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O Elefante de Marfim
Portitura de Ciberfonia em Três Movimentos
“Soava o berrante de presa e o elefante obedecia.
(…) Palavras fazem misérias, incluso músicas.”
Manoel de Barros
ॐ
20. Projeto Aural:
20.1 .1 . Processos
Contínuos de Cuidado da Casa
de Ópera: Uma casa de ópera,
desde sua arquitetura até seus
métodos de divulgação
artística, serve de modelo
experimental a novas formas
de produção, tendo, portanto,
a responsabilidade
ético-social como cerne em
todas as suas atividades,
levando em conta as últimas
pesquisas no campo da
sustentabilidade e da ecologia
dos conhecimentos. Alguns
processos a serem tomados
em conta para a manutenção
de um ambiente de
enriquecimento cognitivo e
experiencial são:
20.1 .1 .1 . Criação e manutenção de espaços virtuais de comunicação com a
região e com as redes cognitivas globais, contendo blogs de seus participantes, uma TV
e rádio online, uma rede social própria.
20.1 .1 .2 . Estabelecimento de um cineclube com temáticas de
conscientização comunitária de modo a abrir diálogo posterior à apresentação, tais
como: meio ambiente, relações humanas, história da arte, ciências atuais, produções
independentes internacionais, questões de gênero e sexualidade, tecnologia, etc..
20.1 .1 .3. Organização de palestras e aulas abertas com profissionais das mais
diversas áreas. Como por exemplo, o sorveteiro que inventou a poesia de paladares
regional, o filósofo da cidade vizinha ou ainda o artista de outro país. Propor uma
verdadeira troca destes conhecimentos com os membros da orquestra.
20.1 .1 .4 . A preservação de um acervo de objetos abandonados ou
encontrados no lixo, a serem reutilizados. Aqui entram processos que vão, desde tratar
a limpeza da casa como tarefa do maestro, até a metareciclagem de lixo eletrônico em
aparelhos funcionais.
20.1 .1 .5. Transparência dos processos e produtos gerados pela casa de ópera,
deixando programas, textos, músicas e mesmo o orçamento aberto à utilização,
melhoria e crítica pública. Este projeto mesmo, é aberto e nós incentivamos que se
espalhe ele para sua execução nas mais diversas localidades.
20.1 .1 .6. Estabelecimento de um telecentro de pesquisa e uma biblioteca
solidária. Quando possível, uma universidade livre.
20.1 .1 .7. Um jardim cultivado colaborativamente, que quando sustentável,
possa gerir mudas para um processo de jardinagem urbana.
20.1 .1 .8. Um espaço de intercâmbio, com residências para artistas e
pensadores do mundo todo na cidade, bem como a profissionalização e inserção de
artistas locais nestas redes.
20.1 .1 .9. Abertura do processo operístico a qualquer interessadx que
participar do processo e a viabilização de pagamento para todsxs os envolvidxs.
ॐ
20.1 .2 . Processos Preliminares de Afinação de Escutas da Orquestra:
Concomitantemente à
manutenção de um espaço
colaborativo de operações, a
criação da montagem de
uma ópera requer um
processo progressivo que
envolve uma série de etapas,
numa duração a ser
programada com
antecedência num
cronograma detalhado. Para
tanto, vislumbramos a
necessidade de alguns
processos iniciais de
afinação das escutas entre si,
ao ambiente que envolve a
casa de ópera e a obra:
20.1 .2 .1 . Pesquisa de poéticas pessoais dos interessados e das relações do
grupo formado. Estudo das mitologias locais, suas conexões com as demais formas de
folclore (ancestral e contemporâneo) mundo afora. Aprofundamento na história da
arte de modo a ampliar referências concernentes à proposta. Verificação das
necessidades técnicas e legais para a execução das ações.
20.1 .2 .2 . Práticas experienciais, corporais e vivências que amplifiquem o
contato com os focos de pesquisa de cada um, encontrando conexões entre as diversas
poéticas do grupo.
20.1 .2 .3. Criação de um projeto, a partir da decupagem das informações e
experiências vivenciadas. Formatação deste projeto específico que pode incluir: poemas,
desenho de luz e palco, partitura, roteiro, storyboard, coreografia, desenho de
figurinos, maquetes de cenários. Este processo deve ser acompanhado de uma série de
aulas práticas e teóricas que o embasem, incluindo já sua pré-produção com
mapeamento de parcerias, cronograma e orçamento.
20.1 .2 .4 . Produção das obras (óperas) propostas, que dependem inteiramente
do que foi decidido através da pesquisa e criação, podendo incluir O Elefante de
Marfim ao final. Editoração e formatação de impressos como livros e revistas, a
confecção artesanal e industrial de costumes e figurinos, a produção cenotécnica e
expográfica com materiais e técnicas de escultura mistas, colagem de referências,
composição de ambientes sonoros e músicas, criação de instrumentos necessários,
captação de material audiovisual, edição e tratamento harmônico de todos os
elementos juntos. A este processo se soma a produção executiva do mesmo, que inclui:
a captação de recursos, o contato com colaboradores, a criação de divulgação e de um
sítio virtual próprio ao projeto.
20.1 .2 .5. Apresentação das obras, através dos mais diversos meios de acordo
com a demanda específica de cada projeto, podendo incluir: teatro, instalação
imersiva, esculturas, vídeos, performances, filmes, exposições, intervenções, danças,
festivais, encontros, palestras, mesas redondas, livros, programas de rádio, sítios
virtuais, gravadoras, coleções de moda, e na mistura de todos os processos em óperas.
20.1 .2 .6. Somente depois desta realização inicial de harmonização criativa,
que também dá tempo para que os envolvidos leiam o projeto e o libreto com cuidado,
a orquestra pode começar a discutir a possibilidade de montagem de O Elefante de
Marfim. É necessário que não desincentivamos qualquer tipo de montagem desta peça,
seja um grupo de performances separadas, uma montagem expressionista mínima ou
mesmo uma fanfarra folclórica, mas o desejo do compositor e da autora é o de que esta peça
seja um espaço para a mais profunda complexidade com a maior quantidade de modos de
escuta possíveis ocorrendo ao mesmo tempo.
ॐ
20.2 . Auditoria Orquestral: Como buscamos não uma imposição de parâmetros da
compositora, mas uma maneira de tornar A
Orquestra interativa e criativa, vislumbramos
começar o processo através de uma pesquisa
esquizoacústica, para que conheçamos os desejos
e necessidades de cada envolvido, do grupo, do
ambiente próximo e da escuta global no
momento dado. Para responder a estas
perguntas, além de uma leitura detalhada do
projeto e do libreto de O Elefante de Marfim e
de um diálogo amplo, pleno de uma sincera
curiosidade sobre as obras e modos de escuta de
cada membro da rede, propomos que A
Orquestra tome algum tempo para pesquisar
um escopo global das formas de auricultura
existentes hoje e meditem juntos sobre as
especificidades locais da escuta perante o audível
e as forças que as compõem. Não há necessidade de que todas estas perguntas sejam respondidas, mas
que sejam lidas sim; indicamos que sejam tratadas preliminarmente aos processos e ensaios, decididos
coletivamente, para que ressurjam posteriormente conforme a necessidade.
ॐ
20.3. Modos de Escutas a Serem Abrangidos: Como ponto de partida para a análise dos
aspectos aurais levantados nas estéticas operísticas, constata-se a ação de duas categorias de
manifestação da linguagem sonora: o campo da organização sonora e o campo da organização rítmica
da escuta. Ressalta-se que a divisão por categorias consiste apenas em um recurso analítico, voltado
para os propósitos do estudo, e não da prática. Assim, uma primeira divisão é realizada, agrupando de
um lado os eventos com predomínio de elementos sonoros e, de outro, os eventos com predomínio de
elementos rítmico- sensíveis nos focos da escuta dos participantes. Essas duas vertentes constituem
categorias matriciais que são denominadas Plano Sonoro e Plano Aurático, a partir dos quais são
identificadas as demais categorias e unidades de análise morfológico-relacionais. Uma primeira
observação, entretanto, surge no processo de organização dos elementos aurais nas duas categorias
acima citadas: verifica-se que o Plano Sonoro e o Plano Aurático possuem atuação no âmbito social da
operação subjetiva que a arte executa bem como no âmbito do espetáculo próprio do trabalho
operístico. Dessa forma, no intuito de gerar focos diferenciados de investigação, podem ser elaboradas
as seguintes combinações:
~Plano Sonoro/Ambiente Aural: Comporta a produção sonora do ambiente e do instante
específico da produção da ópera.
~Plano Sonoro/Ator Cantor: Comporta a produção sonora gerada pelo ator.
~Plano Sonoro/Espetáculo: Comporta os aspectos de sonorização do espetáculo.
~Plano Aurático/ Ambiente Aural: Comporta os modos de escuta constituintes da
subjetividade local.
~Plano Aurático/Ator: Comporta as práticas de escuta relacionadas aos trabalhos de
preparação e representação do ator.
~Plano Aurático/Espetáculo: Comporta aspectos de estruturação cênica de um modo de escuta
específico à necessidade da ópera.
20.3.1 . Focos Aurais: Queremos propor uma consciência orquestral pautada no
último violino, onde compor e interpretar, tocar e ouvir, ocorram ao mesmo tempo
reforçando-se ambos. O Wagner em Baremboim junto ao Stravinsky em Bernstein. Para tanto
precisamos ter em mente que cada forma de vida produz uma foco sobre um mesmo objetos
sonoro singular. Alguns campos iniciais para uma pesquisa local são:
20.3.3. Sprachusmatik: O som de uma palavra é também um meio para outro fim, um
acidente acústico que pode ser completamente dispensado se a palavra for escrita, pois, nesse
caso, a escrita contém a essência da palavra e seu som. A linguagem impressa é informação
silenciosa, o programa não sustenta as necessidades vocais e do canto. Para que a língua
funcione como música, é necessário, primeiramente, fazê-la soar e, então, fazer desses sons
algo festivo, sério e importante. À medida que o som ganha vida, o sentido definha e morre. Se
você anestesiar uma palavra, repetindo-a muitas e muitas vezes até que seu sentido adormeça,
chegará ao objeto sonoro, um pingente musical que vive em si e por si mesmo, completamente
independente da personalidade que ele uma vez designou. Como manter ambos os processos
ao mesmo tempo?
~Cenário tocável, interativo.
~Ambientação referencial, posicionamento fixo de uma base sonora.
~Ambientação psicoacústica, mobilidade de fontes sonoras.
~Ações Sonoras sobrepostas.
20.3.4 . Luthieria Dramática: Plano Sonoro/Ator é a produção de cunho
instrumental. Os instrumentos, sempre que
possível, devem ser criados em cena junto ao
público. O caráter instrumental refere-se tanto ao
emprego dos instrumentos musicais tradicionais
como qualquer outro veículo de produção sonora
que não esteja vinculado ao canto ou à fala. Nesse
sentido, a proposta da ópera traz para a encenação
a sonoplastia realizada pelo próprio ator, seja em sua capacidade de tocar um instrumento
musical, seja na utilização dos objetos cênicos como fonte sonora. Verifica-se que a
sonoplastia, nesse caso, tem um papel intrínseco no espetáculo (plastisonia), uma vez que o
tecido sonoro, feito por vozes e objetos, proporciona ao texto sua verdadeira dimensão teatral.
Neste sentido, também as sonoridades utilizadas que vêm a constituir o conceito de
corpo-voz podem ser consideradas como portadoras de um caráter instrumental, uma vez que
cumprem um papel sonorizador da cena.
~Instrumento: execução instrumental, instrumento-adereço.
~Corpo: corpo-voz, ritmos corpóreos.
~Criação e destruição de objetos.
20.3.5. Plastisonia: As escutas relacionais (sociais, institucionais, íntimas) na
intervenção proerística têm funções estéticas, éticas e científicas. Os sons na encenação
operística apresentam funções informativas, expressivas e estruturais; mas há ainda uma
instauração aurática da próera. A escuta estética não se pauta por conceitos de beleza, mas por
sensações; enquanto a escuta ética não se ampara por conceitos de bondade, mas de
ajustamento à necessidade do instante específico de acordo com a natureza de cada som. No
campo da informação ou função referencial, os sons (de veículos, sinos, campainhas, pássaros,
etc) possuem um caráter ilustrativo, quando o elemento visual correspondente está presente
em cena. Em situação oposta, na ausência do elemento visual, os sons provocam no
espectador, por associação, a imagem correspondente ao som emitido, processo denominado
de contraparte sonora (a chave com som de trovão). Se a sonoplastia ativa a recorrência realista
ou subverte-a numa relação metafórica, a plastisonia soa esta própria ambiguidade, a
plasticidade da escuta.
~Léxico aural local e global em atravessamentos de campos das escutas.
~Composição sonora de aura pela intervenção ou interação.
ॐ
20.3.5.1 . Cenofonia: Realizada a análise e a
filtragem dos elementos aurais (e musicais) da próera,
bem como sua categorização em grades parciais de
conteúdo semítico, apresenta-se a totalidade dos
elementos aurais da ópera que são identificados pela
pesquisa. Uma primeira apresentação desses dados é
feita por meio da listagem dos elementos identificados.
Em seguida é apresentado o mapeamento geral ou a
grade final de análise, conforme a terminologia
coerente à proposta.
~Estrutura: Linearidade, Não-linearidade (interrupção, edição,
fragmentação).
~Partitura: musical, cênico-musical, cênica.
~Ator: escuta analítica, escuta corporal, auto-escuta, escuta interacional.
~Espectador: recepção discernente passiva e ativa, recepção psicoacústica,
recepção interacional.
20.3.6. Sistemas aurais: Todos os modos de escuta mesclam-se em distintas
dinâmicas dimensionais através das subjetividades aurais, individuais e coletivas. Uma maneira
de distinguir tal entranhamento dimensional pode ser:
20.3.6.1 . Microssistema aural: Trata das relações simbólico-sonoras inerentes
a uma escuta individual e às relações diretas destas entre duas escutas (entrescutas).
Para um trabalhador da metalurgia ouvir música heavy-metal tem um contexto
subjetivo diferente do que para um jardineiro que ouve pagode.
20.3.6.2 . Mesosistema aural: Se refere às relações entre os microsistemas
aurais ou conexões entre contextos de escutas. Por exemplo, os modos de escuta
familiar alterando os modos de produção de uma banda musical, as experiências
sonoras de um estilo musical alterando as formas de liturgia sonora de uma certa
religião.
20.3.6.3. Exosistema aural: Envolve os elos das escutas entre um arranjo
psicoacústico social no qual o individual não tem um papel ativo e o contexto sonoro
individual imediato. Por exemplo, uma música que o filho de um maestro ouve
influencia suas experiências com a orquestra. O maestro ter de viajar mais, gera uma
mudança de escuta com relação a ambos e muda os padrões de interação sonora dele
com aquele estímulo e gera uma forma de diálogo musical novo, tanto com a
orquestra quanto com o filho.
20.3.6.4 . Macrossistema aural: Descreve a cultura na qual os indivíduos
ouvintes vivem. Os contextos da escuta cultural incluem o desenvolvimento e
industrialização local, o status socioeconômico, a pobreza, a etnicidade. Membros de
um mesmo grupo cultural compartilham uma identidade aural comum, heranças
musicais e valorações a respeito de sons cotidianos através de mitos. O macrossistema
aural evolui através do tempo, porque cada geração sucessiva pode mudar o
macrossistema, levando em seu desenvolvimento a um único macrossistema.
20.3.6.5. Cronosistema aural: O desenvolvimento de padrões de eventos
aurais ambientais e as transições através de um determinado período, bem como as
circunstâncias social-históricas do desenvolvimento de um certo modo de escuta. Por
exemplo, que repercussões há com o fim de uma banda para um determinado estilo
musical? Como isto modifica a escuta para com as aves locais no dado período?
ॐ
20.4 . Próera, Hipersonificação da Aura Local e Atual:
20.4 .1 . Número limitado de parâmetros: Um modelo de hipersonificação da escuta
local pode ser formulada tal que o número de parâmetros de afinação da escuta (mesmo que
grande) seja limitado e cognoscível sensivelmente. O número de parâmetros depende apenas
do modelo de interação entre a ópera e o contexto. Ao contrário, o mapeamento de parâmetros
da próera (a aurática) necessita de tantas sonificações quanto escutas houverem no grupo e na
rede em que se quer atuar de modo a englobar suas dimensões num gesto operístico sem perda
de definição.
20.4 .2 . Bases sociais da escuta: Elas podem afetar as sonificações em uma maneira
complexa, mas, desde que o modelo de interação entre a ópera e o contexto (a próera) está
sempre baseada nos processos produtivos culturais que podem ser familiares à experiência
cotidiana da escuta, a conexão entre sonificações e dados relacionais é flexível, podendo ser
feita de modo a parecerem naturais e simples ou surreais e complexos.
20.4 .3. Boa aprendizagem: Enquanto uma consequência do ponto anterior, a próera
herda todas as forças parametrizadas do simbolismo auditivo histórico (toda a auricultura)
enquanto amplia a aura pela flexibilização das escutas e entrescutas através da compassividade.
Comparada à ópera enquanto sonificação afetivo-musical de modelos e a disposição auditiva
enquanto sonificação granular de dados exatos, os sons de uma hipersonificação proerística são
muito mais coerentes em estrutura com definições de relações aurais afetivas reais
relacionadas a modelos científicos e artísticos.
20.4 .4 . Generalidade: Os modelos proerísticos podem ser formulados tais que eles
operam em dados de dimensionalidades e meios distintos.
20.4 .5. Eixo temporal intuitivo: A experiência aural do tempo, sendo o produto
principal da próera, enquadra a evolução temporal do gesto enquanto modelo e é, assim,
intuitivamente relacionado às mudanças ou eventos com o processo descrito no modelo.
20.4 .6. Interface intuitiva: Os modelos relacionais de hipersonificação da próera
podem oferecer muitas práticas flexíveis e naturais para o acesso e manipulação dos processos
de geração sonora (soação) e de escuta (aurática) e podem usar conceitos baseados no mundo
psicofísico. As sonificações são usadas enquanto retroalimentação às ações coletivas, que
moldam nossa escuta pela nossa própria manipulação sonora no audível.
20.4 .7. Usuário ativo: Regras de interação conectam os usuários com as
retroalimentações das escutas. Desde que a interação do usuário pode não apenas prover
excitações do modelo mas também controlar continuamente os parâmetros da operação
subjetiva sobre a escuta, a próera sustenta um novo estilo de exploração ativa dos dados
sensíveis-estéticos que expande a atuação das personagens-conceito da ópera para o cotidiano
cultural.
20.4 .8. Fatores ergonômico-sociais: A orquestração e a montagem teatral pode ocorrer
com qualquer tipo de grupo sob qualquer tipo de estilo de atuação artística, permitindo uma
rotatividade de funções e a reflexões sobre os lugares de micropoder social.
