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O Elefante de Marfim
Portitura de Ciberfonia em Três Movimentos
“Soava o berrante de presa e o elefante obedecia.
(…) Palavras fazem misérias, incluso músicas.”
Manoel de Barros

20. Projeto Aural:

20.0. Processo de Composição Coletiva: Uma montagem de O Elefante de Marfim demanda


uma escuta ambiental, institucional e intersubjetiva para a criação de um espaço focado na pesquisa,
formação, produção e proliferação artística transdisciplinar, conectada a redes nacionais e
internacionais de conhecimento sensível dedicado à reflexão e difusão da consciência socioambiental
das artes. O processo soante não está pronto numa partitura pré-moldada (com exceção das marcações
no libreto original de Sofia Harmonia), mas se sustenta em dois eixos completares: um espaço
colaborativo de operações, sociabilização e trocas de experiências e conhecimentos concernentes aos processos
contínuos de cuidado de uma casa de ópera enquanto meio ambiente, e as pesquisas e ensaios para a criação
de uma nova partitura e montagem livremente inspirada pelo projeto e libreto de O Elefante de Marfim.
Assim como todxs são atores em cena no libreto, todos devem ser tratados como membros da
orquestra (à parte qualquer tipo de meritocracia) e participar ativamente da partitura, incluindo dos
funcionários da limpeza até os burocratas administrativos. Este desafio de uma criação coletiva é o
cerne de O Elefante de Marfim.

20.1 . Estruturação Procedural: Uma série de processos mantém o cotidiano de um
espaço colaborativo de operações,
onde se conflui desde a
pesquisa de possibilidades de
atuação simbólica até a
distribuição de conhecimento
estético. Alguns destes
processos seguem
continuamente, enquanto
outros esporadicamente de
acordo com a demanda. É
importante notar que a ópera
de O Elefante de Marfim é apenas um ponto de sua próera, ou seja, ela pode ocorrer esparsamente no
tempo ou num festival, estando entremeada de composições e performances de cada membro do
coletivo. Seus processos internos devem ser assimilados de maneira cotidiana nas produções.

20.1 .1 . Processos
Contínuos de Cuidado da Casa
de Ópera: Uma casa de ópera,
desde sua arquitetura até seus
métodos de divulgação
artística, serve de modelo
experimental a novas formas
de produção, tendo, portanto,
a responsabilidade
ético-social como cerne em
todas as suas atividades,
levando em conta as últimas
pesquisas no campo da
sustentabilidade e da ecologia
dos conhecimentos. Alguns
processos a serem tomados
em conta para a manutenção
de um ambiente de
enriquecimento cognitivo e
experiencial são:
20.1 .1 .1 . Criação e manutenção de espaços virtuais de comunicação com a
região e com as redes cognitivas globais, contendo blogs de seus participantes, uma TV
e rádio online, uma rede social própria.
20.1 .1 .2 . Estabelecimento de um cineclube com temáticas de
conscientização comunitária de modo a abrir diálogo posterior à apresentação, tais
como: meio ambiente, relações humanas, história da arte, ciências atuais, produções
independentes internacionais, questões de gênero e sexualidade, tecnologia, etc..
20.1 .1 .3. Organização de palestras e aulas abertas com profissionais das mais
diversas áreas. Como por exemplo, o sorveteiro que inventou a poesia de paladares
regional, o filósofo da cidade vizinha ou ainda o artista de outro país. Propor uma
verdadeira troca destes conhecimentos com os membros da orquestra.
20.1 .1 .4 . A preservação de um acervo de objetos abandonados ou
encontrados no lixo, a serem reutilizados. Aqui entram processos que vão, desde tratar
a limpeza da casa como tarefa do maestro, até a metareciclagem de lixo eletrônico em
aparelhos funcionais.
20.1 .1 .5. Transparência dos processos e produtos gerados pela casa de ópera,
deixando programas, textos, músicas e mesmo o orçamento aberto à utilização,
melhoria e crítica pública. Este projeto mesmo, é aberto e nós incentivamos que se
espalhe ele para sua execução nas mais diversas localidades.
20.1 .1 .6. Estabelecimento de um telecentro de pesquisa e uma biblioteca
solidária. Quando possível, uma universidade livre.
20.1 .1 .7. Um jardim cultivado colaborativamente, que quando sustentável,
possa gerir mudas para um processo de jardinagem urbana.
20.1 .1 .8. Um espaço de intercâmbio, com residências para artistas e
pensadores do mundo todo na cidade, bem como a profissionalização e inserção de
artistas locais nestas redes.
20.1 .1 .9. Abertura do processo operístico a qualquer interessadx que
participar do processo e a viabilização de pagamento para todsxs os envolvidxs.

20.1 .2 . Processos Preliminares de Afinação de Escutas da Orquestra:
Concomitantemente à
manutenção de um espaço
colaborativo de operações, a
criação da montagem de
uma ópera requer um
processo progressivo que
envolve uma série de etapas,
numa duração a ser
programada com
antecedência num
cronograma detalhado. Para
tanto, vislumbramos a
necessidade de alguns
processos iniciais de
afinação das escutas entre si,
ao ambiente que envolve a
casa de ópera e a obra:
20.1 .2 .1 . Pesquisa de poéticas pessoais dos interessados e das relações do
grupo formado. Estudo das mitologias locais, suas conexões com as demais formas de
folclore (ancestral e contemporâneo) mundo afora. Aprofundamento na história da
arte de modo a ampliar referências concernentes à proposta. Verificação das
necessidades técnicas e legais para a execução das ações.
20.1 .2 .2 . Práticas experienciais, corporais e vivências que amplifiquem o
contato com os focos de pesquisa de cada um, encontrando conexões entre as diversas
poéticas do grupo.
20.1 .2 .3. Criação de um projeto, a partir da decupagem das informações e
experiências vivenciadas. Formatação deste projeto específico que pode incluir: poemas,
desenho de luz e palco, partitura, roteiro, storyboard, coreografia, desenho de
figurinos, maquetes de cenários. Este processo deve ser acompanhado de uma série de
aulas práticas e teóricas que o embasem, incluindo já sua pré-produção com
mapeamento de parcerias, cronograma e orçamento.
20.1 .2 .4 . Produção das obras (óperas) propostas, que dependem inteiramente
do que foi decidido através da pesquisa e criação, podendo incluir O Elefante de
Marfim ao final. Editoração e formatação de impressos como livros e revistas, a
confecção artesanal e industrial de costumes e figurinos, a produção cenotécnica e
expográfica com materiais e técnicas de escultura mistas, colagem de referências,
composição de ambientes sonoros e músicas, criação de instrumentos necessários,
captação de material audiovisual, edição e tratamento harmônico de todos os
elementos juntos. A este processo se soma a produção executiva do mesmo, que inclui:
a captação de recursos, o contato com colaboradores, a criação de divulgação e de um
sítio virtual próprio ao projeto.
20.1 .2 .5. Apresentação das obras, através dos mais diversos meios de acordo
com a demanda específica de cada projeto, podendo incluir: teatro, instalação
imersiva, esculturas, vídeos, performances, filmes, exposições, intervenções, danças,
festivais, encontros, palestras, mesas redondas, livros, programas de rádio, sítios
virtuais, gravadoras, coleções de moda, e na mistura de todos os processos em óperas.
20.1 .2 .6. Somente depois desta realização inicial de harmonização criativa,
que também dá tempo para que os envolvidos leiam o projeto e o libreto com cuidado,
a orquestra pode começar a discutir a possibilidade de montagem de O Elefante de
Marfim. É necessário que não desincentivamos qualquer tipo de montagem desta peça,
seja um grupo de performances separadas, uma montagem expressionista mínima ou
mesmo uma fanfarra folclórica, mas o desejo do compositor e da autora é o de que esta peça
seja um espaço para a mais profunda complexidade com a maior quantidade de modos de
escuta possíveis ocorrendo ao mesmo tempo.

