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O Brasil que é misto na raça e na cultura, na gente e na história, sincretismo religioso e cultural de um povo forte e

alegre, sorridente e com todas as faces agrupadas em uma nova face sempre em reconstrução e reinvenção. Uma série
extremamente bem feita, "O povo brasileiro" é um filme para ser apresentado em todas as salas de aula, nos colégios
do país inteiro!
O brasileiro tem naturalmente uma baixa estima de país colonizado, mas o Brasil é grande e belo, maravilhoso em
todas suas cores biológicas e culturais -- e deve ser exaltado. Divido com Ribeiro o otimismo para com o nosso povo
e a nossa gente. O que precisamos consiste na árdua tarefa de produzir melhores políticas públicas que possam
rechaçar a dominação cultural da elites que chega através cultura de massa do entretenimento -- seja ela nacional ou
importada da América do Norte. É hora de exaltarmo-nos e educarmo-nos na direção correta, na direção da
multiplicidade de formas e cores e culturas que representamos, é hora de pós-modernizarmos nossas leis, dando a
todos os povos brasileiros os direitos que têm -- e que deve ser respeitado.

***
Aculturados???
Basicamente a nova publicação cultural -- com correspondentes em diversas metrópoles dos EUA e Europa -- tinha
como objetivo apresentar ao leitor as novas vertentes do primeiro mundo em diversos campos da arte, moda, cinema,
pintura e música. A preocupação de meu conterrâneo era relativa a um estado em que ainda vivemos de subordinação
cultural ao primeiro mundo. Falta aos brasileiros perceber o quanto somos ricos de nossa própria cultura
multifacetada e de nossa herança histórica que engloba tanto o ocidente europeu quanto a África e a cultura indígena,
além de uma nova identidade já bem constituída e fundamentalmente brasileira. E o que fazem os brasileiros é -- ao
invés de estimular a arte de seu vizinho --, pagar caro pela arte-importada de desconhecidos estrangeiros. Arte esta
que não representa, absolutamente, a nossa realidade brasileira. Falta-nos descobrir que o santo de casa é o que faz os
mais belos milagres; aqueles que têm uma relação mais próxima conosco e com nosso estilo de vida. Parodiando
Hobbes ouso dizer que o brasileiro é o lobo do próprio brasileiro. É urgente uma mudança drástica dos valores que
temos sobre nosso próprio povo. Darcy Ribeiro tenta mostrar isso com bastante vigor e otimismo em sua obra.
Precisamos segui-lo! Elogie-mo-nos!
Confesso que também uma vez pensei-me sem cultura quando estava no Brasil, antes de fazer minhas (nem assim tão
numerosas) viagens pelo mundo. E acho que este é padrão típico do brasileiro que jamais dá valor aos seus colegas
assim tão ricos culturalmente, enquanto venera o que vai acima do Equador. O problema pode se dar porque talvez só
consigamos entender o valor de nossa cultura quando nos afastamos dela -- ao menos um pouco. E é extremamente
difícil para o brasileiro padrão afastar-se de sua cultura, posto que o país é tão grande e faz divisa com o oceano em
sua parte mais populosa. O Brasil precisaria sair do Brasil para apreciá-lo em toda sua beleza e esplendor, como faço
hoje e como Darcy faz tão bem em seu documentário. O Brasil precisa educar-se sobre a riqueza do Brasil, de seus
costumes e de sua gente. Mas infelizmente, a maioria da população não tem recursos financeiros para viajar e
verificar com seus próprios olhos a diferença cultural, relativizando as culturas e amando àquela em que nasceu.
Meu amigo entretanto dizia-me achar um absurdo o fato do brasileiro não dar valor ao seu próprio país e ao que cria,
à nossa própria cultura. Revoltava-se. De fato, é lamentável. Mas não devemos apenas criticar e reclamar de nosso
próprio auto-desdém, o que devemos fazer de fato é lutar contra ele. O que devemos fazer é tentar educar a grande
massa de brasileiros nas escolas em todo o Brasil e mostrá-los como somos ricos e diversos, virtuosos em enormes
escalas. Precisamos utilizar a força do brasileiro para alavancar o próprio brasileiro.Exaltemos a arte dos nossos
vizinhos! Passemos a idéia adiante! Apreciemos nossas próprias obras que são extremamente ricas! E saibamos
também, e sempre, respeitar as culturas dos outros povos e compreender que não há apenas uma "Verdade", porém
verdades diferentes para grupos diferentes de seres humanos. Infelizmente ainda somos colonizados culturalmente
pelo primeiro mundo e os brasileiros não dão tanto valor ao que é seu, sendo o Brasil -- ao que me consta -- um dos
únicos países onde o "importado" é mais chique que o nacional.
A cultura brasileira apresentada no filme tem uma conotação de ser uma cultura de retalhos. São pequenos traços das
diferentes culturas, que são significados e fundidos para se formar a cultura brasileira numa fusão cultural dos índios
com os portugueses e os negros. O filme tem uma importância substancial no que se diz respeito à divulgação de
como o Brasil foi formado, mesmo de maneira ingênua às vezes, e como se deu as nossas origens indígenas e
africanas. Somos um povo misturado, somos o resultado da mistura de três povos distintos, com culturas distintas, cor
de pele distinta, pensamentos e doutrinas distintas. E mesmo diante dessa mistura toda, nós brasileiros somos um
povo único, diferentes entre nós mesmos, mas únicos perante o restante do mundo. E como disse Darcy
no inicio do documentário “Ni
nguém sabe como o mundo vai ser daqui 50 anos, só sabemos de uma coisa, será totalmente diferente do que é hoje,
então daqui há 50 anos, ninguém sabe como estará o povo e a cultura brasileira, mas podemos afirmar que estará
diferente do que temos agora.

A MISTURA DA RAÇAS:A mistura dessas três raças foi mais intensa na época da mineração aurífera.Surgiram
novas atividades para dar sustento à maquina mineradora, que permitiu ainclusão de diferentes etnias, além de
permitir a expansão para o interior do país. Amineração atraiu levas de gente de todos os cantos, e essas foram
forçadas a conviver.Podemos dizer que a mineração articulou os núcleos coloniais com a criação de uma redede
intercâmbio comercial que proporcionou a riqueza de algumas cidades e a construçãode prédios suntuosos. Aí surgiu
também a arte de Aleijadinho, de Gonzaga e de CláudioManuel da Costa. Com o esgotamento das jazidas auríferas
houve a diáspora e a conseqüente disseminação do que foi vivido lá, o que espalhou sementes desses que
láconviveram por todo o país.Com esse declínio, se anunciava uma série de outras atividades que sedesenvolveriam
pelo país, como a pecuária no sertão e no sul, do algodão no Maranhão,do arroz, e do café, que reintroduziu o Brasil
no mercado externo. Isso mostrou que essadependência nesse modelo externo era uma condição para existirmos, pois
se não fossedessa forma estaríamos fechados em uma autarquia feudal, sujeitos a novosconquistadores. Além disso,
esse sistema de latifúndio era o mais lucrativo para a classedominante. Vale lembrar que no momento não tínhamos
um modelo de reconstrução danossa sociedade nem da nossa economia.Os conflitos que se deram nessa nova
formação foram principalmente de caráterclassista ou interétnico. Os primeiros se mostraram em Canudos, quando
uma classesocial queria criar um modo de vida melhor para eles, chocando-se com os interesses daclasse dominante.
Os conflitos interétnicos se deram entre os índios e os colonos. Osíndios se organizavam pelo parentesco e possuíam
uma forte identidade étnica, além deserem solidários entre si. O colono era movido pela cobiça, buscando sempre a
conquistae a ocupação de terras, movido por metas economicamente e socialmente irresponsáveis,organizados em
uma estrutura estatal.A EMPRESA BRASILEIRA:A nova empresa brasileira era sustentada por quatro pilares, a
saber: escravista,que garantia o empreendimento colonial; jesuítica, que permitia o amansamento dosíndios em suas
reduções; dos banqueiros, armadores, portuários e intermediárioscomerciais e daqueles que produziam os gêneros de
subsistência, que sustentava todos osoutros e incorporavam os mestiços.URBANIZAÇÃO:A urbanização ocorreu
mais pelo êxodo dos campos do que pelos atrativos dacidade. No meio rural, o latifúndio não dava condições de
emprego a todos, muito menosde produção, e essa massa de camponeses sem encontrar um papel nesse
sistemaescapavam para a cidade, onde eram marginalizados, formando favelas. Esse é o nossomaior problema atual –
assentar essa massa de marginalizados e incluí-los no sistemaprodutivo e de consumo, além de assentá-los. Isso só
parece possível através dareestruturação agrária. Surgiam assim os quatro estratos que compõem a nossa sociedade:a
classe dominante, que dita as regras e comanda o sistema econômico e político do país;os profissionais liberais, que
são o estrato mais dinâmico e operam ora comoagravadores, ora como atenuadores dos conflitos; os subalternos, que
são os maiscombativos, buscam conquistar mais do que têm e não uma reestruturação social e osoprimidos, que
vivem na esperança de entrar no sistema produtivo – o que só é possívelatravés do rompimento da estrutura social.
