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Max Weber ECONOMIA E SOCIEDADE Fundamentos da sociologia compreensiva VOLUME 2 Tradugao de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa Revisdo técnica de. Gabriel Coho. EDITORA tte imprensaoficial ‘Sao Paulo, 2004 M1 Reitor Vee-Retior Diretor imprensavficial Diretor Presidente Diretor Vico-Presidente Diretor industrial Diretor Financetro ¢ Administrative Niicleo de Projetas Institucionais Projetos Editoriais FUNDACAO UNIVERSIDADE BE BRASILIA Lauro Morhy ‘Timothy Martin Mulholland Eprrora Universipane pe BRASILIA, Alexandre Lina Consetto Enrronsat Consenneanos Alexandre Lima ‘Clarimar Almeida Valle Dione Oliveira Moura Henryk Siewierské Fader Soares Marinho Filho Ricando Sitveira Bemardes Suzete Venturelli IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SAO PAULO Hubert Alquéres Luiz Carlos Prigerio Teiji Tomioka. Fiévio Capello Emerson Bento Pereira ‘Vera Lucia Wey ote, i 5 ABER Copyright © 1999 by Editora Universidade de Brasitia “Tinulo original: Winscbaft und Gesellschaft: Grundsias der verstehenden Soziologic Impresso no Brasil DIRBITOSEXCLUSIWOS PARA ESTA EDKCAC EM LINGUA PORTUGUESA: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SAO PAULO SCS —Q. 02» Bloco Cn? 78 ~ Ed. OK 2° andar Rua da Moova, 1921 — Mooca 7030-500. Brastlia-DF 03103-902 — Sto Paulo-SP Feb.: Oxx61) 226-6874 ‘Tel: (Oxx 4} 6099-9800 Fax: (Oxx61) 225-5611 Fax: (Ox 1) 6090-9674 editora@hund br yeww.imprensaoficial.com.br livros @imprensaoficial.com.br SAC 0800-123 401 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicagde poderd ser armazenada ou reprodusida por qualquer meio sem a antorizaciia por escrito da Editora. Sureevisac Enrrortat AtkrON LiGaRivne PRePARACAG E.EDFTORACAO BE ORIGINATS. 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I, Tétulo 94-1208 cDD.330 er Indice para eatdlogo sistemética: 1, Economia 330 2. Sociedade: Sociniogia 301 Foi feito 0 deposito legal na Bibficteca Nacional (Lei n? 1.825, de 20/12/1907) SUMARIO Volume 2 Capitulo Vil. Sociologia do Direito 53 § 1. A diferenciagio das dreas juridicas objetiva: 1 § 2. As formas de criacao dos direitos subjetives . 4 § 3. O cariier formal do direito objetivo ...... 67 § 4. Os tipos de pensamento juridico e os notaveis na justica .. 85 § 5. Racionalizagio formal e racionalizagio material do direito. Direito teocratico € direito profano . 100 § 6. Direito oficial ¢ estatuto principesco patrimonial, As codificagSes..... uy § 7. As qualidades formais do direito revolucionariamente criado © direito natural ¢ seus tipos. 133 § 8. As qualidades formais do direito modemo ... 142 Capitulo VII. Comunidades Politicas esses 155-186 § 1, Natureza ¢ “conformidade 2 lei” Cogiientdade) das associagdes politicas. . 155 § 2. Fases de desenvolvimento da relacto associativa politica 137 § 3. © prestigio do poder @ as “grandes poténcias" 162 § 4. Os fundamentos econdmicos do imperialismo 164 § 5. Anagio soo 172 § 6. A disiribuigao do poder dentro de comunidade Classes, estamentos, partidos . 175 Capitulo IX, Sociologia da Dominacio ... 187-580 Segtio 1 Estruturas © Funcionamento da Dominagdo § 1. Poder ¢ dominagao. Formas de transipio . 187 § 2, PDominagio ¢ administragio. Natureza ¢ limites da administragdo demoeritics . 