nas camadas populares menos favorecidas
onde o acesso à saúde é precário. Elas vêm, pois, resistindo e perpetuando seus saberes,
renovando suas forças e mantendo suas origens na finalidade da cura.
As representações sociais não pretendem dizer se os conhecimentos sobre determinado
objeto são certos ou errados. Independente disto, os conhecimentos construídos pelo senso
comum se constituem num processo capaz de gerar ações sociais com base em visões de
mundo, concepções ideológicas e culturais que se fazem presentes nas relações sociais da vida
cotidiana. “Fazem parte da construção das representações sociais tanto o indivíduo, com todo
o seu arsenal de experiências, como também sua relação com o meio social. Incluem
afetividade, conhecimento científico, ideologia e cultura” (ALEXANDRE, 2000, p. 166).
Sendo assim, as representações não são simples reflexos mecânicos, cópias das
impressões dos indivíduos sobre a realidade, mas resultados da interação homem-sociedade e
vice-versa, num constante reinventar de situações, onde estão presentes os signos e os
símbolos, a acomodação, a reprodução e os conflitos. A representação não pode ser reduzida a
uma realidade externa ao sujeito.
As representações sociais são saberes construídos socialmente, compartilhados e
inseparáveis da atividade simbólica do sujeito, dessa forma, “tornam-se linguagem,
orientando comunicações e condutas” (MADEIRA, 1998, p. 11).
Dessa forma, para se conhecer a representação social que as rezadeiras têm perante a
sociedade faz-se necessário ter clareza de como se deu a construção dos saberes, a
importância do seu ofício, as características que lhes são peculiares e que definem sua
personalidade, com base nos valores, crenças e nos conflitos existentes que permeiam e
33
influenciam a prática. Entendendo que essa representação é fruto de uma história de luta,
conquistas e conservação do saber através do tempo, tendo sua continuidade cultural garantida
através das fontes orais.
34
As histórias de vida por mais particulares que sejam, são sempre relatos de práticas
sociais: tanto na forma de atuação quanto sua inserção no mundo e no grupo ao qual fazem
parte (BERTAUX, 1980). Sendo assim, o indivíduo tem sua própria carga individual, mas
também faz parte de um contexto e de uma dinâmica social que irá caracterizar a forma como
ele está inserido.
A representação de aspectos gerais e únicos de forma simultânea consiste em um dos
grandes desafios da história de vida, visto ser necessária uma conexão das estórias individuais
ao contexto mais abrangente da sociedade (HATCH; WISNIEWSKI, 1995).
As histórias de vida das rezadeiras sempre nos despertou um interesse especial,
trazendo lembranças da infância e despertando curiosidade em conhecer um pouco mais sobre
o ofício, quem são e como vivem essas mulheres, suas experiências de vida, seus saberes e a
forma como desempenham a reza, buscando assim uma melhor compreensão dessa prática
popular que já vem há varias gerações curando as pessoas através da fé. Apresento, pois, essas
mulheres de fé, que desempenham um papel de fundamental importância em nossa sociedade.
Já adolescente, mudou-se com o pai para a zona rural do Jucurí, permaneceu cinco
anos lá e ao retornar, dois anos após, casou-se. Trabalhou durante trinta anos no Ambulatório
José Pereira de Lima, o mesmo no qual estudou até o 4º ano. “Eu terminei cedo, eu tinha uns
14 anos, no instante eu terminei tudo, porque eu só tirava nota boa, aprendi logo a ler tudo,
tudo, tudo”.
Ao indagarmos a respeito da aprendizagem do ofício de rezadeira, D. Maria nos relata
que aprendeu com D. Nêga que era a rezadeira, a qual recorria com o seu filho mais velho
quando necessário e a partir daí surgiu o interesse e motivação em praticar a reza. O marido
de D. Nêga, Seu Dotozin, também era rezador, ele era cego e mesmo assim ia à casa das
pessoas para rezar.
Eu aprendi com Dona Nêga, ela disse ‘tá bom de você aprender porque você tem
esse neném, aí quando você quiser rezar você reza’. E eu digo ‘e eu sei rezar?’, ela
disse ‘sabe’, aí ela dizendo as palavras e eu fiz num papel, escrevi tudin (SIC) e
trouxe pra cá. Aí eu disse de hoje em diante eu vou ser rezadeira, mas se Deus me
der esse dom eu nunca quero nada de ninguém, quero não, quero nada, nada, nada.
casas das pessoas rezar nas crianças, e também ia nos momentos que não estava trabalhando.