20.2 . Auditoria Orquestral: Como buscamos não uma imposição de parâmetros da
compositora, mas uma maneira de tornar A
Orquestra interativa e criativa, vislumbramos
começar o processo através de uma pesquisa
esquizoacústica, para que conheçamos os desejos
e necessidades de cada envolvido, do grupo, do
ambiente próximo e da escuta global no
momento dado. Para responder a estas
perguntas, além de uma leitura detalhada do
projeto e do libreto de O Elefante de Marfim e
de um diálogo amplo, pleno de uma sincera
curiosidade sobre as obras e modos de escuta de
cada membro da rede, propomos que A
Orquestra tome algum tempo para pesquisar
um escopo global das formas de auricultura
existentes hoje e meditem juntos sobre as
especificidades locais da escuta perante o audível
e as forças que as compõem. Não há necessidade de que todas estas perguntas sejam respondidas, mas
que sejam lidas sim; indicamos que sejam tratadas preliminarmente aos processos e ensaios, decididos
coletivamente, para que ressurjam posteriormente conforme a necessidade.

20.2 .0. Questionamentos concernentes ao desejo soante:


~O que te trouxe até esta obra e por que ao lê-la te sentiste impulsionado a
executá-la?
~Você deseja tocar com todxs no grupo?
~Todxs no grupo envolvido estão de acordo com a execução desta obra?
~Todxs leram o projeto, o libreto e a partitura?
~Há demanda local para um processo como este?
~Há dificuldades políticas envolvidas? Quais?
~Quantas pessoas serão beneficiadas no processo?

20.2 .1 .Questionamentos concernentes à competência de soação social:


~Quem pode soar, e quem pode interpretar e usar sons no grupo e no meio
ambiente desta casa de ópera?
~Qual o padrão de aquisição e aprendizado sonoro além do musical? Quem
divide o conhecimento e quem não?
~ Há estratificações de técnicas e conhecimento? Que tipos?
~Como são sancionadas, reconhecidas e mantidas as hierarquias?
~A assimilação de padrões sonoros (musicalizações) é assumida como sem
problemas ou como uma necessidade?
~As ideologias do talento determinam ou constringem a aquisição e a
competência sonora?
~Qual a relação entre a competência, a técnica, e o desejo por sons?
~Quais as diferenças entre as técnicas de produção e recepção sonora entre os
indivíduos através dos grupos sociais do local onde está a casa de ópera?
20.2 .2 . Questionamentos concernentes à forma:
~O que são os meios materiais do som e como são organizados em códigos
reconhecíveis?
~Como estão os meios sonoros distribuídos através dos participantes?
~Quais as preferências de ordenamento estético do grupo?
~Quais os limites das formas perceptíveis? O que significa estar errado,
incorreto, ou de outra forma marginal do ponto de escuta da flexibilidade do
código comum e seu uso?
~Quão flexível, arbitrário, elástico, adaptável e aberto é a forma sonora
escolhida?
~Quão resistente a mudanças, de pressões internas e externas, ou outras forças
históricas?

20.2 .3. Questionamentos concernentes à performance:
~Qual a relação dos produtores sonoros com os ouvintes e materiais
fornecidos pela próera?
~Qual o relacionamento entre as formas expressivas coletivas e individuais e a
disposição da performance?
~Como as formas são coordenadas na performance?
~Quão adaptável e elástica é uma forma aural quando manipulada por
diferentes executantes ao mesmo tempo ou através do tempo?
~Quão cooperativa e competitiva devem ser as relações sociais do grupo em
cada dado momento da performance? Que significados estes momentos têm
para executantes e ouvintes?
~Como as performances alcançam fins pragmáticos (evocativo, persuasivo,
manipulativo), se é que alcançam?
~Que mídias utilizar e qual a hierarquia entre elas?

20.2 .4 . Questionamentos concernentes à ambientação:


~Que recursos o local específico provê? Como são explorados? Quais os dados
acústicos e como podem ser utilizados?
~Que relações há entre recursos, exploração, desperdício, realocação de
materiais e a ocasião social local no momento escolhido para a performance?
Em que medida a produção da experiência não é uma produção de lixo, físico e
subjetivo?
~Há necessidade de produção de adereços, objetos, instrumentos, máquinas,
softwares? Quem pode fazê-lo?
~Como amparar o público para a compreensão do que é exposto? Fazê-lo
interagir? Como?
~Quanto a experiência deve operar sedutivamente?
~Há padrões de coevolução ecológica e estética ligando o ambiente e padrões
sonoros, materiais cênicos e situações afetivas?
~Quais as relações sinestésicas entre as pessoas e o ambiente e como este
padrão se relaciona com os meios de expressão e suas metas estéticas?
~Que mitos ou modelos envolvem a percepção do ambiente? Estão estes
correlacionados ou são complementares às concepções de recursos expressivos
das pessoas e da sociedade?
~Que associações místicas ou cosmológicas com o ambiente ambiente
suportam, contradizem ou relatam para o contexto socioeconômico das
crenças de produção subjetivo-artísticas das ocasiões da performance?
~Que tipo de consciência temporal é adequada para a experiência aurática
proposta? Dilatação, fragmentação, aceleramento?
~Quais as relações desta consciência temporal com o tempo cotidiano local?
~Que mudanças a não-aceitação desta consciência temporal acarreta no
público?
~Quanto das percepções do processo se memorizou na imaginação da
experiência proposta?
20.2 .5. Questionamentos concernentes à teorização, regência e maestria:
~Quais as fontes de autoridade, sabedoria, e legitimidade sobre a escuta no
grupo? Quem pode saber sobre os sons?
~O conhecimento estético é público, privado, ritual, esotérico?
~Quais dimensões do pensamento sonoro são verbalizáveis? Ensinados
verbalmente? Ensinados sem palavras?
~Qual teoria é necessária e engloba todas as pesquisas do grupo?
~Quão desapegada pode ser uma teoria da prática?
~Que variedades de conhecimento e atividade contam enquanto teorias
auráticas, filosônicas, epistemestéticas, sonológicas, operísticas, acústicas,
musicais?
~Como a escuta é racionalizada e comunicada no grupo?
~Como incentivar uma expansão da escuta nos integrantes e no público e um
aumento do compromisso de pesquisa aural-estética relacionado à
responsabilidade social e à coerência simbólica?
~Quais os afetos e desafetos dentro ao grupo?
~Como as pessoas têm lidado com estes?
~De que maneira isto influi na produção sensível-cognitiva?
~Como está a saúde das pessoas envolvidas no projeto?
~Como está a vida pessoal das pessoas envolvidas no processo?
20.2 .6. Questionamentos concernentes à valoração estética e micropolítica crítica:
~Quem valoriza e avalia sons e escutas?
~Quem pode ser valorado e avaliado como soador?
~Como os recursos expressivos estão distribuídos, especificamente entre
categorias genéricas como idade e sexo? Como isto influencia no processo?
~Como as estratificações de valores emergem?
~Como as consonâncias e dissonâncias sociais se manifestam em ideologia
expressiva e performática?
~Os sons enganam? Mistificam? Quem? Por que?
~Os sons são secretos? Poderosos? De quem? Por que?
~Como os materiais sonoros ou performances marcam ou mantêm diferenças
sociais? Como tal vínculo é interpretado pela cultura aural local? Como estas
diferenças são mantidas, quebradas ou rompidas? Aceitadas ou resistidas?