Essa estratificação caracteriza o Brasil comouma feitoria.INDUSTRIALIZAÇÃO:O embrião da nossa
industrialização foi a Companhia Siderúrgica Nacional dagestão de Getúlio e das jazidas de ferro em MG. A primeira
foi negociada com os aliadosem troca do apoio a eles na guerra mundial. Essa política entrou em conflito com
osinteresses dos privatistas e dos empresários estrangeiros. Mais adiante, Kubitchek queria implantar uma revolução
industrial como se havia dado na Europa. Foram concedidosincentivos e subsídios às indústrias que se instalariam no
Brasil. Isso acabou porfavorecer São Paulo e colocar o centro de decisões na mão das grandes corporações e
doempresariado externo.INTEGRAÇÃO SOCIAL:O desenvolvimento social no Brasil e a homogeneidade cultural
transcenderam assingularidades ecológicas/regionais e as marcas decorrentes da variedade das matrizesraciais que
formou nosso povo.Dentro desse novo cenário urbano, vimos a integração e a inclusão dos povos dediferentes raças e
origens acontecer. Isso se dava com maior ou menor intensidade etimbre entre as diferentes sociedades de acordo
com a permeabilidade das barreiras sócio-raciais vigentes nelas. Os imigrantes vieram ao Brasil, principalmente
alemães, italianos, japoneses e espanhóis, ser absorvidos pela cultura local, não representando uma pátriaextra-nação.
Já o negro depois da abolição não poderia estar em lugar nenhum, pois todasas terras tinham dono, assim,
marginalizaram-se nas cidades formando favelas. Suaintegração na nossa sociedade se deu principalmente no plano
cultural, poiseconomicamente continuava servindo à sociedade com o mesmo propósito – uma forçade trabalho
barata. Vale lembrar que eles são motivados politicamente pela questãosocial, e não pela racial.A MULHER:No
momento em que a mulher ascendia a uma melhor posição social, eliminandoa condição de servilidade a que era
imposta, ela conseguia impor mais dignidade nasrelações afetivas e sexuais, deixando de ser o centro da família.
Porém, essa dignidadenão foi ainda totalmente alcançada, só sendo possível com a superação da marginalidadeque é
o fundamento do paternalismo irresponsável.PROGRESSO:O progresso tecnológico e industrial que sofremos foi a
simples passagem de umaeconomia dominada pelo latifúndio, que consumia pessoas, para uma industrial
queconsumia máquinas mas não se mostrava capaz de absorver a massa disponível detrabalho nem de lhes oferecer
oportunidade de inclusão no mercado de consumo. Aindustrialização fez principalmente nascer um corpo gerencial
cujos ganhos iam para forado país e centrou-se em São Paulo, excluindo os outros centros. A independência doBrasil
apenas transferiu o domínio da nação de uma classe externa para outra interna, nãomenos socialmente
descomprometida e irresponsável. Essa autoridade foi impostainternamente pelo corpo dirigentes. Vivemos hoje em
uma sistema cuja unidade nacionalfoi mantida graças a imposição de fidalgos como dirigentes regionais,
assemelhando-nosaos consulados romanos, que viviam uma vida de Roma fora de Roma. Somos um povouno por
sermos parte do mesmo processo histórico e civilizatório.No sistema colonial, vimos a conjugação do projeto da
Coroa com oespontaneísmo dos colonos, que se desdobrou nas bandeiras, na gestação dos mamelucose na tomada do
interior, e hoje vemos os mesmo tecnocratas se afundarem noespontaneísmo do mercado de capitais e na
irresponsabilidade do neoliberalismo. Porém,fomos mais receptivos ao progresso tecnológico do que as nossas
matrizes. Somos umpovo que nasceu do cunhadismo, apoiou-se na escravatura, sendo regidos sempre pelo mercado
externo – uma massa superexplorada cuja classe dominante renova suas formasde exploração.Sofremos no nosso
processo evolutivo duas grandes revoluções. A agrário-mercantil, baseada na escravidão, no mercado externo, carente
de mão-de-obra. Depois aindustrial, em que o negro aprendia a ser livre. Um sistema que não conseguia absorver
amassa de trabalhadores disponíveis, e, muito menos, incluí-los no mercado consumidor.Outrora nos vimos carentes
de mão-de-obra, hoje ela nós é excedente. A indústriasubstitutiva à importação aliada ao interesse estrangeiro levou
mais lucros para fora doque trouxe, causando um colonialismo interno que empobreceu outras zonas. Vemos hojeo
discurso privatista e neoliberalista anunciando a nova ordem econômica.TRANSFIGURAÇÃO ÉTNICA:O processo
de transfiguração étnica de um povo se dá em quatro níveis: biótico(doenças); ecológico (disputa de território);
econômico (pela escravatura) e psicocultural(ethos e identidade). A isso, alia-se hoje o que vemos como uma pressão
uniformizadorada cultura pela mídia.
OS BRASIS
O BRASIL CRIOULO:A formação dos tipos culturais do Brasil se deu através de três forçasaglutinadoras: a
identidade étnica, a estrutura socioeconômica (mercantil) e da tecnologiaprodutiva (pela dependência de artigos
importados). Sobre essas três pesava a força dacultura erudita da igreja. O passo inicial para essa formação só foi
possível através docunhadismo, que foi quando estabelecemos as comunidades-feitorias, através de aliançascom
tribos locais que serviam como bases de apoio para navios portugueses e integrandoíndios capturados. Esses núcleos
foram o embrião de todas as áreas culturais quesurgiram depois.O Brasil crioulo nasceu nos engenhos nordestinos.
Primeiramente vamosentender esse sistema. O funcionamento e a instalação de um engenho de açúcardemandava
grandes investimentos, assemelhando-se a uma fábrica tanto pelos processosindustriais que realizava quanto pela
necessidade de gerência de mão-de-obra. Alémdisso, demandava uma especialização de funções. Foi a economia do
açúcar que nosinseriu no mercado mundial. Nela, não havia espaço para o negro se estruturar comofamília e este,
mesmo quando livre, continuava a depender do sistema. Isso gerava umapressão conformadora tremenda, pois não
havia espaço para uma reforma estrutural nasociedade, em contraste com as encomiendas
, em que os camponeses se relacionavamcom os donos das terras através de intermediários, e dos regimes pastoris,
em que o peãotinha um certo brio, e dos granjeiros, que organizavam-se em famílias e produziam o seusustento.O
sistema açucareiro era baseado no latifúndio, na monocultura, no trabalhoescravo. Tudo isso requeria um
planejamento do empreendimento, um domínio técnicodos processos envolvidos, de uma administração comercial e
especialização de funções.Sua falha principal é que ele não permitia o ingresso da massa de trabalho numaeconomia
de consumo.
Quando comparado ao sistema feudal, Darcy explica as diferenças. O sistemafeudal se caracterizava pela auto-
suficiência, em que o senhor queria zelar pelasobrevivência do feudo. A função do povo era a de sobreviver de
acordo com a suaconcepção de vida. Já na vida do açúcar, o trabalhador rural não tinha nenhumaperspectiva de
possuir terras, eles buscavam apenas uma melhora na sua condição devida. Era presente uma imutabilidade social.
Ele se assemelhava a um trabalhador defábrica, cuja função era gerar lucro. Esses dois sistemas apenas se
assemelharam naforma como seus senhores exerciam o poder.O sistema feudal teve como conseqüência um
campesinato co-participante docapitalismo nascente, enquanto o outro se desdobrou num sistema de
contingenciamentode força de trabalho capitalista, e esta na concentração patrimonial, no domínioempresarial e ao
atendimento de solicitações externas.Na orla dos engenhos, surgiam populações dedicadas ao cultivo de
outrasatividades. Esses produtos eram vendidos nas feiras. Essas atividades eram a pesca,lvouras de tabaco, que era a
principal moeda de troca por escravos, granjas etc.O fato de o senhor de engenho residir no local, ou seja, na casa
grande, estreitou orelacionamento entre eles e os negros. Muitos destes iam trabalhar dentro da casa, comomucamas
ou serviçais e eram diferenciados dos escravos do eito. Isso fez surgir umpatrimônio de costumes, usos, atitudes
comuns entre senhores e escravos, que setransmitia entre as gerações.O senhor de engenho dependia de duas classes
do patronato de armadores eintermediários no comércio do açúcar e do patriciado governamental. Graças à
suainfluência se deu a hegemonia do nordeste no açúcar. Com a Revolução Industrial, elespassaram a fornecedores
ou cotistas, dando espaço ao surgimento de grandes usinascomandadas por um patronato gerencial apoiados no
capital bancário.A economia açucareira começou a entrar em declínio depois da expulsão dosholandeses. Mesmo
antes da sua presença no Brasil, os holandeses já haviam financiadoalguns senhores de engenho e obtinham o
monopólio comercial do nosso açúcar, o quetornou mais fácil seu convívio aqui. Eles trouxeram inúmeros progressos
para a região,fundaram cidades e concederam empréstimos. Com a cobrança desses empréstimos e aincapacidade de
honrá-los por parte dos senhores de engenho gerou tensões queculminaram na expulsão dos holandeses. Agora, eles
haviam aprendido as técnicas docultivo do açúcar e iriam aplicá-las nas Antilhas, sendo essa a maior causa da crise
daeconomia do açúcar. Outra dificuldade enfrentada pelo sistema açucareiro foi aresistência do negro, o que gerou
revoltas como a de Palmares, fundada em moldesculturais neobrasileiros com modos e língua iguais à área crioula.
Outra insurgência foi ade Pernambuco em 1817, incentivada pela Revolução Francesa. A abolição daescravatura iria
possibilitar apenas ao negro a integração social através do regime deagregação e fomentou a integração das etnias.O
BRASIL CABOCLO:O Brasil caboclo nasceu da mistura dos índios genéricos com outros mestiços,depois que os
portugueses queriam expulsar os franceses e ingleses das margens dos rios,onde haviam se estabelecido. Com isso,
começaram a explorar o extrativismo de drogasdo sertão como o cacau, a canela, a baunilha, óleos, açafrão, resinas e
tubérculos.Percebendo que esse tipo de comércio poderia ser bastante lucrativo estabeleceramalgumas feitorias de
depósito dessas drogas, e contaram com a força indígena para juntá-las.