20.4 .9. Transimetria: A próera pode ser feita para ser invariante a transformações de
uma série de dados sensíveis relacionais que não tenham relevância semântica (como as
mudanças de humor dos intérpretes) ou focar apenas nestes se isto se mostrar melhor à
escuta-comum.
ॐ
20.5. Próera, Sustentabilidade Aural: A próera tem a ouvir com uma reflexão de
segundo nível, uma escuta da escuta, que leva em conta não as estruturas superficiais das atividades
folclóricas (de folk lore, sabedoria comunitária) das comunidades específicas, mas as capacidades
generativas que todos temos para a sustentabilidade cultural e artística. A próera busca expandir as
escutas sociais através da aprendizagem que a arte tem a oferecer nestes campos da experiência
humana. Algumas das modificações sobre a ópera propostas pela próera (enquanto gesamtkunstwelt)
são:
20.5.1 . A descentralização da especialização aural: O conhecimento sobre como
produzir cultura e arte e como refletir sobre a produção artístico-cultural é monopolizada em
silos de especialistas na produção, difusão e crítica cultural. Há uma necessidade de
empoderamento no plano local, que permite às coletividades fazerem qualificadas e refletidas
decisões sobre seu desenvolvimento cultural e artístico.
20.5.2 . Processos inclusivos e abertos a modificações: Há uma necessidade de desafio às
hierarquias de idade, gênero e de segregações de maioria/minoria. Temos de aprender dos
coletivos onde os processos artísticos são abertos para as pessoas através das barreiras culturais
e para as influências de todos os outros processos que já ocorreram ou ocorrem no mundo,
enquanto incluindo novos elementos através da hibridização.
20.5.3. Processos criativos colaborativos: Os processos de criação artística são livres das
amarras do sistema de operação linear e nele reaprendemos a trabalhar em coletivos (mesmo
quando a sós), sensível ao contexto local, onde os participantes contribuem de acordo com sua
singularidade de plano de fundo e capacidades.
20.5.4 . Transmodalidade: Em nosso paradigma atual, há uma hierarquia das
modalidades de expressão/recepção onde a visualidade surge como topo da clareza cientificista,
seguida da escuta, etc. Podemos dividir as atividades que implicam ouvir, ver, mover-se,
degustar, etc. em diferentes atividades incompatíveis. Mas na próera podemos pensar oficinas
de criação que sejam jantares e apresentações musicais com palestras, etc. De tal modo,
podemos repensar uma comunidade cultural e artisticamente sustentável onde cada impulso
pode levar a atividades em qualquer combinação de modalidades (ópera), e uma atividade
combinando outras tantas numa tradução que gera ainda outra modalidade sensível.
20.5.5. Um conceito amplo de reflexão sensível: O modo lógico-dedutivo de
pensamento do paradigma industrial e o pensamento binário atravessam o bem-estar social, a
política, a produção, e qualquer área que você possa pensar. Uma aproximação culturalmente
sustentável entranha as hierarquias em atividades dinâmicas de produção de sentido, e aceita
outras dimensões cognitivas. Simbólicos, matemas, mitos, químicas, gestos,etc. são todos
veículos possíveis para o código informacional, cuja implicação para a inovação,
desenvolvimento cultural e a solução de problemas em geral é altamente subestimada.
20.5.6. Melhor utilização do espaço: Através de uma retomada da responsabilidade
artística coletiva, podemos melhorar a utilização da aparelhagem cultural pública e privada
além de uma reflexão social sobre a arte em espaços públicos.
20.5.7. Memória coletiva: Comunidades sustentáveis cultural e artisticamente têm
diversas técnicas para o resguardo de informações e métodos, ferramentas e procedimentos
para a reflexão transmodal. Em nossa análise da auricultura, nós falamos sobre tradição e
proximidade como contrapontos ao desenraizamento da arte dos rituais na sociedade
moderna. O desafio é achar formas adequadas de conexão entre os detentores dos
conhecimentos e as potências de operação de uma maneira que permita-nos recuperar a
sabedoria humana.
ॐ
20.6. Métodos de Avaliação de Próeras : De modo a avaliar e implementar a
participação numa próera, individual e coletiva, sem testes padronizados (para evitar a repetição
mecânica e para que vocês se divirtam o máximo durante o processo e aprendam tudo que todxs xs
outrxs têm a ensinar):
~AS ELEFANTINAS,
~A MARCHA ELEFANTE, peça percussiva com
todos os instrumentos, incluindo a mesa e os convidados feito a
soar como elefantes andando e correndo pelos campos, como se o
próprio teatro fosse um enorme elefante.
~MASSACRE ELEFANTE, a música mais pesada
com o maior número de ritmos ao mesmo tempo.
~VINGANÇA DOS ELEFANTES, crescendo
espectral vocal (como à canção Nellie The Ellie Fant da banda
Toy Dolls) que culminam de maneiras distintas sempre que
tocadas.
~O ELEFANTE DE MARFIM, em três movimentos
que finalizam os atos.
ॐ
22.Próera Elefante, Ópera Marfim:
22 .4 .6.2 . Soação e musicking: Para ligar isso à questão fundamental deste projeto,
devemos situar a arte no contexto mais amplo da ação humana sobre a crença. Musicar
(musicking) trata das relações afetivas dos envolvidos numa produção sonora coletiva. Os
artistas de nosso modelo fazem parte da sociedade em geral e a ela respondem, e é a esta
sociedade que o próprio conhecimento científico pertence, em última instância. Os artistas são
meros especialistas na aquisição de experiências consensíveis, que é apenas um dos muitos
empreendimentos humanos – viver e amar, comer, beber e fazer farra, comprar e vender, fazer
e consertar. Perguntar se se deve acreditar na arte é perguntar se existe uma ligação válida
entre o conhecimento consensível e a ação em outras esferas. A aura é a escuta relacional.
ॐ
22 .5. Marfim, Tecnologia Elefante: As falácias da arte-tecnologia (música-sonologia): O artista
convertido em pesquisador laboratorial da estética, está sempre buscando resultados novos e agradáveis
esteticamente. Todo hacklab é também uma produtora de propaganda. Suas experiências não podem ser como a
das produtoras de arte ou das agências de propaganda, meras repetições de triunfos passados – quantidades
bem conhecidas determinadas com um grau razoável de precisão mercadológica. Nenhuma expansão aurática
poderia advir deste tipo de fato conhecido, a não ser por uma drástica mudança de contexto da obra. O tipo
ideal de novidade experimental é um daqueles episódios dramáticos em que os artistas se inspiram e nos quais
os historiadores e filósofos estéticos concentram sua atenção, quando um fenômeno anteriormente
desconhecido é observado com uma técnica relativamente simples e repetível pelas cadeias de produção
ideológica cultural. Pode ser uma descoberta imprevista ou uma daquelas experiências cruciais que confirmam
surpreedentemente alguma previsão fantástica ou refutam decididamente uma bela teoria. Em geral a arte se
alimenta de pequenos insights de conexão de elementos tidos como díspares, podendo facilmente se assemelhar à
mera piada memética: daí que pululem Monalisas de boné, cabelos curtos, bigodes.
22 .5.1 . Todo pixador teve em si o insight de Banksy, quantos dramaturgos houveram antes de
Shakespeare, o experimento de
Merzbow foi de levar o ruído a uma
consequência impensada pelos ruidistas
antes dele. A ideia de levar a cabo tal
experiência, na verdade, pode ter sido
amplamente discutida em seu campo
específico de investigação artística; os
aparelhos sociais adequados podem já
estar disponíveis; no entanto, a
realização de fato da experiência estética
de ampliação aurática não é, de modo
algum, uma simples rotina como uma
grafitada com atitude. Em geral, o fato
de não ter sido realizada antes não se
deve ao acaso; a tarefa a ser
desempenhada pode estar no que é visto
como fronteira do possível nos marcos
da tecnologia sensível de ponta. As
dificuldades que viciaram os trabalhos
anteriores precisam ser evitadas; o
aparelho cognitivo-sensível deve ser
levado aos limites de seu desempenho; a
capacidade da escuta do artista e a
experiência estética pública são postas à
prova. A genialidade, esta escuta à
consciência contextual de cada gesto poético, é o mínimo para a arte.
22 .5.1 .1 . A arte, no nosso tempo, tornou-se uma indústria. A pesquisa estética deixou de
ser uma atividade individual de aprendizagens singulares para ser realizada por redes coletivas
em que o trabalho é subdividido e especializado. Os aparelhos de valoração dos gestos enquanto
“artísticos” (e não meramente poéticos) são tão complexos e caros, e capitalizados em uma
escala tão ampla, que transcendem em muito as capacidades intelectivas ou manipulativas de
um único artista para intuir, projetar, construir, operar e produzir essas redes de escuta
sozinho. Esse desenvolvimento histórico tem um grande significado na sociologia da
comunidade artística e em suas relações com a sociedade em geral; também tem alguma
influência sobre o conteúdo e a autoridade do conhecimento artístico em geral.
22 .5.2 . Norma musical e hipermúsica coerenciante: As técnicas usadas para separar o sinal
desejado do ruído são muito importantes na música fortemente apoiada em instrumentos e não
podem ser ignoradas em qualquer avaliação da confiabilidade última do conhecimento estético.
Métodos de processamento de dados como o das partituras e da luthieria, desenvolvidos para
aperfeiçoar a transferência de informações entre artistas, podem agora ser aplicados para otimizar e
automatizar o que outrora eram as habilidades altamente apreciadas de instrumentistas especialistas.
Pizzicatos fantasticamente precisos são obtidos por um cálculo apropriado de médias, análise
espectral, síntese de abertura e outros mecanismos computacionais. Até parece que as limitações
intrínsecas da audição podem sempre ser transcendidas por truques como esses.
22 .5.2 .1 . As técnicas passadas da escuta, no nosso caso específico a música, pode não
ser tão eficiente quando
estamos procurando um
sinal que pode não ser
ainda tido como estético,
uma aura. A questão a
enfatizar é de que a
informação trocada entre
artistas e audiências e
depois transmitidas aos
arquivos como elemento
consensual (a
documentação e a crítica
enquanto umas das belas
artes) de conhecimento
público não inclui cada
leitura possível, nem as
respostas dadas a um
questionário sociológico
ou epistêmico. Os dados
brutos precisam ser
refinados, processados,
analisados e interpretados
antes de se tornarem
suficientemente
compactos e interessantes
para serem passados
adiante. Esses processos
em si, onde se cultiva a
crítica e a produção artística, estão pesadamente carregados com teorias e profundamente
inseridos no esquema de pensamento da época. É tarefa do artista minimizar, mas não
subestimar, o conteúdo de ruído de seus dados, pois será a meta da comunidade artística
selecionar os sinais corretos a partir do fundo de resíduos e distribuí-los, despido de toda
incerteza aparente, como conhecimento confiável e beleza estética.
22 .5.3. Para bem e para mal, aqueles que participam da atividade artística geram, comunicam e
avaliam publicamente as obras e teorias de outrxs, relacionados a seu tema de pesquisa (seu foco aurático),
com o mesmo rigor de propósito que dedicam à obtenção de resultados experimentais confiáveis e
consensíveis. A pergunta epistemestética básica – a arte é confiável? – dirige-se muito mais às
interpretações teóricas e pragmáticas da obra por seu autor e por terceiros que propriamente a
experiências artísticas.
ॐ
22 .5.3.1 . Auricultura: Nas ciências acústicas, as teorias costumam articular-se em
torno de modelos cujas
propriedades são
passíveis de uma análise
matemática
relativamente precisa.
Na maioria dos ramos da
arte sonora (sobretudo a
música), porém, o
conceito de modelo
acústico é, de certo
modo, forte e definido
demais como sinônimo
intersubjetivo para a
convenção teórica dos
afetos pessoais. As
condições básicas de
consensibilidade não
exigem, em absoluto,
precisão geométrica e
mensuração
quantitativa; podem ser
satisfeitas adequadamente pelo reconhecimento mútuo de padrões significativos de modos de
escuta e soação. Do mesmo modo, um consenso adequado pode ser alcançado no domínio da
aura – isto é, na representação generalizada e abstrata de um corpo de informações estéticas
detalhadas – na forma de um padrão que possa ser aceito, reconhecido e assimilado
sensivelmente sem ser necessariamente passível de definição e análise completas em linguagem
matemática ou lógico-formal.
22 .5.3.1 .1 . Aura enquanto cartografias da escuta de um gesto poético: É natural
referir-se a uma representação técnica do artístico como um mapa. É importante
enfatizar que a própria referência é metafórica. O conhecimento estético
(gnosestética) é um epifenômeno peculiar da existência humana e só pode ser
singularmente ele mesmo. Parece não haver qualquer necessidade absoluta de ele seja
estruturalmente isomórfico com algo tão topologicamente especializado como,
digamos, um gráfico de vértices (na linguagem dos mapas, “locais”) ligados por
“margens (ou “estradas” sobre um plano múltiplo (“folha de papel”) de algumas
dimensões. É concebível que pudesse e às vezes talvez devesse assumir formas mais
erráticas e confusas.
22 .5.4 . Signose da sofilopsiquia: A formação de paradigmas é fundamental para a arte como
processo social. Sem o compromisso pessoa dos artistas com a mesma imagem do mundo, não haveria
comunicação, nem base para a crítica, nem critérios para a consensualidade. A ideação mental de
estados sinestésicos – capacidade de ponderar as consequências desta ou daquela ação sem laboriosos
cálculos – é uma habilidade humana imensamente poderosa, essencial para o progresso artístico. A
meta da educação artística é desenvolver a capacidade de estar à vontade com o consenso estético da
época – pensar auraticamente. A experiência demonstrou que é praticamente impossível que alguém
contribua para a pintura, para a música, para a intervenção urbana ou para a dança antes de se tornar
pintor, músico, interventista ou dançarina, internalizando a auricultura própria do modo de escuta
que escolheu.
22 .5.4 .1 . Mas há um preço a ser pago por esse compromisso. Cada geração de artistas
dá demasiado crédito a seus próprios paradigmas. Por sua educação e por sua participação no
mercado da arte, o artista médio é fortemente doutrinado e tem grandes dificuldades para
enfrentar a possibilidade de que sua imagem do mundo (audível) possa estar errada. É raro
que um paradigma estético tenha a riqueza e a diversidade de uma ecologia aural real. Ele é
derivado de um mapa teórico ou fenomenológico, que é necessariamente um representação
esquemática do conhecimento que categoriza. Isso é particularmente verdadeiro no caso
acusmático da experiência artística atual, em que as obras costumam ser relatadas de segunda
mão e as dificuldades e contradições são varridas da escuta em nome do asseio cultural. É
provável que o ouvinte adquira uma escuta grosseiramente simplificada e acrítica do tema, que
pode levar a muitos anos de dura experiência para desaprender. A gnosestética, o conhecimento
artístico, não pode ser validado ou justificado apenas pela estética.
22 .5.5. Na linguagem por meio da qual falamos da arte, intuição designa modos de percepção
(identificação rápida, entendimento claro e capacidade de interpretação), imaginação (capacidade de
representação, habilidade para formar metáforas e criação abstrata de estados cênicos), inferência
(catalítica), síntese (visão global do audível), entendimento (senso comum) e avaliação (fronese). A
intuição artística inclui muitos processos que não podem ser comunicados de maneira inteligível de
uma pessoa a outra, a não ser por sugestões, sinais corporais como no caso de um regente ou outros
meios extralógicos.
22 .5.5.1 . A melologia partitural clássica: A dificuldade com o pensamento melológico
(icônico musical) em relação à complexidade sonora, é precisamente o fato de ele gerar um foco
aural melódico e não poder comunicar a complexidade de parâmetros por uma representação
direta e objetiva. Os diagramas, desenhos e outras mensagens visuais têm um papel importante
na interpretação de uma sonoridade complexa, mas são muitas vezes inadequados para
transmitir sutilezas e complexidades que podem ser aparentes ao “ouvido da mente” na
situação específica. 4’33”.
22 .5.5.2 . Portitura: A
mensagem artística não é prescritiva.
Não é uma ordem de um superior
social nem um imperativo moral. A
influência do conhecimento sensível
sobre a ação surge de seu poder de
ampliação aurática. Tomar decisões é
escolher entre caminhos que se
bifurcam para o futuro, à luz de seus
pontos finais imaginados ou
calculados. Com o auxílio de um
mapa das artes, fazemos
extrapolações do futuro próximo
com modesta confiança e esperamos
chegar à meta desejada. O
conhecimento sensível advém da arte
em consequência do modo como foi
criada pela sociedade para este
propósito. Uma obra é um mapa do
universo que nos é praticamente inútil
como meio de prever o desfecho de
qualquer ação na escala humana.
ॐ
22 .5. Estilo Marfim: Estilo pessoal e questionamento anônimo: O fundamento básico da crença na
arte é a impressão difusa de que ela tem um objetivo subjetivo: uma estética ou um estilo. Ela é a sensação sem um
sentidor: é a idealização de um sujeito da sensação. A noção ingênua de uma validação da arte por um robô
censor não-humano já foi descartada. A subjetivação do conhecimento artístico reside no fato de ele ser um
produto social objetivo, que não deve sua origem a qualquer indivíduo particular, mas é criada de maneira
cooperativa e comunitária. Apesar de toda a glorificação de indivíduos por suas grandes descobertas estilísticas,
o produto final – a obre de arte estabelecida e suas ressonâncias sensíveis na experiência humana, a estética –
pertence aos anônimos, por assim dizer, à humanidade. Tal objetivação dos sonhos da espécie e a anonimidade
ocorrem em comum com outros segmentos do domínio noético – convenções científicas, preconceitos
políticos, tradição social, etc.
22 .5.1 . Uma obra de arte, assim designada pelo sistema de estilização e controle das condutas
subjetivas (ou mercado da arte), não é tão consensual quanto um teorema matemático, mas mesmo
assim ela se reveste de um processo completo de crítica por parte de proclamados especialistas estéticos
bem motivados (pagos) e habilidosos que não foram capazes (ou assim declararam) de detectar
qualquer motivo para impedir tal obra de existir enquanto organismo da rede sígnica subjetiva da arte
global (estetosfera). Supomos que nós mesmos poderíamos pô-la à prova em busca de contradições de
sua lógica estética interna ou da compatibilidade observacional com o contexto aplicado. O próprio
fato de ela agora fazer parte do consenso da comunidade artística, implica que os críticos potenciais
mais capazes dessa comunidade acreditam nela; quem seríamos nós para não nos conformarmos à fé
deles? Quem quereria comprar tal briga com o modelo de produção objetiva da subjetividade? A falha
perante uma obra de arte é sempre pública, tanto da plateia, da ausência de possibilidade crítica,
quanto de seus intérpretes.