20.2 .7. Questionamentos concernentes à aura:


~Quais as origens do foco aurático?
~Por que ouvir este foco aurático? Como ouvi-lo? O que já foi feito sobre este?
~Como este foco aurático se entranha no grupo e quais as funções deste na
comunidade local e global?
~Como se relacionam a ação sobre o foco aurático e a percepção do mesmo?
~Quais os aspectos naturais e culturais do foco aurático?
~Quais linguagens têm predominância ao se tratar sobre o foco aurático?
~Como os diversos foco auráticos se relacionam?
~O que é a composição aurática: artefato/estrutura ou processo? Ela condiz
com o que foi desejado?
~Quantas propostas auráticas há e elas ocorrem ao mesmo tempo ou
sequencialmente?
~O que é cognição e compreensão aurática e ela foi alcançada? Por quem?
~Qual a experiência aurática proposta? Quais o métodos utilizados e qual sua
eficácia?
~Qual o lugar da experiência aurática na análise?
~Quais os tensionamentos e complementaridades das diversas abordagens dA
Orquestra?
~O que é uma sonoridade fazer sentido com o local e o instante específico?
~Fazer sentido (significação) cria a aura desejada neste caso específico? Por que
e como?
~Quais as próximas modificações necessárias à expansão da escuta local?
~Como modificar a aura local? Por que?
20.2 .8. Questionamentos concernentes à filosonia:
~Quais as tensões entre a crítica musicológica tradicional com ênfase na
aproximação estrutural à música (música-pensamento, análise de partitura) e a
criação de sentido pelo ouvinte (som enquanto escuta)?
~Quais as redes de produção e controle da escuta com o tópico central de um
projeto internacional de significação sonora através da musicalização?
~Qual o papel do ponto de escuta semiótico na crítica aural?
~Como se dá a movimentação da sintática (análise de cenas audíveis) através da
semântica (auto-refletiva ou extramusical) à pragmática (efetiva no ouvinte)
sonora?
~Como se relacionam a produção de sons e escuta pessoal e quais suas relações
com a emoção, experiência e corporeidade íntima?
~Quais as ressonâncias corporais nos participantes da experiência? Quem pode
se mover e dançar?
~Qual a amplitude do léxico musical, sonoro, ruidológico, acústico, cênico e
quais campos de abertura se mostram interessantes?
~Quais os conceitos tidos como universais na relação sonora e qual evolução
desta linguagem a respeito destes temas?
~Quais as aproximações inter e transdisciplinares que despontam nas questões
aurais postas em pauta?
~Como se dá a sociologia do conhecimento sonoro, acústico e musical? Quais
os biopoderes da escuta?
~É possível uma filosofia acústica, ou filosonia, enquanto disciplina do
conhecimento sensível das escutas e entrescutas? Como expandi-la no
contexto local?

20.2 .9. Questionamentos concernentes à crítica semiaural:


~Quando é útil a análise acústica, musical, aural, social, estética,
epistemológica, poética, formal e informal?
~Além da partitura, quais as formas de análise aural e de intersubjetivação?
~É possível fazer mapas cognitivos psicoacústicos? Para os intérpretes? Para o
público?
~Como se dá a análise, experiência e memória acústica da proposta?
~Quais são os percursos, as características e demandas da escuta na
representação social da ópera?
~Quais as leituras psicoacústicas e da ecologia sonora sobre a execução?
~Qual a semântica e pragmática do papel musical enquanto referência na
experiência? Auto-referente e extramusical?
~Quais as escutas possíveis da experiência enquanto música programática e
música absoluta (puros dados)?
~Quais as diferenças e semelhanças entre as experiências de tocar e ouvir os
sons e músicas propostos?
~Como se dá a indução e entranhamento afetivo, relacional e intelectual
através do som e da música?
~Como se dão os momentos de improviso? Caótico, aleatório, randômico,
indeterminado, ergódico, heurístico, fractal, cibernético, imprevisto,
imprevisível, intempestivo, serendipity?
20.2 .10. Questionamentos concernentes à intermedialidade operacional:
~Como a voz e os instrumentos escolhidos funcionam enquanto instrumento
comunicacional. (prosódia, onomatopeias, retórica, etc.)?
~Quais as expressões afetivas que A Orquestra pode utilizar com o público?
~Quais as interações operísticas e proerísticas?
~Como os sotaques, acentos e gírias ampliam a gama simbólica da experiência?
~Quais as variações linguísticas (latinas, hindus, chinesas, eslávicas, cirílicas,
etc.) utilizadas e como a não compreensão amplia o fator abstrato-musical?
~Como é a utilização do texto? Impresso? Legenda? Releitura? As escolhas
sobre o que foi utilizado do libreto, do projeto e da portitura funcionaram de
acordo com o previsto?
~Como pensar um híperbelcanto global?
~Quais as influências visíveis nesta montagem partindo da próera enquanto
transcendência imanente da história da ópera, dos musicais, da comedia
del'arte, dos álbuns conceituais, dos ciclos de canções, da intervenção urbana,
do artivismo?
~Quais as relações entre texto, performance, cena, teatro, política local,
música e escuta?
~Qual o papel do ouvinte? Alvo ou ator?
~A intermedialidade é usada enquanto um instrumento persuasivo? Como e
servindo a que fins?
~Quais as estratégias atencionais usadas? Tais técnicas são aceitas socialmente
na localidade? E em outros casos?
~Quais estratégias podem ser adotadas para a execução desta experiência?
~Quanto se pode ser sutil e subliminar? Sobre que aspectos da experiência?
~Quais as limitações e possibilidades da partitura?
~Este é o processo mais simples possível para o que se almeja?

