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Identidade líquida do novandradinense

Eduardo Martins, docente do curso de história da UFMS,


campus de Nova Andradina.

Ultimamente tenho me deparado com alguma frequência com o conceito/ideia em


meus estudos, bem como dos meus (minhas) alunos (as) que tentam sem muito sucesso
encontrar/definir e defender alguma coisa como uma identidade sul-mato-grossense, em
particular a mesorregião sudeste onde se localiza o município de Nova Andradina e sua
microrregião conhecida por Vale do Ivinhema. Eis que surge um problema, pois tal
procura parte de um conceito bem genérico do que seja identidade sólida, ou seja, um
velho conceito de ser/estar e se posicionar no mundo de maneira fixa e homogênea, tal
qual foi ensinado pelas velhas instituições patriarcais familiares, religiosas e, sobretudo,
escolares.

Feitas essas considerações iniciais considero que tais ideias mais amplas de
identidade defendida pelas sólidas instituições modernas do século XIX e inícios do
século XX foram pulverizadas em meio ao que se pode chamar de pós-modernidade,
segundo o sociólogo Stuart Hall (2006), esse fenômeno sociocultural foi trazido pela
globalização. Mas, sobretudo, cabe analisar que a porção sudeste do estado de Mato
Grosso do Sul tem em sua formação humana a base composta de migrantes e
imigrantes, uma população essencialmente constituída de pessoas vinda de fora. A
saber; tchecos, japoneses, italianos, inicialmente, posteriormente como base da mão de
obra mineiros, baianos, paranaenses, gaúchos e paulistas, nordestinos em geral; seja nos
ervais da Cia Matte Laranjeira, nas inúmeras serrarias que marcou parte profunda da
história regional e nas inúmeras fazendas de gado como peões. Cabe ainda aqui somar a
essa população branca os indígenas que por aqui perambulavam e faziam dessas terras
seu território nos dizeres de Dutra (2011) trata-se da nação indígena Ofaié que era dona
dessas terras até pelo menos o final do século XIX época em que nasce a República e
com ela uma nova definição de terra devoluta e reservas indígenas.

A Primeira República (1889-1930) e a República Nova (1930-1945 varguista)


redefine o projeto de ocupação das terras brasileiras, passando o estado a cedê-las aos
grandes fazendeiros, bem como às empresas colonizadoras. Voltando ao objeto central
dessa reflexão, a identidade, essa realidade sócio histórica construída nas bases da
tradição, costumes e herança são fenômenos híbridos (Hall, 2006) frente à diversidade
encontrada no novo lugar (atração). Cada população trás consigo parte do lugar e da
tradição original do lugar de partida (expulsão), bem como a memória e, não obstante,
procura reproduzir, no novo lugar de moradia aquela experiência como marca de um
signo cultural e valor de tradição, mas sobretudo como elemento constitutivo de um tipo
de identidade sólida. Se essa regra vale para todos os migrantes aqui citados, logo, o que
temos é uma cultura híbrida, dado que o contato entre os indivíduos faz com que tais
valores sejam transmitidos ou assimilados, consciente ou inconscientemente, é um fato
objetivo ou subjetivo. O exemplo mais claro é o hábito de se tomar tereré enquanto uma
marca cultural forte da identidade desse lugar, aqui tomo como objeto de análise o
município de Nova Andradina/MS, ainda que empiricamente. Devo dizer que eu ainda
não me aculturei a essa prática gastronômica. Esse hábito trazido desde os tempos em
que a região era lugar de grande produção dessa erva.

A busca da noção de identidade sul-mato-grossense e mais particularmente a região