22 .5.2 . A interpretação estilística do porte: A leitura de uma obra como o projeto de O
Elefante de Marfim, é comparável à de um mapa,
traçado por uma grande companhia de topógrafos (os
tais ab_istas anônimos) que percorreram o mesmo
terreno por muitas rotas diferentes, tal como os
críticos de arte julgam todos terem feito com as
possibilidades de gesto poético. Em um primeiro
momento, esse mapa pode parecer não estar de
acordo com o pequeno pedaço de mundo artístico
que vemos por nós mesmos (principalmente na
escuta musical); mas com a experiência das viagens e
na ausência de indícios contrários muito óbvios,
acabamos aceitando seus traços característicos. Com
o tempo, ele passa a emprestar sua aparência à escuta
do mundo do intérprete, tal como a influência das
obras numa vitrine com relação àqueles que passam
por ela na rua. A concordância assim alcançada entre
nossa representação mental do ambiente (como no
caso de uma instalação artística num museu) e todos
os nossos movimentos nele é a própria essência da
relação entre crença bem fundamentada socialmente
e ação. Essa é a base para nossa confiança de que
vivemos em um ambiente artístico e estético cuja
existência independe de nossas percepções,
concepções e criações contínuas de arte.
22 .5.3. O poder, a autoridade e a credibilidade da arte dependem das características do meio
que liga o artista à rede de valoração simbólica da crítica, curadoria e veiculação de sua produção.
Através desta necessidade de comunicação social, os artistas suprimem a aura de suas obras de arte em
prol de fortalecer o conceito-arte, servindo à produção de mais-valia produtiva da cultura do
entretenimento e da pesquisa. Ao adquirir uma linguagem, a criança é automaticamente transformada
em um instrumento de seu grupo social – um aparelho que pode transmitir mensagens na língua em
que foi criada e que só pode ser sensível às categorias implícitas nesta. A arte dentro do sistema de
produção cultural só pode falar do estilo.
22 .5.3.1 . Ecletismo xenófobo: Como as linguagens artísticas são imprecisas,
ambivalentes e formalmente incompletas, não se deve supor que esse processo de socialização
produza estilos idênticos, rigidamente orientados e unilaterais. Mas, realmente, suscita a
possibilidade bastante perturbadora de que os domínios noéticos de grupos sociais com estilos
diferentes podem ser organizados de maneira tão diferente que a noção de uma arte consensual
universal tornar-se-ia insustentável. Por que então existem ainda tabus sociais quanto à
execução de certos modos artísticos, como o ruído simbólico? O ataque à saúde é uma crítica
primeira e aceitável. Quando não é este o caso, há interesses subjetivos envolvidos sobre os
quais não vamos nos delongar aqui, pois já se encontram no projeto de Sofia Harmonia.
Pode-se dizer que o ecletismo é o principal preconceito estético vigente, pois gera a confiança
numa limitação de ampliação da escuta e da complexidade sonora. Pode-se dizer também que
se sabe mais sobre a escuta de alguém pelo que ela não ouve do que pelo que ela assume
enquanto estilos nucleares.
22 .5.3.2 . Sobre plágio, colagens e mashups: Contra esta manifestação de
semi-relativismo cultural, existem as evidências linguísticas, segundo as quais todas as línguas
se conformam à mesma gramática transformacional profunda – qualquer declaração que tenha
sentido em qualquer língua pode ser sistematicamente transformada sem perda de sentido em
ॐ
uma forma simbolicamente padronizada através da semiótica. Pensemos trechos de uma
música como estetemas numa linguagem, estas podem ser recombinadas em outra linguagem
para outro tipo de soação numa instalação sonora que se converge numa fotografia e assim por
diante. Ao aprender uma língua, além disso, uma criança logo adquire a capacidade de ouvir
uma declaração aparentemente sem sentido como “Os ideais verdes comem comitês
impronunciáveis.” e transformá-la em um ou diversos equivalentes sintáticos tal como “Os
comitês que os ideais verdes comem são incapazes de se pronunciar.” O processo de
aprendizagem gramatical depende deste tipo de criação. Para entender uma composição é
preciso executá-la, editá-la, reinventá-la em diversos contextos e sob diversos pontos de escuta. É
preciso mesmo negá-la, odiá-la e se reconciliar com ela já deposta qualquer dúvida de sua
integridade estética.
22 .5.4 . A homogeneização do audível: Com efeito, a educação exigida para se fazer um artista
(uma educação para a liberdade e autonomia responsável) tem o efeito de ampliar as variações
individuais de cognição primária em uma única cultura, em contínua expansão. Uma cultura da
diferença, do ecletismo e da alteridade. Para tomar parte da atividade artística, é preciso ter a
capacidade de comunicar-se
eficientemente com outros artistas de
quaisquer áreas, incluindo mendigos e
milionários, hackers e folcloristas.
Quanto os artistas de açougues não
têm a aprender com dançarinos? A
comunicação envolve a comunhão, o
que torna a crença estética um pacto
social intersubjetivo. É claro que muitos
irão discordar disto, em prol de suas
próprias obras. É em favor desta
discordância que escrevo. O objeto de
arte perde seu valor, seu fetiche,
justamente porque a arte desponta
enquanto criação da subjetividade
(sonho maquínico) onde o espaço para
variações pessoais é tão importante
que impede a objetividade da estética.
Nessa busca por uma precisão aleatória,
a cognestética cultiva a prática da
comunicação de mensagem máxima,
que expõe todos os detalhes e impõe
um consenso prosaico à interpretação
do domínio da afecção artística. Isto
não diminui empresas mais sutis no
campo do formalismo estrutural das
artes, pois justamente visa preservá-los
a todos.
22 .5.4 .1 . Artistão: O que estabelece a ordem geométrica mínima entre as visões
estéticas apreendidas
pelos vários
indivíduos (entre o
neoplasticismo, o
action-painting e o
barroco, por
exemplo), cada um
dos quais com seu
espaço de escuta
sensível pessoal, não é
ainda a perfeita
semelhança desses
espaços, mas as
diferenças sensíveis
entre seus sistemas de
percepções que geram seu foco, e portanto, seu conteúdo. Para que as visões de todos sejam
coordenadas em uma única ordem estética cognitiva (gnoestética), não podemos querer que
tenham estruturas semelhantes a priori, nem na sua apresentação (a museologia clássica).
Além disso, é necessário compreender as suas diferenças estéticas como equivalentes segundo
complexas regras de precisas perspectivas. São essas diferenças entre a sua percepção e a minha,
cada uma em seu próprio espaço estético imediato, que constituem o campo artístico em que
ambos estamos situados. Artistão, istão (como em Cazaquistão) remete ao local de morada.
22 .5.5. Quanto é real? A aplicação estrita dos princípios da sociologia estética parece levar à
conclusão inelutável de que a arte é apenas uma entre várias visões do mundo, concorrentes no
domínio noético, e não é privilegiada em comparação com qualquer outro esquema sistemático que
um grupo social possa
subscrever, tal como as
famosas crenças em palavras
mágicas. Quanto aos padrões
normais de crença e ação,
devem ser tratados como
culturalmente dados. São
mantidos como características
institucionais permanentes
mediante a socialização e o
controle social, e é
tecnicamente impossível
explicá-las por meio de suas
origens remotas. Todo folclore
é ideologicamente moldado a
fins de produção da realidade.
Podemos alegar que, para
propósitos sociológicos, todos
os sistemas institucionalizados
de crença (incluindo a ciência,
a arte e a política) devem ser
tratados como equivalentes.
ॐ
22 .5.5.1 . Solfejo aural de um trovão que antecede o raio: O mago de palco (o artista
enquanto performance) ganha a vida criando a ilusão de que um dos princípios elementares do
realismo do senso comum foi contrariado: em todo o mundo, em todas as culturas, os
mesmos truques são eficazes como fontes de assombro e curiosidade. Em algumas sociedades,
é claro (como na política), o ilusionista não revela seus métodos e impõem-se como possuidor
de poderes sobrenaturais. Mas o comportamento crédulo de sua audiência – real ou fingido – é
um comentário sobre o papel social da tecnomagia. O conceito de milagre implica a crença
numa homogeneidade de crença social. A análise estética, portanto, prenuncia o significado
atribuído à entrescuta: ouvir pelo ouvido dos outros.
22 .5.5.2 . O extra-sonoro como valoração musical: As categorias da escuta e as relações
lógico-musicais do mundo audível cotidiano, embora continuamente baseadas na experiência
acústica humana e refinadas para uma autocoerência pela instituição social de linguagem
sônica, não se restringem ao que possa ser expressado simbolicamente ou em termos quantitativos ,
segundo algoritmos finitos da representação matemática espectral. O senso comum distingue,
no domínio sensível da natureza sonora, uma variedade de aspectos extra-sonoros e
extra-musicais e contudo, altamente consensíveis – padrões de entranhamento
cognitivo-afetivas, em adjacências e sequências, conexões e interações. A realidade acústica é
muito mais amplamente um ab_estrato retratado de maneira objetiva (Rizz e Helmholtz
lembram que a música é o princípio físico-psico-acústico) do que um objeto abstratamente
subjetivado.
22 .5.5.2 .1 . A escuta é o mistério da audição, a aurática é a acústica onírica:
Uma pergunta que fica em aberto é se a estrutura categorial do realismo cotidiano é o
único esquema possível para descrever ou entender a natureza aural em seus aspectos
acústicos. A este respeito Novalis diria: “A poesia é a verdadeira linguagem da ciência,
tal como a ciência é a verdadeira sensibilidade da poética.”
22 .5.6. A estratégia cognitiva da arte, em
contraposição à ciência, está dirigida para a criação de
um máximo dissenso no domínio público da percepção
estética. Mas isto não implica que a arte se posicione
em favor da falta de comunicação destas partes
tensionantes. Tal dissenso, como o consenso científico,
está baseado por uma harmonia social preexistente. Se
quisermos uma arte harmônica, precisaremos antes
harmonizar os desejos que forjam o mundo onde esta
se dá. A luta por poder é uma luta por valoração
estética. A menos que tenha sido apanhado pela
estética ou pelo desígnio propagandista (design), o
artista praticante médio está mais do que disposto a
jurar que seu ramo de crença é apenas senso comum.
Concordará que ele mesmo pode ser um tipo muito
incomum de pessoa, com uma educação sensível muito
especializada, no entanto, não faz qualquer distinção
mental entre sua própria sensibilidade artística e sua
prática com os assuntos cotidianos, afirmando
enfaticamente que seu modo artístico de procurar por
sensações e ressoá-las em gestos poéticos no sentido
performático (paint actioning) não é diferente, em
princípio, do que ele faria se tivesse que consertar uma bicicleta, cozinhar ou descobrir um endereço.
22 .6.1 . Tal atitude é uma afronta à sensibilidade da pessoa comum. Ela sabe que o
artista pode desenhar como ela não o faz, que o músico prestidigita de maneira superior (sob a
ótica desportiva da gimnopédia) ou ao menos vivem de maneira não rotineira no sistema
capital, e mesmo que e, por assim dizer, feias, é porque estas são vitais à necessidade complexa
da cultura científica operante ao qual o leigo não tem acesso. O leigo aceita o que o artista lhe
expõe com o mesmo espírito de credulidade maravilhada com que aceitava no ‘passado’ as
especulações teológicas dos políticos, mas não mistura nunca o universo misterioso revelado pela
arte com seu próprio mundo caseiro. Em outras palavras, atribui-se ao artista um acesso a
meios de pensamento e sensibilidade que são fundamentalmente diferentes dos seus próprios;
estão convencidos a acreditar na arte, não pelo peso das provas sensíveis de que este modo de
vida é útil e necessário, mas à luz da autoridade sensível da especialização social da arte.
22 .6.2 . Os críticos e jurados são considerados como seres humanos comuns em nosso
modelo esquemático da arte. O consenso sensível que talvez pudesse ser extraído desse grupo
poderia depois ser estendido ao conjunto da humanidade e desta, devemos supor, a todos os
seres nervais. Nessas circunstâncias, a credibilidade da arte seria vista como dependente da
diversidade de atitudes imparciais entre os membros desse júri, que avaliariam criticamente
todas as provas e ouviriam pacientemente todos os lados de todas as questões transumanas da
sensibilidade e do conhecimento sensório estético. Na prática, porém, o conhecimento
estético é gerado e validado por uma comunidade artística (e propagandística cultural), que
está tão distante quanto possível de uma amostra aleatória da humanidade sem retoques, que
se dirá de todos os seres sensíveis. Em virtude da divisão social do trabalho, a sociedade
moderna confia o cultivo da sensibilidade a um grupo profissional altamente especializado,
caracterizado tanto pela capacidade técnica como por um extremo compromisso com a arte
enquanto instituição cultural social. Aquilo que, por princípio filosófico, deveria ser feito por
todas as pessoas, é posto nas mãos de substitutos que portam coletivamente os poderes e as
responsabilidades da arte na sociedade em geral.
ॐ
22 .6.2 .1 . Essa especialização representativa e esse profissionalismo na prática
da arte têm imensa eficácia na produção e na aplicação de obras consagradas. Não
vamos pôr em questão a necessidade sociológica, a inevitabilidade histórica, desse
desenvolvimento. A vasta extensão do conhecimento artístico e sua profundidade
sensória em todos os pontos estão além da avaliação ou da reavaliação crítica do leigo
sem instrução. Mas isso, sim, quer dizer que o critério geral da universalidade da arte
não deve ser visto como uma exigência de uniformização do gesto artístico.
22 .6.2 .2 . Ao avaliar a confiabilidade da arte assim produzida, não podemos
evitar de perguntar com que competência essa instituição social especializada cumpre
o papel que lhe foi atribuído. Sabemos, por exemplo, que nem o grupo humano mais
incorruptível e dedicado está imune às falácias e às ilusões de massa. A qualidade do
conhecimento estético acumulado nos arquivos museológicos depende muito menos de
paradoxos filosóficos e cavilações psicológicas do que da formação dada aos artistas
individuais nos cotidianos de suas comunidades, a suas relações mútuas no circuito de
produção e veiculação da subjetividade coletiva (a rede comunicacional do sistema
simbólico) e ao lugar da arte na sociedade em geral. A sociologia da arte é relevante
para nossa discussão, não só porque a arte é um fator transformador altamente ativo
na sociedade, mas também porque seu conteúdo sensório-cognitivo depende, para sua
forma e integridade, da maneira pela qual essa instituição social molda e governa seus
membros. Quem é o maestro de maestros?
22 .6.3. Aprender a pensar esteticamente é um processo longo e complexo. Por outro
lado, o estudante pode simplesmente aprender a fazer arte por “descoberta pessoal”. Diante de
uma coleção de instrumentos e fenômenos culturais (e pseudo-naturais) aparentemente sem
sentido ele pode obrar uma nova forma de sensibilidade estética. O processo estético não pode
ser acelerado aprendendo-se de cor os fatos e teorias da história das artes, memorizando-os a
granel como se faria com o vocabulário de uma língua estrangeira ou com uma cartografia.
Não se trata apenas de que a doutrinação do espírito, como na tradição pedagógica da teologia
ou ideologia, é antitética à crítica e ao ceticismo estético, essenciais para o exercício da
sensibilidade. É que os conceitos estéticos só se tornam arte pelo uso prático.
22 .6.3.1 . Para o esteta,
a arte é interessante em suas
teorias abstratas; para o
diletante, ela é valiosa por suas
realizações sensíveis; mas é a
unidade entre teoria e prática que
o artista estético mais aprecia e
que enfatiza em seu ensino-obra.
Em quase todas as disciplinas
das “Belas Artes”, há uma forte
tradição de formação em
técnicas de experimentação e
observação (de vivências poéticas)
– repetindo experiências
históricas famosas, usando
paletas e instrumentos de época,
observando métricas parnasianas
e curvas de camartelos sobre as
rochas esculpidas. Esta
repetição, como os ensaios
técnicos, são a apreensão e
questionamento sensível de
conhecimentos estéticos
teóricos prévios. Se aprendemos
a falar sem esforço, para ler e
escrever precisamos interpor
toda nossa escuta e da ajuda de
outrxs. A música se põe neste
vão: entre canto-fala e canto-escrita, ar e teia.
22 .6.3.2 . A estudante de arte costuma encontrar uma nova entidade
relacional estética, tal como um campo
magnético, primeiro como uma
intuição sensível e depois tem de
manipular seu corpo e seus
instrumentos até que a relação se torne
real para ela. No devido tempo, pode
ser forçada a afirmar que sua obra é um
paradigma da experiência estética
universal. No curso de sua breve
formação universitária, raramente terá
tempo ou oportunidade para
internalizar o paradigma inteiro em
toda sua riqueza e complexidade, e
pode sair da universidade com pouco
mais do que uma doutrinação incerta
nos aspectos mais avançados das
técnicas de produção e controle de seu
tema.
ॐ
22 .7. Sensibilidade de Marfim: O Processo Educacional Estético é incompleto demais; é fácil
demais ser doutrinado para consignar atributos de realidade estética a uma falácia socialmente conformista. O
ceticismo organizado e a crítica competitiva são as normas da comunidade artística, mas a maioria dos artistas
criativos é otimista a respeito do consenso atual em sua área, e superestima a permanência do que acredita já
estar firmemente estabelecido. A esse respeito, também, os ensinamentos oficiais das instituições educacionais
não proporcionam uma orientação satisfatória para o que é verdadeiramente digno de crença estética.
22 .7.0. Dissidência e Seleção: A autoridade intelectual da arte não está na capacidade técnica
de seus praticantes individuais, nem nos vastos arquivos a que a formação deles dá acesso; reside nos
processos pelos quais o conhecimento sensível é criado e validado. As fontes de sua confiabilidade não estão
apenas no fato de esta ser expressa em linguagem sensível e comprovável pela experiência, são também
encontradas nos processos históricos de seu crescimento e nas relações sociais dos que a produziram. A
obra de arte do século XX foi a curadoria, assim como das do XIX foram os museus.
22 .7.0.0. Fazendo uma retrospectiva, é fácil cometer o erro de ver a história da arte
como um relato de êxitos indiscutíveis, em que um gênio iluminado após o outro é forçado
pela lógica de sua situação a dar o inevitável passo à frente. Sem dúvida, há o que aprender
sobre o método estético na pesquisa e na invenção, estudando só as realizações bem-sucedidas
socialmente. Mas esses caminhos excelentes são ficções históricas, aos quais só se chega
ignorando um vasto corpo de outros materiais que não foram menos belos em seu tempo. O
ruído é necessário e lindo.
22 .7.0.1 . A Curadoria deve ser feita por artistas: O registro do desenvolvimento
estético inclui uma grande quantidade de experiências e teorizações ‘mal-sucedidas’ que depois
são gentilmente esquecidas. Só uma pequena proporção da informação dada à arte pela
pesquisa estética acaba sendo incorporada permanentemente ao corpo do conhecimento
estético. Mas isto está implícito em
nosso modelo de arte. A rede de
curadores não é apenas um aparato
observacional ampliado, é um
instrumento que analisa e seleciona
somente as mensagens que são objeto
de um apoio consensual esmagador.