193 § 3. Dominagao por meio de “organtzagao”. Fundamentos da validade da dominacao 196 os en ean se tr cn teh to ye RON MAX WEBER Segio2 Natureza, Pressupastos ¢ Desenvolvimento da Dominagae Buroctdtica Secio3 Dominagao Patriarcal © Dominagiio Patrimonial Segao4 Feudalismo, “Estado Corporativo” ¢ Patrimonialismo Segao $ A Dominagio Carismética ¢ sua Transformagio Natureza © efeitos do carisma . Nascimento ¢ transformagio da autoridade carismét © disciplinamento € a objetivagio das formas de dominasao ... Segiio 6 Dominaedo Politica e Hierocritica Segio 7 A Dominagdo Nio-Legitima (Tipologia das Cidades) Conceito e categorias da cidads A cidade do Ocidente ‘A cidade de linhagens na Idade Média e na Antiguidade. A cidade plebéia.. Democracia na Antiguidade ¢ na Idade Méd Segao 8 323 331 336 408 425 445 469 494 A Instituigao Estatal Racional ¢ os Modernos Partidos Polfticos e Parlamentos (Sociologia do Estado) O nascimento do Estado racional.. © Estado racional como grupo de dominagio institucional com 0 monépolio da violéncia legitima . . © empreendimento estatal de dominagto como administrncao. Direc&o politica e dominio dos funcioi Partidos ¢ organizagao partidaria . © parlamento como érgio do Estado ¢ o problema da publicidade da administracao. A tarefa da selecio dos lideres.. Parlamentarismo e democracia ... 560 568 Capitulo VIL SOCIOLOGIA DO DIREITO § 1. A diferenciagao das areas juridicas objetivas “Direito pUblico” e “direito privado”. — “Direito criador de pretensdes" ¢ “regulamento”.— “Governo @ administragio", — “Direito penal” ¢ “direito civil”, - ‘Negalidade" ¢ “delito", — Imperium, “imkacio do poder’ ¢ “divisto de poderes". — “Direito” e "processo”, — As categorias do pensamenta jurfdien racional. Na leoria e pratica jurfdicas atuais, uma das distingdes mais imporantes é a entre 0 “diteito publico’ ¢ o “direito privado". No entanto, ha discordancia quan- to 20 principio da delimitacao. 1, Em virtude do seu carater informal, ha dificuldades técnicas na simples definigao, correspondente & distingao sociolégica do direito piiblico, por um lado, como conjunto das normas para as agées que, segundo o sentido que a ordem juridica Ihes deve atribuir, se referem 3 instituigac estatal, isto é, que se destinam A conservagda, a expansac ou d execucao direta dos fins dessa institwi¢o, vigen- tes por estatuto ou consensa, €, por outro lado, do direito privado como conjun- to das normas para as agdes que, segundo o sentido atribuido pela ordem juridi- ca, nao se referem & instituicao estatal, sendo apenas reguladas por esia mediante normas. Mesmo assim, quase todas as delimitagGes entre ambas baseiam-se, em Ultima instancia, numa distingao desse tipo. 2. Com freqiiéncia, essa distingio est4 entrelagada com outra: poder-se-ia identificar 0 direito “publico” com a totalidade dos “regulamentos”, isto €, as normas que, segundo seu correto sentido juridico, contém apenas instrugdes para os Srgios estatais @ n&o justificam direitos subjetivos adquiridos de individuos, em oposigao as “padronizagoes de pretenses” em que se fundamentam (ais dix teitos subjetivos. Cabe agora compreender corretamente essa oposigao. Também h4 normas do direita puiblico (por exempto, as referentes 2 cieicao presidencial) que podem criar direitos subjetivos ¢, mesmo assim, "ptiblicos” de individuos; por exemplo, o direito de votar. Mas esse diteito péblico do individuo nao é conside- rado hoje, em seu sentide jusidice, um direito adquirido no mesmo sentido que, por exemplo, a propriedade; direito que, em principio, 0 proprio legislador julga intocavel, € justamente por isso o reconhece, pois os direitos publicos subjetivos: do individuo, em seu sentido juridico, passam, na verdade, por incumbéncias subjetivas dos individuos, no sentide de agir, para determinados fins limitados, como Grgios da instituigao estatal. Portanto, apesar da forma de direito subjetivo que adotam, na verdade podem ser considerados como