Em um desses casos, ela relata que ao chegar à casa de uma família, ouve a mãe contar que já
havia feito de tudo e a criança não melhorava. Então ela disse: “mulher, tu reze ela, que ela
tá precisando de uma reza, vocês não rezam, vocês não pedem nada a Deus, Deus quer ouvir
a voz da gente mulher”.
Durante todo discurso, D. Ceição demonstra ter muito orgulho de seu ofício, fala com
empolgação dos acontecimentos de sua vida, desde a infância, refletindo sobre sua história e
colocando em forma de palavras situações do seu viver que estão gravados/guardados em sua
memória. Em nenhum momento demostrou constrangimento com a presença das
pesquisadoras, e não houve interferência de nenhum membro da família ou de outras pessoas.
Ao adentrarmos no universo simbólico representado pelas rezas, percebemos a
riqueza contida no discurso de D. Ceição. A primeira reza que nos revela é de ‘carne triada’,
que é realizada, por exemplo, quando uma pessoa exerce um movimento desarticulado e
machuca o pé, sendo necessário, portanto, costurar o nervo “triado”, a carne “triada” e até o
osso prejudicado. Para efetuar a reza. D. Ceição
utiliza uma agulha com uma linha, a agulha virgem e o pano também virgem, um
pedaço de retalho virgem, aí a gente onde tiver doendo, você bota o pé aqui aí eu
vou dizer “o que é que eu cozo” aí você diz “carne triada” aí cada vez que eu enfio
a linha no pano eu digo “carne triada, osso rendido, nervo torto desconjuntado”. Aí
essa reza é assim, tem que rezar três vezes.
Um dia desse eu rezei numa mulher, ela veio aqui, aí disse “mulher, eu soube que
você rezava, reze em mim”, ai eu disse “você tá sentindo o que?” Ela disse “já faz
uns pouco de dia tão mole Ceição, assim, aquela coisa ruim, aquela falta de
paciência bichinha, num sei por que”. Aí eu fui rezar bichinha, quando eu terminei
de rezar chega eu tava assim, com aquela coisa ruim sabe.... Nossa Senhora do
Desterro desterre já. Aí, peguei e acendi logo uma vela na intenção dessa pessoa
pra ver se “coisa”, né. Tem muita gente que tem muita inveja da vida das outras,
pois eu não tenho não bichinha.
O melhor horário para rezar segundo D. Ceição é o ao final da tarde, porque junto
com o pôr do sol vão também todos os males que tem naquela pessoa, “o sol é quem carrega
a doença”. A localização que ela escolhe para rezar também está relacionada com o sol. Pela
manhã, ela reza para o lado do nascente, a tarde para o lado do poente, sempre nessa
perspectiva de acompanhar o movimento do sol, para que este leve as sensações ruins. Outro
fator que se relaciona com a eficácia da reza é o dia da semana, segundo D. Ceição, esse dia é
a sexta-feira, “porque é o dia melhor, descarrega tudo. É bom”.
D. Ceição nos dá um exemplo de reza quando uma pessoa chega queixando-se de dor
na garganta. Ela prefere rezar com folhas de pinhão, então pega as três folhas e reza, “Jesus
quando andou no mundo tudo Ele curou, Jesus quando andava no mundo tudo Ele curava.
Jesus quando nasceu cura todos, assim cura Edione com os poderes de Deus Pai, Deus filho
e Deus Espírito Santo, assim seja, com a graça de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito
Santo”. Aí repete três vezes e diz,
‘você tá com dor?’ Dor tu és ferro fulano é aço, e a vida dela você não embaraça,
‘por quê?’ Porque você nem tem força e nem tem poder, quem tem força e poder é
Deus, é Deus e é Deus. Em nome do Senhor se arretire, por favor, das costas, da
cabeça, das orelhas, de onde tiver, do corpo dela, desapareça com a graça de Deus.
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Aí a gente bota assim a mão na cabeça e diz: Edione, eu te curo em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, amém. Edione, eu te curo em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, amém. Edione, eu te curo em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, amém. Aí diz: curai aqui Senhor onde eu não posso ir, com a graça de Deus
Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, Deus abençoe, curas ela onde ela tá
precisando de cura, cabeça, ombro, braço, perna, bucho, aonde tiver, do corpo
todo.