Daí começou-se uma exploração mais compulsória dos índios, inclusive mantendosuas famílias como refém para
garantir que ele voltasse. Com isso, as tribos indígenas seafastavam dos leitos dos rios. Começaram então as guerras
de caça ao índio.Estabeleceram-se algumas missões jesuíticas, em que o número de índios era dividido emtrês partes:
uma para servir às obras públicas da Coroa, outra para servir aos padres eoutra aos colonos. Com a expulsão dos
jesuítas os colonos tomaram posse de todos osescravos e bens dos padres. As conseqüências dessas reservas foi a
unificação lingüísticae de costumes e a deculturação de tribos nas missões. Esse convívio do índio com omissionário
produziu uma religiosidade folclórica com elementos da pajelança e docatolicismo.No sentido de estabelecer esse
povoamento, a Coroa fez grandes inverstimentos,trouxe colonos de Açores e estimulou o casamento entre brancos e
índios. Os fatorespredominantes para a manutenção dessa ordem social foram: a união das classesdominantes, a
servilidade aos senhores e a fragilidade dos tapuias.Vimos surgir nessa área cultural três tipos de gente: o índio tribal,
o genérico e apopulação urbanizada e heterogênea, que sustentava o sistema colonial português.Vimos nascer na
região o cultivo do arroz e do algodão durante as guerrasnapoleônicas e a luta de independência norte-americana,
quando encontramos mercadopara esses produtos. Os centros produtores formam o Pará e o Maranhão. Com o fim
dosdois conflitos essa economia regrediu ao extrativismo vegetal.Com a descoberta da borracha, cresceram grandes
cidades como Belém e Manaus,construiu-se a Madeira-Mamoré. O sistema da borracha era desvinculado da terra
eligado ao rio. Nele o caboclo entrava num esquema de endividamento e era quase queobrigado a endividar-se
comprando nos barracões. Havia uma grande carência de mão-de-obra, e para supri-la vieram 500 mil nordestinos
sertanejos. O negócio da borrachafaliu com a concorrência inglesa no oriente, e assim os caboclos retornavam à
economiade subsistência semi-indígena. Contudo, essa economia se recupera com subsídios dogoverno e com o
monopólio do comércio nacional, que mantinha o regime senhorial.Houve também a guerra da borracha, em que o
Brasil supria os aliados da mercadoria, eàs custas disso morreu mais gente na extração da borracha do que soldados
enviados àItália.Com o fim da segunda guerra e o fim do suprimento de borracha aos aliados,nascia na região o
plantio da juta, arroz e da pimenta-do-reino, bem como a extração domanganês, que é monopólio da empresa
Bethlehem Steel. Com a miséria da região,surgiu também o Programa de Valorização da Amazônia, que deu espaço
para oclientelismo político.Os principais conflitos que houve na região foram a Balaiada, liderada porescravos do
algodão no Maranhão que buscavam uma ruptura da ordem social e aCabanagem no Pará e no Amazonas, de caráter
anticolonialista, separatista e republicano.O BRASIL SERTANEJO:A economia sertaneja surgiu como dependente
da açucareira, pela pastagem degado introduzido no Brasil pelos portugueses e trazidos de Cabo Verde. As
criaçõesseguiam pelo São Francisco até o sul e ao Maranhão e Piauí. Os criadores recebiam asterras da Coroa em
regime de sesmarias. Os grandes proprietários de terras foraminicialmente senhores de engenho da costa como uma
atividade de apoio, e só depoispassaram a ser especialistas na criação de gado. O vaqueiro tinha um relacionamento
com o seu senhor dotado de muito mais respeito mútuo e brio, e recebia seu salário em reses eem sal. Esse sistema,
com o tempo, recebeu muitos mestiços que não tinham lugar nosistema açucareiro, que não permitia muitos
intermediários no processo de produção deaçúcar, com a esperança de um dia se tornarem criadores. Isso tornou
dispensável amassa escrava.Com a expansão dessa atividade, nasceram as estradas, vilas e feiras de gado. Osmais
pobres se dedicaram aos pastos de bode. O sistema passou a não absorver a massade trabalho disponível com o
crescimento do número de vaqueiros na fazenda. Estespassaram a receber o salário em dinheiro. As populações
excedentes se dedicavam aatividades extrativistas como a extração da carnaúba, da cera, e da palha. Descobriu-se
ocultivo do mocó, que passou a ser cultivado por muitos por todo o nordeste sertanejocomo meeiros. No interior o
sertanejo se dedica ao garimpo de minerais e pedras semi-preciosas. Os sertanejos que escaparam do domínio de seus
senhores formaram frentes deexploração à Amazônia para exploras as drogas de mata e o coco babaçu. Em Goiás e
emMinas Gerais o sistema de primeiras colheitas já estava estabelecido, e os sertanejosganhavam as duas primeiras
colheitas para depois derrubar a mata para o pasto do gado.O povo sertanejo é marcado na sua religiosidade pelo
fatalismo messiânico, comona guerra de Canudos e no cangaço, pela sua rusticidade e brabeza. Eles se mostramcomo
um povo isolado e rústico, porém, esse isolamento vem se quebrando com ocontato com outra gente pelas estradas e
com os cinemas das vilas. Com o contato dealguns sertanejos com os centros urbanos, criaram-se as ligas camponesas
(FranciscoJulião) e os sindicatos rurais.O povo sertanejo viveu sempre com a ameaça de seca e em absoluta miséria,
oque exigiu do governo medidas de socorro e amparo. O governo passou a subvencionaralgumas obras de criação de
açudes e outras reformas nas fazendas de gado, isso deuespaço ao clientelismo político na região, que apenas
favorecia os grandes latifundiários -os coronéis. Isso se deu com a criação do DNOCS. A SUDENE veio tentar
dinamizar aeconomia da região, mas encontrou resistência por parte dos coronéis até mostrar que aestrutura social
não seria abalada. Surge nos últimos 30 anos na região uma perspectivade crescimento através do plantio da soja e do
trigo, mas essas áreas já estão sendoinvadidas pelos fazendeiros sulinos e por alguns poucos sertanejos.O BRASIL
CAIPIRA:Inicialmente só se falava a língua geral. As técnicas de lavoura também quase não sediferiam das dos
índios. Seus luxos eram uma culinária mais fina, a posse de algunsinstrumentos de metal, armas e na atitude
arrogante. Assim, eram mais dispostos aossaqueios do que à produção. Eles tinham um disciplinamento militar
superior e seajustavam ao sistema mercantil mais facilmente. Os índios capturados não eramsubmetidos a uma
disciplina rígida de trabalho, mas não podiam se organizar em família.Os novos paulistas não queriam ser vistos
como índios, mas participar da sociedade deconsumo e se tornar classe dominante. Inicialmente usavam os índios
para trabalhar emsuas vilas, depois passaram a vende-los ao nordeste açucareiro e então a ir buscá-los
terraadentro.No começo do século XVII atacaram prosperas missões jesuíticas no Paraguai. Ospaulistas saquearam
seus bens e aprisionaram seus índios. Eles se especializaram comohomens de guerra. A sociedade se organizava mais
como chefe e soldado do que como senhor e escravo. A família era patricêntrica e poligínica e o relacionamento entre
raçasera licre. Darcy compara os paulistas a novos romanos, que se impunham e subjugavamos povos
conquistados.São Paulo foi a edificação de uma entidade étnica, com gente desgarrada das tribos, quenascia ligada a
uma sociedade e cultura exógenas por ela conformada e dela dependente.O Brasil, graças aos paulistas, foi antes
exportador que importador de escravos. Ospaulistas sonhavam encontrar ouro nas entradas ao sertão, conseguinto até
o apoio daCoroa para tal. Assim, descobriram as zonas de mineração em Minas, Mato Grosso eGoisás. Formaram-se
arraiais que se tornariam vilas e depois cidades ricas como VilaRica, Cuiabá, Vila Bela e Goiás. A guerra dos
Emboabas em 1710 foi um conflito entreos paulistas e os povos das outras regiões pelo ouro. Somente um década
depoiscomeçou-se a criar ações para dirimir esses conflitos. Começam a estourar conflitos entreo empresariado local
e o patriciado português. O principal foi em 1720, com oesquartejamento de Felipe dos Santos. Com a descoberta das
regiões diamantíferas aCoroa decreta monopólio real (estanco).Nessas zonas de mineração, a sociedade adquire
feições paulistas, mescladas comescravos, europeus e brasileiros de outras regiões. As conseqüências da abertura
dasregiões mineradoras foram: 1) a transferência da capital para o Rio; 2) estimulou aexpansão do pastoreio
nordestino e do centro-oeste e 3) possibilitou a região sulinaocupada, com a destruição das missões jesuítas e 4)
ensejou a integração na sociedadecolonial e a unidade nacional.A atividade urbana, que mantinha o fausto urbano,
permitiu a criação de uma camadaentre os cidadãos ricos e pobres – a dos artífices e músicos, fundaram
inclusivecorporações de oficio. A atividade religiosa régio o calendário da vida social. O sustentoda população
urbana criou a agricultura comercial diversificada, ocupando-se deles osnegros e mulatos forros, os brancos mais
pobres. Eles trabalhavam em terra alheia numregime de parceria. As camadas mais baixas ocupavam-se de trabalhos
domésticos oubraçais. A Inconfidência Mineira que surgira com ideais de reordenação social commoldes na abolição
americana, pretendia decretar a liberdade de comércio e promover aindustrialização, com uma ideologia republicana
e um sentimento nativista.Com o esgotamento das reservas auríferas, a riqueza se dissipou e os mineradores seviram
incapazes de produzir, regredindo a uma economia de subsistência. A saída poderiaser a industrialização, mas esta foi
impedida pela Coroa, que mandou destruir as fabricastoscas que iam surgindo. Antigos mineradores se transformam
em fazendeiros, citadinosruralizados espalham-se pelos matos. Fazem-se parceiros de lavouras de subsistência
oucriadores de gado. A população se dispersa e sedentariza, regredindo a formas arcaicas.A área cultural caipira se
cristaliza com a dispersão da crise da mineração, naspopulações que estavam ligadas a esse sistema e no interior
alcançado pelos paulistas,compondo uma população desarticulada e feudalizada. O único recurso com que contaessa
economia falida são as massas desocupadas e terras virgens e despovoadas semvalor. Com isso surgiram os bairros
rurais, que eram grupos de convívio unificados pelabase territorial que ocupam, pelo sentimento que os identifica e os
opõe aos outros, pelaparticipação em formas coletivas de trabalho e lazer. Aí surgiram os mutirões.Organizaram
também cultos a santos poderosos. A população caipira agora integrada embairros preenche com essa economia sua
subsistência, numa economia mais autárquica.Esse modo de vida criado pela quebra dos vínculos mertcantis,
possibilitou a posse daterra e invalidou o monopólio de terras por não haver um mercado comprados. Com a
institucionalização da grande lavoura e da obrigatoriedade da compra das terras acaboucom essas liberdade
autárquica. Surge o cultivo comercail de expotação como algodão,arroz e café. Isso melhora as estradas, instala uma
maquina administrativa nas cidades,erguem-se as paróquias. Isso faz necessário todos se colocarem sob o poderio de
umsenhor. Surgiu o domínio oligárquico com a ajuda do aparelho admnistrativo, quedesenraizaram o caipira. Houve
lutas pelas melhores propriedade através do aparato jurídico. Com o crescimento do café, o caipira se engaja no
colonato como assalariado ouparceiro, nas regiões mais remotas e como meeiros ou terceiros, tendo assim quase
ostatus de proprietário.Com o crescimento da lavoura monocultora, o caipira era praticamente expulso dasfazendas,
tendo que escolher entre novos deslocamentos ou entrar no esquema deparceria, agora nas piores terras. O caipira se
humilhava com o trabalho disciplinado dafazenda por confundir-se com os escravos. Assim, o caipira se marginaliza,
obrigando afazenda, apesar do número de desocupados, antes a importar mão de obra negra e depoisestrangeira.