20.2 .11 . Concernentes à orquestração:


~Quem deve observar o trabalho de quem? Com que propósitos?
~Há real necessidade de uma regência centralizada?
~Qual o tempo de sua caminhada normal? E da orquestra andando junto por
diferentes terrenos?
~Com que frequência vocês piscam?
~Qual o tempo atual da respiração da orquestra?
~Qual o tempo cardíaco da orquestra?
~Como estes diversos tempos corporais se entranham numa polirritmia
orquestral?
~Que outros ritmos encontram-se marcantemente no local e que influenciam
o andamento geral?
~Quais as relações de cada participante com tais ritmos?
~Como as propostas estéticas teatrais operísticas apresentam a inter-relação
com a escuta?
~Quais conceitos básicos da escuta são fundamentais para uma atuação que
integre os diversos discursos presentes na linguagem representativa do local
específico?
~De que maneira esses conceitos aurais dialogam com a linguagem múltipla
do Teatro?
~Qual a amplitude de atuação da escuta no fazer teatral operístico?
~Como deveria ser a formação aural de um ator cantor, apto a lidar com as
possibilidades da escuta e soação e sua integração com os demais discursos
artísticos presentes na linguagem teatral operística?
~Como tudo isto modificará a sensibilidade?
~Isto irá desumanizar os intérpretes? A plateia? Alguém?

20.3. Modos de Escutas a Serem Abrangidos: Como ponto de partida para a análise dos
aspectos aurais levantados nas estéticas operísticas, constata-se a ação de duas categorias de
manifestação da linguagem sonora: o campo da organização sonora e o campo da organização rítmica
da escuta. Ressalta-se que a divisão por categorias consiste apenas em um recurso analítico, voltado
para os propósitos do estudo, e não da prática. Assim, uma primeira divisão é realizada, agrupando de
um lado os eventos com predomínio de elementos sonoros e, de outro, os eventos com predomínio de
elementos rítmico- sensíveis nos focos da escuta dos participantes. Essas duas vertentes constituem
categorias matriciais que são denominadas Plano Sonoro e Plano Aurático, a partir dos quais são
identificadas as demais categorias e unidades de análise morfológico-relacionais. Uma primeira
observação, entretanto, surge no processo de organização dos elementos aurais nas duas categorias
acima citadas: verifica-se que o Plano Sonoro e o Plano Aurático possuem atuação no âmbito social da
operação subjetiva que a arte executa bem como no âmbito do espetáculo próprio do trabalho
operístico. Dessa forma, no intuito de gerar focos diferenciados de investigação, podem ser elaboradas
as seguintes combinações:
~Plano Sonoro/Ambiente Aural: Comporta a produção sonora do ambiente e do instante
específico da produção da ópera.
~Plano Sonoro/Ator Cantor: Comporta a produção sonora gerada pelo ator.
~Plano Sonoro/Espetáculo: Comporta os aspectos de sonorização do espetáculo.
~Plano Aurático/ Ambiente Aural: Comporta os modos de escuta constituintes da
subjetividade local.
~Plano Aurático/Ator: Comporta as práticas de escuta relacionadas aos trabalhos de
preparação e representação do ator.
~Plano Aurático/Espetáculo: Comporta aspectos de estruturação cênica de um modo de escuta
específico à necessidade da ópera.
20.3.1 . Focos Aurais: Queremos propor uma consciência orquestral pautada no
último violino, onde compor e interpretar, tocar e ouvir, ocorram ao mesmo tempo
reforçando-se ambos. O Wagner em Baremboim junto ao Stravinsky em Bernstein. Para tanto
precisamos ter em mente que cada forma de vida produz uma foco sobre um mesmo objetos
sonoro singular. Alguns campos iniciais para uma pesquisa local são:

~Globais: Rítmica das rimas entre as diversas escutas.


~Social: Compassiva como tecnologia solidária e eixo da produção
artística. (Socioacústica)
~Enredante: Cognitiva da sensibilidade em sensibilização ao
conhecimento. (epistemologia acústica)
~Ruidocrática: Resistente à surdez programada a certos aspectos da
existência social. (muzak e jingles)
~Poítica interventiva: Estratégica e socio-estrutural. (ativismo artístico)
~Retórica Discursiva: Argumentação relativista e complexificante.
(contraponto, retórica musical)
~Submidialógica: Harmônica espectral. (sonificação, disposição auditória)
~Scinestética: Dinâmica sensível-subjetivante. (produção sonora)
~Reciclante: Revirótica conectivista. (samplerologia, pilhagem sonora,
mixagem, mashup)
~Corporal: Dietética focal. (dança sonora, instalação)
~Ôntica: Fenomênica enteógena. (acústica)
~Hermenáutica: Cibernética maquínico-abstrata. (análise sonora,
solfejo dos sujeitos soantes)
~Subjetividades: Melológica. (musicologia)
~Temporal: Musicante das tessituras de durações. (arqueologia
sonora)
~Semisônica: Midiática esquizobinária. (fenomenologia sonora,
acusmática, esquizoacústica)
~Filosônica: Audiopática. (aurática)
~Clínica: Crítica e humorística. (psicoacústica)
~Psiconírica: Operística subliminar metamítica. (programática,
intermedialidade do som)
~Desejante: Erótica heroica. (música)

20.3.2 . Gesangsprach e Sprechstimmegesang: A variedade de qualidades vocais, que cada
uma dessas indicações resulta, provém das combinações entre os aspectos de ordem aural.
Esses aspectos são: material sonoro (vogais, consoantes); timbre (nasal, sons aspirados,
assobio, voz gelada); altura (agudo, médio); possibilidades rítmicas (dividindo as palavras em
sílabas); possibilidades expressivas (sons pesados, monótono, staccato, forma discreta, voz
desapaixonada). Para que sejam alcançadas as cores vocais indicadas, é necessário o emprego de
técnicas diferenciadas de gravação, bem como uma combinação específica entre a emissão e a
captação da voz. Para que os objetivos sejam alcançados com precisão, ainda deve ser
considerada a sonorização do espaço cênico, ou seja, a correta disposição e equalização dos
auto-falantes, de acordo com as características acústicas do ambiente no qual o espetáculo será
realizado. A produção vocal, portanto, engloba aspectos sonoros e rítmicos:
~Voz falada: palavra-vocábulo, palavra-sonoridade, idioma, sprechstimme;
~Voz cantada: canto lírico, canções, cantos rituais, sprechgesang;
~Efeitos vocais: ruídos, emissões guturais.
~Sons corporais: internos e externos.