Além das teorias estéticas que se
estabelecem em virtude de previsões
confirmadas de mudanças das
valorações do status quo, há inúmeras
hipóteses, conjecturas, observações e
descobertas errôneas que foram
relatadas por curadores individuais,
mas não são validadas pela
comunidade. De uma miscelânea de
mensagens imperfeitamente
expressas, inconsistentemente
argumentadas, inexplicáveis e
inesperadas, só se retém o que é
plenamente convincente. Atraído pela
meta intangível de um consenso
completo, o mercado da arte evolui por
seleção político-crítica.
22 .7.1 . Ruído e Burocracia: Ao enfatizar o princípio nepótico e subjetivo da curadoria
(pedagogia, inclusa), chamamos a atenção para duas características contrastantes da arte como
instituição cultural: a tolerância da dissidência e a avaliação crítica. Onde porém se encontram a
avaliação da dissidência e a crítica da tolerância?
22 .7.1 .1 . Poluição Musical: Os artistas experientes sabem que o progresso real na
pesquisa é lento e doloroso, e que muitas
vezes é melhor publicar uma obra nova e
interessante, mesmo que incompletamente
explorada e inadequadamente entendida
mesmo por seu autor (work “on” progress).
Talvez toda música, reflita sobre este tipo de
efemeridade. Para que a sensibilização
artística evolua (morfogênese), é preciso
mais do que a acumulação de obras novas
atentadas por ocasionais descobertas
acidentais; deve haver um suprimento
público de sugestões, alusões, releituras
possíveis, fórmulas heurísticas, algoritmos de
conexão com outras obras, analogias frutíferas,
redes estilísticas e outros componentes da
teoria estética, para estimular novas
formulações sensoriais e remapeamentos dos
dados observacionais existentes. Para que a
arte possa romper continuamente as
barreiras invisíveis de suas próprias categorias paradigmáticas, cada artista é estimulado a ser
uma fonte imaginativa de interpretação, tanto de suas próprias contribuições como do trabalho
de outros artistas. A composição de uma escuta é mais importante que a composição de uma obra.
22 .7.1 .2 . Museografia Curatorial: Nada pode ser exposto enquanto arte sem um
cuidadoso escrutínio crítico por editores, examinadores e resenhistas. É preciso fomentar a
crítica artística socialmente através de incentivos a estas funções. Todo texto artístico, que
ostensivamente se apoia num trabalho precedente que analisa criativamente, traz em si uma
crítica implícita ou aberta de grande parte desse trabalho, que procura validar ou desconfirmar
e superar. Artigos de revista, colóquios e monografias de pesquisa delineiam questões
controversas e assinalam delicadamente as deficiências de muitas respeitadas contribuições de
pesquisa estético-poética, mas mais que isto são eles próprios obras de arte e assim merecem
ser julgados. No campo da escuta este é mais um motivo pela abertura da comunicação à
população.
22 .7.1 .3. A Relativização da Beleza Artística: Ao estimular a inovação mantendo as
realizações passadas, invocando o espírito competitivo de cada um de nós e, ao mesmo tempo,
fazendo de cada um o guardião da beleza e o árbitro da qualidade sensível, o sistema de
produção subjetiva da propaganda comercial (e da capitalização cognitiva) foi especialmente
bem-sucedida em ampliar o campo da noção de beleza a absolutamente qualquer coisa.
Infelizmente, a tensão imaginativa/crítica da arte não basta, por si só, para justificar a crença
estética. Esses aspectos do modelo social a mantêm em crescimento e em evoluções, mas não
determinam a direção dessa evolução. Isso garante que o conhecimento estético seja bem
adequado aos critérios pelos quais é selecionado e armazenado nos arquivos, mas não oferece
qualquer garantia quanto à legitimidade desses critérios.
ॐ
22 .7.1 .3.1 . Cognofiança (confiança no conhecimento): Lembremos, porém, que
se supõe que os “artistas” de nosso modelo sejam procuradores do “humano comum”,
“espectador”. Estariam traindo a confiança neles depositada se seus critérios de
seleção não fossem os de toda a humanidade. Os leigos têm razão em rejeitar à arte,
pois esta não é plenamente consensual e pedem provas sensíveis de arrebatamento e
êxtase para se sentirem obrigados a acreditar nela. Daí a espetacularização da
sensibilidade, a dramatização do conhecimento em tempos de mera representação do
conhecimento.
22 .7.1 .3.2 . Interarte Disciplinar: Na prática, um certo grau de sectarismo
pode com frequência ser observado na própria arte (em enorme grau na música). Os
especialistas de uma
área específica podem
ficar tão doutrinados
pelo paradigma do
momento e tão
comprometidos com
este que seus poderes
críticos e imaginativos
são inibidos e eles já
não conseguem ouvir
nada fora de seus
próprios focos de
escuta. Isto ocorre
bastante com leigos,
que deslumbrados com
o prazer das escutas
tonais evitam qualquer
forma de dissonância,
ou viciados em pulsos
rítmicos evitam formas
temporais dilatadas,
etc. Nessas
circunstâncias, o
progresso sensível pode
ser detido e até mesmo
regredir até que intrusos intelectuais atravessem as fronteiras interdisciplinares e
olhem para o tema com outros preconceitos.
22 .7.1 .3.2 .1 . Antiaurista: Em sua extrema especialização, a arte
corre sempre o perigo de se fragmentar em pequenos domínios mutuamente
incompreensíveis (repito que os domésticos é uma artista próxima à instalação
artística) e não-comunicantes, nos quais os padrões de julgamento e os
critérios de validade podem decair. A interdisciplinaridade desempenha um
papel importante de manter os ramos especializados das artes em contato com a
realidade geral do sistema de subjetivação coletiva. O sectarismo é uma
tendência social natural e não pode ser inteiramente eliminada, nem mesmo
no mundo da sensibilidade gregária, mas não pode reivindicar qualquer
legitimidade, nem forma institucional permanente.
22 .7.1 .3.2 .1 .1 . Artpunk: Enquanto a prática da arte estiver
confinada a um grupo profissional que deve passar por uma longa e
rigorosa jornada de entranhamento às redes de poder simbólico antes de
ser reconhecido como colaborador ou crítico qualificado, sempre deverá
existir a suspeita de que são eles que estão fora de contato com a
realidade, e que ou estão todos coletivamente iludidos ou estão todos
em uma conspiração para manter a sensibilidade escondida das
pessoas. Para refutar essa acusação, precisamos examinar novamente a
educação artística. Existe uma significativa diferença entre a
doutrinação iluminadora e o sensibilicídio inescrupuloso. A despeito
de inúmeros enganos e erros de concepção, a criança elabora uma
imagem estética de seu mundo imediato fundamentalmente confiável
e digna de crédito artístico. É difícil negar as mesmas qualidades e
defeitos à estetosfera de um mundo muito amplo criado pelo
instrumento social maior da arte. “A estética” é um retrato da
sensibilidade do mundo.
22 .7.1 .4 . Realidade Diminuída: A suposição fundamental do ensino artístico é que o
estudante tem um uso livre e independente de sua sensibilidade, tanto para observar e
experimentar por si mesmo como para apreender as interpretações teóricas do que supõe ter
sentido. Não se ensina ao estudante que a arte é uma maneira esotérica ou privilegiada de ver
as coisas, mas que, na verdade, ela é apenas o senso comum ampliado. Assim, o artista
profissionalizado pode agir como procurador da sensibilidade comum, pois seus paradigmas de
verificação e de prova continuam sendo essencialmente os mesmos que os do mundo
cotidiano.
22 .7.1 .4 .1 . Máfia do Pesquisadorismo: Ninguém sente (portanto, sabe) mais
do que um fragmento minúsculo da arte bem o bastante para julgar sua validade e
valor em primeira mão. Quanto ao resto, precisa apoiar-se em opiniões aceitas em
segunda mão (a foto no livro sobre a
relação da obra com a vida do autor e
seu contexto, por exemplo), baseado
na autoridade de uma comunidade
de pessoas credenciadas como
artistas, curadores, museólogos.
Esse credenciamento, porém,
depende, por sua vez, de uma
organização complexa, pois cada
membro da comunidade pode julgar
em primeira mão apenas um
número de seus colegas e, no
entanto, cada umx deleas é
credenciadx por todxs. O que
acontece é que cada umx reconhece
como artista vários outrxs, que, por
sua vez, reconhecem os primeiros
como artistas; e essas relações
formam cadeias que transmitem esse
reconhecimento de segunda mão a
toda a comunidade. É assim que
cada membro é direta ou indiretamente credenciadx por todxs.
ॐ
22 .8. Estetização Marfim: Autorialidade: Embora devamos nos apoiar nas autoridades artísticas,
em suas obras publicadas ou em uma consulta pessoal ou em uma consulta pessoal, para informações acerca do
conteúdo ficcional dos arquivos, é esperar demais querer garantir a entrega e abnegação em tudo o que fazem.
O que pode ser enganador é o grau de credibilidade que os próprios especialistas atribuem a proposições
estéticas específicas. O conhecimento sensível da arte é vasto demais em quantidade e é acumulado e avaliado
de maneira casual demais para que qualquer pessoa possa ter uma percepção sólida da situação relativa de todos
os pedacinhos de informação que formam uma disciplina artística, como a ópera, por exemplo.
22 .8.1 . Febre do Coro: Ocorre com frequência descobrir-se que um modelo conjectural
fenomenológico ou heurístico, que não está solidamente baseado em outros dados culturais da
percepção estética, adequa-se muito bem a um conjunto particular de dados experimentais. A obra de
Jeff Koons não explica Banksy, mas sintetiza uma certa valoração social da década passada que é base
de grande parte da arte decorativa, Flo Menezes não explica o noise mas é uma ponte de abertura da
obra bouleziana. Para que um procedimento artístico assim alcance plena validade artística, deve ter
demonstrado seus poderes de modulação subjetiva (preferencialmente subliminar, para a cooptação
propagandística). Mas, se essas investigações percepto-sensíveis não forem validadas pelo sistema
cultural corrente das observações em questão, o modelo pode ser incorporado ainda assim ao mapa das
artes. Daí a corrida pelas “sacadas” conceituais, de modo a demarcar propriedade estilística enquanto
pioneiro de um território sensível.
22 .8.2 . Territórios Aurais: A suposição inconsciente é de que quando toda a rede de
sensibilidade ficar populada, quando mais nós forem dados nas pontas soltas, a interpretação
provisória original validar-se-á por si mesma, em virtude da coerência processual. E eles possam talvez
participar deste. Essa pode ser uma fase perigosíssima no desenvolvimento de um projeto artístico,
quando hipóteses não postas à prova podem se estabelecer como detalhes de uma imagem maior e
adquirir uma credibilidade muito maior do que é justificado pelas pesquisas estéticas que de fato foram
realizadas a respeito delas. É muito difícil para o artista especialista na própria pesquisa, fortemente
influenciado pela confiabilidade em seu foco conhecido sobre o paradigma geral, reconhecer essa
incerteza nas questões mais especializadas de sua área além de si mesmo.
22 .8.3. Errorismo: Parece injusto olharmos para a história da arte e concentrarmos nas
ocasionais tolices ou erros de mulheres e homens honestxs e industriosxs. Mas como, senão assim,
poderemos ver que é possível haver, sob a prosa sedutora e sincera, armadilhas ocultas em que tanto o
artista como o dilentante podem cair com facilidade? Ao planejar seu processo, o artista deve estimar
por si mesmo a situação epistemestética de tudo o que for relevante para seu tema (as idiossincrasias de
sua aparelhagem, o significado das anomalias não explicadas ainda, a força da suposições subjacentes à
teorização, os limites da ignorância genuína e as dificuldades imprevistas que podem surgir no
caminho do progresso.
22 .8.3.1 . A estratégia da pesquisa vivencial estética nunca é a da tentativa e erro, ela é
regida pela apreciação inteligente das possibilidades e solubilidades. Perguntar “em quanto se
pode acreditar da arte?” é expor-se à tentação de contribuir para a evolução do conhecimento
estético. Por isto, o diletante que procura ainda uma resposta quanto ao conteúdo da arte
usualmente sai frustrado se ele próprio não tenta inventar esta resposta em cada gesto.
22 .8.4 . Para-arte: A arte institucionalizada, colegiada, é sempre vulnerável à acusação de não
passar de um establishment que defende apenas sua própria ortodoxia a partir da manutenção da
massificação cultural através do entretenimento e da pesquisa por um diferencial de sofisticação
inacessível. O consenso que a arte busca (a do dissenso) só se aplica, na prática, aos membros de uma
comunidade artística já fortemente doutrinada pelos paradigmas correntes. A despeito de todos os seus
altos níveis ideais e de suas boas intenções, é inevitável que tal comunidade resista radicalmente às
ideias novas que perturbam sua posição conquistada a duras penas e põem em questão toda a ardorosa
labuta de seus membros.
22 .8.4 .1 . Essa acusação é facilmente substanciada pela referência à conhecida lista de
descobertas artísticas que foram rejeitadas pelos artistas estabelecidos de sua época. É bem
verdade também que muitas obras ditas de vanguardas não ofereceram nenhuma sensibilidade
realmente nova (que talvez de fato nem mesmo hajam). Não há qualquer indícios de que a
sensibilidade estética avançaria mais rapidamente com uma mudança na aceitação maior das
novidades artísticas.
22 .8.5. Crítica Cognoestética: Tampouco é
óbvio que o conteúdo dos arquivos artísticos seria
melhorado se toda nova obra tivesse de ser aprovada por,
digamos, júris de diletantes sem familiaridade com as
complexidades das questões envolvidas. É bom que
jornalistas culturais e escritores de espírito independente
levem à atenção do público algumas questões
controversas da arte, mas não está claro que o debate
público resolva as questões intelectuais subjacentes. O
crítico sério acaba inevitavelmente adquirindo uma
parte do conhecimento dos membros com quem tem
contato e se torna parte da comunidade artística, em vez
de um avaliador genuinamente independente. Todo o
problema da participação pública no processo estético de
tomada de decisões sobre questões públicas (a feiura
inegável das cidades e a falta de fantasia na virtualidade
cotidiana) é da maior urgência política, mas sugere que
uma difusão muito mais ampla daquilo “que os artistas
sabem sentir” será necessária antes que isso se possa
refletir em um aperfeiçoamento da qualidade desse
conhecimento sensível.
ॐ
22 .8.5.1 . Ditadura da Arte: Em torno às fronteiras relativamente bem definidas da
arte institucionalizada “oficial”, desenvolve-se naturalmente uma faixa de ideias e práticas
para-artísticas em busca de reconhecimento oficial por parte da comunidade artística ou do
público em geral. Como a República da Arte não pode nunca ser fechada, é importante que se
faça justiça a tais ideias publicamente, em tribunais abertos. E um dos papéis das mídias de
massa seria este. Como Jonathan Meese mostra, nada é mais destrutivo para a credibilidade da
arte aos olhos do público do que a impressão de estar escarnecendo ou suprimindo qualquer
coisa que possa, de algum modo, ser vista como uma contribuição sincera e, possivelmente,
valiosa.
22 .8.5.2 . Estéticas Perigozas: Argumenta-se com frequência que a melhor política
seria abrir totalmente o sistema de comunicação da arte, confiando que, no fim, a beleza
triunfará. Mas isso não seria apenas nocivo para o aparato crítico interno da arte, cuja função é
absolutamente essencial para manter um consenso confiável, mas também não conseguiria
satisfazer os expoentes das opiniões não-ortodoxas. A dificuldade é que o para-artismo
costuma querer mais crédito do que simplesmente “ser ouvido”, insiste também em um
adiantamento da aclamação que tem certeza de merecer. Uma pessoa não pode carregar o
manto de DaVinci só porque está contra um establishment que o trata mal (menos ainda por
meramente citá-lo numa trama imbecil qualquer); mas precisa estar certo de uma ampliação
subjetiva, ou pelo menos ser brilhante em sua forma de errar.
22 .8.5.2 .0. Vã Guarda: Não é provável que um artista excêntrico isolado,
sem conexões nas redes da
máfia artística, cause muitos
anos ao mercado das artes,
pois não dispõe de uma
plataforma oficial para expor
suas opiniões. Porém,
precisamente por essa razão,
é conveniente que suas obras
(incluindo suas alegações
enquanto performances)
sejam seriamente examinadas
por especialistas competentes
e imparciais, para o caso de
haver alguma coisa nelas. O
fato é que, obviamente, a
maior parte desses diligentes
esforços, seja na forma de
uma obra ou texto crítico
ricamente impresso sob os
auspícios de uma grande
galeria, não tem valor algum.
As ditas obras de arte atuais,
a despeito das enormes
vendas e do culto popular que
surge ao seu redor, não representam qualquer desafio sério para a estética, pois não
aceitam os princípios básicos de consensibilidade e da interpretação consensual de que
depende todo conhecimento estético. Em todo caso há sempre sabedoria em qualquer
obra de qualquer proveniência.
22 .8.6. Limites da Escuta: O fato de o conhecimento estético pertencer ao domínio noético
na forma de uma obra ou processo impõe uma forte restrição à quantidade de informação que ele pode
de fato conter. Apenas uma fração infinitesimal de todos os eventos sonoros do audível mundial, de
todos os dados sensíveis pode ser registrada no arquivo. Por outro lado, os passos lógicos necessários
para demonstrar um fato aparentemente simples, tal como a queda de uma serpente em nossos
ombros, podem acabar sendo tão numerosos e complicados que desafiam qualquer outra compreensão
que não aquela fornecida por muitas horas de funcionamento de um computador. Assim, chegamos a
uma estranha fronteira da aura artística (a escuta da obra), em que os instrumentos parecem estar
tomando o lugar dos seres humanos, não apenas na coleta de informações, mas também no
processamento e na transformação das mensagens estéticas que dão sentido à arte.
22 .8.7. Limites da Escuta Musical: O fator
crucial na evolução das artes continua sendo, apesar
disso, o poder da sensibilidade humana para
resinificar padrões reconhecidos numa massa de
detalhes. Essa capacidade tem suas limitações; seria
razoável perguntarmos se o próprio conhecimento
artístico é fundamentalmente restringido por essas
limitações. Os dados sensoriais adquiridos por uma
industriosa observação instrumental ficam
acumulados inutilmente nos arquivos até poderem
ser mapeados esteticamente. Mas fazer um mapa
implica seleção e disposição dos dados levantados
segundo um princípio organizador numa nova obra
com uma estrutura de coordenadas, um esquema
conceitual, um paradigma estético, uma teoria
cognitiva, uma hipótese sensível. Tal esquema
poderia ser, no início, puramente particular, interno
ao domínio sensível de quem estiver fazendo o mapa.
Mas a consensualidade noética da crença na arte
exige que ele se torne visível na obra e que, com o
tempo, adquira realidade no domínio público no
estético da rede de estilos.