Assim, o caipira se viu melhor na condição de parceiro pelo seu despreparopara o trabalho dirigido. O maior golpe
nos caipiras foi a busca de terras mais longes paraa pastagem de gado, limitando as terras disponíveis para o trabalho
agrícola. Isso deixoua massa caipira obrigada a algumas opções: 1) permanecer na miséria da parceria; 2)
virarposseiro invasor de terras alheias; 3) virar mão-de-obra reserva em terrenos baldios ou 4)incorporar-se às massas
urbanas marginais como aspirante à proletarização.O sistema das fazendas alcançou um auge comparado ao açúcar
com o café. Isso colocouo Brasil como um próspero mercado importador de bens industriais. Ela configuravatambém
uma feição cultural basicamente caipira. A essa matriz, acrescentou-seinicialmente uma grande massa escrava e então
outra de imigrantes, além de gente vindade outras regiões do país.Para se implantar o empreendimento cafeeiro
contava-se com uma imensadisponibilidade de terra, de mão de obra escrava e de um sistema adequado de trasporte
ecomercialização. Pelo fato de os trabalhos nos cafezais se intensificarem na época dascolheitas, a fazenda conta
sempre com um excedente de mão de obra, que se utiliza emtarefas de subsistência e artesanato. Uma grande unidade
autárquica. As fazendas de caféalcançaram MG, ES, SP e RJ. Inicialmente, se aproveitou a massa escrava que sobrou
damineração, depois a do nordeste açucareiro e do Maranhão, para depois se importar daÁfrica. A oligarqui do café
se tornou assim mais forte do que a açucareira, poisdominavam todos os processos envolvidos, utilizando o poder
político na defesa de seusinteresses. Os cafeicultores tornavam-se os barões, apenas ameaçados pela abolição
daescravidão. Com esta, arruinaram-se os antigos proprietários, com um novo empresariadomoderno surgindo. O
outro efeito foi no plano social, com uma relativa melhora no nívelde vida das populações. Com o negro forro agora
podendo ser trabalhador livre, nãoqueria mais aquela carga de trabalho. Alarga-se a camada marginal absenteista,
querefugava aquele trabalho na fazenda. O reinado do café se torna ainda mais poderoso comfrentes de trabalho que
derrubavam a mata para o plantio de novos cafezais com o uso demão de obra ex escrava e ex parceiros. A plantação
ficava por conta dos imigrantes. Acolheita usava braços de estranhos que ficavam pela vizinhança como reservas de
mão deobra. Após a abolição é que se estabeleceu a onda regular de massas imigranteseuropéias. Isso desvalorizou o
trabalhador nacional. Outro efeito foi o de orientar a massade sertanejos nordestinos para os seringais na Amazônia e
retardou a proletarização docaipira. O principal mecanismo de defesa da classe dos cafeicultores era o controle da
taxa de cambio, o que degradava a moeda e se fazia pedir empréstimos para conter essadesvalorização, aumentando a
nossa dívida externa, que transferia os prejuízos dosexportadores para os importadores, num país dependente das
importações em tudo, já quenão tinha indústria. Com a crise de 1929 o governo passou a ser comprador das
safras,trasnferindo para a coletividade os prejuízos da cafeicultura. Esse domínio oligárquicorefletiu no descaso pela
educação popular. Pelo fato de o café funcionar num sistemaextrativista, a cafeicultura era uma fronteira viva,
deixando áreas erodidas para trás, quese tornariam regiões de pastoreio. As regiões entram em decadência, com
algumas delassobrevivendo com uma nova produção agrícola, como açúcar e álcool. No PR com trigo esoja. Lá, o
café não ingressou como latifúndio, mas através de uma companhia inglesa naforma de pequenas propriedades,
instalando milhares de famílias, em contraste com oregime de latifúndio.OS BRASIS SULISTAS:A expansão dos
paulistas que atingiu a região sulina somou-se a outras influenciaspara gerar os sulinos. A sua principal característica
é a heterogeneidade cultural. São eles:1) os lavradores matutos de origem açoriana que ocupa a faixa litorânea do
Paraná para osul; 2) os gaúchos da zona de campos da fronteira rio-platense e bolsões pastoris de SC ePR; 3) os
gringos descendentes de imigrantes que ocupam uma faixa central avançandosobre as outras. A sua coexistência e
interação opera no sentido de homogeneizá-los,enquanto a distancia de seus sistemas de produção opera para fixar
suas diferenças. O sulsurge graças às missões espanholas, de inspiração antigentílica. Isso atraia aos núcleosmilhares
de índios e produzia artigos para mercados regionais e externos que permitiamanter um comércio de troca, obtendo
tudo que precisavam produzir e não podiam.Isso lançou contra eles a fúria dos mamelucos paulistas, que assaltavam
suasmissões na caça ao índio e causava inveja na Coroa, o que culminou com a sua expulsão.Assim, formou-se o
embrião do Brasil sulino. Primeiro com a criação das missõese depois com a incorporação daqueles que nela viveram
à exploração mercantil dasvacarias. Os propósitos da Coroa em ocupar o sul do Brasil se confirmaram com afundação
da Colônia do Sacramento no rio da Prata. No século seguinte esse projetoesteve ameaçado pela inviabilidade
econômica pelo fato de as explorações do gadoselvagem se fazer nas áreas de domínio dos colonos da região
espanhola, atraindo osnúcleos sulinos para a esfera de influencia dessas regiões. Essa ameaça foi superada como
surgimento em MG de um mercado para bois de carro, cavalos de montaria e muares detração. O sul pelo fato de os
bois se transportarem sozinhos por ser assim integrado aonorte.Com o esgotamento do ouro, a técnica cearense do
fabrico do charque ajudou avalorizar os rebanhos gaúchos e vincula-los ao mercado nordestino, amazonense e
maistarde antilhano. A incorporação do sul se deu pela criação de vínculos mercantis com asoutras regiões do Brasil,
de forma mais sólida que aqueles criados com as áreasespanholas. A isso somam-se: 1) a política portuguesa de
potência, que quis estabelecer aColônia de Sacramento e povoar a região; 2) pela vinda de imigrantes açorianos e
3)pelos esforços diplomáticos para estabelecer as fronteiras.Houve tensões tanto entre os espanhóis e portugueses
quanto entre os sulistas ePortugal, que culminou em guerras platinas. Contribuíram para os movimentosseparatistas:
1) por fazerem parte de uma vasta e longínqua região com interesses próprios; 2) por viverem apartados do resto do
Brasil e sob influencia intelectual decentros como Montevidéu e Buenos Aires.OS GAÚCHOSSurgem da
transfiguração de homens luso-espanhois com mulheres guarani.Especializaram-se na exploração de gado. O
principal contingente foi formado por índiosmissioneiros guaranis posteriormente cruzados com portugueses
instalados na Colônia doSacramento 1680).O gado, trazido pelos jesuítas, era um dos principais procedimentos
desedentarização do índio, estendeu-se consituindo as Vacarias Del Mar. Com aespecialização dos indígenas ao
pastoreio, o índio passou a consumir carne. Três fatorespesaram na formação da matriz gaúcha: 1) o rebanho de
ninguém na terra de ninguém; 2)a especialização mercantil na sua exploração e 3) a existência de uma parcela
mestiçaeuropeizada, que necessitava de artigos importados, o que viabilizava um intercambio decouro por
manufaturas.Essa matriz guarani é que formou a população gaúcha. A princípio os gaúchos não seidentificavam com
os portugueses, espanhóis nem índios. Constituíam uma nova etniacom costumes em comum. Uma parcela desses
gaúchos seria incorporada à populaçãobrasileira devido a: participação dos paulistas na exploração do gado sulino;
pela disputaentre portugueses e espanhóis pela região cisplatina e pela integração do sul comomercado provedor de
bestas de carga para as minas de ouro.A fundação de São Francisco, Laguna e Colônia do Sacramento mostrou
oemprenho português em colonizar a região. Este último viabilizou a participação naexploração das Vacarias Del
Mar. No começo do século XVII os paulistas e curitibanosestabelecem-se como criadores na região. Daí, passariam a
fornecer gado à região doouro, principalmente cavalos e muares. Deste ultimo a criação era tão especializada
queacredita-se que os gaúchos eram apenas intermediadores dos verdadeiros criadores –estancieiros de Corrientes e
Santa Fé, na Argentina. Foi a criação mais especializadadesses animais que proporcionou a fixação do gaúcho no sul.