meros reflexos de um 2 MAX WERER, regulamento e niio como decorréncias de uma padronizagao objetiva de preten- sOes. Também pao sao, nem de Jonge, direitos subjetivos “adquiridos” todas as pretensdes do ditcito privado, no sentido exposto (no tem 1), existentes numa ordem juridica. Mesmo 0 teor estabelecide no caso conereto de direito de proprie- dade pode ser considerado um “reflexo” da ordem jutidica, ¢ 0 problema de se um direito é “adquitido” reduz-se muitas vezes, na prdtica, A questo de se sua eliminacao suscitava pretensdes A indenizacho. Portanto, poder-se-ia talvez. afir- mar que, segundo © sentido juridico, todo direito puiblico seja apenas regulamen- ta, mas nio que todo regulamente crie apenas direito pUblico. Em ordens juridi- cas, porém, em que o poder governamencal € considerado direito patrimonial adquirido de um monarca ou em que, a0 Contririo, cestos direitos civis subjetivos c julgados pura e simplesmente inescapaveis, no mesmo sentido que o direito privado “adquirido” (por exemplo, por tratar-se de “direito natural”), nem isso seria correto. 3. 5, por fim, poder-se-ia fazer a distincao separando-se, como pertinentes 20 “direlto privado”, todos os assuntos juridicos em que aparecem varias partes consideradas juridicamente “iguais’, sendo o sentido juridicamente “correto” da aco do legistador, do juiz ou das proprias partes (mediante acordo juridico) o de delimitar a8 esferas juridicas dessas, dos assuntos do “direito piiblico", nos quais um detentor de poderes preeminente, com poder de mando autoritario, aparece diante de pessoas que, segundo 0 sentido juridica das normas, Ihe estao “subme- tidas”. Mas nem todo orgdo do Estado tem poder de mando, € nem sempre a acho. regulada pelo dircito publico dos Srgios estatais é um mando. Além disso, preci- samente a regulamentagho das relagdes entre varios Orgies estatais, isto & entre detentores de poderes igualmente preeminenies, ¢ obviamente a esfera imtema propriamente dita do direito “publico”. E nlio apenas as relagdes diretas existen- ies entre os detentores de poderes € os submetides ac poder, como também aquelas agdes dos submetidos ao poder que servem para nomear ¢ controlar o detentor ou os detentores preeminentes de poderes, tiizem necessariamente par- te da esfera das acdes regulamentadas pelo “direito puiblico’. Mas uma distingao desse tipo retoma, em grande parte, os caminhos da anteriormente mencionada Ela nio trata todo poder de mando autoritdrio ¢ suas relacdes com os submetidos ao poder como assunto do direito piblico. Evideniemente, nao o faz com o do empregador, porque nasce de “acordos juridicos” entre formalmente “iguais”. Mas também o poder do pai de familia é tratado como autoridade baseada no diteito privado, ¢ isso somente porque o Estado é considerado a tinica fome de poder legitimo, ¢, por isso, somente as agbes que, segundo o sentido que a ordem juridica thes deve atribuir, se referem 4 conservacio da instituigio do Estado ¢ & execuco dos inieresses de que cuida, por conta propria por assim dizer, silo consideradas relevantes no sentido do diteito “public”, A questitc de quais se- jam, em cada caso, os interesses de que deve cuidsr a prdpria institwicao do Estado, até hoje, est sujeita a mudancas, E, sobrenzdo, pode acontecer que uma drea de interesses seja intencionalmente regulamentada mediante o direito esta- tuido, de tal maneira que a criacao de pretensdes privadas de individuos ¢ a de poderes de mando ou outras fungdes de Srgios estatais, as vezes até referentes & mesma questao, cocxistam numa situacho de concorréncia. ECONOMIA SOCIEBADE, 3 Também