20.3.3. Sprachusmatik: O som de uma palavra é também um meio para outro fim, um
acidente acústico que pode ser completamente dispensado se a palavra for escrita, pois, nesse
caso, a escrita contém a essência da palavra e seu som. A linguagem impressa é informação
silenciosa, o programa não sustenta as necessidades vocais e do canto. Para que a língua
funcione como música, é necessário, primeiramente, fazê-la soar e, então, fazer desses sons
algo festivo, sério e importante. À medida que o som ganha vida, o sentido definha e morre. Se
você anestesiar uma palavra, repetindo-a muitas e muitas vezes até que seu sentido adormeça,
chegará ao objeto sonoro, um pingente musical que vive em si e por si mesmo, completamente
independente da personalidade que ele uma vez designou. Como manter ambos os processos
ao mesmo tempo?
~Cenário tocável, interativo.
~Ambientação referencial, posicionamento fixo de uma base sonora.
~Ambientação psicoacústica, mobilidade de fontes sonoras.
~Ações Sonoras sobrepostas.
20.3.4 . Luthieria Dramática: Plano Sonoro/Ator é a produção de cunho
instrumental. Os instrumentos, sempre que
possível, devem ser criados em cena junto ao
público. O caráter instrumental refere-se tanto ao
emprego dos instrumentos musicais tradicionais
como qualquer outro veículo de produção sonora
que não esteja vinculado ao canto ou à fala. Nesse
sentido, a proposta da ópera traz para a encenação
a sonoplastia realizada pelo próprio ator, seja em sua capacidade de tocar um instrumento
musical, seja na utilização dos objetos cênicos como fonte sonora. Verifica-se que a
sonoplastia, nesse caso, tem um papel intrínseco no espetáculo (plastisonia), uma vez que o
tecido sonoro, feito por vozes e objetos, proporciona ao texto sua verdadeira dimensão teatral.
Neste sentido, também as sonoridades utilizadas que vêm a constituir o conceito de
corpo-voz podem ser consideradas como portadoras de um caráter instrumental, uma vez que
cumprem um papel sonorizador da cena.
~Instrumento: execução instrumental, instrumento-adereço.
~Corpo: corpo-voz, ritmos corpóreos.
~Criação e destruição de objetos.
20.3.5. Plastisonia: As escutas relacionais (sociais, institucionais, íntimas) na
intervenção proerística têm funções estéticas, éticas e científicas. Os sons na encenação
operística apresentam funções informativas, expressivas e estruturais; mas há ainda uma
instauração aurática da próera. A escuta estética não se pauta por conceitos de beleza, mas por
sensações; enquanto a escuta ética não se ampara por conceitos de bondade, mas de
ajustamento à necessidade do instante específico de acordo com a natureza de cada som. No
campo da informação ou função referencial, os sons (de veículos, sinos, campainhas, pássaros,
etc) possuem um caráter ilustrativo, quando o elemento visual correspondente está presente
em cena. Em situação oposta, na ausência do elemento visual, os sons provocam no
espectador, por associação, a imagem correspondente ao som emitido, processo denominado
de contraparte sonora (a chave com som de trovão). Se a sonoplastia ativa a recorrência realista
ou subverte-a numa relação metafórica, a plastisonia soa esta própria ambiguidade, a
plasticidade da escuta.
~Léxico aural local e global em atravessamentos de campos das escutas.
~Composição sonora de aura pela intervenção ou interação.

20.3.5.1 . Cenofonia: Realizada a análise e a
filtragem dos elementos aurais (e musicais) da próera,
bem como sua categorização em grades parciais de
conteúdo semítico, apresenta-se a totalidade dos
elementos aurais da ópera que são identificados pela
pesquisa. Uma primeira apresentação desses dados é
feita por meio da listagem dos elementos identificados.
Em seguida é apresentado o mapeamento geral ou a
grade final de análise, conforme a terminologia
coerente à proposta.
~Estrutura: Linearidade, Não-linearidade (interrupção, edição,
fragmentação).
~Partitura: musical, cênico-musical, cênica.
~Ator: escuta analítica, escuta corporal, auto-escuta, escuta interacional.
~Espectador: recepção discernente passiva e ativa, recepção psicoacústica,
recepção interacional.
20.3.6. Sistemas aurais: Todos os modos de escuta mesclam-se em distintas
dinâmicas dimensionais através das subjetividades aurais, individuais e coletivas. Uma maneira
de distinguir tal entranhamento dimensional pode ser:
20.3.6.1 . Microssistema aural: Trata das relações simbólico-sonoras inerentes
a uma escuta individual e às relações diretas destas entre duas escutas (entrescutas).
Para um trabalhador da metalurgia ouvir música heavy-metal tem um contexto
subjetivo diferente do que para um jardineiro que ouve pagode.
20.3.6.2 . Mesosistema aural: Se refere às relações entre os microsistemas
aurais ou conexões entre contextos de escutas. Por exemplo, os modos de escuta
familiar alterando os modos de produção de uma banda musical, as experiências
sonoras de um estilo musical alterando as formas de liturgia sonora de uma certa
religião.
20.3.6.3. Exosistema aural: Envolve os elos das escutas entre um arranjo
psicoacústico social no qual o individual não tem um papel ativo e o contexto sonoro
individual imediato. Por exemplo, uma música que o filho de um maestro ouve
influencia suas experiências com a orquestra. O maestro ter de viajar mais, gera uma
mudança de escuta com relação a ambos e muda os padrões de interação sonora dele
com aquele estímulo e gera uma forma de diálogo musical novo, tanto com a
orquestra quanto com o filho.
20.3.6.4 . Macrossistema aural: Descreve a cultura na qual os indivíduos
ouvintes vivem. Os contextos da escuta cultural incluem o desenvolvimento e
industrialização local, o status socioeconômico, a pobreza, a etnicidade. Membros de
um mesmo grupo cultural compartilham uma identidade aural comum, heranças
musicais e valorações a respeito de sons cotidianos através de mitos. O macrossistema
aural evolui através do tempo, porque cada geração sucessiva pode mudar o
macrossistema, levando em seu desenvolvimento a um único macrossistema.
20.3.6.5. Cronosistema aural: O desenvolvimento de padrões de eventos
aurais ambientais e as transições através de um determinado período, bem como as
circunstâncias social-históricas do desenvolvimento de um certo modo de escuta. Por
exemplo, que repercussões há com o fim de uma banda para um determinado estilo
musical? Como isto modifica a escuta para com as aves locais no dado período?

20.4 . Próera, Hipersonificação da Aura Local e Atual:
20.4 .1 . Número limitado de parâmetros: Um modelo de hipersonificação da escuta
local pode ser formulada tal que o número de parâmetros de afinação da escuta (mesmo que
grande) seja limitado e cognoscível sensivelmente. O número de parâmetros depende apenas
do modelo de interação entre a ópera e o contexto. Ao contrário, o mapeamento de parâmetros
da próera (a aurática) necessita de tantas sonificações quanto escutas houverem no grupo e na
rede em que se quer atuar de modo a englobar suas dimensões num gesto operístico sem perda
de definição.
20.4 .2 . Bases sociais da escuta: Elas podem afetar as sonificações em uma maneira
complexa, mas, desde que o modelo de interação entre a ópera e o contexto (a próera) está
sempre baseada nos processos produtivos culturais que podem ser familiares à experiência
cotidiana da escuta, a conexão entre sonificações e dados relacionais é flexível, podendo ser
feita de modo a parecerem naturais e simples ou surreais e complexos.