Para aumentar a ocupação,a Coroa trouxe famílias de Açores para a faixa costeira, à qual se ajuntaram
militaresportugueses mandados para Sacramento e Sete Povos das Missões. Recebendo terras emsesmarias, esses
estancieiros aquerenciavam o gado selvagem no próprio campo e viviamsempre com medo de ataques daqueles das
outras áreas. Com a exploração de couro, como crescimento dos cachorros selvagens, diminuía o número de bois e os
estancieirospassaram a disputá-los dos dois lados da fronteira, em que o gaúcho alem de campeiro eracombatente do
seu patrão. Com a fixação da fronteira, surgiu o Uruguai, e a região seacalmou. Com o crescimento das charqueadas o
pastoreio torna o gado mais valiosoquando industrializa sua exploração.Por outro lado, essa criação especializada que
demandava trabalho duro e extremadisciplina não incorporou o gaúcho campeiro, tendo que importar mão de obra
escravanegra. Diante desse quadro de uma economia mercantil-industrial mudou-se a forma derelação entre o
caudilho-estancieiro e o gaúcho, distanciando ambos. Enquanto vingavamos conflitos por terras esses gaúchos das
fazendas de gado tinham certos privilégios. Elesforam com a pacificação da região empobrecendo cada vez mais.
Com o crescimento daspastagensm excluíam-se massas de peões, que eram desalojados das estâncias eamontoavam-
se formando massas de reserva de mão-de-obra – um subproduto do latifúndio pastoril. Grande parte desses se tornou
lavradores em terra alheia comoparceiros. Assim se viu o RS se urbanizar sem se industrializar, abrigando uma massa
desubocupados.Nos últimos anos com o surgimento de um amplo mercado nacional, a regiãosulina se especializou no
cultivo do trigo, arroz e soja. Esta última para exportação. Essacultura foi raramente explorada pelos criadores de
gado, mas por arrendamento das terrasagricultáveis do latifúndio e normalmente um citadino com acesso a credito
bancário ouoficial. Usando técnicas agrícolas modernas eles contribuíram para a marginalizaçãoainda maior do
gaúcho, no momento em que não poderia absorvê-lo no trabalho. O altovalor cobrado pelo arrendamento encarecia a
produção, somando isso à obstacularizaçãodo cultivo de rotação, que sacrificava a terra, viriam a dificultar a
expansão dessasculturas de trigo e arroz. Por outro lado o sistema permitiu uma surgimento de umacamada
intermediária entre o oproprietário e o gaúcho, principalmente na época dacolheita, quando se precisava de uma mão-
de-obra especializada.MATUTOSUma outra configuração do Brasil sulino foi a formada pelos açorianos
trazidospelos portugueses ao litoral de SC e às margens do rio Guaíba. Essa colonização foi umfracasso. Eles vieram
atuar como uma retaguarda fiel à Coroa contra os espanhóis.Falharam pois não tinham mercado consumidor para suas
colheitas, vivendo numaeconomia de subsistência. Passaram então a um modo de vida mais indígena queaçoriano,
lavrando a terra pelo sistema de coivara. Assemelhavam-se aos caipiraspaulistas. Alguns açorianos conseguiram levar
adiante o cultivo de cereais como trigo,comercializando-o com gente da área pastoril, incluindo-os no sistema
econômicoincipiente da região. Seu papel foi importante no aportuguesamento lingüístico e noabrasileiramento
cultural da região, sendo um núcleo leal a Portugal e mais tarde aoImpério. Funcionavam como base abafadora dos
conflitos separatistas, abrigando tropasdo governo. Hoje, antigas terras ocupadas pelos matutos funcionam como
latifúndios ouminifúndios. Com isso, o matuto da fazenda se tornou mais um grupo de mão-de-obrareserva,
depreciada pelos seus hábitos rudes e apego a formas não salariais de relação notrabalho. Alguns núcleos desses
matutos, com o surgimento da demanda nacional, seespecializaram em novas atividades produtivas, como a pesca,
minas de carvão nointerior. Também, as massas matutas e gaúchas marginalizadas caíram numa cultura depobreza
que as uniformizou pela pobreza, além dos meios de comunicação que asatingem.A principal revolta dessa camada
ocorreu em 1910 e 1914 entre PR e SC, com asustpensão da posse de terras, que gerou o influxo de milhares de
famílias para aquelasáreas, que fustigou a ira dos dois estados contestantes e provocou a intervenção dogoverno
central com tropas. Foram taxados de monarquistas e revolucionários. Deu-se oaumento da importância dos
“monges” que passaram a liderar os conflitos (messiânicos).Os núcleos conflagrados reuniam-se em “quadros
santos”. Na revolução do Contestado,eles formaram grupos igualitários baseados no comércio interno, querendo
manter umparaíso terrestre. A vida nesses núcleos era alegre, presidido pelo ideal igualitário e peloforte convívio
social. Esses núcleos foram dissolvidos com a ação do exército nacional,em que morreram 3500 pessoas em 3 anos.
Outros levantes ameaçaram ocorrer mas foram rapidamente abafados. As lutaspopulares como Canudos, Cabanagem,
Mucker tinham em comum o fato de todosreivindicarem a posse da terra de onde tiram sua subsistência, além de se
mostraremcapazes de criar prosperidade e fartura.GRINGOSCompõem os povos de origem germânica, italiana,
polonesa, japonesa, libanesa eoutras, introduzidos no século passado. Distingue-os o bilingüismo, um modo de
vidarural fundado na policultura e um nível educacional mais elevado.O empreendimento colonial refletiu os ideais
da europeização do Brasil e foi umdos objetivos mais persistentes do governo imperial, preterindo o povo local a
outro,eugenicamente melhor. Foram-lhes oferecidos benefícios que nunca as populaçõescaipiras tiveram,
marginalizando-as ainda mais pelo latifúndio. Esse bolsão culturalgringo se mostra uniforme pelo seu modo de vida,
baseado na pequena propriedade. Cadagrupo pode organizar autonomamente sua própria vida, criando suas escolas e
igrejas.A primeira geração de imigrantes teve a dificuldade e o desafio de desbravar asáreas virgens e estavelecer
quais produtos lhes integrariam na economia nacional.A segunda geração encontrou condições mais propícias – seu
problema foi adisponibilidade de terras para as famílias que se multiplicavam. A marginalidade étnicados núcleos de
colonização, principalmente alemães, japoneses e italianos, criou conflitosde elaldade étnico-culturais na época da
segunda guerra. Esses conflitos inter-nucleos sóforam resolvidos com a instauração do Português nas escolas e com o
recrutamento denipo-brasileiros e grindos para servir nas forças armadas, que contribuiu para a suaidentificação
nacional. Esses núcleos gringo-brasileiros se tornaram centros importantesna produção de vinho, mel, trigo, batatas,
cevada, lúpulo, legumes, milho para porcos emandioca. Contudo, com a multiplicação das famílias e esbarrando nos
limites dolatifúndio, viram-se divididas e assoladas pelo minifúndio. Há também a camada degringos acaboclados,
que se junta e se confunde com a massa de gaúchos das rancharias ecom os matutos marginalizados. A formação
dessas camadas tem duas conseqüênciassérias: 1) reduz a combatividade dos camponeses e 2) funciona como indutor
doconformismo, já que as camadas pobres vêem que ainda tem um patamar a descer. E paraos marginalizados opera
como uma incitação à rebeldia revolucionária.Nos últimos anos surgiu uma onda de desenvolvimento industrial
intensivo,originado no artesanato familiar com: metalurgia, tecelagem, indústria química, couros,cerâmica e vidreira.
Alguns núcleos gringos se tornaram grandes centros industriais,como Caxias, São Leopoldo, Nova Hamburgo,
Blumenau, Joinville e Itajaí. Os antigoscolonos, agora empresários, instalaram suas indústrias também em capitais
regionais esão os principais empresários modernos no sul. Esse desenvolvimento permitiu aintegração na força de
trabalho não só de gringos, mas de matutos e gaúchos. Esse saltoda economia granjeira para a indústria artesanal e
depois fabril se deu pelo acesso maisfácil a técnicas estrangeiras e contatos fora do Brasil, que possibilitavam a
importação demáquinas e assistência a seus parques.
Uma das maiores balelas do discurso anti-cotas no Brasil é que as políticas de ação afirmativa não se justificam
porque “todos são iguais perante à lei”. Iguais como, se uns saíram na frente, com séculos de vantagem, em relação
aos outros? As cotas vieram justamente para ser uma ponte sobre o fosso histórico entre negros e brancos. Para dar
aos negros condições de alcançarem mais rápido esta “igualdade” que alguns insistem que já existe.
