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Peter Burke – Testemunha Ocular: História e

Imagem
O foco desta obra reside no desafio de usar as imagens para a compreensão de outras épocas.

Introdução – Testemunho das imagens

Nos últimos tempos houve uma ampliação dos interesses dos historiadores que passaram a
incluir não somente tendências econômicas, estruturas sociais e eventos políticos,
contemplando também a história das mentalidades, a história da vida cotidiana, a história da
cultura material, a história do corpo, etc...Esta possibilidade de pesquisas nestes novos campos
só foi possível na medida em que ampliaram suas buscas além das fontes tradicionais,
documentos oficiais produzidos pelas administrações e preservados em seus arquivos.

Isto posto, os historiadores lançam mão de evidências em caráter mais amplo, tendo a imagem
um lugar ao lado dos textos literários e testemunhos orais.

Esta publicação está fundamentalmente interessada no uso de imagens como evidência


histórica e procura tanto encorajar, quanto para advertir aos potenciais usuários quanto ao uso
de tais evidências a respeito de possíveis perigos.

A INVISIBILIDADE DO VISUAL?

Há pouca utilização de arquivos fotográficos por historiadores comparado ao número daqueles


que utilizam os repositórios de documentos escritos e datilografados. Quando há a utilização de
imagens, elas comumente são tratadas como meras ilustrações, reproduzidas sem comentários.
E casos em que as imagens são abordadas no texto, geralmente é para dar forma ás afirmações
elaboras no texto sem lançar mão de alguma nova questão.

O falecido Raphael Samuel, que trabalhou com fotografias da era vitoriana descreveu a si
próprio e a outros historiadores sócias como “visualmente analfabetos”, enfatizando que sua
educação tanto na escola como na universidade foi um treinamento em ler textos.

De qualquer maneira, já havia historiadores que estavam trabalhando com a evidência de


imagens, pois na época eram poucos os documentos escritos ou então inexistentes.

Por exemplo, seria muito dificultoso escrever sobre a pré-história europeia sem a evidência das
pinturas das cavernas de Altamira e Lascaux, sendo que nos estudos do Egito Antigo, sem os
testemunhos das pinturas nos túmulos, seria extremamente pobre.

As pinturas nas catacumbas romanas foram estudadas no século XVII como evidência histórica
do começo do cristianismo, segundo Francis Haskell em “História e suas Imagens”.

As Tapeçarias de Bayeux já eram levadas a sério como fonte primária e como narrações da
história da Inglaterra.

Os historiadores culturais Jacob Burckhardt (1818-1897) e Johan Huizinga (1872-1945), eles


próprios artistas amadores basearam suas descrições e interpretações da cultura da Itália e da
Holanda em quadros de artistas como Raphael e van Eyck, bem como em textos da época.

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Huizinga enfatizava que a história e a criação artística têm em comum era um modo de formar
imagens, sendo que mais tarde ele denominou o método da história cultural em termos visuais
como “o método do mosaico”.

Da geração de Huizinga, Aby Warburg (1866-1926) produziu uma história cultural baseada em
tanto em imagens como em textos. O Instituto Warburg utiiza a evidência visual como evidência
histórica, segundo a historiadora renascentista Frances Yates (1899-1991).

FONTES E INDÍCIOS

Imagens nos permitem “imaginar” o passado de forma mais vívida, como sugerido pelo crítico
Stephen Bann, nossa posição face a face com uma imagem, nos coloca “face a face com a
história”. Embora os textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no
melhor guia para o poder de representações visuais nas vidas religiosa e política de vidas
passadas.

A proposta primeira que este livro procura fundamentar e defender e ilustrar é que com
imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se em uma forma de importante
de evidência histórica.

VARIEDADES DE IMAGENS

Qualquer imagem pode servir como evidência história, independentemente de sua qualidade
técnica. No decorrer do tempo a imagem mudou e seu tipo também, sendo que houve duas
mudanças grandes na produção de imagem, a primeira delas quando do surgimento da imagem
impressa, tais como gravuras em madeira, entalhes, gravuras em água-forte durante os séculos
XV e XVI e o surgimento da imagem fotográfica nos séculos XIX e XX.

O que é fato é que as duas revoluções propiciaram uma quantidade enorme de imagens
disponíveis às pessoas comuns.

A era da fotografia segundo Walter Benjamin (1892-1940) mudou o caráter da obra de arte,
afirmando que a máquina “substitui a única existência pela pluralidade de cópias” e produz um
valor um deslocamento de seu “valor cult” da imagem para o “valor da exibição”.

Capítulo I – Fotografia e retratos

As tentações do realismo ou mais explicitamente, tomar uma imagem pela realidade, são
particularmente sedutoras no que se refere a fotografias e retratos.

REALISMO FOTOGRÁFICO

Desde os primórdios da fotografia, ela vem sendo discutida como um meio de comunicação de
auxílio aos estudos históricos. George Francis em uma palestra no ano de 1888 na American
Antiquarium Society, “ Photography as an aid to local history”, recomendou a coleção
sistemática de fotografias como “a melhor forma possível de retratar nossas terras, prédios e
maneira de viver”.

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O escritor Paul Valéry (1871-1945) sugere que nosso conhecimento histórico tenha sido
transformado pela fotografia, pois segundo ele, nossos critérios de veracidade histórica
passaram a contemplar a questão: “Poderia tal e tal fato, como foi narrado, ter sido
fotografado?”.

O crítico Roland Barthes (1915-1980) denomina “efeito da realidade”, as fotografias utilizadas


por jornais como evidência de autenticidade assim como as imagens de televisão, constituindo-
se em uma contribuição poderosa.