20.4 .3. Boa aprendizagem: Enquanto uma consequência do ponto anterior, a próera
herda todas as forças parametrizadas do simbolismo auditivo histórico (toda a auricultura)
enquanto amplia a aura pela flexibilização das escutas e entrescutas através da compassividade.
Comparada à ópera enquanto sonificação afetivo-musical de modelos e a disposição auditiva
enquanto sonificação granular de dados exatos, os sons de uma hipersonificação proerística são
muito mais coerentes em estrutura com definições de relações aurais afetivas reais
relacionadas a modelos científicos e artísticos.
20.4 .4 . Generalidade: Os modelos proerísticos podem ser formulados tais que eles
operam em dados de dimensionalidades e meios distintos.

20.4 .5. Eixo temporal intuitivo: A experiência aural do tempo, sendo o produto
principal da próera, enquadra a evolução temporal do gesto enquanto modelo e é, assim,
intuitivamente relacionado às mudanças ou eventos com o processo descrito no modelo.
20.4 .6. Interface intuitiva: Os modelos relacionais de hipersonificação da próera
podem oferecer muitas práticas flexíveis e naturais para o acesso e manipulação dos processos
de geração sonora (soação) e de escuta (aurática) e podem usar conceitos baseados no mundo
psicofísico. As sonificações são usadas enquanto retroalimentação às ações coletivas, que
moldam nossa escuta pela nossa própria manipulação sonora no audível.
20.4 .7. Usuário ativo: Regras de interação conectam os usuários com as
retroalimentações das escutas. Desde que a interação do usuário pode não apenas prover
excitações do modelo mas também controlar continuamente os parâmetros da operação
subjetiva sobre a escuta, a próera sustenta um novo estilo de exploração ativa dos dados
sensíveis-estéticos que expande a atuação das personagens-conceito da ópera para o cotidiano
cultural.
20.4 .8. Fatores ergonômico-sociais: A orquestração e a montagem teatral pode ocorrer
com qualquer tipo de grupo sob qualquer tipo de estilo de atuação artística, permitindo uma
rotatividade de funções e a reflexões sobre os lugares de micropoder social.
20.4 .9. Transimetria: A próera pode ser feita para ser invariante a transformações de
uma série de dados sensíveis relacionais que não tenham relevância semântica (como as
mudanças de humor dos intérpretes) ou focar apenas nestes se isto se mostrar melhor à
escuta-comum.

20.5. Próera, Sustentabilidade Aural: A próera tem a ouvir com uma reflexão de
segundo nível, uma escuta da escuta, que leva em conta não as estruturas superficiais das atividades
folclóricas (de folk lore, sabedoria comunitária) das comunidades específicas, mas as capacidades
generativas que todos temos para a sustentabilidade cultural e artística. A próera busca expandir as
escutas sociais através da aprendizagem que a arte tem a oferecer nestes campos da experiência
humana. Algumas das modificações sobre a ópera propostas pela próera (enquanto gesamtkunstwelt)
são:
20.5.1 . A descentralização da especialização aural: O conhecimento sobre como
produzir cultura e arte e como refletir sobre a produção artístico-cultural é monopolizada em
silos de especialistas na produção, difusão e crítica cultural. Há uma necessidade de
empoderamento no plano local, que permite às coletividades fazerem qualificadas e refletidas
decisões sobre seu desenvolvimento cultural e artístico.
20.5.2 . Processos inclusivos e abertos a modificações: Há uma necessidade de desafio às
hierarquias de idade, gênero e de segregações de maioria/minoria. Temos de aprender dos
coletivos onde os processos artísticos são abertos para as pessoas através das barreiras culturais
e para as influências de todos os outros processos que já ocorreram ou ocorrem no mundo,
enquanto incluindo novos elementos através da hibridização.
20.5.3. Processos criativos colaborativos: Os processos de criação artística são livres das
amarras do sistema de operação linear e nele reaprendemos a trabalhar em coletivos (mesmo
quando a sós), sensível ao contexto local, onde os participantes contribuem de acordo com sua
singularidade de plano de fundo e capacidades.
20.5.4 . Transmodalidade: Em nosso paradigma atual, há uma hierarquia das
modalidades de expressão/recepção onde a visualidade surge como topo da clareza cientificista,
seguida da escuta, etc. Podemos dividir as atividades que implicam ouvir, ver, mover-se,
degustar, etc. em diferentes atividades incompatíveis. Mas na próera podemos pensar oficinas
de criação que sejam jantares e apresentações musicais com palestras, etc. De tal modo,
podemos repensar uma comunidade cultural e artisticamente sustentável onde cada impulso
pode levar a atividades em qualquer combinação de modalidades (ópera), e uma atividade
combinando outras tantas numa tradução que gera ainda outra modalidade sensível.
20.5.5. Um conceito amplo de reflexão sensível: O modo lógico-dedutivo de
pensamento do paradigma industrial e o pensamento binário atravessam o bem-estar social, a
política, a produção, e qualquer área que você possa pensar. Uma aproximação culturalmente
sustentável entranha as hierarquias em atividades dinâmicas de produção de sentido, e aceita
outras dimensões cognitivas. Simbólicos, matemas, mitos, químicas, gestos,etc. são todos
veículos possíveis para o código informacional, cuja implicação para a inovação,
desenvolvimento cultural e a solução de problemas em geral é altamente subestimada.
20.5.6. Melhor utilização do espaço: Através de uma retomada da responsabilidade
artística coletiva, podemos melhorar a utilização da aparelhagem cultural pública e privada
além de uma reflexão social sobre a arte em espaços públicos.
20.5.7. Memória coletiva: Comunidades sustentáveis cultural e artisticamente têm
diversas técnicas para o resguardo de informações e métodos, ferramentas e procedimentos
para a reflexão transmodal. Em nossa análise da auricultura, nós falamos sobre tradição e
proximidade como contrapontos ao desenraizamento da arte dos rituais na sociedade
moderna. O desafio é achar formas adequadas de conexão entre os detentores dos
conhecimentos e as potências de operação de uma maneira que permita-nos recuperar a
sabedoria humana.