Ninguém melhor do que o antropólogo Darcy Ribeiro, grande inspirador deste blog, para explicar como esta
“igualdade” de condição nada mais é do que uma falácia por parte de quem, no fundo, deseja perpetuar as
desigualdades raciais em nosso país. Os trechos que selecionei são do livro O O Povo Brasileiro (Companhia das
Letras), cuja leitura recomendo fortemente. Deveria ser obrigatório em todas as escolas. Atentem para um detalhe:
reconheçam no texto de Darcy os futuros meninos de rua. (Leia também o texto que postei ano passado, aqui.)
E viva o Dia da Consciência Negra!

***
Por Darcy Ribeiro
CLASSE E RAÇA
A distância social mais espantosa no Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a
discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros.
Entretanto, a rebeldia negra é muito menor e menos agressiva do que deveria ser. Não foi assim no passado. As lutas
mais longas e cruentas que se travaram no Brasil foram a resistência indígena secular e a luta dos negros contra a
escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a
abolição.
Sua forma era principalmente a da fuga, para a resistência e para a reconstituição de sua vida em liberdade nas
comunidades solidárias dos quilombos, que se multiplicaram aos milhares. Eram formações protobrasileiras, porque o
quilombola era um negro já aculturado, sabendo sobreviver na natureza brasileira, e, também, porque lhe seria
impossível reconstituir as formas de vida da África. Seu drama era a situação paradoxal de quem pode ganhar mil
batalhas sem vencer a guerra, mas não pode perder nenhuma. Isso foi o que sucedeu com todos os quilombos,
inclusive com o principal deles, Palmares, que resistiu por mais de um século, mas afinal caiu, arrasado, e teve o seu
povo vendido, aos lotes, para o sul e para o Caribe.
Mas a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar e de
um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Nela se viu incorporado à força. Ajudou a construí-la e,
nesse esforço, se desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em função de sua total desafricanização. A primeira tarefa
do negro brasileiro foi a de aprender a falar o português que ouvia nos berros do capataz. Teve de fazê-lo para poder
comunicar-se com seus companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos. Fazendo-o, se reumanizou,
começando a sair da condição de bem semovente, mero animal ou força energética para o trabalho. Conseguindo
miraculosamente dominar a nova língua, não só a refez, emprestando singularidade ao português do Brasil, mas
também possibilitou sua difusão por todo o território, uma vez que nas outras áreas se falava principalmente a língua
dos índios, o tupi-guarani.
Calculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de
trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. Ao fim do período colonial, constituía uma
das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda
do Império e da proclamação da República. Mas as classes dominantes reestruturaram eficazmente seu sistema de
recrutamento da força de trabalho, substituindo a mão de obra escrava por imigrantes importados da Europa, cuja
população se tornara excedente e exportável a baixo preço.
O negro, sentindo-se aliviado da brutalidade que o mantinha trabalhando no eito, sob a mais dura repressão –inclusive
as punições preventivas, que não castigavam culpas ou preguiças, mas só visavam dissuadir o negro de fugir– só
queria a liberdade. Em consequência, os ex-escravos abandonam as fazendas em que labutavam, ganham as estradas à
procura de terrenos baldios em que pudessem acampar, para viverem livres como se estivessem nos quilombos,
plantando milho e mandioca para comer. Caíram, então, em tal condição de miserabilidade que a população negra
reduziu-se substancialmente. Menos pela supressão da importação anual de novas massas de escravos para repor o
estoque, porque essas já vinham diminuindo há décadas. muito mais pela terrível miséria a que foram atirados. não
podiam estar em lugar algum, porque cada vez que acampavam, os fazendeiros vizinhos se organizavam e
convocavam forças policiais para expulsá-los, uma vez que toda a terra estava possuída e, saindo de uma fazenda, se
caía fatalmente em outra.
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do
negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera
força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para
seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela
ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas
próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa
visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os
quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.
A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra.
Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, de
qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros
dirigiu-se às cidades, onde encontraram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas.
Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo
da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos.
BRANCOS VERSUS NEGROS
Examinando a carreira do negro no Brasil, se verifica que, introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro
momento chamado à execução das tarefas mais duras, como mão-de-obra fundamental de todos os setores produtivos.
Tratado como besta de carga exaurida no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo
de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou
depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de exploração que, embora melhores que a escravidão, só
lhe permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado
compelido ao exercício de seu antigo papel, que continua sendo principalmente o de animal de serviço.
Enquanto escravo poderia algum proprietário previdente ponderar, talvez, que resultaria mais econômico manter suas
“peças” nutridas para tirar delas, a longo termo, maior proveito. Ocorreria, mesmo, que um negro desgastado no eito
tivesse oportunidade de envelhecer num canto da propriedade, vivendo do produto de sua própria roça, devotado a
tarefas mais leves requeridas pela fazenda. Liberto, porém, já não sendo de ninguém, se encontrava só e hostilizado,
contando apenas com sua força de trabalho, num mundo em que a terra e tudo o mais continuava apropriada. Tinha
de sujeitar-se, assim, a uma exploração que não era maior que dantes, porque isso seria impraticável, mas era agora
absolutamente desinteressada do seu destino. Nessas condições, o negro forro, que alcançara de algum modo certo
vigor físico, poderia, só por isso, sendo mais apreciado como trabalhador, fixar-se nalguma fazenda, ali podendo
viver e reproduzir. O débil, o enfermo, o precocemente envelhecido no trabalho, era simplesmente enxotado como
coisa imprestável.
Depois da primeira lei abolicionista –a Lei do Ventre Livre, que liberta o filho da negra escrava–, nas áreas de maior
concentração da escravaria, os fazendeiros mandavam abandonar, nas estradas e nas vilas próximas, as crias de suas
negras que, já não sendo coisas suas, não se sentiam mais na obrigação de alimentar. Nos anos seguintes à Lei do
Ventre Livre (1871), fundaram-se nas vilas e cidades do Estado de São Paulo dezenas de asilos para acolher essas
crianças, atiradas fora pelos fazendeiros. Após a abolição, à saída dos negros de trabalho que não mais queriam servir
aos antigos senhores, seguiu-se a expulsão dos negros velhos e enfermos das fazendas. Numerosos grupos de negros
concentraram-se, então, à entrada das vilas e cidades, nas condições mais precárias. Para escapar a essa liberdade
famélica é que começaram a se deixar aliciar para o trabalho sob as condições ditadas pelo latifúndio.
Com o desenvolvimento posterior da economia agrícola de exportação e a superação consequente da auto-suficiência
das fazendas, que passaram a concentrar-se nas lavouras comerciais (sobretudo no cultivo do café, do algodão e,
depois, no plantio de pastagens artificiais), outros contingentes de trabalhadores e agregados foram expulsos para
engrossar a massa da população residual das vilas. Era agora constituída não apenas de negros, mas também de
pardos e brancos pobres, confundidos todos como massa dos trabalhadores “livres” do eito, aliciáveis para as fainas
que requeressem mão-de-obra. Essa humanidade detritária predominantemente negra e mulata pode ser vista, ainda
hoje, junto aos conglomerados urbanos, em todas as áreas do latifúndio, formada por braceiros estacionais, mendigos,
biscateiros, domésticas, cegos, aleijados, enfermos, amontoados em casebres miseráveis. Os mais velhos, já
desgastados no trabalho agrícola e na vida azarosa, cuidam das crianças, ainda não amadurecidas para nele engajar-
se.
Assim, o alargamento das bases da sociedade, auspiciado pela industrialização, ameaça não romper com a
superconcentração da riqueza, do poder e do prestígio monopolizado pelo branco, em virtude da atuação de pautas
diferenciadoras só explicadas historicamente, tais como: a emergência recente do negro da condição escrava à de
trabalhador livre; uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou
por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que,
obstaculizando sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele
obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. As taxas de analfabetismo, de
criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade
brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integrasse o negro na condição
de cidadão indiferenciado dos demais.
Florestan Fernandes assinala que “enquanto não alcançarmos esse objetivo, não teremos uma democracia racial e
tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se, em nossa era, na pedra de toque da
nossa capacidade de forjar nos trópicos esse suporte da civilização moderna”.

***
Marcelo Torres

“O papel político desta oposição de raças, ainda pouco avaliado é, no entanto considerável. Afora o que se percebe da
luta surda e revolta latente das raças oprimidas, e que os depoimentos contemporâneos, apesar de muito reticentes no
assunto, não podiam esconder...” (Prado, 2000, p. 376).
Este artigo tem por escopo fundar crítica ao conceito de identidade coletiva brasileira de Darcy Ribeiro,
considerando-o uma perspectiva romantizada e fazendo sua análise frente às contradições sociais e econômicas, com
conseqüente alijamento das etnias indígenas e africanas do direito à cidadania. Enfocaremos a análise com maior
ênfase nas últimas etnias por entendermos que apesar dos afros terem participação maior durante o período escravista
e contarem atualmente com muito mais descendentes (sendo justamente estes os mais espoliados durante toda a
história do país), não puderam contar com a mesma benevolência dedicada aos nativos, além de constituírem-se em
exemplo clássico para a análise da escravidão no Brasil em todas as suas nuances.
O conceito de identidade coletiva de Darcy Ribeiro, calcado no que ele considera que será resultado da construção de
uma matriz étnica brasileira aglutinadora e inclusiva dos elementos portugueses, africanos e indígenas1, é algo
utópico por omitir que a sociedade brasileira carrega em seu bojo várias contradições sociais e econômicas
aprofundadas no decorrer de vários séculos de exploração.