“eu viajei muito doente e o doutor mandei chamar, perguntou o que eu queria,
comecei a me queixar, dói aqui, dói ali, me dói por todo lugar, primeiro ele riu de
mim pra depois me receitar. O doutor disse pra mim, sua doença está linda, só não
existe farmácia remédio pra essa maldita”.
Indagamos se os médicos sabiam que ela era rezadeira, ela nos confirmou que sim e
que eles falavam para ela continuar rezando, “continue rezando. Reze pra senhora não cair
(risos)”.
A fala de D. Ceição é bastante interessante no sentido de ocorrer esse diálogo entre os
saberes, entre as diferentes formas de cuidado, não havendo negação nem desvalorização um
do outro. Percebemos aí o respeito envolvido entre ambas as partes. D. Ceição também nos
diz que a reza e a espiritualidade tem a ver com a saúde, pois a finalidade da reza é a saúde.
Relaciona isto também a presença da imagem de santos e da virgem Maria em alguns
hospitais e maternidades.
40
Dona Inês Araújo, 71 anos, natural de Jardim do Seridó, residia em uma fazenda deste
município, na qual conheceu aquele que é seu esposo até hoje. Os dois moraram 37 anos na
cidade de Currais Novos. Tiveram seis filhos, porém uma de suas filhas faleceu de leucemia
aos 19 anos, deixando uma criança que D. Inês cria como sendo sua filha. Atualmente reside
na cidade de Mossoró, na qual já permanece há 23 anos.
Com relação à infância nos relata que frequentou a escola e, apesar das dificuldades no
acesso ao estudo da época conseguiu estudar bastante. Segundo ela os pais não queriam que
as filhas aprendessem para não escrever cartas aos rapazes, porém seu pai reconhecia a
importância do estudo e colocou os filhos para estudar. “Eu estudei pago, a gente precisava
de professor nas fazendas né, só que todo mundo era pago, cada qual que pagava o seu, a
gente estudou. Eu mesma estudei muito cedo, porque pai trouxe os professores”.
Ao contrário de D. Ceição, D. Inês não aprendeu o ofício da reza com outra pessoa,
segundo ela ninguém a ensinou, desenvolve a reza através de um dom concebido por Deus.
Esse dom veio muito cedo, quando ainda era criança, aos 7 anos de idade ela já rezava em
outras crianças, “ eu só rezava criança, mas ao longo do tempo na minha vida, 16 ou 17
anos, eu vi que os adultos também precisavam né. Então daí por diante eu comecei e não
parei mais”.
D. Inês se diz católica apostólica romana, frequenta a igreja do Divino Espírito Santo e
também faz parte da renovação carismática há aproximadamente 28 anos. Na renovação
existem dias específicos destinados a pessoas doentes que buscam por oração, este processo
acontece com duas pessoas rezando em uma só.
Filha mais velha da família, D. Inês ajudou a criar os irmãos mais novos, sua mãe teve
três crianças gêmeas: Tereza, Francisco e Lúcia. Ela nos diz que Lúcia e Francisco faleceram
ainda pequenos, “eram muito doentes [...] mãe rezava também, mas só que mãe rezava como
rezava todos os católicos né, se valendo de Deus, promessas, só que eu me ajoelhava ali e
começava a rezar, só que eu sentia Tereza melhorando né, e os outros dois não”. Rezava em
várias crianças, em alguns casos dava certo, em outros não. Então ela foi pedindo cada vez
mais sabedoria a Deus e que Ele a orientasse da melhor forma.
D. Inês relata que aos 8 anos de idade, começou a ter várias “visualizações”, mas ela
não queria aquilo e procurou ajuda de Frei Damião,
41
eu fui pedir a Padre Frei Damião pra que ele rezasse em mim que eu não queria
aquilo ali pra mim não, pra não, digamos que o povo chamava de benzedeira,
curandeira, é..., espiritismo, bruxaria, e eu não gostava, e verdadeiramente hoje eu
não gosto dessa palavra, totalmente diferente como ele me explicou né, disse que
essas coisas, as pessoas sobrevive, e eu pedisse a Deus sabedoria dali pra frente, e
graças a Deus, Deus me deu muita sabedoria. E sempre rezo em tudo e todos.