22 .8.8. Ab_Surdo: A costumeira associação de características culturais inibe a imaginação
artística (sonora). A partitura ou imagem aural corrente traz consigo associações convencionais
difíceis de romper, mas tão difícil quanto é encontrar um modo de escuta acultural. Se o contexto pode
iludir, então a ausência dele pode ser profundamente desconcertante. Pode ser que, na verdade o que se
busque sejam as interpretações errôneas do paradigma corrente da escuta que não podem ser ouvidos à
primeira audição. Com tudo o que foi dito, é importante ressaltar que a arte é, em princípio, receptiva
a todas as revoluções, e a inovação sensível bem-sucedida é apreciada, respeitada e difundida para todos
os campos da experiência humana.
22 .8.8.1 . Comoposição: Contudo, as interpretações sugeridas por uma partitura não
são de modo algum fantasiosas. Mais profundamente situadas que os modelos, as metáforas
ou as analogias estão as pressuposições aurais, os termos filosônicos, os juízos cognestéticos e as
decisões composicionais fundamentais... que não evoluem diretamente, por um lado, de uma
audição objetiva, nem se resolvem nela ou, por outro lado, de raciocínios acuslógicos, musicais
e outros processos analíticos formais. De todos os recursos sensíveis da audibilidade humana,
esses são ao mesmo tempo os mais poderosos e os mais restritivos.
ॐ
22 .8.8.2 . Portitura: As questões e explicações fundamentais da arte da escuta (auria)
dependem de nosso interesse no
que é expresso por obras em nossa
sensibilidade sonora quanto ao que
possa ser expresso de um modo de
querer ouvir num som e por nossa
apreensão e compreensão destes.
Esses são os materiais (pessoais e
intuitivos, por um lado, e
intersubjetivos e consensuais, por
outro), dos quais se constroem
teorias filosônicas, interpretações
esquizoacústicas, significados
musicológicos e realidades aurais.
O que quer que constitua o audível
do mundo externo, quaisquer que
sejam as impressões dos sentidos
que se acumulam em nossos corpos
e gestos, nossos processos e obras
artísticas só podem ser feitos de elementos selecionados pela peneira relacional.
22 .8.9. Aurática: A análise temática do pensamento corporal artístico mal começou. Pode
ser que só tenhamos entrado na pré-história de uma pedagogia para um espírito humano ainda
infantil, se debatendo com questões as mais básicas como é possível notar na pesquisa de Sofia
Harmonia sobre a performance. Em todos os níveis, da escala grandiosa da física acústica às minúcias
relacionais das reações harmônicas, a sensibilidade da escuta é um composto de processos ancestrais e
composições novas, maiores e menores, fantásticas e corriqueiras, que se combinam para transcender a
estética do passado moldando a escuta coletiva nesta efemeridade que se assemelha ela mesma a uma
música. A própria escuta gera continuamente novos motivleitungs que surgem como princípios
organizadores em novas imagens acústicas do audível. A arte não é precisa ou infalível, mas se
apresenta como a mais consistente base de pensamento sensível de que dispomos.
22 .8.10. Sociofonia em Ruidocracias: podemos adquirir um conhecimento extático confiável e
consensual sobre o comportamento humano através da arte? Como nós humanos só experienciamos a
estética vital plenamente na companhia de nossxs semelhantes (mesmo que em nossas solidões), essa é
uma exigência de uma arte da sociedade. Temos uma arte assim? Se a temos, em quanto dela se pode
acreditar? Muitos artistas negam a condição de arte a disciplinas sensoriais como a economia, as
ciências, a coleta de lixo, a psicologia, entre outras. Reivindicar a condição de arte para essas (e todas as)
disciplinas não é apenas uma forma das palavras, essa reivindicação tem a intenção de transmitir uma
credibilidade à sensibilidade coletiva correspondentemente alta.
22 .8.10.1 . Artes Funcionais: Em cada área da atuação humana, com relação às
questões para as quais foram dadas respostas artísticas, o artista tem direito legítimo a uma
autoridade especializada que não pode ser contestada com facilidade pelo diletante. Portanto, a
pergunta sobre se um corpo específico de conhecimentos estéticos é ou não genuinamente
“artístico” é altamente prática: de sua resposta podem depender todos os laços sociais, nossas
produções de ideologia e realidade, nossa sanidade desejante. É nesse ponto que o desafio
epistemestético se torna mais sério e crucial para qualquer pessoa responsável. Não haveria
dúvida se não houvesse funcionalidade na dança do lixeiro e se a economia fosse mais próxima
da pura visualização de dados, mas há um aspecto direto de funcionalidade que impede
qualquer arte.
ॐ
22 .9. Estética Elefante: Acreditar na
arte é acreditar em seu poder de sensibilização. A
questão fundamental para os comportamentos
artísticos é se o processo de construção da prática
pode traduzir uma estrutura estilística forte, segura
e inequívoca de processos sensibilizantes e relações
tão confiável em seu próprio domínio (ou mais)
quanto os estilos precedentes. O que O Elefante de
Marfim defende não é apenas que todos estetizem
suas vidas, mas que por este motivo o estudo
estético-semiótico seja levado a um estatuto da mais
suprema importância, levando a uma melhor
utilização dos meios de comunicação para um
entranhamento do conhecimento sensível. O que
pedimos de uma arte da sociedade é um corpo de
conhecimentos vivenciáveis, um guia para a ação e
contemplação, que seja significativamente mais
confiável, mais amplo e profundo em seu alcance, do
que as acumulações de sabedoria prática com que a
maior parte do que fazemos é ainda decidida e
entretenimentalizada.
22 .9.1 . Matemúsica: A música como matema psicoacústico. A aspiração tradicional da aurática
é tornar-se uma ciência aural como a acústica. Mas a acústica é uma disciplina altamente
especializada, dedicada ao mapeamento do domínio material na linguagem consensual idealizada da
matemática aplicada à física ondular. Para que possamos algum dia construir uma psicoacústica ou
uma socioacústica, precisaríamos encontrar os meios para representar as entidades psíquicas ou o
comportamento social em uma linguagem sônico-musical precisa. Isso coloca problemas
fundamentais de dois tipos. Mesmo na representação musical do domínio sonoro, categorias pouco
nítidas que obedecem a uma lógica da simplificação e da compressão sintética devido à insensibilidade
de gamas complexas.
22 .9.1 .1 . Nas ciências cognoacústicas, essa aproximação é permissível, pois é aplicada a
temas cuidadosamente escolhidos em condições altamente artificiais. Os erros no resultado de
uma composição, interpretação ou análise musical, portanto, são toleráveis e não deturpam a
comparação com a experimentação ou a audição. Mas a lacuna existente entre a lógica da
experiência acústica e a lógica estética da música não pode ser superada pelo gesto poético
meramente bem-intencionado; a atitude artística característica da ação estetizante, da
produção de obras artísticas (neste caso, sonoras), funda-se sobre o reconhecimento, na
natureza, de categorias relativamente nítidas às quais os argumentos sensíveis possam ser
aplicados com razoável convicção. Sem essas categorias estéticas pessoais, o método artístico
convencional é impotente.
22 .9.2 . Arte: Metaciência. Com efeito, em todos os ramos das artes acústicas, sejam ou não
compatíveis com a análise musical, o problema da classificação é fundamental e não pode ser resolvido
por uma convenção arbitrária sem raízes numa base simbólica, clara ou difusa. A linguagem do enólogo
com a perfumista é a conversa das mãos do pianista. Acredito que Anon não tocasse suas escalas como
meros exercícios, apenas. Podemos ter confiança de que a descoberta de novos espécimes e a aplicação
de novas técnicas sobre a sensibilidade, como as escalas fractais vão esclarecendo a situação sensível
contemporânea até que surja uma história das artes enquanto organismos vivos. O aspecto de bioeco
(ressonância vital) da música está ainda em estado incipiente.
22 .9.2 .1 . Artista, Categoria Impossível: Será que essas pessoas culturalmente
definidas são mais homogêneas como grupo de obras do que o conjunto de elefantes numa
savana como animais zoológicos? O problema de descobrir categorias significativas nas
estéticas sociais e relacionais não se resolve com demonstrar que tais categorias
epistemestéticas artificiais são, de fato, bem definidas, estáveis, consensíveis e significativas
como elementos em um esquema conceitual. A arte conceitual demanda uma conceituação
artística. A nitidez da classificação estilística inicial logo fica borrada com o prosseguimento da
investigação.
22 .9.3. Arte, Ciência da Crença: Não temos uma estrutura taxionômica para o
comportamento estético, individual ou social, em que as categorias sejam ao mesmo tempo
significativas e distintas. A questão para nós é se tal esquema é em princípio inatingível, mas
simplesmente se essa base essencial para uma arte pública (logo, consensual) foi de fato encontrada.
Sem ela, precisamos ser cautelosos com qualquer tentativa de analisar esses temas nos limites de uma
lógica estética. Isto explica a ausência de um processo crítico-estético generalizado. Em todo sistema
social estético ou de comportamento artístico, deve haver elementos que não podem ser categorizados
de maneira evidente, de modo que todas as implicações lógicas, tabelas de verdade, etc. devem ser
aceitas com muita reserva, por causa das classes incertas, das classes que não podem ser provadas a não
ser pelos próprios sentidos.
22 .9.3.1 . Música e Soação: A lógica misteriosa e incompleta da soação não deve ser
ignorada. Essa característica das artes relacionais é inerente ao amplo uso da estatística e da
incerteza ruidística. Apesar disso, os padrões de precisão aural, previsão teórica e validação
nessa arte não podem nem se aproximar dos que são tidos como certos na música embasada
neuro-psico-acusticamente, em que categorias nítidas e distintas de objetos quase idênticos
são observadas. No caso de uma partitura, por exemplo, é claro que o simbolismo não nos diz
tudo sobre suas reações, mas ela pode ser rearranjada para “prever” que um processo
totalmente diferente ocorra. Coisa muito mais complexa de ser adquirida através de uma
análise espectrogramática do material sonoro. Símbolos obedecem a axiomas algébricos enquanto
massas sonoras atravessam regras sociais de enredamento.
ॐ
22 .9.3.2 . Portitura: Os axiomas partiturais utilizados sobre as questões da soação não
são banais, nem vazios, pois permitem
inúmeras manipulações relacionais,
transformações aurais, substituições de
instintos infrutíferos e recombinações de
materiais improvisativos cujo desfecho pode
ser verificado experimentalmente. A obra de
Mauricio Kagel e Jocy de Oliveira são
expoentes desta pesquisa. Além de suas
interpretações em termos de sons
fisicamente distintos, os símbolos partiturais
constituem um mapa simples de grande
parte de nosso conhecimento sobre o
assunto, além de uma provocação ao
pensamento acústico.
22 .9.3.2 .1 . Quais as
sensações isomórficas à doutrinação
social a partir do conhecimento
reflexivo da psicologia
comportamental da arte? A partir do
momento em que se manipula
formalmente a conduta de porte de
um indivíduo perante sua própria
criação de comportamento artístico,
quais os resultados estéticos sociais
desta obra? As características de fato
interessantes do comportamento estético humano são muito mais sutis e convolutas
do que as que podem ser modeladas por uma representação musical semilinear e
semideterminista. Para demonstrar essas características sob condições controladas,
reprodutíveis e consensíveis, podemos precisar da ajuda de um tipo diferente de
processo, a representação de uma simulação social.
22 .9.4 . Harmonia Hierárquica: A identidade quantitativa numérica não tem equivalente na
dimensão da sensibilidade. A representação numérica da harmonia só satisfaz a álgebra dos números
ordinais e não dos cardinais. Uma harmonia aural haveria de valorar cada intervalo com base numa
poética paralela. Isso pode parecer banal, mas sempre que a afinação de um conjunto é calculado e
citado como dado estético, existe a suposição subjacente de que as afinações dos membros podem ser
somadas e divididas numericamente desse modo, assim como podemos calcular a energia média de um
ataque fff. Mas não existe uma lei de conservação do temperamento que embase tal procedimento.
Como não existe aliás nenhum embasamento para a ideia de um centro de afinação, deveríamos falar
em sempre em afinações.
22 .9.4 .1 . Ainda está por ser feita todo um corpo de obras criadas para desafinarem os
instrumentos envolvidos. Na psicoacústica social das massas sonoras, portanto, há pouquíssima
esperança de derivar conclusões interessantes e inesperadas por análise musical do tipo que é
tão frutífero na acústica dos temperamentos e afinações. É claro que existe sempre o objetivo
reducionista de encontrar o prodigioso cálculo do fractom espectral (a afinação algébrica do
próprio modo de escutarmos) que romperia esta barreira entre a ciência e a ficção, mas essa
aspiração não é propiciada pelo conhecimento atualmente disponível.
22 .9.5. Economologia Afetiva: De todas as artes sociais, a mais parecida com a
harmonia talvez seja a orquestração relacional (articulacionismo, ou relações públicas enquanto
uma das belas artes). Mas o fato de que muitos músicos e artistas terem preços e custos que
podem ser somados e manipulados aritmeticamente não quer dizer que todos os praticantes da
arte sonora e todas as atividades de relacionamento sonoro (musicking especificamente) podem
ser igualmente quantificados. Os paradoxos da análise de custo-benefício na arte são bem
conhecidos. No nível mais fundamental, o exercício de atribuir um valor monetário à vida de
uma escuta é fatalmente frustrado pelo simples fato de que o valor de sua própria vida para um
indivíduo ouvinte é essencialmente infinito, pois sem ela, ele não tem nada; mas a vida dos outros
não mostra sua necessidade de maneira similar (se aparenta mais a uma vontade do mundo).
Só isto faz um condenado tocar uma valsa para a morte de seus familiares e por este mesmo
motivo cada gesto poético deve ser necessário. Talvez, a arte seja a vontade da necessidade, ou o
sonho da consciência.
22 .11 .3. Socioestética: Talvez o que devêssemos estar perguntando é se mesmo esse tipo de
conhecimento sensível pode ser recolhido segundo princípios acordados (estilisticamente) em uma
estética, comunicados consensivelmente em uma comunidade artística dedicada a padrões culturais de
prova representativa e mapeados consensualmente para o arquivo da cultura. Os princípios pelos quais
a ação estético-social efetiva se justifica na prática se parecem demais com sensibilizações
(propagandísticas) cuja virtude é mais a plausibilidade do que a necessidade sensível dos participantes.
O que guia nossa vivência estética social não é uma série de leis artísticas, mas de máximas
gesto-poéticas (de onde posso gostar do maximalismo), cuja falta de coerência e de consensualidade é
irrelevante para seu valor prático. Encarar que as obras não podem ser entendidas, ainda menos
quando aplicadas por alguém que já não possua bom conhecimento prático da arte. Que arte é esta?
Como a conheceríamos? Derivam estas obras seu interesse de nossa apreciação da arte e elas próprias não
podem substituir ou instituir essa apreciação.
22 .11 .4 . Subjetividade Relacional: O desafio para as artes comportamentais (performáticas
interventivas) não vêm da estética, mas das humanidades. O artista, este extasiador confiável, com seu
ouvido sensível e seu olhar discriminativo, articula os elementos universais em nossa vida emocional e
ensina-nos mais sobre o gênero humano do que qualquer de suas obras estéticas.
22 .11 .5. Gnoestética Social: De todas as atividades sociais e psicológicas do humano,
poucas são tão sutis, tão complexas, tão exigentes em juízo crítico, imaginação, coragem e
intuição quanto a própria busca do conhecimento. É por isso que não conseguimos aprender a
arte da pesquisa recorrendo às filosofias estéticas, sociologias e psicologias formais da arte. A
epistemestética (a avaliação da arte organizada por uma eidosofia) é uma técnica adquirida por
experiência, tanto de disciplinas específicas quanto da própria vida.
ॐ
22 .12 . Soação Elefante (ou Apoteose de Merzbow): A Oposição Entre Experimentalismo e
Estruturalismo na especulação aural é antiga na arte (musical) e pode ser apresentada com ilustrações a partir
de diversos episódios da história da filosonia. O mais nítido deles é talvez aquele apresentado pelo sentimento
de superioridade filosônica que
tinham os participantes dos
primeiros desenvolvimentos da
acústica moderna em relação à
tradição musical. Nessa tradição,
os concretistas sustentavam que as
regularidade nos fenômenos
sonoros naturais devem possuir
uma razão, e procuravam essa
razão nas propriedades causais das
substâncias envolvidas nos
processos ruidísticos, constituindo
o que denominavam suas formas
substanciais ou naturezas. Os
arquetipistas harmônicos, que
negam a realidade dessas
propriedades, estavam em posição de ter de rejeitar tais pedidos de explicação.
22 .12 .0. Grãos Elefantes, Espectros Marfim (ou geotema das desias e matemas geodésicos): Os
filósonos consagrados ao desenvolvimento dos fundamentos filosônicos da escuta moderna,
aparentemente, tinham escapado a esse dilema. Sem postular tais propriedades naturais, formas ou
qualidades ocultas, eles ainda podiam explicar as regularidades do acaso da escuta. Desse modo, aquilo
que visávamos principalmente era, por experimentos sonoros, tornar verossímil que podem ser
produzidos mecanicamente quase todos os tipos de qualidade sonora, a maior parte das quais as escolas
deixaram sem explicação ou, de maneira geral, remeteram a não sei que formas hierárquicas
subliminares, por aqueles agentes sonoros que não parecem operar de outro modo que em virtude do
movimento, tamanho, formato e disposição de suas próprias partes (cujos atributos denomino
afecções mecânicas da matéria vibrátil).
22 .12 .1 . Singularidade Limítrofe da Escuta: Para explicar fenômenos tais como a
intendensidade (densidade das intensidades) e a hormonia aural (de Schoenberg, por exemplo) em
termos apenas de atributos mecânicos, nos damos conta de que seria necessária pelo menos uma teoria
psicoacústica, um mito. A geomática granular só expulsa a incerteza para os campos da complexidade
infinitesimal, mas a tensão e o questionamento aural não cessam por isto. Aí onde nenhuma escuta pode
certificar-se da forma, onde nenhuma explicação mecânica é possível, uma vez que os grãos não são
divisíveis pela escuta em sua escala micro-sonora. Assim, ou atribuímos poderes específicos,
qualidades e propriedades causais (mitos e poéticas) a tais grãos, para explicar por que eles agem e
reagem da maneira como na composição deles, ou então rejeitamos também o pedido de explicação.
22 .12 .2 . Cosmética das Artes ( protopróera): A observação dos fenômenos não aponta de forma
clara as supostas relações causais que estariam por trás deles. Alguns pesquisadores sonoros
posteriores, que tentaram esclarecer as bases filosônicas de sua disciplina, acharam ainda mais difícil
conciliar seu empirismo assumido e sua antipatia pela metafísica com uma crença sem restrições em
hipóteses que descrevem um suposto mundo por trás dos gestos sonoros. No século XX, isso
conduziu ao fenomenalismo de Cage, ao convencionalismo de Bartók, ao ficcionalismo de
Stockhausen e os positivismo lógico de Boulez como desenvolvimento dessa virada radical para o
empirismo. Hoje, contudo, uma escuta especulativa não pode aderir a qualquer uma dessas posições
filosônicas de forma real no seu cotidiano de maneira purista.