hoje, portanto, nfo é univoca por toda pare a delimitagdo das esferas do direito priblico ¢ do privado. Muito menos ainda aconteceu isso no passado. Pode aié faltar completamente a possibilidade de uma distincdo. Isso acontece quando todo direito e todas as competéncias, especialmente todos os poderes de mando, tém o cardter de privilégios pessoais (na maioria das vezes tatando-se do chefe do Estado), denominados “prerrogativas”. Nesse caso, a fa- culdade de pronunciar o direito em determinada causa ov de chamar alguém as armas ou de exigir sua obediéncia nourras situacdes é tanto um Gireito subjetivo “adquirido” ¢ eventualmente também objeto de um acordo juridico, de uma alie- nado ou de uma transmissao hereditaria, quanto, por exemplo, a faculdade de aproveitar determinado pedaco de terra. Nesse caso, 0 poder politico, do ponte de vista juridico, nao tem estrutura de instituigao, mas apresenta-se na forma de relagdes associativas e compromissos concretos dos diversos detentores ¢ preten- dentes de faculdades de mando subjetivas. Quanto @ sua natureza, o poder de mando politico, o do pai de familia, o do senhor territorial ou o do senor de servos ndo diferem neste caso: rata-se da situagao de “patrimonialismo". Confor- me a extensdo, em cada caso, dessa estrutura do dircito — ¢ ela munca foi reali- zada até as Whimas conseqiténcias —, udo o que corresponde a nosso direito “publica” € juridicamente objeto de um direito subjetivo de detentores de poder concretos, exatamente como uma pretense juridica privada. Mas a elaborago do direito pode assumir também o cariter exatamente oposto, faltando-lhe por intetro, em amplas dreas que hoje the estdo sujeitas, 0 direito “privado” no ditimo sentido empregado. Isso ocorre quando faltam todas as normas que tém o cardter de direito objetivo criader de pretensdes, isto é, quando todo o complexe de normas tem juridicamente o cardter de “regulamen- 10”; quando, portanto, todos os interesses privados ttm a possibilidade de prote- glo no come direitos subjetivos garantides, mas apenas como reflexos da vigén- cia daqueles regulamentos. Conforme a extensio dessa situagdo ~~ ¢ também ela nunca reinou universalmente —, todo direito reduz-se a um fim da administra- sao: o “governo”. “Administragao” nao é um conceito exclusivamente do direito pUblico. Existe a administragio privada (por exemple, da unidade domicitiar pro- pria ov de uma empresa aquisitiva) © a pUblica, dirigida pelos érgdos institucio~ nais do Estado ou por gutras instituigdes por ele iegitimadas, ¢ portante heterd- nomas, Em seu sentide mais ampio, o circulo da administragao “publica” abrange trés coisas: a criagko do direito, a aplicagao do direito e aquilo que resia de atividades institucionais puiblicas depois de se separar aquelas duas esferas (que aqui denominamos “governo") © “governo” pode estar vinculado a normas juridicas € limitado por direitos subjetivos adquiridos. Essa qualidade ele tem em comum com a criacao do direito ¢ com a aplicacdo deste. Mas isso abrange apenas dois aspectos: 1) um positive, que é0 fundamento da legitimidade da competéncia propria: um governo moderno desen- volve sua atividade em virtude de "“competéncia” fegitima, que, em Ultima instincia, se concebe, do ponto de vista jurfdico, sempre como baseada na autorizaco dada pelas normas “constitucionais” do Estado. Além disso, resulta daquela vineulago aa diteito vigente e aos direitos adquiridas; 2) como aspecto negaitvo, a limitagao de sua fi- 4 MAX WEBER berdade de aco, com a qual ele deve conformar-se. Mas sua natureza espectfica consiste, positivamente, no fato de ele nao