Frei Damião rezou os três dias, D. Inês diz ter ficado muito feliz, pois no segundo dia
de reza ela não tinha mais as visualizações, “ele disse que não tinha nada demais, eu era uma
pessoa normal, como qualquer outra criança, só que eu buscava os dons nas orações”. Ao
indagarmos a respeito dessas visualizações, ela nos diz que ocorrem através de sonhos, que
não é apenas fechar os olhos e ver. “Na época, da maneira que eu sonhava ai eu via se
passar, certo? Mas depois que ele rezou em mim ai graças a Deus não vi mais”. Apesar de
não ter mais as visualizações, ela consegue sentir, sente a mesma dor que a pessoa está
sentindo quando a procura, como por exemplo, dor de cabeça.
Aos questionarmos sobre as rezas, ela nos diz que gosta muito do pai nosso e os anjos
São Gabriel, São Rafael, São Miguel Arcanjo e o Anjo da Guarda, estas são suas orações
favoritas, “você diz instantaneamente as coisas que tá sentindo e pedindo a eles, que eles vão,
porque nós não podemos chegar até Deus, eu acredito assim, a gente pedindo a intercessão
dos anjos, do jeito que eles caminharam com Maria, caminham com nós também”. Dona Inês
complementa sua fala dando exemplo de uma reza em uma criança,
a gente vai rezar numa criança, ai então a gente começa pelos anjos, pedindo a
intercessão dos anjos para que os anjos São Gabriel, São Rafael, São Miguel
Arcanjo e o Anjo da Guarda daquela criança. Se for a vontade de Deus, o amanhã
ou depois aquela criança vai estar bem.
rezarem quando estão aperreadas, rezar creio em Deus pai, pra gente acalmar né?
Digamos assim, a sua amiga tá passando por um aperreio muito grande, aí você
pede a Deus a sabedoria de como rezar, porque Deus dando eu rezo creio em Deus
pai e mata a força da brutalidade, da má criação né, é nisso aí.
O ritual da reza de D. Inês acontece da seguinte forma: a pessoa que a procura com
algum problema de saúde é recebida em um cômodo localizado logo no início da casa, que é
utilizado tanto para reza quanto para a realização da atividade de costureira. No quarto
encontram-se várias imagens e quadros de santos de que ela é devota. Então ela recebe a
pessoa e pede para que esta segure a bíblia enquanto reza, não sendo necessário relatar qual o
problema que está acontecendo, pois D. Inês ao rezar já sente o que a pessoa tem. Ao final da
reza ela pede para abrir a Bíblia aleatoriamente e ler uma passagem da página que foi exposta,
e, com base na palavra de Deus dá orientações para a pessoa. Quando são crianças, as mães é
que fazem a leitura e quando não sabem ler ela mesma lê.
D. Inês acredita que mantendo a espiritualidade viva, rezando constantemente também
irá influenciar no bem estar e na saúde da pessoa. “Se você confia, se você tem fé em Deus,
mesmo que você esteja num grau da doença bem forte, mas se você rezar, se você confiar
você fica boa, certo, pode ser ela (doença) lá qual for”.
Revisitando sua memória, D. Inês relembra um situação de livramento através da reza
que aconteceu em sua vida, segundo ela,
tem uma coisa que eu me livrei com a fé, com amor e rezando, que é onde sempre eu
disse a você que eu confio na oração de São Bento.... Foi em Parelhas no beco
estreito quando eu tinha duas crianças, que eu entrei, eu ia pra casa da minha tia,
irmã do meu pai, e quando eu entrei no beco estreito que chegou no meio ai tinha
três criaturas brigando de faca, e não tinha pra onde eu correr mais. Eu comecei a
rezar a cruz sagrada e clamando a Deus, aí eles me avistaram com dois meninos, aí
em vez de virem pro meu lado eles voltaram correndo pra trás e foram embora. E eu
acredito demais que foi a oração, isso eu sempre digo, porque nunca saiu do meu
sentido, eles podiam ter feito um arte em mim, porque três pessoas com gênio ruim
na qualidade que eles tavam (SIC), eles lá iam enxergar ninguém, que fosse mulher,
criança nem nada. Então eu acredito muito que com os poder de Deus a oração de
São Bento me livrou. Eu ensino a todo mundo essa oração.