22 .12 .2 .1 . Os estudos em filosonia da musicologia se dividem, a grosso modo, em dois
tipos. O primeiro, que se pode chamar de fundacional, diz respeito ao conteúdo e à estrutura
das teorias musicológicas (a ciência da ficção). O outro tipo de estudo lida com as relações das
teorias sobre a musicologia (as ciberfonias entreharmônicas), de um lado, e, de outro, com os
usuários destas teorias (a sociofonia).
22 .12 .3. Filosonia da Musicologia: Há profundos desacordos filosônicos a respeito da
estrutura geral das teorias psicoacústicas e de uma caracterização cognoestética de seu conteúdo na
escuta. Uma concepção comum, que mesmo não sendo isenta de controvérsia é ainda aceita em geral, é
que as teorias estéticas sobre a escuta dão conta dos fenômenos sonoros (ou seja, os processos e
estruturas psico-físicas observáveis na sensibilidade), postulando outros processos e estruturas que não
são diretamente acessíveis à observação; e que um sistema aural de qualquer tipo (sonificação,
paisagem ruidística, música, etc.) é descrito por uma teoria em termos de escutas possíveis.
22 .12 .3.1 . Entrescutas Possíveis: Essa concepção da estrutura das teorias que é
compartilhada por muitos
filósonos que, contudo,
discordam em relação a questões
sobre a relação da teoria estética
com o mundo e com seus
usuários. Há um fractal de modos
de consistência de uma teoria
estética com seu meio. Uma das
relações que uma teoria estética
pode ter com o mundo é a de ser
verdadeira imagem artística da
beleza aceita, porém esta não é de
longe a única. A arte procura
encontrar uma descrição sensível
dos processos inobserváveis que
explicam aqueles que são
observáveis e também do que são
os estados de coisas possíveis, e
não apenas do que é real.
22 .12 .3.1 . Acaosmose: Os
experimentalistas sempre
evitaram a reificação da
possibilidade (ou de sua correlata,
a necessidade). As estéticas
experimentalistas relegam a
possibilidade e a necessidade às
relações entre ideias, sonhos,
sentidos, imagens, sons,
sensações como dispositivos para
facilitar a descrição do que é real. Assim, de um ponto de vista estético-empirista, para
servirem aos objetivos da arte que busca ser científica, os processos não precisam ser
verdadeiros, a não ser no que dizem sobre o que é real e empiricamente atestável. Cada obra
contém uma lógica própria e deve ser avaliada a partir desta. Quando esse ponto de vista
empirista foi representado pela música lógica, a ele acrescentou-se uma teoria do significado e
da linguagem, e, em geral, uma orientação linguística.
ॐ
22 .12 .4 . Estetística: O realismo estético da arte-e-tecnologia se opõe a essa forma de
empirismo, rejeitando não apenas as concepções românticas sobre o significado dos sons, mas também
todos aqueles princípios experimentalistas estruturais. A concepção de Sofia Harmonia é que o
experimentalismo é correto, mas que não poderia sobreviver sem a forma linguística que lhe deram os
estruturalistas. Eles estavam certos em pensar, em alguns casos, que diversas dificuldades filosônicas,
mal concebidas como problemas de ontologia e epistemologia, no fundo, eram de fato problemas da
linguagem científica utilizada em questões poéticas. Sendo uma parte própria da linguagem natural, a
estética é um assunto para a arte e não o contrário.
22 .12 .4 .1 . Proética: O que é aceitar uma teoria estética? Afora um compromisso de
pesquisa, uma teoria estética, salva os processos, isto é, descreve corretamente o que observável
numa obra de arte de dentro de seu foco. Mas a aceitação não é crença. Nunca temos a
possibilidade de aceitar uma teoria estética que dá conta de tudo, completa em todos os detalhes.
Assim, aceitar uma teoria em vez de outra envolve também o compromisso com uma estrutura
experimental. À escuta pouco preocupada com a estrutura e à estrutura pouco preocupada com
a escuta, buscamos estruturar os processos intuitivos aurais.
22 .12 .5. Complexismo: O que se segue é um experimentalismo estrutural e de estruturação
experimental, e ambos mantêm e
intensificam as idiossincrasias do
experimentalismo e do estruturalismo. O
complexismo ab_surdo (ab_ismo) é uma
alternativa construtiva ao utilitarismo
artístico, sobre as questões principais que nos
dividem: a relação da arte com o mundo, a
análise da explicação artística e o significado
dos estilos artísticos de probabilidade estética
quando eles são parte de um processo sensível
relacional. Utilizamos o adjetivo
complexo para indicar nossa concepção,
em vez de composição: rede de modelos que
se adequam aos fenômenos sensíveis em
lugar de um modelo isolado ao qual a
situação deve curvar-se. O batismo dessa
posição filosônica como um “ismo”
específico não está voltado para o desejo de
uma escola criativa, mas apenas para
contrabalançar o fato de que os músicos
deram a si mesmos um nome mais
persuasivo (não somos, hoje em dia, todos
fascinados por sermos agraciados das
musas e compreensores do máximo de
possibilidades?); e que, além do mais, em
um nome, há muitas coisas que não
compreendemos dada a sua complexidade.
22 .12 .6. A Partitura da Invenção demanda compromisso da escuta com a pesquisa do modo
de soação na entrescuta através de um processamento aural: Intuição artística, teorema matêmico,
teoria físico-acústica, harmonia química, ecobiologia (envelope de ressonâncias), ideossociação, etc. A
estética visa dar-nos em suas teorias um relato literalmente verdadeiro de como a obra é, a partir dos
pressupostos de seu autor, e a aceitação de uma teoria estética envolve a crença de que ela é verdadeira.
22 .12 .6.1 . O objetivo da arte não deve ser identificada com as motivações de cada
artista: O que é objetivo de um empreendimento enquanto tal determina o que nele se
considera sucesso; e esse objetivo pode ser buscado em virtude de quaisquer razões.
Acreditamos que o objetivo da arte sejam as modulações da harmonia aural, a ressononância
vital (bioeco) das entrescutas. Ao chamar de o objetivo, não negamos que haja objetivos
menores, que podem ou não ser meios para aquele fim. Chamaremos de soneres a estas
entidades aurais.
22 .12 .7. Preconceitos das Escutas: Se a crença é uma questão de grau, também o é a aceitação;
e podemos então falar de um grau de aceitação das obras envolvendo certo grau de crença de que a
estética subjacente a esta seja um procedimento sensibilizante vital. É claro que isso deve se distinguir
da crença de que a teoria estética é representativa, que parece significar a crença de que algum elemento
de uma classe centrada no modo de sensibilização mencionado contenha em si algum valor. A
formulação proposta por um processo artístico pode ser realizada independentemente da sua orientação
estética.
22 .12 .8. A Visualização Aural (de Menezes,
por exemplo) é a posição de que a complexão de teorias
estéticas visa nos dar um relato verossímil de como o
audível é e de que a aceitação de uma teoria estética
envolve a crença de que ela é verdadeira. De maneira
equivalente o surrealismo fantástico (de Rodolfo Caesar,
por exemplo) é a posição segundo a qual o objetivo da arte
pode bem ser atendido sem fazer tal relato verdadeiro, e a
aceitação de uma teoria estética pode, de modo
apropriado, envolver algo a menos (ou diferente) que a
crença de que ela é representativa. O que faz então o
artista, de acordo com essas diferentes posições? De
acordo com o sonifiquista (expositor auditivo), quando
alguém propõe uma escuta, afirma que ela é
representativa. Mas, de acordo com o performismo, o
proponente não afirma que a teoria estética que subjaz à
obra é sensível; apenas a exibe e alega que ela possui certas
virtudes. Essas virtudes podem estar aquém da verdade
sobre o objeto representado – talvez a adequação empírica,
a abrangência, a aceitabilidade relativa a diferentes
propósitos. Isso tem de ser mais bem explicado, pois aqui
os detalhes não são claros pelo simples fato de negar o realismo sonoro.
22 .12 .8.1 . A Produção da Escuta Analítica: A ideia de um relato musical verossímil
possui dois aspectos: a linguagem deve literalmente interpretada sem licenças poéticas; e assim
interpretada, o relato é verdadeiro. Isso divide os anti-realistas estéticos em dois tipos. O
primeiro afirma que a arte é verdadeira ou isso procura, interpretada apropriada e
consensivelmente (e não literalmente). A segunda afirma que a linguagem da arte deveria ser
literalmente interpretada, mas que suas teorias estéticas não precisam (por isto mesmo) ser
verdadeiras (representativas) para ser boas. O anti-realismo que defendemos pertence a esse
segundo tipo, onde a produção analítica gera uma estética para cada uma escuta. Segundo a
análise estética científica-realista, os termos teóricos estéticos possuem significado apenas por
meio de suas relações com o que é observável na obra. Duas obras podem afirmar o mesmo fato
estético, embora formalmente se contradigam ( para o audível, maximalismo e minimalismo se
sustentam mutuamente).
ॐ
22 .12 .9. Uma Leitura de Uma Escuta: Não é tão fácil saber o que se quer dizer com uma
interpretação literal de uma obra, pois em
essência toda partitura é probabilística. Essa
ideia talvez derive da teologia, domínio no qual
os fundamentalistas interpretam a poesia
literalmente, e os liberais possuem as diferentes
interpretações alegóricas, metafóricas e
analógicas, que desmitologizam o assunto. Em
última instância, embora a interpretação de uma
obra de arte possa se refinar, ela não pode
modificar as relações lógicas da estética
subjacente à obra; tal como as interpretações
sonoras de uma partitura resvalam na
simbologia abstrata arbitrária dos afetos das
matemáticas. A redução da linguagem da
harmonia sinestésica das ressonâncias
estocásticas à harmonia funcional (tal qual a dos
enredamentos neuronais à frenologia) é um caso
como esse: porções de afetos são identificados
com agregados de sons e a densidade a
encadeamento harmônico médio, e assim por
diante. Insistir em uma interpretação musical
literal da linguagem sonora (estética) é eliminar a
interpretação (crítica) da própria teoria estética
que sustenta a obra, taxando-a como metáfora ou comparação, ou como alguma coisa inteligível apenas
depois de ser desmitologizada ou submetida a outra forma de tradução que não preserve sua forma lógica.
22 .12 .10. Arquestética: Frequentemente, não é nem um pouco óbvio assim se um gesto
poético refere-se a uma entidade social relacional ou a uma entidade abstrata ou íntima. O teísta
fundamentalista, o agnóstico e o ateu, presumivelmente, concordam uns com os outros sobre a
inspiração divina da arte, embora discordem dos teólogos liberais quanto a sua compreensão de que os
anjos pintados de fato existam como representados.
22 .12 .10.1 . Depois de decidir que a linguagem da arte deve ser compreendida
literalmente, ainda podemos dizer que não é preciso acreditar que as boas estéticas sejam
verdadeiras, nem, ipso facto, acreditar que as entidades que elas postulam sejam reais. A arte
visa dar-nos experiências que sejam sensivelmente adequadas; e a aceitação de uma obra
envolve, como crença, apenas aquela de que ela é sensivelmente adequada. As estéticas, como as
artes, são ficções. A crença de uma estética é sensivelmente adequada não implica ou é implicada
pela crença de que a aceitação plena dela vá ser justificada.
22 .12 .11 . Música Enquanto Modo Harmônico de Soação (sounding): A distinção que
esboçamos entre música e anti-música, na medida em que tem a ver com a aceitação, diz respeito
apenas à crença que nisso está envolvida. A aceitação estética é um fenômeno que envolve claramente
mais que crença. Uma das principais razões para pensar assim é que nunca somos confrontados com
uma estética completa. Assim, se um artista aceita uma estética, por causa disso ele se envolve em um
tipo de programa de pesquisa vital. Tal programa pode entrar em conflito com outro programa de
pesquisa que já havia assumido, mesmo que exteriormente ambos se assemelhem formalmente. Um
praticante de música que se envolva com a arte do ruído deve repensar todas os seus modos de escuta. A
música neste sentido, deve ser encarada como apenas mais um modalismo aural. O fato de deixarmos
nossa escuta ser levada por certo modo de soação não mostra o quanto cremos neste modo de escuta.
22 .12 .12 . A Aceitação Estética envolve não apenas a crença, mas certo compromisso. Mesmo
para aqueles de nós que não somos artistas profissionais, a aceitação envolve o compromisso de
enfrentar qualquer fenômeno a ser observado com os recursos conceituais dessa estética. Ela
determina os modos de respostas nos quais vamos procurar ressoar os fatos. A conquista da
subjetividade social pelo entretenimento se sustenta num desejo íntimo dos indivíduos por
descompromisso e irresponsabilidade. Mesmo que não se aceite uma estética, pode-se adotar o
discurso de um contexto no qual o uso da linguagem é guiado por tal teoria (e a aceitação produz
contextos desse tipo). Há semelhanças profundas disso com os compromissos ideológicos. É verdade
que um compromisso não é nem verdadeiro nem falso; apenas mostra a confiança de que ele vá ser
justificado.
ॐ
22 .13. Entrescuta Elefante: A Dicotomia Soação/Escuta Na Estocástica: O termo escutável
classifica entidades sonoras (que podem ou não existir no caso) enquanto parte do audível, aquilo que se pode
ouvir num dado momento e lugar por todas as escutas presentes. Um cavalo alado é escutável por sobreposição
acusmática. O número 17 não é escutável, embora possa ser cognoscível de diversas formas no audível.
Supõe-se que haja uma classificação correlata nos gestos sonoros: um gesto de percepção sem ajuda, por
exemplo, é audível sem ser escutável. O cálculo da massa de uma partícula sonora a partir da deflexão de sua
trajetória em um campo de força conhecido pela constante de Avogadro não é uma escuta dessa massa do
audível.
22 .13.0. Oucutar (entendre): É importante não confundir ouvir (uma entidade sonora, tal
como uma coisa, evento ou processo) e ouvir que (um modo de interpretação ou outro é o caso).
Suponhamos que se soe um som sintético que se assemelha a um timbre de piano a um indígena que
nunca teve contato com um computador ou instrumento ocidental. A partir do seu comportamento,
vemos que ele notou essas coisas; ele responde àquele canto na mesma altura, mas ele não escutou que
era um piano. Ele não pode obter essa informação pela percepção, teria primeiro que aprender muito.
Dizer que ele não escuta as mesmas coisas e eventos que nós, contudo, é simplesmente tolo; é um jogo
que tira partido da ambiguidade entre ouvir e ouvir que que vai contra a escuta especulativa, oucuta
(entendre).
22 .13.1 . Falácias Aurais: A série
contínua de supostos atos de escuta não
corresponde diretamente a uma continuidade
naquilo que supostamente é escutável. Pois se
algo pode ser ouvido através de uma música,
também é ouvido através do som. Que algo seja
escutável (possível para a escuta) não implica
automaticamente que as condições para
escutá-lo agora sejam apropriadas. Uma
entidade aural é escutável se há condições que
são tais que, se tal entidade aural nos estiver
presente nessas condições, então vamos
escutá-lo.
22 .13.2 . Escuta e Aura: Ainda podemos
ser capazes de encontrar uma continuidade no
que se supõe detectável (escutável do audível).
Talvez algumas coisas possam ser detectadas
apenas com a ajuda de aparelhos amplificadores
acústicos, talvez elétricos, e assim por diante.
Onde vamos traçar a linha entre o que é escutável
e o que é apenas detectável de uma forma mais
indireta? Supondo que não possamos responder
a essa questão sem arbitrariedade, o que se
segue? Que escutável é um predicado vago. A
escuta pragmática nos lembra que quase todos os
predicados são vagos e não há nenhum problema
em utilizá-los, mas apenas em formular a lógica
estética que os dirige. Um predicado estético vago
é útil desde que contenha exemplos e contra-exemplos dentro da própria obra. Uma teoria estética
relevante implica que as entidades não podem ser escutadas em quaisquer circunstâncias, mas através
de um certo modo de escuta, daí que uma estética é uma tecnologia ética.
22 .13.3. Meta-Análise Estética: Em estatística, a meta-análise se refere aos métodos focados
em contrastar e combinar resultados de diferentes obras e processos, na esperança de identificar padrões de
resultados, fontes e discordâncias entre estes resultados, ou outros relacionamentos interessantes nas
variações metodológicas que possam vir à luz no contexto da complexidade (que inclui a multiplicidade
e a unicidade). A arte se utiliza da colagem referencial como maneira de embasar um discurso estético e
de autorização de um certo modo de experimentação estrutural. Mesmo que alguém tenha buscado
sentir e interpretar um processo ou obra artística de maneira neutra, ainda assim poderão se lembrar
desta seletivamente para reforçar suas expectativas. Numa meta-análise estética, portanto, a questão
dos pesos dados a cada influência é a medida de novidade da própria obra.
22 .21 .1 . A Interação Obra-Meio pode tomar duas formas: a de uma reação agressiva
momentânea, isto é, de uma aprendizagem condicional a curto prazo, ou a de uma instigação habitual a
este modo de atuação colocando em jogo a memória a longo prazo. A arte sempre envolve uma
frustração que designa uma privação transitória de partes da totalidade experiencial, que permite
observar o valor daquilo que priva. Num certo sentido, a arte intensifica o processo cultural numa área
de excessão aceita socialmente. Guantánamo é a franquia do 11 de Setembro, a novela feita a partir do
roteiro da obra de arte do século. A arte, sendo negada, se torna uma subjetivação delinquente
(heterodinâmica) que atua na fixação de traumas e na defesa neurótica.
22 .21 .2 . Estética Behaviourista: Não se trata de um condicionamento ordinário, o de
subjugar todas as possibilidades da arte à fixação afetivo-memorial dolorosa. Cria-se através deste
procedimento, a repulsa ao pensamento e à sensibilização, que mantêm o controle através da
violentização e obrigatoriedade do controle repressivo por uma fixação masoquista que exprime, no plano
comportamental, por um estereótipo rígido da arte enquanto modelo da felicidade fracassada. Mas isso
não seria politizar a arte, justamente em sua despolitização? Há em qualquer obra ou processo artístico
uma grande dose de condicionamento cultural (a estética policia a arte), já que são razões sociais que
nos predispõem a querermos parar defronte a subjetividade de outrém com coisas julgadas como
imperdíveis para uma experiência total da condição humana.
22 .21 .3. Excesso de Estimulação Cultural: Quando a densidade populacional (mesmo de
sensibilidades ou referências)
ultrapassa um certo nível e também
cresce o tédio de não ter mais que
caçar ou inventar o menu, os hábitos
se deterioram: combates mortais entre
subjetivações, acasalamentos violentos
de sonhos, violações sensíveis o mais das
vezes infecundas ou seguidas de partos
ao acaso, poesias natimortas, abstenção
de ninhos, ausência de condutas
maternais, canibalismo psíquico.
