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Para um adulto que pouco convive com crianças pequenas, basta pensar em passar tempo com um bebê que bate
um medo, uma insegurança profunda. Ele não fala, não anda, mal consegue se locomover! O que vamos fazer
juntos? O que ele está pensando? O que ele quer de mim? Será que vou/vamos morrer de tédio? Será que ele
não ficaria melhor numa creche ou num curso ou na frente da televisão, para se sentir estimulado, para
aprender, para desenvolver habilidades?
Não vou me atrever a sugerir que a exposição precoce a um ambiente com muitos estímulos seja a culpada pelo
aumento da hiperatividade e do transtorno do déficit de atenção – até porque acho muito mais provável que o
principal culpado por isso seja o excesso de diagnósticos duvidosos causados por pressão da indústria
farmacêutica sobre médicos, aliado ao impulso de pais e professores de rotular e tratar de forma “eficiente”
comportamentos indesejados (leia mais aqui e aqui). No entanto, acho no mínimo curioso que nos empenhamos
tanto em deixar nossos bebês constantemente entretidos – e vale tudo para isso, desde brinquedos trambolhudos
e barulhentos a iPads e galinhas pintadas na TV – e, no entanto, passados alguns anos, lamentamos a falta de
interesse deles pela sobriedade da sala de aula e da inqueitude deles diante de uma simples peça de teatro.
Há alguns meses, me deparei com um texto num blog inglês que me deixou gritando “isso! isso! isso!” e me
empolgou a ponto de eu pedir autorização para traduzi-lo. Finalmente consegui a permissão da autora, a
psicóloga, educadora perinatal e fundadora da organização BabyCalm, Sarah Ockwell-Smith, para divulgar o
texto em português aqui no blog. O original se chama “Do we do too much with our babies” e pode ser lido em
inglês aqui. Embora ela não toque no assunto “déficit de atenção” ou “hiperatividade”, acredito que alguns pontos
de seu texto se apliquem a uma reflexão, ou um questionamento, mais amplo no qual o TDA se insere: será que
estamos criando e olhando para nossas crianças da forma mais saudável e sensata possível?
Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente e, quanto mais eu penso, mais eu acredito de verdade que
estamos muito equivocados na nossa compreensão sobre bebês e primeira infância na nossa sociedade.
Uma rápida ida ao Google em busca de “atividades para bebês” perto da minha residência me dá uma lista de
várias aulas às quais eu poderia levar meu bebê (imaginário!). Entre elas:
Massagem para bebês, yoga para bebês, Baby Sensory, natação para bebês, musicalidade, dança disco para
bebês, francês para bebês, linguagem de sinais, ballet, ginástica para bebês e aulas para bebês e papais. Isso tudo
sem contar as atividades para crianças pequenas (entre 1 e 3 anos): rugby para bebês, teatro, futebol e trampolim
para bebês.
Caramba, quanta opção! Não é de se espantar que tantos pais me perguntem “o que devo fazer para entretê-lo” ou
comentem “ele deve ficar tão entediado só ficando em casa comigo”. Quanto mais aulas desse tipo aparecem,
quanto mais as mães sentem que deveriam estar “fazendo” algo com seus bebês, mantendo-os entretidos, se
empenhando para promover o desenvolvimento dos mesmos, mais elas aprendem que, sozinhas, elas não são o
suficiente para o filho, e sua medida de valor próprio se torna dependente das aulas às quais levam o bebê e dos
equipamentos que disponibilizam para ele. Outra preocupação que tenho com essas aulas é que, mais uma vez,
elas costumam desvalorizar os pais enquanto especialistas do próprio filho. Mães aprendem que há maneiras
específicas de tocar em seu bebê, jeitos específicos de se mexer com eles, formas específicas de falar e cantar com
eles (e que tudo isso requer uma dose de preparo profissional). Às vezes, esse ensino pode deixá-las menos
confiantes em si mesmas, e na sua maneira particular de fazer as coisas. Elas podem se perguntar se estão
“fazendo certo”. Sei que quando eu fiz um curso de massagem para bebês com o meu primeiro filho, acabei
fazendo menos massagens nele depois do curso porque não conseguia me lembrar dos toques específicos (e das
músicas que os acompanhavam) e fiquei preocupada se estava “fazendo o certo,” de forma que meus toques
espontâneos diminuíram.
https://amaequequeroser.wordpress.com/tag/hiperestimular/ 1/3
19/04/2018 hiperestimular | a mãe que quero ser
Não vou nem entrar no assunto “brinquedos e equipamentos ‘educativos’ feitos para aj
bebê” – entre eles, flash cards (cartões de memorização), sistemas de leitura para
bebês e DVDs que ensinam línguas estrangeiras…
Minha pergunta é simples: por que achamos que precisamos de toda essa tralha?