D. Inês é casada há 53 anos, ela nos diz que o marido não gosta e já tentou impedir
várias vezes que ela rezasse, mas ela adoece e fica com febre. “Eu não posso passar uma
semana sem rezar [...] Esse aí é que é o segredo que eu não sei o que é, pronto. A coisa que
jamais perguntaram a mim, não sei explicar”. Ela diz que quando sabe que não é uma febre
decorrente de alguma doença, começa a rezar nas pessoas, podendo ser até mesmo aquelas
que estiverem boas e não necessitem da reza no momento, e, quando reza ela melhora da
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febre. Então, conta que em certa ocasião dirigiu-se ao marido e encerrou: “Ai eu disse pra ele,
se você me quiser, agora é assim, rezando nas pessoas, todo mundo agora”. Perguntamos
quando foi a última vez que ela se sentiu assim e nos respondeu que
faz muitos anos. Acho que eu tinha 28 anos. Eu quase que ‘vou’. Eu não entendia
nada, aí como eu descobri o que era. Aí eu doente demais, tinha ido ao hospital não
sei quantas vezes, a febre muito alta, aí minha filha chegou e disse que tava com
muita dor de cabeça, chorando com dor de cabeça, eu tava deitada na rede
tremendo que a febre era alta demais, aí ela foi e se encostou em mim, aí eu botei a
mão na cabeça dela, quando eu botei as duas mãos na cabeça dela eu senti, aí eu
comecei a rezar com um pedacinho ela se levantou que tava bem, ai eu disse pra ela
que chamasse os outros meninos pra mim rezar, os meus mermo né? Ai chegou as
meninas das vizinhas aí eu comecei a rezar, ai eu comecei a suar. Você sabe quando
uma pessoa, é... despeja o suor que você vê que a roupa tá toda molhada, molhada,
molhada mermo e a rede e o lençol? Pois essa foi a Inês. Quando eu terminei de
rezar uns cinco ou seis meninos ai eu tava boa, só fiz me levantar e cuidar das
coisas.
A maioria das crianças que aparecem para rezar apresentam dor de cabeça,
vômitos, diarreia e febre. “A maneira que eles tão vomitando eu fico vomitando também, mas
gente grande não, porque pode a oração chegar até eles, mas também voltar né, de mim pra
eles e deles pra mim, certo? Mas a criança não tem como, eles são bebês, não tem força
não”. Os adultos a procuram mais com angústia e depressão, neste caso ela reza durante
vários dias, pois os coloca para ler a Bíblia, “porque são doença que é você quem adquire,
você bota na sua cabeça que tá doente. Então pra você tirar você tem que todos os dias ler
bastante salmos, eu gosto de ler os salmos de 1 a 7, no outro dia 7 a 14 até terminar os 150”.
Com relação à questão da saúde, D. Inês frequenta o posto localizado no mesmo bairro
que reside, segundo ela todos a conhecem, tanto no posto quanto na igreja, aonde chega todos
já sabem quem ela é. “Até mesmo as enfermeiras, elas também procuram, é todo mundo [...]
também eu rezo nas médicas”, Relata-nos ainda que além das enfermeiras e médicas do posto
a procuram para rezar também a indicam para outras pessoas. Diz também que tem um bom
reconhecimento, que algumas pessoas voltam para agradecer e ajudar, mas ela não cobra nada
pela reza, “eu não rezo por nada, mas nessa maneira aí (reconhecimento) sempre Deus
manda”. Com relação a crença dos profissionais de saúde, D. Inês diz que
antigamente era mais difícil, o povo não acreditava, mas hoje muita gente já
acredita, porque tem muitas pessoas que vão dar palestra né, nos hospitais eles
rezam, todos vão muito, fazer as orações, e muita gente recebe. A gente tem assim, a
confiança em Deus que daqui a uns anos, nós temos que todo mundo saber se unir
pra receber a paz né, como o Papa disse, nós precisamos da paz. E o que mais vale
44
pra nós, é confiar, é pedir a Deus a sabedoria, pra que Deus dê sabedoria a nós,
como nós sobreviver com os outros, não é isso?
Família para dezenove profissionais, mesmo assim não houve a diminuição desses números.