Desconsiderar essa premissa significa tropeçar em uma questão onde se impõe (pelo dever da análise crítica e
imparcial que cabe ao autor) acuidade, afinal esta visão romantizada pode interessar a alguns, mas não àqueles que
não desfrutam das mesmas benesses concedidas no decorrer da história.
Defendeu Ribeiro (2000, p.132 e 133) que “uma etnia nova, operativa, consciente de si, orgulhosa de seu próprio ser,
se dará quando milhões de pessoas passarem a se ver não como oriundas dos índios de uma certa tribo, nem africanos
tribais, e muito menos portugueses, e a se sentirem soltas e desafiadas a construir-se, a partir das rejeições que
sofriam, com nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros”). Cabe lembrar que tal afirmação é reducionista,
carecendo o tema de uma análise mais aprofundada e perpassando pela questão estrutural escravista, que se inseria
num contexto mercantilista onde as mais diversas etnias indígenas e africanas representavam não somente mão-de-
obra escrava como também mercadoria (capital), resultando do modo de produção escravista um caráter primário nas
relações sociais que prosseguiu e até mesmo se aprofundou em certos aspectos com o fim da utilização deste modo de
produção no país.
Ao perderem importância2 enquanto mercadorias de labor escravo continuaram a viver marginalizados, quer seja
como agregados em latifúndios, ou desenvolvendo outras sub-atividades, preteridos que foram em relação aos novos
colonos que chegavam através de políticas emigratórias que visavam não somente atender às exigências européias
(que precisavam de mercado consumidor), como também ao branqueamento da população brasileira.
Embora tenha representado um grande salto qualitativo em relação à obra de Gilberto Freyre, divulgador da célebre
frase, “a branca é para casar, a mulata é para f..., e a preta é para trabalhar” (1977, p. 10) (mais outras pérolas que
encontramos em Casa Grande e Senzala, além de outros princípios patriarcalistas mais de acordo com oligarquias
rurais), Darcy Ribeiro também desliza, consciente ou inconscientemente, na antiga retórica simplista do português
propenso à contatos inter-raciais, quando foi a escassez de mulheres brancas e o ímpeto sexual que levou à
miscigenação.
Em vários pontos de sua obra, Ribeiro se utiliza de expressões e palavras que não garantem uma análise imparcial,
como ao afirmar que nas etnias afros “a uniformidade racial3 não corresponde a uma unidade linguístico-cultural”, ou
ao dizer que “os negros foram compelidos a incorporar-se passivamente” (2000, p. 114 e 115) e que “o negro se
apegava nas crenças religiosas e nas práticas mágicas no esforço ingente por consolar-se ao seu destino” (2000, p.
117), para arrematar que a herança africana é “parca” (Ibidem).
Em linhas gerais, Darcy Ribeiro trata as etnias com um carinho paternal, fazendo entretanto um reforço negativo ao
utilizar as palavras e expressões que mencionamos. Ao desestimar a importância da resistência dos negros, sua
contribuição cultural e até mesmo fazer uso de termos depreciativos (ainda que inconscientemente) deixa implícito
alguns conceitos os quais deveria evitar, afinal não há como deixar de considerar a relevância dos movimentos
negros, desde os primeiros focos de resistência ao escravismo (os quilombos), a Revolta dos Malês (1835), e demais
sublevações contra a opressão imposta pelos dominantes no decorrer de séculos de exploração, lembrando ainda que
de civilizações africanas vieram negros que conheciam a matemática, por exemplo, muito melhor do que alguns
patriarcas portugueses.
Não pretendo me deter no que alguns denominam “economicismo” de Ciro Flamarion Cardoso e Fernando Novais,
entre outros autores que se embasaram nas obras de Caio Prado Jr.; contudo não há como deixar de abranger a leitura
feita do período por estes autores, em especial de Caio Prado Jr. – e suas contribuições para a análise pelo viés
econômico e estrutural. Devemos levar em conta, por exemplo, que a exploração dos escravos conduziu a uma luta de
classes que retardou o avanço para uma forma mais produtiva do trabalho, além de comprometer as próprias relações
sociais pelo retrocesso a um modo de produção exógeno ao sistema mercantilista da época, que inclusive não
permitia o desenvolvimento de um mercado consumidor local em contradição com o exterior – onde existia trabalho
assalariado e mercado em expansão. Sem falarmos em outros problemas como dependência do abastecimento pelo
tráfico e o início da nossa dependência em relação às flutuações do mercado internacional que perdura até hoje, entre
outras mazelas. Darcy Ribeiro deveria ter considerado estas contradições que se iniciaram neste período e se
estenderam e aprofundaram nos dias atuais antes de romantizar uma identidade nacional que não se sustenta após
uma análise mais acurada.
Isto posto, fica compreendida com maior abrangência uma realidade muito mais complexa na qual se inseriram os
africanos, realidade esta cujas contradições permanecem, mesmo findado o modo de produção escravista, deixando
uma herança maléfica até os presentes dias. Infelizmente historiadores, sociólogos e antropólogos brasileiros levaram
muito tempo para perceber a complexidade da identidade cultural brasileira, talvez porque se orientassem demais pela
cultura européia.
Ainda assim podemos afirmar que houve uma evolução desde o positivismo elitista de Oliveira Vianna (que afirmava
a superioridade caucasiana e propunha o branqueamento pela imigração de europeus), passando pelo idealismo de
Sergio Buarque de Holanda (com sua tese do brasileiro “cordial”), que já considerava questões estruturais na análise
da sociedade, mas de certa forma valorizava o respeito cego às “hierarquias”. Pela produção historiográfica dos anos
70, que pouco alterou o modelo de análise (talvez isto se justifique pela ditadura militar no país e pela divisão do
mundo em blocos); continuando atualmente por uma abordagem que se considera mais atual e complexa por levar em
conta não somente a visão econômica, analisando as contradições sociais dentro de um contexto articulado com
outras variáveis, como a cultural. É justamente dentro deste contexto de análise mais abrangente que se viabilizará
uma reflexão mais flexível e acertada da identidade brasileira (em contínua transformação), calcada em uma visão
multicultural e democrática à sociedade como um todo.
1 Além dos que aportaram depois.
2 Ao contrário dos nativos, que puderam contar com uma política indigenista. Não nos cabe discutir neste artigo os
benefícios ou malefícios decorrentes desta política, que boa ou ruim não os deixava totalmente desamparados.
3 Destacamos que ao usar a expressão uniformidade racial, o autor incorre simultaneamente em dois equívocos: usar
o termo raça significa conceber a existência de várias raças humanas – o que já estava descartado no período em que
a obra foi concluída. Ao falar em uniformidade racial, desconsidera que o continente africano já abrigava na época do
colonialismo diversas etnias.
“Por que o Brasil ainda não deu certo?” Esta é a questão que motiva a obra de Darcy Ribeiro (2002), dedicada a
compreender o Brasil e os brasileiros – sua gestação como povo e seu lugar específico na história humana.
Ribeiro, no quadro de sua teoria da história, cunha dois conceitos com os quais trabalhará ao longo de toda sua obra:
a) “povo novo” e
b) “transfiguração étnica”.
O primeiro diz respeito ao resultado da confluência das três matrizes raciais – portuguesa, negra e indígena – que
deram origem ao brasileiro e à sua especificidade. O caráter de novidade, contudo, do povo brasileiro, carregaria
consigo a outra face da mesma moeda – um povo que é simultaneamente “novo” e “velho”.
Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente
mestiçada. “Velho, porém, porque se viabiliza como um proletariado externo. Quer dizer, como um implante
ultramarino da expansão europeia que não existe para si mesmo, mas para gerar lucros exportáveis pelo exercício da
função de provedor colonial de bens para o mercado mundial, através do desgaste da população que recruta no país
ou importa.” (p. 20).
Já o conceito de “transfiguração étnica” diria respeito ao processo através do qual os povos surgem, se transformam
ou morrem.
Ribeiro aplica tais termos à análise da realidade histórica brasileira, estruturando seu estudo em torno de cinco eixos:
I) “O Novo Mundo”, que situa a formação do Brasil dentro do processo de expansão dos “impérios
mercantis salvacionistas” europeus;
II) “Gestação Étnica”, que mapeia os processos responsáveis pelo surgimento da etnia brasileira a partir de
suas três matrizes formadoras;

III) “Processo Sociocultural”, que identifica as forças responsáveis pela diversificação de nossa matriz étnica
originária em diversos “modos rústicos de ser” dos brasileiros;
IV) “Os Brasis na história”, dedicado à identificação e descrição destes modos de ser;
V) “O Destino Nacional”, que analisa o tipo de estratificação social que advém de nosso processo de
formação, assim como suas consequências em termos de tensões dissociativas de caráter traumático.
“Tanto o ‘brasilíndio’ como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa
carência essencial, para livrar-se da ninguendade de não-índios, não-europeus e não negros, que eles se vêem
forçados a criar sua própria identidade étnica: a brasileira.” (ibidem, p. 130)
“É o resultado fundamental do processo de deculturação das matrizes formadoras do povo brasileiro. Empobrecido,
embora, no plano cultural com relação a seus ancestrais europeus, africanos e indígenas, o brasileiro comum se
construiu como homem tábua rasa, mais receptivo às inovações do progresso do que o camponês europeu
tradicionalista, o índio comunitário ou o negro tribal.” (ibidem, p. 249)
Se nossa origem e especificidade, portanto, nos colocaram na antessala da modernidade, quais as razões para o nosso
atraso frente aos países centrais? Ou, retomando a pergunta inicial de seu livro: “por que o Brasil ainda não deu
certo?”
“Nós, brasileiros, nesse quadro, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito,
já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa
massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ‘ninguendade’.
Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros. Um povo, até hoje, em ser, na
dura busca de seu destino.” (Ribeiro, DARCY).