Falar-se-á de stress provocado pelos
excessos de estimulação social devidos à
superpopulação e ao espaço vital
insuficiente, duas variáveis
indissociáveis; em termos dinâmicos,
de frustração da necessidade de
estimulação optimal, ou ganhar a
própria vida; em termos
estruturalistas e normativos, de
desintrincamento da variável letal
(motricidade simbólica incontrolada)
por supressão das regulações sociais
normais e instauração de um estado de
anomia estética, já que as “leis
culturais” e a partilha sensível dos
papéis sociais só podem se realizar
onde têm um sentido para a sobrevivência, isto é, fora da abundância.
22 .21 .3.1 . Superpopulação Subjetiva: Nessas condições, a troca de informações
estéticas funciona apenas como estímulo inútil e estressante, não como sistema regulador de
comunicação. Numa sociedade anônima, os próprios símbolos de apaziguamento e rituais
catárticos não desempenham mais seu papel frutificante e inibidor, como se não fossem mais
compreendidos. Deve-se isso à superpopulação? À abundância de estéticas? Ao stress da
impotência e da ligação estabelecida entre a obediência e a sobrevivência? O fato de cada nicho
social conseguir criar suas próprias hierarquias reguladoras apesar de uma grande densidade de
informação aponta para a lei cultural como criadora de uma distância social que serve de
substituta para a distância subjetiva real, desde que respeitadas as variações linguísticas dos
estilos. O cálculo para definir a população subjetiva de um local deve levar em conta todos
esses fatores.
ॐ
22 .21 .4 . Estética Optimal: A existência de normas reguladoras internas e externas às obras de
arte e às estéticas
complexificam sua
regimentação de
adaptabilidade. A adaptação
não é algo fácil de se
controlar. Isto levaria a uma
lógica das estruturas fixas,
reguladas por uma aparente
finalidade interna, mas na
verdade, pensável segundo o
modelo das máquinas
auto-reguladas. No outro
extremo, é uma adaptação
aberta ou adaptabildiade cuja
forma extrema é o
comportamento dito
“inteligente”: os pontos de
equilíbrio entre organismo e meio são aí perpetuamente recolocados em questão e comportam dois
momentos: a assimilação ou modificação do meio, e a acomodação ou modificação da obra, os dois
constituindo pontos de equilíbrio estético oscilantes em que a adaptabilidade pode ser definida em
termos de rendimento semiótico, isto é, o mínimo de acomodação para o máximo de assimilação: o
músico adaptado à música toca o maior número de concertos com o mínimo de composições (ou
complexificações dentre e cada composição); esses problemas são mais frequentemente levantados por
ele do que pelo meio, donde um sistema de trocas que não é mais somente cibernético e estático, mas
carregado de sentido evolutivo.
22 .21 .5. Adaptação Estética: Entre a adaptação morfológica e a adaptabilidade
hiperinteligente há uma quantidade de intermediários, como a adaptação formal ou a habitual (modos
de relacionamento com tais processos e obras). Quanto mais complexas as estéticas, mais a adaptação
tende a ser comportamental (socio-relacional), o que a longo prazo provoca modificações formais.
Mesmo que essas adaptações não sejam sempre boas para a espécie considerada isoladamente ( já parou
pra pensar no trabalho que deu pra escrever tudo isto aqui?), elas o são na escala da evolução da
sensibilidade, pois as estéticas concorrentes têm de evoluir para inventar um modo de sobreviver ( já
pensou o quanto você vai ter que aprofundar sua pesquisa sensível, agora?). Assim, a dinâmica da
adaptação estética que regula os comportamentos artísticos explica a norma de estetização capital, mas
não explica a dádiva artística. Dada a origem das estruturas de equilíbrio que regulam as trocas
simbólicas e as fazem evoluir, quais as consequências de uma doação?
22 .21 .5.1 . Desvio Anormal: A adaptação estocástica em função de informações e de
escolhas na ordem da dicotomia não é uniforme, há sempre alguns desviantes ligados a antigos
comportamentos e ou avançados em relação ao grupo (as vanguardas). Mas são precisamente
esses retardatários ou esses “monstros promissores” que constituem, quando a evolução
adaptativa é rápida ou lenta demais um relação à de outros fatores ambientais, a salvaguarda
reguladora que é uma possibilidade de reestruturação de todo o sistema. Entretanto, a eidosofia é
apenas o produto fortuito dos grandes números, quer dizer, de uma teleonomia do acaso e da
necessidade; especialmente quando regula os combates simbólicos no inconsciente coletivo, ela
se exprime não por uma prudente reserva de uma percentagem de desviantes, mas por uma
evolução rumo a trocas cada vez menos materiais (dádivas), cada vez mais estruturadas e
significantes, das quais apenas certos comportamentos humanos podem dar ideia.
22 .21 .6. O Ruído cria a necessidade evolutiva de novas estruturas. Estruturados, os ruídos são
também estruturantes. Nas fronteiras dos territórios da escuta, a ambivalência agressividade/medo é
maximal, o que favorece as simulações estéticas, isto é, ocorre a transformação do ataque sonoro
competitivo em ameaças e rituais que despertam a mesma ambivalência motivacional e ritualizável na
própria subjetividade auditiva do confrontado. A partir daí, a troca de comunicações que integram
amigos e inimigos numa mesma estrutura de relações coloca as trocas na via de uma semântica
tipicamente musical. Os estilos são mais anticorpos estéticos que meros núcleos identitários.
22 .21 .6.1 . Estéticas, Antiestesias: Quanto às estruturas sociais da escuta, seria um
erro acreditar que só se estabelecem através das agressões estéticas diretas: isto só é verdadeiro
nas hierarquias fechadas das cátedras e nas igrejas estilísticas. No cotidiano, as hierarquias de
possibilidade de soação são instáveis, cada um tentando ser ouvido mais sem ter de escutar os
outros. Mas também aí a hostilidade é inversamente proporcional à distância identitária
simbólica. Quase por toda parte, ademais, a dominância aural cria tantos deveres formais
(musicais) quanto direitos de soação.
22 .21 .6.2 . Um Cantor popular como Raimundo Soldado têm deveres de manter sua
música popular, “sincera”, demonstrando um humor tranquilo que se comunica a todo o
grupo; de sorte que a dominância só se perpetua por uma espécie de liderança, intermediária
entre competição e cooperação. Scott Walker é um exemplo musical de uma ruptura desta
regra, com suas consequências sociais. A música noise também não permitiria a Masami Akita
que fizesse um disco de músicas bregas de amor, que seria um real ruído a sua produção até
agora.
ॐ
22 .22 . Aurasofia Elefante: Economologia Libidinosa Estética: A interação entre o
desenvolvimento da agressividade ruidística da arte e a sexualização do erotismo estésico (pedagogia formal) é
uma das bases do ruidismo (Merzbow), mas apresenta muitos problemas devido à complexidade da variável
sexualidade/sexualização da sensibilidade; a agressividade simbólica (ruído) está ligada a uma demonstração de
poder sobre a sexualidade por sua simbolização, portanto a uma função adulta da escuta. Mas o
desenvolvimento de todas as formas de ruído está ligado a formas de sexualização infantil, abertura à
alteridade pela sedução distanciada. O ruído estruturado (rúsica) é uma forma de violência consentida. A música
é uma violência mascarada.
22 .22 .1 . Filogênese Aural: A macroevolução dos estilos só deixa marcas nos comportamentos
aurais daqueles que os vivenciaram, só quem vivencia um estilo o conhece. A microevolução das formas
que compõem cada estilo, no entanto, estruturam em outra dimensão os cruzamentos seletivos e as
hibridizações. Estruturar as microevoluções eidosóficas demanda que detectemos univocidades de
comportamento (entrestilos) que tenham a mesma função, embora diferentes quanto ao limiar de
desencadeamento ou quanto à estrutura (o grito une diversos estilos musicais e modos de soação
extra-musicais, por exemplo).
22 .22 .1 .1 . Mutações Aurais: Então podemos verificar se o traço de mutações que
desenham as macroevoluções
são coerentes com as
hereditariedades desta unidade.
A unidade filosônica nos
permite averiguar quando um
estilo é isomórfico às linhagens
que assume e quando atua
apenas por adaptação
ambiental. Podemos assim
também abrir diálogos
consistentes a respeito de
particularidades estéticas.
22 .22 .1 .2 . Filogênese
Ruidística: Uma música pode
ser tida dentro de um estilo
porque sua banda pertence a ele,
mas ela pode se enquadrar
numa outra linhagem da que
seu autor segue, como abertura
de um entrestilo. Tomadas as
devidas precauções, observa-se
uma microevolução das condutas
de ruído estético: elas têm por
objeto a quantidade e
intensidade das agressões
estéticas, os limiares de
desencadeamento, as atitudes
ideológicas, sua coordenação simbólica. Esta evolução se processa num sentido ora divergente
(multiplicação de modos de uso), ora convergente porque manifestamente boa para todos estes
projetos. Podemos imaginar cada estilo como uma igreja que defende seus preconceitos
incomprováveis, enquanto a própria estética aponta para uma incompreensão da afetação da
cognição estésica, gerando embasamento para a capitalização sensível.
ॐ
22 .22 .1 .2 .1 . Estratégia Ruidística: Essencial é a artificialidade da seleção e a
ritualização da
profanação, que
buscam assegurar uma
crítica máxima à ideia
de optimização estética
e eficiência artística,
ampliando a
ambiguidade da
ciência fictícia e crença
estésica, tanto dentro
como fora do estilo.
Fornecendo estímulos
excessivos ou
desencadeadores de
esquemas de ação
excessiva, propõe-se
outras formas de
cognição mais
potenciais que a
linearidade analítica
sobre a escuta.
Reduzindo a diferença
entre as composições à
quase nulidade,
diminui-se a
fetichização do objeto
de arte, do processo e dos artistas; além de se evitar a competitividade e a corrida por
novidades e controle sobre raízes simbólicas (origens). Não propondo nenhuma regra
(afora esta), qualquer movimento se torna dança e qualquer som se torna erótico.
22 .22 .1 .2 .2 . Ouve-se No Ruído A Diferença entre ritual artístico e
estereótipo estético: O primeiro tem o sentido de uma adaptação aberta; o segundo, de
uma rigidificação e fixação estilística do comportamento. O ruído leva a escuta a uma
perda ou modificação da orientação original quanto à motivação da escuta; uma redução
do limiar da escuta, portanto a uma elevação da probabilidade de atenção, uma
despadronização a partir de elementos a-rítmicos, e uma ampliação diferencial da
compreensão sensível de matemas complexos. O ruído ridiculariza a vaidade do ritual
artístico ao mostrá-lo como estereótipo estético da complexidade natural à amplitude
sensível-cognitiva. Propomos que o ruído (abertura significante) seja o denominador
comum a todas as estéticas artísticas.
22 .22 .2 . Sistema Artístico Ruidístico: Podemos redefinir o sistema estético atual como
ritualização catártica do ruído. Este retorno à convulsão embaralha os estímulos orientadores, ao
mesmo tempo que ab_reage uma auto-agressividade somática. Os ruidistas são parte do sistema. Esta
regressão defensiva é entendida no plano do comportamento e dos sinais trocados; se fixa na
subjetividade individual, na medida em que temos sido eficazes em manter este sistema simbólico não
só como vigente, mas hegemônico através da sua transmissão tanto por contágio midiático quanto por
hereditariedade dentro de nossas formas de produção. A microevolução formal foi programada para
uma hegemonia do ruído e da incomunicabilidade, e nisto está o limite deste sistema, com graves
consequência a todas as instâncias da vida mediada por símbolos.
22 .22 .2 .1 . Ritualização e personalização das relações ruidísticas em conhecimento
sensível: Levantamos a hipótese de uma certa convergência da evolução da sensibilidade para
relações não apenas cada vez mais ritualizadas (estetizadas), mas cada vez mais personalizadas
em apegos simbólicos (estilo identitário de grupo social), que começam com ataques
semiótico-simbólicos (ruídos interacionais).
22 .22 .2 .2 . Progressão Harmônica Contextual: Algumas etapas demarcam a evolução
dos sistemas relacionais que regulam e bloqueiam os ruídos estéticos: a massificação no bando
anônimo, a traumatização interesseira nas sociedades parentais, os preconceitos como estilos nas
tribos, o nepotismo e a máfia na amizade.
22 .22 .2 .2 .1 . A massa anônima não passa de um amontoado de indivíduos
que se ignoram, sacudidos por estéticas, inteiramente submetidos aos pânicos
coletivos ou às
variações de humor
daqueles que não
hesitam e que a massa
hesitante exalta como
chefe. A demarcação
de hierarquias e de
metas competitivas
na família e a
hierarquização de
interesses individuais
dentre a um grupo,
bem como a
imposição de regras
de ruído específicas
privilegiam um modo
relacional em
proveito das demais
se somam para que o
conhecimento
coletivo seja
individualizado na
figura de liderança.
Nas sociedade tribais,
também não há
conhecimento
individual; só o que
importa é a aura geral
do grupo, no qual se busca refúgio nos momentos de angústia: sociedade de massa
fundada, todavia, na partilha dos papéis e na luta mortal entre as tribos; é um mau
cálculo a longo prazo, pois as tribos se tornam enormes e perdem justamente seus
aspectos relacionais.
22 .22 .2 .2 .2 . Hormonia: O nascimento da ligação personalizada é produto de
rituais ruidísticos que terminam em verdadeiras estruturas de comunicação novas
onde, graças a uma organização especial da mensagem, emissor e receptor se
reconhecem.
ॐ
22 .22 .3. Música, Contenção da Escuta: Norma estética social, exigência ética, imperativo
político, o preceito de conteção e de retenção das atitudes e dos gestos acompanha no mesmo processo
o exercício do governo de si, como a orquestração dos outros. A contenção, que estrutura em
profundidade um certo tipo de economia psíquica, uma certa forma de subjetividade, exalta um
modelo fundamental de representação do sujeito. O que coloca em risco são os excessos, tanto internos
quanto externos, os arroubos, o incontrolável, o que não pode ser governado. Dentre ao sujeito, isto
remonta ao auto-controle, quando utilizado como modelo social, com os outros, faz com que as
trocas sejam percebidas como uma ameaça à integridade, à identidade, à virtude de cada um. Na dança
hierárquica das cortes, a música recebeu seu papel de fundamento da identificação autoral.
22 .22 .4 . Orquestração do Maestro: A maestria
trata-se de um modelo fundamentalmente psicológico da
matemática dos conjuntos. Implica a consciência, o
reconhecimento do próximo e o respeito por ele, ao
mesmo tempo que constitui uma delimitação de si: as
disposições para a composição são refreadas pela
necessidade da partitura, demandando a retenção, o
controle e a prudência. Não se poderia ver, numa tal
concepção do regente, ao mesmo tempo uma condição e
um traço desse lento processo de estruturação psicológica
do governo das escutas, que modelou a economia
subjetiva e orientou os laços estéticos nas comunidades
organizadas pelas musicalidades ocidentais? O maestro é a
transição ritualizada da disciplina ao controle.
22 .22 .4 .1 . Maestro Elefante: Sentir ao máximo mas conter-se, exibir o terror do
excesso mas reter-se em si mesmo, libertar-se para dominar-se, atitudes cruciais na
representação maestral, parecem assim indissociáveis do político. Simbolizando e realizando a
aceitação de constrangimentos que se exercem sobre a escuta em sociedade, a conteção musical
não desempenharia o papel da incorporação do real nesses momentos raros e estruturantes que
são as ritualizações socioestéticas?
22 .22.5. A Música Operística pretende elucidar as figuras da afetividade coletiva, as formas de
sensibilidade política que exigem o controle de si do maestro; a política afetiva que (excetuando as
celebrações festivas) se exerce de maneira contínua na música e, frequentemente discreta, pelo
exercício de uma dominação aural silenciosa, pelos rituais dos corpos, das posturas, dos olhares e
expressões. Um concerto, um show de rock, um televisor, um filme num cinema, uma ópera, um
ballet, um quadro, um programa, uma instalação interativa: tudo isto que podemos, sem equívocos,
chamar de arte (musicae) circunscrevem os corpos com fins políticos (objetificação da relação política, tida
como maquínica e transcendente), que exigem controle, domínio de si e reserva, destinados a traduzir o
respeito e a obediência de cada um para com a representatividade do poder enquanto técnica do poder.
22 .22.5.1 . Meta-regência: Uma Política Cultural que privilegia um estilo que
depende essencialmente da ostentação representativa, um estilo majestoso que, ao se
acompanhar da domestificação dos corpos, pretende impressionar celebrando a grandeza da
inacessibilidade, faz com que a arte renuncie a seu papel enquanto política para se conformar a
ser puramente polícia. As cerimônias e os rituais são concebidos como instrumentos destinados a
provocar o respeito e mesmo o medo, a instaurar a distância. A maestria se acompanha de
ornamentos, indumentárias, gestos, olhares, posturas. As cerimônias e os rituais
artístico-estéticos têm uma finalidade em comum: graças a um trabalho sobre as aparências, é
necessário por meio de sinais sensíveis captar os sentidos e emocionar os espíritos para impor
uma ordem, instaurar uma distância e, dessa forma, fazer reconhecer uma hierarquia.
22 .22 .6. O Posicionamento Orquestral: O maestro, quando outorga distinções e favores nas
prerrogativas da etiqueta orquestral, demarca pelo mesmo gesto diferenças marcantes no interior das
ordens hierárquicas do grupo. Todo artista é maestro de platéias, todo espectador corrobora com o
deleite de ser condutor de seus próprios sentidos. A mínima nuance de reserva, de descontentamento
ou, ao contrário, de aprovação na atitude do maestro adquire considerável importância estratégica:
traduz efetivamente, de maneira visível, o lugar de cada um aos olhos do regente e sua posição na
escuta coletiva. Isto conduz Sofia a discernir, por meio da etiqueta musical e do cerimonial (um tipo
de organização específica), uma sociedade na qual todo gesto (toda atitude indica com precisão o lugar
de cada escuta), ao mesmo tempo que o refletindo, simboliza a própria repartição do poder. Daí que
Sofia deduz que a etiqueta, é o próprio tom simbólico da musicalidade ocidental.
22 .22 .7. Música-Etiqueta: Qual o significado mais latente do cerimonial artístico estético
(amplificado ainda mais na música orquestral)? A necessidade sem trégua de lutar por prestígio, por
privilégios, por honrarias e por um reflexo identitário nunca definitivo. Não é tanto a finalidade dessas
disputas sociais que interessam a Sofia, mas mais a natureza dos signos, dos instrumentos, dos
aparelhos simbólicos e materiais pelos quais se permite a cada qual garantir um lugar na sociedade
cultural. Mas, fato curioso, os próprios artistas rejeitam este cerimonial estetizante.