A partir disto, o trabalho conjunto entre a Secretaria de Saúde do município junto a uma
assistente social e duas enfermeiras, desenvolveram um estudo de investigação sobre as
condições socioeconômicas das famílias e da assistência dos serviços de saúde. Com isso,
perceberam a importância das rezadeiras junto à comunidade, pois a partir dos relatos de mães
que recorriam às rezas antes mesmo de conduzi-los às Unidades de Saúde, que foi possível
conceber a cultura como elemento constitutivo do processo saúde-doença e assim trazer a
espiritualidade para a intervenção dos casos de óbitos infantis por doenças diarreicas agudas.
(CAVALCANTE, 2006).
Deste modo, o reconhecimento da comunidade e a compreensão por parte dos grupos
de profissionais da saúde, como enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, assistentes
sociais, agentes comunitários de saúde e da própria comunidade significaria para as rezadeiras
como um privilégio, considerando a origem humilde das mesmas e o respeito que nutrem por
seu contexto social. Esta iniciativa trouxe não apenas redução nos índices de mortalidade
infantil, mas também melhorou a procura espontânea pelas Equipes de Saúde da Família e
estreitamento dos vínculos entre profissionais e famílias.
Mesmo compreendendo que a procura da comunidade pelos serviços de saúde integra
ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, como orientação sobre o consumo de
água filtrada – e a partir deste Programa haver a substituição de potes por filtros, com a
concessão de bolsas e orientações sobre hábitos alimentares, como lavar os alimentos a serem
consumidos; sabemos ser importantíssimo não desconsiderar os fatores que, para a
comunidade, influenciam sobremaneira nos sinais e sintomas manifestos e que contribuem
para efetuação de uma terapêutica que atenda suas reais necessidades.
Destarte, no Programa, a inclusão de profissionais passa por esse entendimento – o de
considerar que outros saberes fazem parte das intervenções de saúde, bem como o
reconhecimento da equipe interdisciplinar da importância para a comunidade da incorporação
desses saberes:
Importante realçar que para a entrevistada, o profissional médico deve ter “um
determinado perfil”, caso contrário ele não se “enquadra” no Programa, ou seja, ele
deve ser capaz de relativizar sua prática. A relativização desse profissional médico
refere-se ao fato de que ele deve ser capaz de perceber o significado que esta
comunidade concede à “reza” na efetivação da cura. Para aceitar que a equipe do
Programa, antes constituída por profissionais de saúde, agora integre um novo
elemento - a rezadeira. Esta que, não sendo um profissional de saúde nos moldes
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institucionais, tem sido a responsável pela ida dos moradores ao Posto, pois parte da
clientela do médico é indicação da rezadeira. (CAVALCANTE, 2006, p. 97).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
não foi possível, pois não se tinha ideia da dimensão que essa prática representava.
Conversando, pois, com essas senhoras rezantes, pudemos perceber nuances que antes nossa
limitação não nos deixava enxergar com clareza, perceber a fé contida no ritual, a devoção aos
anjos, santos, Deus e Nossa Senhora como forma de intercessão pela saúde da pessoa que
busca e acredita no potencial da reza para a melhoria da saúde, e como isto gera reais
modificações na forma como o organismo reage a determinados tipos de doenças.
Isto posto, uma forma de associação e inclusão do saber da rezadeira pode ser
realizada através da incorporação desta na Atenção Básica à Saúde, a qual já mostrou
resultados positivos em experiências realizadas com esse método. Porém, mesmo nos casos
onde não for possível desempenhar tal estratégia, as instituições formadoras de profissionais
em saúde, e os próprios serviços de saúde, não devem desconsiderar o saber das rezadeiras,
pois estas representam forte liderança em suas comunidades, e, como já discutido neste
trabalho, atualmente, somente o conhecimento científico não está conseguindo responder as
necessidades de saúde do ser humano. É necessário, pois, buscar novas estratégias de atuação
– e uma destas sem dúvidas é a utilização de saberes complementares no cuidado.
No que tange à consecução dos objetivos, a metodologia utilizada na pesquisa
conseguiu corresponder às expectativas e foi suficiente para alcançarmos nossas metas. No
que se refere às referências bibliográficas houve certa dificuldade em encontrar materiais
disponíveis sobre o assunto, ressaltando assim que este ainda é pouco discutido no meio
científico, necessitando, então, de mais pesquisas que abordem essa questão considerando o
fato de se tratar de um saber de grande importância e relevância social. Outra dificuldade
encontrada foi a própria localização das rezadeiras para o desenvolvimento da pesquisa.