No caso de antigas fotografias de cidades, por exemplo, principalmente quando elas são
ampliadas para preencher uma parede, o espectador pode experimentar uma vívida sensação
de que ele/ela poderia entrar na fotografia e caminhar por aquelas ruas. (p.26)

Na questão apontada por Valéry, há um problema em que ela implica um contraste entre
narrativa subjetiva e fotografia “objetiva” ou “documental”.

Os antigos fotógrafos afirmavam a idéia de objetividade, a partir dos vestígios que os próprios
objetos deixavam vestígios na placa fotográfica quando exposta à luz, de tal forma que a imagem
resultante não é o trabalho de mãos humanas, mas sim o “lápis da natureza”. (p26)

Em relação à expressão “fotografia documental”, esta denominação passou a vigorar a partir da


década de 1930 nos Estados Unidos para referenciar as cenas do cotidiano de pessoas comuns,
especialmente os pobres, coo vistor por Dorothea Lange (1895-1965), Jacob Riis (1849-1914) e
Lewis Hine (1874-1940), que estudou sociologia na Universidade de Columbia e denominava seu
trabalho de “Fotografia Social”.

No entanto estes documentos devem ser contextualizados, tendo em mente que os fotógrafos
estão trabalhando em um viés paralelo ao viés expresso por um historiador. Tome-se o exemplo
de fotógrafos que construíam as cenas de acordo com as convenções familiares de pintura do
gênero, tanto no estúdio como ao ar livre, sendo que alguns fotógrafos interferiram mais que
os outros ao arrumar objetos e pessoas.

Por exemplo há intervenções na fotografia da guerra civil americana, na medida em que


“cadáveres” na verdade eram aparentemente soldados vivos posando para a câmera. A mais
famosa fotografia da guerra civil espanhola, “Death of a Soldier” de Robert Capa, publicada em
uma revista francesa em 1940 foi contestada pelo fato de haver alguma “intervenção”.

Por isso mesmo argumentou-se que “fotografias nunca são evidência da história: elas próprias
são a história”.

Certamente trata-se de uma avaliação bem negativa: da mesma forma que outras formas de
evidência, fotografias podem ser consideradas ambas as coisas evidência da história e história.
(p.26).

O crítico de arte John Ruskin (1819-1900) defendia uma crítica da fonte, afirmando sobre a
evidência de fotografias “é de grande utilidade se você souber como interrogá-las”.

O RETRATO, ESPELHO OU FORMA SIMBÓLICA

Faz-se necessário resistir ao impulso ao visualizarmos retratos como representações precisas,


instantâneos ou imagens de espelho de um determinado modelo como ele ou ela realmente era
num momento determinado. As posturas, gestos e os acessórios do gênero retrato pintado

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seguiam um padrão, sistema de convenções e carregavam um forte sentido simbólico. Assim,
um retrato é uma forma simbólica.

As convenções do gênero retrato apresentavam o modelo de uma forma especial, embora


amplamente favorável. Carlos V e sua mandíbula pronunciada era conhecida através de relatos
nada favoráveis de embaixadores estrangeiros, tendo em vista que os pintores da época como
Ticiano, disfarçavam a deformidade.

As roupas então vestidas pelos modelos eram as suas melhores, sendo que os historiadores não
deveriam tratar estes retratos como exemplo de vestimenta cotidiana.

Algumas destas convenções adentraram os estúdios de fotografia a partir da metade do século


XIX. Manuseando diferenças entre as classes sociais os fotógrafos ofereciam a seus clientes o
que foi chamado de “imunidade temporária em relação à realidade”. (p.34)

REFLEXÕES SOBRE REFLEXÕES

Como podem as imagens serem usadas como evidência histórica? (p.36)

Esta resposta será elaborada ao longo deste livro e contemplará três pontos principais:

1. Boa notícia para historiadores: A arte pode fornecer evidências para aspectos da
realidade social que os textos passam por alto.
2. Má notícia: a arte de representação é quase sempre menos realista do que parece e
caba distorcendo a realidade social mais do que refletí-la. Se o historiador não levar em
consideração a ampla gama de intenções de pintores e fotógrafos (sem falar nos
patronos e clientes), ele pode chegar a uma leitura bastante equivocada.
3. De volta à boa notícia: o processo de distorção é por ele próprio, evidência de
fenômenos que muitos historiadores desejam estudar, tais como mentalidades,
ideologias e identidades. A imagem material ou literal é uma boa evidência de uma
“imagem” mental ou metafórica do eu ou dos outros. (p.37)

AS ORELHAS DE MORELLI

Torna-se relevante para historiadores e detetives a atenção dedicada aos pequenos detalhes.

Giovani Morelli (1816-1891), um perito italiano, desenvolveu um método “da linguagem das
formas”, que consistia em exame cuidadoso de ínfimos detalhes tais como as formas das mãos
e orelhas, que cada artista, conscientemente ou não, representava de uma forma diferente.
Essas formas podem ser descritas como sintomas de autoria, os quais Morelli considerava como
evidências mais confiáveis do que documentos escritos. (p.40)

A interpretação de imagens através de uma análise de detalhes tornou-se conhecida como


“iconografia”. (p.41).

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Capítulo II – Iconografia e Iconologia

Capítulo III – O sagrado e o sobrenatural

Capítulo IV – Poder e Protesto

Capítulo V – Cultura material através da imagem

Capítulo VI – Visões de Sociedade

Capítulo VII – Estereótipos do outro

Capítulo VIII – Narrativas Visuais

Capítulo IX – De testemunha a historiador

Capítulo X – Além da iconografia?

Capítulo XI – A história cultural das imagens

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