***
Darcy Ribeiro é um dos últimos grandes intérpretes da cultura Brasileira. Depois de sua morte, em 1997, restou
apenas Roberto da Matta, curiosamente omitido da mais recente coletânea de textos consagrada aos intérpretes do
Brasil. Refiro-me à obra Um enigma chamado Brasil, organizada por André Botelho e Lillia Schwarcz. A omissão de
da Matta é ainda mais estranha se consideramos que nela figuram nomes bem menos conhecidos e influentes, além de
outros pouco característicos dessa tradição que tenho contemplado numa série de artigos sobre a cultura brasileira.
A obra de Darcy Ribeiro é marcada de ponta a ponta pelo espírito de participação apaixonada. Intelectual
declaradamente militante, Darcy escreveu sempre movido pelo desejo de ação. Sua luta em defesa do povo brasileiro,
notadamente as camadas mais impiedosamente oprimidas, imprimiu à sua biografia tons de grandes feitos
românticos, uma vontade de mudança revolucionária que lhe custou exílio político e muita instabilidade, incerteza e
derrota. Sendo no entanto um otimista incorrigível, manteve-se fiel à sua convicção de que desse Brasil tão
surpreendente, de tão complicada organização e explicação teórica, brotaria uma nova Roma, como dizia, lavada em
sangue negro e índio. Esses rompantes nacionalistas em meio a uma obra de análise de natureza científica levam o
autor a extremos confinantes com uma visão cultural ufanista. Isso é patente no tom com que louva nossa
miscigenação e sensualidade.
Darcy Ribeiro foi militante do Partido Comunista nos anos 1940. Nessa mesma década especializou-se em etnologia
na Escola Livre de Sociologia e Política, de São Paulo, onde foi colega de Florestan Fernandes, que se tornou o
grande nome da escola de sociologia paulista. Inspirado pelas lições de Herbert Baldus, um dos professores
estrangeiros contratados pela Escola Livre de Sociologia e Política, dedicou-se apaixonadamente ao estudo das
culturas indígenas e viveu durante cerca de dez anos entre os índios. Isso explica o lugar de relevo que nossa matriz
indígena ocupa na sua obra e em particular em O Povo Brasileiro.
Darcy Ribeiro também se destacou por sua luta tenaz em defesa da educação. Discípulo e amigo fiel de Anísio
Teixeira, um dos líderes do Movimento da Escola Nova, lutou até o fim pela institucionalização da escola pública de
qualidade segundo o modelo das melhores políticas de educação pública. Além de ser um dos criadores da
Universidade de Brasília e da Universidade Estadual do Norte Fluminense, atuou de forma combativa na esfera
universitária e política em vários países latino-americanos durante seus anos de exílio político. O exílio lhe foi
imposto pelos militares devido ao papel chave que desempenhou no governo deposto de João Goulart – era Ministro
da Casa Civil – além de sua tentativa de organizar uma resistência armada ao golpe militar de 1964. Os militares
permitiram que retornasse ao Brasil antes da anistia política por estar sofrendo de um câncer no pulmão que,
esperava-se, logo o mataria. O fato, porém, é que o tenaz e incorrigível otimista sobreviveu até 1997. Estava
internado na UTI quando fugiu para refugiar-se na casa que tinha à beira de uma praia. Lá conseguiu dar forma
definitiva a seu livro O Povo Brasileiro, obsessão da sua vida. O livro foi publicado em 1995.
Esta obra, que perseguiu a imaginação criadora de Darcy Ribeiro durante mais de 30 anos, como ele mesmo frisa no
prefácio, é uma ambiciosa tentativa de aplicar à formação sociocultural do Brasil a teoria geral que ele elaborou
durante muito tempo. Dela resultaram obras como O Processo Civilizatório, sua teoria mais abrangente, As Américas
e a Civilização, restrita à antropologia das Américas, Os Brasileiros: teoria do Brasil, e por fim O Povo Brasileiro.
Retrocedendo às nossas origens, como de resto procederam todos os explicadores do Brasil, Darcy Ribeiro parte das
três matrizes formadoras da nossa cultura que, através de complexos processos de encontro, conflito e caldeamento
compuseram as linhas fundamentais da nossa formação. Darcy Ribeiro louva o caráter híbrido da nossa cultura – não
raro em tom que beira o ufanismo, como acima sublinhei -, sua sensualidade e alegria de viver, pontos nos quais
muito se aproxima de Gilberto Freyre, mas também ressalta com igual intensidade os processos de conflito e
espoliação que marcam o conjunto da nossa formação social.
Começando pela cultura indígena, o autor deixa evidentes os vínculos profundos que o prendem a essa matriz da
nossa formação. Ela foi decisiva, entre outras coisas, por ser portadora de uma rica experiência antropológica de
enraizamento no trópico, na imensidão das matas e florestas, onde os indígenas desenvolveram formas de cultura
ajustadas ao ambiente. O colonizador português soube aliás astutamente assimilar no convívio com o indígena os
meios técnicos e culturais necessários para adaptar-se como europeu às condições impostas pelo ambiente novo.
Além de domesticar muitas plantas selvagens que transformou em meios fundamentais de nutrição, como o milho e a
mandioca, o índio desenvolveu no trópico uma cultura própria e autônoma. Somente a visão etnocêntrica do
colonizador poderia negar a esses grupos humanos uma riqueza de vida espiritual que é profundamente diferente da
europeia, ou civilizada em geral, mas igualmente significativa do ponto de vista antropológico.
O contato das culturas indígenas com o colonizador europeu resultou desastroso para sua sobrevivência. Além de lhes
impor formas brutais de deculturação, termo que copio do livro de Darcy Ribeiro, de repressão ou supressão da sua
cultura, como foi patente no caso da catequização imposta pelos jesuítas, essas culturas foram submetidas a um
verdadeiro etnocídio provocado por doenças trazidas pelo europeu, estranhas ao meio tropical, que dizimaram muitas
tribos. Havia naturalmente um conflito insolúvel entre essas culturas, bem próximas da natureza e regidas por valores
culturais incompatíveis com os do colonizador, e o projeto mercantil do português, que buscava no trópico apenas a
riqueza fácil, as pedras preciosas, a natureza traduzível em lucro e acumulação. Foi também por essa razão que o
português tentou sem sucesso escravizar o índio. Este importava para aquele, antes de tudo, como fonte de exploração
econômica. Diante da impossibilidade de ajustá-lo à máquina de produção mercantil, o colonizador adotou por fim a
política de escravização do negro.
O fim do parágrafo acima explica de modo sumário como a terceira matriz da nossa formação cultural junta-se às
duas primeiras. Darcy Ribeiro descreve em dois longos parágrafos notáveis (ver pp. 119-120), de intensidade
descritiva comovente e chocante, o percurso de vida do escravo africano desde o momento em que era aprisionado e
vendido ou trocado no seu continente até o seu fim como trabalhador escravizado no trópico. Segundo o autor, o
tempo de vida médio de um escravo submetido ao trabalho pesado – portanto distinto do escravo doméstico
preferencialmente estudado por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala – ia de sete a dez anos. Trabalhando o
ano inteiro, sem pausa sequer aos domingos, dia em que era liberado para cultivar a rocinha de onde extrairia seu
sustento. Melhor que pobremente parafrasear os parágrafos citados é citar o segundo, que vai da página 119 à 120:
“Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível
com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos – maltrapilho e sujo, feio
e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o
castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo,
pedagógico, para não pensar em fuga e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de
mutilações de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente,
ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinquenta chicotadas diárias, para
sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado
com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela
como um graveto oleoso”.
Parafraseando Brás Cubas, de Machado de Assis, foi sobre esse solo tenebroso que a elite brasileira se formou, assim
como foi sob ele, ou calcado pelas botas da escravidão, que se moldou e torturou não apenas um povo, o brasileiro,
mas uma rede de instituições, técnicas de governo e dominação, de regime de trabalho espoliador, de práticas de vida
e relação social que infelizmente não desapareceram de todo da nossa realidade presente.
De onde afinal vem esse povo tão sofridamente descrito no livro de Darcy Ribeiro, de onde procede sua identidade?
O autor propõe uma teoria baseada na condição de “ninguendade”, com perdão do neologismo esquisito, do fruto da
miscigenação processada inicialmente entre o colonizador português e a índia, mais tarde entre aquele e a escrava
negra. Darcy afirma que os filhos brotados desses acasalamentos, origem da miscigenação generalizada que passou a
caracterizar a etnia brasileira, eram ninguém, já que nem eram brancos, nem índios nem negros. Eram produto de
uma mistura rejeitada por qualquer das etnias individuais das quais eram formados. Foi portanto dessa condição de zé
ninguém, de “ninguendade” que se forjou a nossa identidade cultural, o brasileiro que já não era individualmente
nenhuma das etnias formadoras, mas produto da sua miscigenação, isto é, um ser étnico novo.
Tanto quanto Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro ressalta o fato de que o Brasil se formou economicamente como um
apêndice da Europa, como colônia produtora de bens primários subordinada à demanda do mercado europeu. Esse
dado primário está na raiz da violência exercida pela classe dominante ao longo da nossa história. Está também
inscrito na condição de proletariado externo vivida pelo povo brasileiro. Darcy Ribeiro usa repetidas vezes
expressões cruas, mas infelizmente verdadeiras, para denunciar os processos brutais que ao longo da nossa formação
histórica oprimiram nosso povo. Quando usa expressões como moinhos de gastar gente, ou gente usada como carvão,
denuncia a opressão imposta pela classe dominante ao povo, particularmente o povo escravizado, o povo castigado
por um regime de trabalho incompatível com o ideário humanista e cristão nunca de fato estendido à maioria da
população.

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