Devemos, pois, repensar a forma como vem sendo desempenhada a questão da
assistência à saúde da população, que ferramentas dispomos, o que precisa ser melhorado e
como pode ser melhorado, para isto, é indispensável ocorrer um diálogo entre os saberes,
fazer um resgate destes a fim de garantir que os princípios e diretrizes do SUS sejam de fato
vivenciados na prática e que as reais necessidades do usuário possam ser atendidas conforme
seu contexto e todas as suas dimensões.
51
REFERÊNCIAS
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Loyola, 1999.
CONCEIÇÃO. A. S. “O santo é quem nos vale, rapaz! Quem quiser acreditar, acredita!”:
práticas culturais e religiosas no âmbito das benzeções. Dissertação (mestrado). Universidade
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–Recôncavo Sul da Bahia (1950-1970. Salvador, 2011.
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MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. – 10. ed. – São Paulo:
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MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de
Mello e; NOVAIS, Fernando (orgs.). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida
privada na América portuguesa. v.1 São Paulo: Companhia das letras, 1997. p. 155-220.
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2007. In: OPSIS - Curso de História. Dossiê Corpo e Cultura. Universidade Federal de
Goiás - Campus Catalão. Catalão - GO, v. 7, n. 8, jan-jun. 2007. 288p. ISSN: 1519-3276.
PIRES, D. Hegemonia médica na saúde e na enfermagem Brasil: 1500 a 1930. Saúde &
Sociedade, volume 14. São Paulo: Cortez, 1989.
SAMUEL R. História local e história oral. Revista Brasileira de História. São Paulo,
ANPUH, v.9, n. 19, p. 219-242, 1989.
SANTOS, Francimário Vito dos. O ofício das rezadeiras: um estudo antropológico sobre
as práticas terapêuticas e a comunhão de crenças entre as rezadeiras de Cruzeta/RN.
Dissertação (mestrado). 2007.
SILVA, G. B. Enfermagem profissional: análise crítica. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1989.
Esclarecimentos
Você foi selecionada e está sendo convidada para participar da pesquisa intitulada: REZADEIRAS,
SUA HISTÓRIA DE VIDA E FORMAÇÃO, SABERES E PRÁTICAS: Práticas populares do cuidado e sua
influência na formação em Saúde, que tem como objetivos: Conhecer a história de vida de rezadeiras no
município de Mossoró; Problematizar a construção do conhecimento dos saberes e práticas que permeiam o
ofício de rezadeira; Ressignificar a inclusão social desse grupo em relação à educação informal e os espaços
sociais que o acolhem ou integram. Este é um estudo baseado em uma abordagem qualitativa com base na
História de Vida, utilizando como método de coleta de dados a aplicação de entrevista semiestruturada, e
análise de conteúdo de Bardin e representação social, para a análise dos dados.
A pesquisa terá o acompanhamento de Edione Rodrigues Batista, acadêmica do curso de enfermagem
da UERN, e da professora coordenadora da pesquisa Amélia Carolina Lopes Fernandes e segue as
recomendações da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares. Terá duração de
um ano e meio, com o término previsto para julho de 2014.
Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum momento será
divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário exemplificar determinada situação, sua
privacidade será assegurada uma vez que seu nome será substituído por nome fictício. Os dados coletados serão
utilizados apenas NESTA pesquisa e os resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas.
Sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se a responder qualquer
pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua
relação com o pesquisador ou com a instituição que forneceu os seus dados, como também na que trabalha.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder as perguntas a serem realizadas sob a forma de
entrevista semiestruturada, tecendo a história de sua vida e os saberes e práticas que aplica no seu ofício de
rezadeira. A entrevista será realizada caso a senhora apresente queixas pertinentes à problemática da pesquisa e
gravada em aparelho mp4 para posterior transcrição – que será guardado por cinco (05) anos, em computador de
uso exclusivo das pesquisadoras, e deletada após esse período.