sudeste desse estado, Vale do Ivinhema, e se quiser recortar ainda mais o objeto de
análise, pensar a identidade do novandradinense, composta essencialmente por
migrantes que se misturam em suas mais variadas expressões sócio histórica (cultural);
sejam elas, gastronômica, futebolística, moda, vestuário, gostos musicais, dialetos,
expressões idiomáticas locais, e sobretudo em sua carga emocional de identidade do
lugar de origem e tentativa de reprodução desta no novo lugar escolhido como amparo.
Cito aqui as colônias Paraguaia (COPANA) e japonesa em nova Andradina, não tenho
informação se existe centro de tradições gaúcha (CTG) ou nordestina (CTN) tão
fortemente reproduzidos por todo o país. Ao mesmo tempo em que possuem e se
orgulham da identidade sul-mato-grossense, trazem suas identidades imigrantes ou
migrantes para conjuntamente construir um tipo novo de identidade hibrida e líquida
(Bauman, 1990). Dessa feita valores universais e locais se misturam na liquidez da
identidade. Basta observar o grande número de restaurantes de comida japonesa, a praça
“das águas” com seus portais japoneses, e o grande número de nomes de ruas para que
sempre nos lembremos de que parte da identidade (memória) de Nova Andradina é
também japonesa. E a vizinha Bataiporã se esforçando para manter a identidade Tcheca.
Por outro turno, num tipo de história visto de baixo, as ruas denunciam a presença de
indígenas, haitianos, negros, nordestinos, pobres vagando pela cidade ou exercendo
algum tipo de profissão carregados pela identidade que também é uma construção social
e nela se revela. E ao lado da rodoviária ou na “praça das luzes” os moradores em
condição de rua, identidades, que a cidade procura esconder ou apagar (doando
passagens na tentativa de expulsão) como se tais pessoas também não fizessem parte do
plano do que se chama cidade e coletivamente não fizessem parte da identidade dela.
Mas tais pessoas resistem e fazem parte e compõe a identidade de nova Andradina/MS.
Sinto também falta de nomes de ruas em homenagem aos indígenas Ofaié antigos
habitantes deste lugar. Ao que tudo indica (Projeto original) a nova praça “da matriz”
terá uma homenagem a esse povo indígena que hoje vive em uma reserva da FUNAI em
Brasilândia/MS.

Vale, então, a procura da identidade do novandradinense e até do sul-mato-


grossense, sempre levando em consideração que esse fenômeno não é tão sólido, como
se pensa tradicionalmente, ou que esse conceito tem um valor universal e estático. Mas,
uma via de acesso metodológico a ele é encará-lo como algo fluido, dinâmico,
heterogêneo. Recomendo se pensar esse fenômeno social conjuntamente com o
sociólogo Stuart Hall, ele próprio dono de uma identidade migrante, nascido na Jamaica
e radicado intelectualmente na Inglaterra, ou como o polonês Zigmunt Bauman,
refugiado na Inglaterra.
Bauman também é um migrante em busca, ou pelo menos tentando, construir algo
como uma identidade do lugar, se é que isso é possível no campo das ideias, dado que a
noção mais geral de identidade por ele entendido é líquida, dessa feita não está num
lugar somente, mas poderá estar no comportamento, palavras, ações e, sobretudo na
ideologia. Considerando-se que a identidade é parte constitutiva da memória e a ela se
relaciona e cimenta a pós-modernidade só pode trazer cada vez mais obstáculos à
definição desse fenômeno imaginário, basta averiguar o grande número de migrações
por todo o planeta para que se tenha a certeza da liquidez da identidade. Como
enquadraríamos os refugiados do século XXI expulsos dos seus lugares e atraídos por
outros? Aqui encaro os conceitos geográficos de atração e expulsão enquanto
fenômenos migratórios mais gerais, cabendo guerras, desastres naturais, políticas, busca
de melhores condições de emprego, estudo, etc. em todos esses exemplos acima citados
a identidade do lugar de expulsão ao mesmo tempo que é parcialmente negada faz parte
da memória que é também seletiva (Pollak, 1992) e que no lugar de atração passa a
gestar um novo tipo de memória, desta vez, de aceitação do lugar. A identidade nesses
casos de refugiados, migrantes, imigrantes vai se reconstruindo hibridamente no
conjunto das relações sociais, bem como na paisagem. Finalmente, os modernos tempos
líquidos individuais são entrecortados de fragmentos de identidades que se cruzam,
perpassam, atravessam e são construídas por uma infinidade de relações entre si. Por
fim como diz o sociólogo supracitado Zigmunt Bauman (2005) poucos de nós estamos
expostos a uma só “comunidades de ideias e princípios”.

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