22 .22 .7.1 . Ruído, Sem-Etiqueta: Artistas renunciam a seus privilégios enquanto
estetizadores e subjetivadores, perdem sua parcela de poder, aceitam o que Sofia chama de
uma “degradação de si em prol
da abdicação da identidade”,
“humilham-se de modo a
ridicularizar as técnicas e
propriedades intelectuais que
sustentam com seus nomes”,
a seus próprios ouvidos e à
escuta dos outros. Numa
sociedade de ordens simbólicas,
a existência de cada um só se
confirma e sublinha sob a
estética alheia.
22 .22 .8. Arte e Poder: Por
meio das exigências e das funções do
cerimonial burocrático nas artes
(projeto, vernissage, estréia,
apresentação, entrevistas, release,
clipping, citação), Sofia efetivamente
discerne as maneiras de se artear
(sentir e fazer arte) encorajadas por
essa sociedade que as marca
psicologicamente e que define tipos de
comportamento e de economias
psíquicas. Evoca assim a prudência, a
reserva, o cálculo, de dentro da
sacrossanta instituição da intuição e
da inspiração. Mostra o gênio como
uma evolução meticulosa de relações
subjetivas urdidas entre redes de símbolos e de relacionamentos sociais, une a poética da linguagem à
dança das afetividades políticas.
ॐ
22 .22 .9. A Obra Museificada (A Escuta Musificada) não visa apenas à representação
exterior, à conquista de uma posição melhor e de um prestígio maior, de uma distinção em relação ao
espectador. Marca da mesma maneira as distâncias que separam uns dos outros, os participantes de seu
processo. Uma tal sociedade cultural, encoraja relações que pouco lugar conferem às manifestações
estéticas e afetivas espontâneas. Se torna crucial evitar toda exposição real de sensibilidade. O
relacional se torna naïf e a desarticulação social passa a ser valorizada. Esta atitude, quando
generalizada, museifica a própria força de atuação subjetiva da arte.
22 .22 .9.1 . Teatro Do Museu: A maneira como o espaço é apropriado, ocupado,
repartido, a maneira como nele se desloca, a ideia de um território assinalado a cada um, de um
lugar reconhecido a cada participante, correspondem a uma hierarquia social e política
materialmente representada no espaço. A distribuição no espaço segundo uma certa ordem de
precedência estética traduz as desigualdades dos estatutos, das origens e dos poderes.
22 .22 .10. Cerimoniais Estéticos: Em matéria de comunicação política, um bom número das
interrogações contemporâneas da
arte retomam preocupações
seculares. Assim, a insistência atual
sobre a apresentação de si, o saber
relacional, a necessidade de instaurar
uma relação personalizada com os
administrados (objetos), a abstração
dos afetos, o trabalho sobre as
aparências e o estilo remontam, na
realidade, a preocupações bastante
antigas. Da mesma forma, a
importância atribuída aos emblemas
(museus, galerias, curadores,
prêmios, editais), aos signos
exteriores de aceitação subjetiva,
pode se esclarecer à luz de uma
arqueologia da comunicação política.
As palavras mudam, adquirem
conteúdos diferentes, mas remetem
a uma constante estésica fundamental
do poder.
22 .22 .11 . O que se comunica
na arte? Conferir significados à
autoridade, ao poder, ao prestígio, à
hierarquia com o auxílio de meios
não violentos, por meio das
cerimônias, dos rituais ordenados
por uma etiqueta (musical), um
protocolo e, dessa forma, ordenar a
relação das pessoas com o poder
(psíquico, econômico e político),
impondo uma alternância entre a acessibilidade e a inacessibilidade do público à produção de realidade.
Trata-se ainda de significar o poder, a hierarquia, e para isso mostrar e instaurar uma distância entre
artista e espectador, conjurar o medo que o espectador tem de um artista demasiado enigmático e por
outro lado o medo que os artistas têm da sensibilidade não-estética.
22 .22 .12 . O que se comunica no artista? Mostrar-se para impor, impor-se, exibir para ser
temido e valorizado por este temor. Mostrar para seduzir, envolver, fascinar, fixar pelos sentidos, pela
expressão, pelas disposições psicológicas inscritas no rosto e expressas pelo corpo. Comunicar pelo
cerimonial aparece como a arte de se exibir sem jamais se mostrar. É conveniente ao poder que se
mostre-o num indivíduo e para isto é necessário mostrar: persuadir, penetrar as sensações e ideias,
convencer, transmitir um saber que, nas cerimônias e nos rituais, dirige-se aos corpos, aos olhares e às
almas apelando aos gestos, aos movimentos, às posturas, às expressões, mas também aos
comportamentos, à etiqueta, às maneiras sociais. Nesse sentido, o artista sustenta com sua biografia a
retórica do poder sobre sua própria obra.
22 .22 .13. Os Estilos São Rituais Políticos: contribuem a estruturar, a reforçar uma política
cultural por meio do que dizem a respeito de como mudaram os modos comportamentais daqueles que
o seguem. Cada artista é uma cobaia de seu próprio estilo, podendo passar a ser uma conduta valorizada
ou não, de acordo com as necessidades políticas vigentes. Mais do que a pompa, o efeito de
arrebatamento, a fascinação visual dos cerimoniais burocráticos de aberturas de exposições colocam
em cena mecanismos afetivos, emocionais.
Ao manter o papel aural mais abdicado, o de
obedecer estritamente à partitura, o regente
permite-se demandar postura semelhante
dos demais participantes.
22 .22 .14 . A Ópera das Artes: A
dramatização social das novelas televisivas
operam esteticamenteas pesquisas estatísticas
de comportamento. O colecionador, maestro
de curadores, celebra as virtudes da
simulação, do fingimento, do poder
metafórico próprio da música enquanto
etiqueta: é preciso saber mostrar aquilo que
não sentimos; é preciso ainda saber mostrar,
fazer ver aquilo que as circunstâncias
exigem. Talvez, não haja nada que torne
uma estética mais rentável que sua
capacidade de adaptação a um meio de
empoderamento. Existem diferentes
concepções do gesto poético controlado. O que
as distingue não é tanto o fato de que o
gesto seja concebido como um instrumento,
um signo, mas sobretudo, a sua finalidade.
22 .22 .14 .1 . A Poética da
Ópera: É justamente a finalidade
política do gesto poético que
interessa a Sofia Harmonia.
Analisando a maneira como os gestos
poéticos podem servir de instrumento de dominação ao poder realizador, e os efeitos produzidos
por essa subordinação, Sofia sublinha a necessidade de assegurar-se da deferência devida ao
maestro por meio de um jogo de gestos ínfimos, e mesmo íntimos. O poder da regência ocorre
através dos gestos para a própria gesticulação. O domínio de si, necessário por razões de
prudência e reserva acaba por se converter no centro gravitacional da força da regência sobre a
coletividade mesma.
ॐ
22 .22 .15. Combatividade Artística: Para além da preocupação com as atitudes exteriores, os
ideais relacionais da estética, a expressão de códigos e normas culturais sensíveis, o que é fundamental
na obra de Sofia Harmonia é o fato de perceber tanto na polidez da discursividade política como na
violência dos massacres uma dimensão estética, de beleza, de elegância. Fazendo da polidez técnica da
obra de arte um gesto poético concreto que se apreende como belo em função de regras codificadas, a
forma e as aparências tornam-se essenciais em face de um sentido autêntico e escondido: a aura. Ao
contrário do que acreditava Walter Benjamin, foi um excesso, e não uma ausência, de aura que cegou
os sentidos perante a arte da reprodução.
22 .22 .16. Obra Elefante: O desaparecimento progressivo de animais dispersores de sementes,
como os elefantes e os rinocerontes, coloca a integridade estrutural e a biodiversidade da floresta
tropical do sudeste da Ásia em risco. Com a ajuda de pesquisadores espanhóis, um time internacional
de especialistas confirmou que nem herbívoros como a anta podem substituí-los. Que tipo de artistas
executam uma função semelhante de digestão cultural e proliferação subjetiva de sementes de
possibilidades novas que se encontravam abandonadas pelos territórios da cultura?
22 .22 .16.1 . Copyfight Elefante: Nessas florestas no leste da África, a grande
diversidade de espécies de plantas significa que não há espaço suficiente para todas as árvores
germinarem e crescerem. Assim como a escassez de luz, a dispersão de sementes se torna mais
complicada pela falta de vento, resultado do tamanho das árvores, que atingem até 90 metros
de altura. A vida das plantas é então limitada a sementes dispersas por animais que comem
polpa. Eles espalham as sementes quando deixam cair seu alimento, regurgitando-o, ou ainda
mais tarde, através de suas fezes. Não é este o mesmo problema que assola a cultura através dos
monopólios de "direitos autorais"?
22 .22 .16.2 . Épico Elefante: No caso das grandes sementes, plantas necessitam de um
grande animal capaz de comer, transportar e
defecar as sementes em boas condições , como
descrito por Luis Santamaría, coautor e
pesquisador do Instituto Mediterrâneo de
Estudos Avançados (IMEDEA) da Agência de
Pesquisas Científicas CSIC, da Espanha. É
aqui que os elefantes entram em campo,
porque eles podem dispersar uma grande
quantidade de sementes, graças ao fato de que
vagarosamente digerem poucas quantidades de
seu alimento. A função do mainstream
artístico assemelha-se a um semear das grandes
ideias e grandes conhecimentos através de sua
bosta cognitiva.
22 .22 .16.3. Proliferação Elefante: Se
esses mega-herbívoros desaparecerem do
ecossistema, sua contribuição para os processos
ecológicos também será perdida, e o caminho
do ecossistema mudará irreversivelmente. Sem
grandes herbívoros, as sementes das grandes
plantas sempre cairão próximas à planta-mãe e, consequentemente, serão incapazes de
colonizar o espaço disponível em outras áreas da floresta. Então, um papel fundamental dos
grandes artistas é o de se movimentarem e levarem consigo a rede de artistas que lhe
acompanham de modo a conectá-los às situações que precisem de seu modo de sensibilização.
22 .22 .16.4 . Sofia Harmonia, Gênio Elefante: Aquelas espécies que dependem de
grandes mamíferos serão cada vez mais raras, e as que dependem do vento e de pequenos e
abundantes animais irão aumentar em termos de densidade e dominância. Campos-Arceiz
afirma que, no final das contas, a composição e a estrutura da floresta mudam e acabam se
tornando menos complexas tanto a nível estrutural como funcional: isso se traduz em perda
de biodiversidade. Isto já vem ocorrendo na cultura artística, onde os modos de produção
estética que demandam grande produção se convertem ao entretenimento e perdem sua real
sensibilização dada a ausência de possibilidade de atuação política dos grandes artistas.
22 .22 .16.5. Redução de Danos
Estéticos: Para evitar tal cenário,
pesquisadores sugerem que a megafauna seja
protegida e, em alguns casos, a reintrodução
de mega-herbívoros em áreas de onde eles
previamente desapareceram (como em
Inhotim). No sudeste da Ásia, a prioridade é
impedir a caça ilegal (ou a mineração
predatória, tanto subjetiva quanto
geológica) e diminuir o impacto da perda de
habitat, indica o especialista, criticando a
absurda motivação para matar, em troca da
venda de chifres e presas para a medicina
tradicional (sem benefícios terapêuticos) ou
para fabricação de produtos ornamentais
(obras de arte, fezes). Isso também reafirma
a necessidade de se combater o mercado de
uma maneira muito mais determinante,
diminuindo o valor da arte em geral em prol
de um aumento do valor do
espectador-criador que deve ser ressarcido
por sua cognição das obras.
22 .22 .17. Parque Pleistocênico: O professor Chris Johnson, da Universidade James Cook, diz
que a reintrodução de grandes herbívoros nas Américas ajudaria a restaurar ecossistemas e salvar
espécies nativas ameaçadas. Ele diz que a experiência (como visível em Jorge de Lima e Sousândrade)
também ajudaria a esclarecer se foram os homens ou as
mudanças climáticas os responsáveis pela extinção da
megafauna, como o mamute e os cangurus gigantes.
Entretanto, em termos ecológicos, a extinção da
megafauna criou, rapidamente, paisagens de vegetação
densa e uniforme, ele diz. Durante suas longas vidas,
elefantes percorrem grandes distâncias, comem uma
enorme variedade de plantas, interagem com um vasto
número de outros elefantes e ganham muitas experiências
valiosas. O avanço da idade entre as fêmeas está associado a
um aumento de conhecimento social e ecológico e a
habilidades discriminatórias. Fêmeas idosas mantêm seu
lugar como líderes ou matriarcas de sua família na
estrutura social feminina. Assim, fêmeas mais velhas são
repositórios de conhecimento social e ecológico, influindo
na sobrevivência e no sucesso de suas famílias.
ॐ
22 .22 .18. Longevidade Elefante: Uma vida longa e uma maturação lenta (um folclore aberto
e criativo) estão correlacionadas e são como que pré-condições necessárias ao desenvolvimento da
complexidade social e de um cérebro grande. Com um grande e complexo cérebro e uma boa memória,
experiências aprendidas e complexidade social se multiplicam durante a longa vida dos elefantes.
Fêmeas (intuições) idosas, com um maior conhecimento social e ecológico, têm papéis sociais
diferentes das fêmeas mais jovens. O aprendizado que sustenta a transmissão de tradições culturais
ocorre no contexto de sucessivas gerações de animais que passam a maior parte de seu tempo juntos.
Quando uma matriarca morre (como quando ocorre uma ruptura estética), seu lugar é assumido por
outra elefanta, que recebeu todos os conhecimentos da matriarca morta, como rotas migratórias, onde
buscar água, comida etc. A morte de uma matriarca significa que a manada deve se reorganizar, logo
depois de passar pelo período de luto, durante o qual fazem ritos funerários. Ritos que se repetem por
anos, quando passam por onde estão os ossos do membro da manada morto.
22 .22 .19. Troféu Elefante: Os caçadores, em seu afã de mostrar ainda não sabemos o quê ao
assassinar animais indefesos, buscam matar os maiores exemplares e justificam isso argumentando que
sua caça é ética e que responde a critérios conservacionistas (os ruidistas atacando o easy listening, por
exemplo). Nada pode estar mais longe da verdade: somente buscam o indivíduo maior, mais velho e
majestoso para poder, assim, posar com peças maiores de marfim como troféus. A verdade é que,
quando se mata um elefante adulto, os mais jovens ficam condenados a não ter com quem aprender a
encontrar as rotas por onde se movem em busca de comida e água (o punk, ao contrário do que
proclama, não gestou uma saída para o rock progressivo mas apenas o fez retornar ao primeiro passo).
Isso tem acontecido em muitos povoados e cidades africanas, onde pequenos grupos de jovens
elefantes invadem, em uma espécie de ato de vandalismo, desde casas e tendas até plantações e
colheitas. Comportam-se como se comportaria (e é assim mesmo que acontece) um grupo de
adolescentes que vivesse sem a orientação de seus responsáveis (gangues de metaleiros e rappers se
matando). E então, os caçadores utilizam esses acontecimentos como desculpa para matar também
esses jovens elefantes. E tá tudo dominado.
22 .22 .19.1. A Caça Como Uma Das Belas-Artes: A caça de elefantes não é um
esporte, é um vício. Qualquer jogador de telejogos de guerra percebe o quão fácil e sem-graça é
matar um animal gigante e lerdo como um elefante, não há desafio nenhum afora as
superações das regras sociais humanas. A caça é o entretenimento do poder no estado-da-arte,
a busca por prazer na demonstração agressiva de irresponsabilidade consentida. Para os
elefantes, além disso, quem os mata demonstra uma grave falta de compromisso com a
opinião geral da população, que deseja observá-los vivendo em paz e de acordo com sua
natureza, e condena ainda o resto dos membros de sua manada a um futuro incerto. A caça
subjetiva da propaganda é o oposto complementar à zoologização das relações (museificadas).
22 .22 .19.2 . Natureza Numa Caixa: A natureza representa para os zoológicos, o que
Deus representa para as Igrejas, o que a arte representa para os museus. Uma comparação
intrigante, mas, dado o estado da maioria dos zoológicos no mundo todo e certamente seria
apropriado dizer: A estética nos zoológicos é similar à pornografia na arte e à política nas
congregações. Há tantos livros escritos sobre zoos, especialmente no Ocidente, que as pessoas
têm inúmeras opções de escolha quando consideram esse tema. Se as visitas de crianças aos
zoos têm o objetivo de ajudar as pessoas a medir a verdadeira beleza e o valor da natureza,
então essas instituições estão muito aquém de seus objetivos.
22 .22 .20. Sofia Harmonia No Museu De O Elefante De Marfim: Sofia se mudava de pensão
a pensão com seu violãozinho e uma mala de
anotações, às vezes largando para trás montanhas de
papéis em que escrevia, sem se preocupar em
publicar, a ópera na qual purgava o luto pela morte
da ópera. Sofia leva ao limite o gesto da vanguarda,
fazendo da espera pela ópera que nunca se publicará
a história mesma que se narra. O resultado é um
projeto de experiência nova da arte, onde se arma
uma poética invencionista, anti-naturalista da
escuta. Ali ela brinca com a espera, reflete sobre a
escrita, a literatura e a publicação, constrói a figura
da mulher ausente que é e, depois de centenas de
páginas, chega à ópera propriamente dito, que é
muito mais curta que o projeto, e no qual os
personagens não parecem seres humanos, e sim seres
de papelão, como que num conto de fadas. Acredite:
não há nada neste planeta que se assemelhe a esta
"próera". Não há também ninguém como Sofia.
22 .22 .20.1 . “Toda personagem
sofre com a violência na ópera”, dizia Sofia,
“ainda que seja imortal”, pois ela entendeu
que, sendo os personagens gente de fantasia,
eles perecem todos ao concluir o relato.
Tarefa desnecessária que tomam os autores,
com o perigo de esquecimentos e de repetir a
morte a algum. Tudo em Sofia funciona
assim, de forma a expor, ao invés de esconder, os mecanismos de produção do texto e da escuta
e a relação com o leitor-ópera. Este, aliás, é o grande personagem do Museu. Sofia elabora
uma verdadeira galeria de arte numa homenagem clara a Macedônio Fernandez onde você se
encontra em solidão.
ॐ
22 .22 .20.2 . A Obra Escrita de Sofia, por mais genial que seja, é só um pálido reflexo
da espontaneidade oral, da invenção conversacional que ela eleva à condição de arte. Sofia
Harmonia não foi apenas a maior musicista, luthier e programadora de máquinas sonoras,
mas também foi uma grande escritora de ímpar sensibilidade. Escreveu contos, poemas,
romances, ensaios, tratados, cartas, mas talvez o seu gênero literário por excelência tenha sido
o brinde.
antes a pós
de mais, nada
apenas tudo...
ॐ
ॐ
ॐ