Quando paramos de acreditar que aquilo de que um bebê realmente precisa é tempo
conosco? Quando passamos a desvalorizar a importância de integrar os bebês ao
nosso dia a dia normal? Por que não acreditamos que somos o suficiente para nossos
bebês? Por que não somos capazes de permitir que os bebês simplesmente sejam
bebês?
O que é triste nesse caso é que pesquisas nos mostram claramente como os bebês
aprendem e o que é importante nesse processo. Adoro essa frase da Maria
Montessori: “Cuidar de uma criança deve ser norteado não pelo desejo de fazê-la
aprender coisas, mas pelo empenho de sempre manter acesa dentro dela aquela chama cujo nome é inteligência”.
Como, então, cultivar essa curiosidade natural? Permitindo que nossos bebês sejam os líderes e que ditem o
ritmo de seu aprendizado? Ou sobrecarregando-os com diversos cursos e recursos que visam acelerar seu
desenvolvimento?
Brincar
Brincamos com nossos bebês antes mesmo de eles nascerem, muitas vezes sem perceber que estamos brincando.
Alisamos o barrigão, apertando delicadamente um pezinho estendido, e sentimos o bebê reagir. É espontâneo o
desenrolar das brincadeiras após o nascimento – imitamos expressões faciais, nos escondemos e depois
reaparecemos no campo de visão do bebê (“achou!”) fazemos cosquinha… tudo isso nós fazemos sem nos darmos
conta. Brincar ensina tanta coisa a nossos bebês, sendo que a mais notável talvez seja esperar sua vez, o que vem
a ser um dos componentes mais importantes da fala. Melanie Klein escreveu a fundo sobre a importância de
brincar e da formação da fantasia e do simbolismo e é particularmente conhecida pela citação “Uma das muitas
experiências interessantes e surpreendentes do iniciante em análise infantil é descobrir até em crianças muito
jovens uma capacidade de percepção que costuma ser muito maior do que a do adulto”. O que acontece, então,
quando sempre direcionamos a brincadeira do bebê? Através de brinquedos ou cursos específicos? O que
acontece com a criatividade deles quando sempre estamos no comando?
Falar e Cantar
Pesquisas revelam que os bebês começam a adquirir linguagem antes mesmo de nascerem. Falar está no DNA
dos bebês e o componente mais importante na aquisição de linguagem somos nós. Sem estarmos conscientes de
tal, ensinamos nossos bebês a falar, ensinamos nossos bebês sobre musicalidade e ritmo, ensinamos a arte da
conversação e de esperar a vez de falar. Ensinamos tudo isso não com a ajuda de cartões de memória ou
cursinhos em DVD, mas com as interações diárias e ao falarmos com vozinha de bebê (Baby talk). Baby talkse
refere ao jeito inconsciente de falarmos com os bebês: naturalmente afinamos a voz (usamos um tom mais
agudo), exageramos as vogais e marcamos as consoantes, e também mudamos o vocabulário para ser mais
apropriado à idade, encurtamos frases e simplificamos o conteúdo. O Baby talktambém faz maior uso do contato
olho no olho. Bebês têm uma inclinação natural a esse tipo de fala – por isso o nome Baby talk (fala de bebê).
Nós todos possuímos essa incrível habilidade inata de ensinar linguagem aos bebês, então por que precisamos da
ajuda e das ferramentas de terceiros?
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19/04/2018 hiperestimular | a mãe que quero ser
Nós e o ambiente
Quando vamos permitir que nossos bebês simplesmente existam em paz? Quando
vamos perceber suas verdadeiras necessidades? Temo que só nos distanciaremos mais
e mais das verdadeiras necessidades dos bebês em nosso tempo.
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