Você não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras. Os riscos da pesquisa
consistem em possíveis constrangimentos, pelo fato de responder a perguntas pessoais ou rememorar momentos
que despertem frustrações ou outras sensações desconfortáveis. Esses riscos serão minimizados, pois a entrevista
será individual, em um local reservado e só as pesquisadoras terão acesso às gravações. Os benefícios
relacionados à sua participação referem-se às reflexões que contribuirão para a construção de novas práticas e
saberes na formação em Enfermagem, bem como para ampliar a discussão acerca práticas populares do cuidado,
a importância das rezadeiras e sua representação nas comunidades em que se inserem, bem como a importância
desse conhecimento à formação em Enfermagem.
Você receberá uma cópia deste termo e toda a dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá
perguntar diretamente para Amélia Carolina Lopes Fernandes no endereço: Rua Dionísio Filgueira, 383 ou pelo
telefone (84) 3315-2154, email. Desde já agradecemos!
Impressão dactiloscópica
Rua Dionísio Filgueira, 383, Centro, CEP: 59610-090 – Mossoró-RN, Fone: (84) 3315-2154.
Entrevista Semi-estruturada
1. Nome:_________________________________________________________
2. Data de Nascimento: ____________
3. Local de Nascimento: _____________________________________________
4. Há quanto tempo reside em Mossoró: _________
5. Há quanto tempo exerce o ofício de Rezadeira: ___________________________
6. Filhos(as): _______________
7. Qual a igreja que a senhora frequenta?
8. A senhora pode falar um pouco sobre sua infância?
9. Como a senhora teve contato com a prática da reza para os problemas de saúde?
10. A senhora frequentou escola? Até que série?
11. A senhora aprendeu o ofício de rezadeira através de quem?
12. O ofício de rezadeira despertou seu interesse por quê?
13. Como foi o processo de aprendizado das rezas e receitas para problemas de saúde?
14. Como a senhora se sente nos momentos em que realiza as rezas?
15. A senhora pode explicar algumas orações para as questões a que elas correspondem?
16. Qual a Unidade Básica de Saúde (UBS, ou posto de saúde) que a senhora frequenta?
17. As pessoas da comunidade procuram muito pela senhora? Em que situações específicas?
18. Qual o seu entendimento da associação do ofício de rezadeira aos serviços de saúde?
OBSERVAÇÕES: As perguntas deverão ser acompanhadas com o máximo de atenção. Uma vez que se trata de
narrativa da História de Vida das Rezadeiras, é interessante que se encoraje ao máximo que as mesmas teçam sua
história com o mínimo de interrupções possível. As perguntas deverão ser feitas tencionando direcionar o
assunto. Caso já se siga essa linha de raciocínio, as perguntas não precisarão ser realizadas na mesma ordem. Em
se tratando de instrumento semi-estruturado, a depender das demandas no processo de gravação, outras
perguntas poderão ser lançadas às participantes. A depender do tempo de gravação, as coletas de dados para cada
participante poderão ser fracionadas e dada continuidade em outros dias.
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DADOS DO PARECER
Apresentação do Projeto:
Objetivo da Pesquisa:
Objetivo Primário
Objetivo Secundário:
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Os riscos da pesquisa, envolvem tão somente a participação e narrativa de vida por parte das
participantes, experienciações emocionais por parte das participantes, no contexto da
rememoração de passagens de suas próprias vidas, ou o próprio cansaço evidenciado por
longos períodos de atividade de uso da voz e de exercício mental na pesquisa.
A proposta apresenta Folha de rosto, projeto de pesquisa, Declaração de uso dos dados e
publicação dos resultados, roteiro da Entrevista, TCLE.
Recomendações:
Substituir termo você receberá "uma cópia do TCLE" por segunda via do TCLE.
Situação do Parecer:
Aprovado
Não
A pesquisa é relevante à medida que busca Conhecer práticas populares do cuidado no ofício
das rezadeiras e a construção do conhecimento no âmbito da educação informal deste grupo,
no município de Mossoró - RN. O protocolo apresentado atende às recomendações da
Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 196/96, podendo ser executado a partir da
liberação deste parecer. Após o período de realização da pesquisa, o pesquisador deverá
preparar um relatório final, conforme modelo contido na home page deste Comitê e em
seguida encaminhá-lo a este CEP.
09 de Abril de 2013
___________________________
Assinador por:
LUCIANA ALVES BEZERRA DANTAS ITTO
(Coordenador)