20.6. Métodos de Avaliação de Próeras : De modo a avaliar e implementar a
participação numa próera, individual e coletiva, sem testes padronizados (para evitar a repetição
mecânica e para que vocês se divirtam o máximo durante o processo e aprendam tudo que todxs xs
outrxs têm a ensinar):

20.6.0. Questione-se quanto aos entranhamentos conceituais e gestuais da próera com


quem nela participa:
20.6.0.1 . Acessibilidade: A próera provê acesso à subjetividade social? Que
outras formas de escuta estão presentes nela que não as de seus produtores e criadores?
20.6.0.2 . Diversidade: A próera provê um campo de experimentação para a
escuta humana? Que formas de expressão outras que as de seus produtores e criadores?
Que escutas que até então ninguém teve contato foram trazidas à tona nela?
20.6.0.3. Multiplicidade: A próera permite múltiplas formas de acesso a
múltiplos tipos de informações? De vídeos a fotos a músicas, a bancos de dados, a
textos de matemática pura, a alterações urbanas, a poesia, a simulação visual, a
intervenções no noticiário, a rumores e fofocas... ( lista pode ir em frente até elencar
todo artefato cultural)?
20.6.0.4 . Dinâmica: Estamos no processo de conectar subjetivamente tudo
a tudo, nosso universo informacional, o infoverso, está em movimento. A próera pode
ser conectada a que sistemas cognitivos sociais? Sua forma está em contínua mutação?
Quais seus estados mais claros? Como ela molda e é moldada pelos seus criadores, seu
contexto, seu público? Como estas dinâmicas aparecem na própria obra?
20.6.0.5. Abertura: A próera é aberta a quem? Quem a modificou já e como
sua viralidade condiz com seu conceito? Quais os públicos atraídos a se afiliarem a ela
enquanto cerne gravitacional subjetivo? Quem a repudia?
20.6.0.6. Complexidade: A próera é complexa na medida de representar o
entranhamento situacional das partes envolvidas no seu tema? Como se relacionam o
tema principal e os temas pessoais dos participantes? Como são os diversos níveis de
leitura da próera entre o caos e a ordem?
20.6.0.7. Singularidade: A próera permite que nível de distinção, de si, de
alteridade, e de grupo? A identificação de seus componentes específicos é possível e
clara? Há necessidade de clareza com relação a seus elementos? Quais seus caráteres
subliminares?
20.6.0.8. Emergência: A próera é emergente em ao menos um de seus
componentes refletir o caráter geral da situação de participar dela? Quais
comportamentos complexos traz à tona com suas interações aparentemente simples?
20.6.0.9. Improvisação: A próera permite a improvisação? Permite o
comportamento atual de seus participantes com os componentes de sua rede
conceitual em mente? Como se dá o filtro informacional em seus participantes?
20.6.1 . Escutar as composições pessoais de cada participante a partir do modo como
este julga as demais amplia seu campo de atuação aural e permite observar a coerência aural
entre as obras e propostas individuais e a composição coletiva.
20.6.2 . Jogos improvisacionais e simulações de situação de intervenção costumam
funcionar bastante para a habilidade de interrelacionamento social dA Orquestra. Falar em
musiquês (scat, recitativo ou arioso) num momento de descontração, em meio a uma conversa
prosaica, traz à tona o inconsciente sonoro e as facilidades e dificuldades intrínsecas de cada
escuta e relacionamento de escutas.
20.6.3. Desafie os outros participantes, realizando pequenas intervenções fora do
contexto da obra coletiva em suas obras pessoais. Peça-lhes colaboração em um processo outro
que não venha a atrapalhar a criação geral e que os leve a algum limite interessante de seus
próprios processos. Ao invés de ensinar proporcione situações em que o aprendizado seja
inevitável.
20.6.4 . Poliarquias: Sistemas de medalhas por demonstração de maestria em uma
técnica específica (assim como fazem os virtuoses) é um mecanismo de clarificar quem pode
colaborar com qual necessidade do grupo, mas que pode levar a uma desportização técnica das
práticas de expansão da sensbilidade. Uma maneira de evitar uma competitividade da
mais-valia meritocrática é a de cada um dos participantes ter um sistema próprio de avaliação
claro para os demais, o que também deixa entrever as reais relações de empatia e antipatia do
grupo, para que sejam melhor utilizadas.
20.6.5. Intervenções em questões cotidianas: Encorage xs outrxs participantes a ensaiar
em espaço público em áreas de interesse de suas pesquisas. Acompanhe-os, documentando o
processo e buscando novas maneiras de intervir a partir do encontro de vossas obras nestas
situações. Pesquise os interesses dxs outrxs envolvidxs e procure como ajudar-lhes a praticar
algo a respeito.
20.6.6. Projetos paralelos: A
Orquestra é uma base para a execução
de incontáveis outros projetos a partir
da conexão de uma rede de escutas e
soação. É preciso dar crédito aos
projetos paralelos dos participantes e
tentar aproximá-los, quando
coerentes à proposta geral. Propor
saraus de encontro das turmas de cada
participante, onde estes possam
mostrar mais do que fazem pode ser
um bom começo para tanto.