ter 0 objeto Gnico nao so de respeitar € sealizar o direito objetivo vigemte, uma vez que este esti em vigor e constitui o funda- mento de determinados direitos adquiridos, mas também © de realizar outros fins, de carter material, sejam estes politicos, morais, utllitarios ou outros quaisquer. Para 0 “governo”, o individuo € seus interesses, no sentido juridico, sao, em principio, obje- tos, ndo sujeitos juridicos. No entanto, precisamente no Estado modemo existe 2 tendéncia a promover uma aproximagio formal entre a aplicaglo do direito ea admi- nistragio (no senticle de “governo”), pois, dentro da justica, nao é raro que se exija do fuiz atual, em pane em nome de normas juridicas positivas, em parte com base em teorias do direito, que fundamente suas decisées em principios materiais, na morali- dade, na eqiidade ou na conveniéneia. E perante a “adminisuragio”, a organizagio estaial atual concede ac individuo (que, em principio, € apenas seu objeto) meios para proteger seus interesses. Estes, pelo menos fommaimente, tm a mesma natureza daqueles da aplicagio do direlto: a “jurisdi¢ho administrativa’. Mas nem todas estas garantias conseguem eliminar a oposigio fundamental mencionada entre a aplicagao do direito ¢ o “governo”. O *governo” aproxima-se da criagio do direito, mas quando, renunciando 2 livre decisto em cada caso, cria regulamentos gerais para a forma de realizar negécios tipicos, e isto, em certo grau, mesmo quando nao se considera comprometida por estes regulamentos, pols mesme neste caso espera-se dele, como ‘o normal, a accitaco deste compromisso, a atitude contréria costuma ser censurada, pelo menas convercionalmente, como “arbitrariedade", © portador original de toda “administragao” € a autoridade doméstica. Na auséncia de limitagdes que primitivamente a caracterizam, nao hé direitos subje- tivos dos submetidos ao poder perante © chefe da familia, e, quanto ao compor- tamenio deste diante daqueles, as normas subjetivas existem no maximo como teflexo heterGnomo das limilagdes sacras de suas agdes. Em consonancia com isto, também é primitiva a coexisténcia da administrago, em principio totalmente ilimitada, do chefe da familia dentro da comunidade doméstica, por um lado, ¢ do processo arbitral, baseado em acardos sobre expiagao € provas entre os clas, por outro. Somente nele se discurem “pretensdes" (direitos subjetivos, portanto) © pronuncia-se um veredicio; somente nele encontramos ~~ ¢ ainda veremos por que —~ formas fixas, prazos, regras referentes as provas; em suma, os inicios de um procedimento “juridico”, O procedimento do chefe da familia no ambito de seu poder desconhece tudo isso. £ a forma primitiva do “governo”, do mesmo modo que aquele procedimento € a forma primitiva da aplicagac do direito. Am- bos distinguem-se também quanto as suas esferas. A soleira da casa era ainda, incondicionalmente, o limite da justica da Antiguidade romana, Veremos adiante como o principio da autoridade doméstica foi transferido, para além de seu ambi- to primitivo, a certas formas do poder politico: 0 principado patrimonial, ¢ com isso também a certas formas da aplicaco do direito. Onde quer que isso aconte ga, rompem-se os limites entre a criagio do direito, a aplicagao do dircito ¢ o governo. A conseqiiéncia pode ser dupla. A aplicago do direito adora formal ¢ objetivamente o caréter de “administracao", realizando-se como esta sem formas © prazos fixos, segundo criiérios de conveniéncia ¢ eqitidade, mediante simples comunicados ou ordens do senhor aos submetidos. Em seu pleno desenvolvi-

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