20.7. A Institucionalização Operacional da Arte: Como podemos mudar os
parâmetros da escuta padronizada se não mudamos as formas como são produzidas, veiculadas e
vivenciadas as soações? Precisamos ao mesmo tempo remoldar o sistema de produção sonora,
destituindo a música de seu fetichismo, ganhando o respeito das instituições de autoridade autoral e da
indústria musical; e em contraste, minar as estruturas de burocratização da vida, falando com intensa
seriedade contra aquilo que achamos inumano e injusto.
20.7.1 . Aproximação institucional: Comunique os resultados que obtiver e seja
honesto quanto aos seus métodos, mas procure sempre manter a rede de criação aberta à
colaboração externa. Não permita que A Orquestra se cristalize em uma companhia. Odeio a
meritocracia aplicada às artes, mas reconheço que o ensino padronizado de obediência
orquestral ocorre em um nível tão primário da experiência estético-cognitiva que um ensino
para a criação relacional quase sempre levará a melhores resultados em testes de audição em
companhias. As pessoas tendem a acreditar que este tipo de postura carece de rigor sistemático
quanto ao aprendizado musical das instâncias geométricas, mas é mais coerente com a fluidez
e efemeridade do aprendizado aurático. Mas só lhe darão liberdade criativa quando virem
resultados em testes. O melhor que A Orquestra tem a fazer é realizar óperas o quanto antes
que modifiquem o panorama da escuta local.
20.7.1 .1 . Seja sutil: Quando uma obra lhes fôr encomendada, ou passar em
um edital, sempre leve em conta o posicionamento dA Orquestra com relação ao
patrocinador e mantenham-se com uma séria postura crítica. Mas ao mesmo tempo,
usem a linguagem e a metodologia institucional para se comunicar criticamente sobre
suas formas padronizantes de avaliação de rendimento. Estruturem experiências
pedagógicas customizadas em atos de integração de modo a enriquecer a experiência
dos participantes burocráticos numa intervenção da escuta institucional. Aprenda a
encontrar os padrões e regulamentos que se enquadrem com as instruções diferenciais
almejadas. Por exemplo, caso um edital demande fidedignidade com a partitura, faça
questão de preparar uma análise desta a partir de sua própria pesquisa. Neste sentido, a
partitura de O Elefante de Marfim é ideal como ferramenta de liberação.
Simplificando: Faça o que você quer fazer, com carinho e respeito, e utilize a
linguagem burocrática orquestral para explicá-lo.
20.7.1 .2 . Decida quando se conformar: Lide com a administração burocrática
assim como lida com outrxs artistas, não se sinta obrigadx a realizar relatórios. Faça-o
de maneira coerente com a linguagem utilizada no
processo: se refira aos procedimentos não como
ensaios, mas como rituais compartilhados, e finque
a escuta numa postura de liberdade de aprendizado.
Os encontros correrão suavemente, precisamente
porque se abandonou o sistema de punição e
recompensa. É claro que em certos ambientes mais
institucionalizados, como uma orquestra estatal,
precisamos seguir certas regrinhas bobas como usar
a camisa dentro da calça e manter silêncio
respeitoso ao soar da batuta. É importante tentar
mostrar aos outros participantes porque estamos
em desacordo com estas questões e porquê ao
mesmo tempo acatemos às mesmas. Tais
pequenezas podem levar a assuntos de profunda
relevância social, fazendo parte da própria ópera.
20.7.1 .3. Encontre um terreno comum: Normalmente os proponentes da
padronização não são pessoas má-intencionadas que odeiam artistas livres. Em lugar
disto, eles querem que os artistas se esforcem e temem que uma aproximação
progressiva vá acabar com a cultura instaurada. É importante estarmos aptos a
construir pontes entre as estruturas burocráticas e a sua reforma ou inutilidade futura.
É de suma importância encontrar assuntos centrais que prejudiquem tanto a artistas
quanto aos outros membros das instituições envolvidas de modo a que sejam
compreendidas suas proposições.
20.7.1 .4 . Reconfigure sua instituição: Permita o movimento de funções e crie
centros especializados onde os participantes podem ir a qualquer momento que
queiram refletir sobre um assunto específico. Deixe os artistas pintarem as paredes,
bagunçarem experimentando em certos espaços, este espaço é vital. Tais passos são
pequenos e sutis em direção à humanização de um ambiente de trabalho criativo.
Obrigue os burocratas a participarem ativamente dos ensaios. Faça-os cantar. Faça
com que o ambiente de "ensaio" seja o mais próximo possível de um modelo da
comunidade real, só assim poder-se-á encontrar soluções para esta.
20.7.1 .5. Ensine a função das audições e dos métodos de controle da escuta:
Mostre aos outros participantes a possibilidade de se fazer algo dentro dos moldes
institucionais aceitos e mostre seus riscos. Apresente os casos de injustiça e aquelas
extremas “belezas"que só podem ser alcançadas através de métodos tais. Questione
outras possibilidades de ação.
20.7.1 .6. Conecte a comunidade: Fale com os familiares dos outros
participantes, proponha encontros com políticos das áreas concernetes à obra, gere
mesas de discussão com intelectuais. Todxs estxs também sentem-se altamente
padronizados em suas profissões e adorariam poder falar À Orquestra. Provenha
alternativas a partir de suas pesquisas, se preocupe com as questões alheias e sirva de
exemplo autêntico das soluções que estiver almejando.
20.7.1 .7. Seriedade: Se alguém disser que algum método não é estiver de
acordo com as regras de musicalidade vigentes, tenha em mente a abertura da música
para outras formas da
escuta (aura). Se algum
especialista em currículo
artístico ou musical lhe
disser que uma atividade
não tem validade técnica ou
pedagógica, diga-lhe que
prefere perder o emprego a
ter de mudar tal método. O
artista não tem o direito de
pôr em cheque a liberdade
de criação de ninguém, a
arte não barganha em
relação ao poder quanto à
sua plena aceitação estética.
Se isto se coloca em risco, não há crítica que seja válida. É preciso modular a crítica da
arte de um controle da subjetividade alheia para uma organização das coisas a serem
feitas, mesmo que tenhamos que arriscar nossas posições institucionais. É preciso que
A Orquestra seja coerente entre si e valide os gestos dos demais, neste sentido.

21. Personmargens Aurais:
Os personagens das escutas não são personagens sonoros como ocorre no teatro musical eletroacústico, nem são
também gestos sonoros, mas sim modos de postura da escuta dos intérpretes com relação ao momento. As montagens
não têm dever algum de manter a formatação clássica da ópera, uma pessoa sozinha sem nenhuma aparelhagem
pode executar esta ciberfonia, com auxílio de sua imaginação. O que estou dizendo? Que as marcações sonoras do
Texto Dramático não são leis, mas sugestões e devem sim serem questionadas.

21 .1 . Camadas de Soação: A composição de um arranjo múltiplo de distintas escutas é


bastante complexa, mas deve ser empreendida. O máximo de camadas devem ser compostas em
entranhamento orgânico com o todo da produção operística em concernência com os conceitos da próera.
Alguns, porém não podem ser deixados de lado:
OS AFETOS DA CENA, composto pelos campos de atuação subjetiva e pelas sonoplastias
marcadas no libreto.
A CULTURA DO RUÍDO (SOB O DISFARCE MUSICAL), composta pelas
dinâmicas de entranhamento das escutas, que opera como transmutador morfológico.
A COMUNICAÇÃO ANTROPOELEFANTINA, composta pelas auras cultivadas e
que estão presentes o tempo todo de maneira sutil, subliminar mesmo..

21 .2 . Campos de Atuação Subjetiva:

~O TROVÃO SILENCIOSO, composta de ondas sonoras


senoides quasinfrasônicas, entre 8Hz e 111Hz. que devem soar
através de subwoofers e contrabaixos. Ela soa mesmo nos
interterzos. É a base de criação dA Comunicação
Antropoelefantina.

~AS RÚSICAS, composições ruidísticas abstratas que criam


uma sonoplastia fantástica.
~A PREÚSICA, massa de sons naturais que precedem à
música no coração dos ouvidos humanos. Sons “naturais”.
~A PROÚSICA, massa de sons instrumentais que iniciam
como uma orquestra que afina e implodem numa cachoeira de
timbres. Hipersequenza consonante coletiva.
~A TRANSÔNICA, composição feita a partir das modulações
encontradas na gravação do material precedente.

~AS METAMORFOSES, quadrivium de formações em


colagem (sampleamento radicante).
~DEVOCIONAIS, peça sacra ecumênica que mistura todas
as diferentes formas de espiritualidade aural na história
humana.
~BAILANTES, bailado mashup de todos os estilos de danças
populares, sarabandas, serestas, serenatas atuais e antigas.
~LABORAIS, a dança do dodô e a sagração da primavera de
pragas prossegue através de cantos de escravos e gritos de greve e
protesto. Máquinas parando.
~BÉLICAS, hinos e marchas, gritos tribais. Nestas
metamorfoses há em especial a necessidade de linearidade
histórica de acordo com a escuta local.

~AS TRANSTÉTICAS, trivium de formações sintéticas


musicais
~FORMAIS, limiar das formas eletroacústicas aplicadas à
formação orquestral em questão. Em algum momento, a
orquestra inteira emula um solo de violino, por exemplo.
~SENSÍVEIS, klangfarbenmelodietanz. Um puro timbre
tonal é somado até que complete todo o espectro audível.
~PATÉTICAS, composição romântica de todos os afetos em
pleno paradoxo. Se alguém toca algo alegre, outro deve tocar a
tristeza. Devem assim, criar tensões de sentido a-musical.

~OS QOROS, onde cada indivíduo deve prestar atenção à voz
formalmente, a intenção deve surgir da soma destas formalidades
singulares.
~CONFUSOS, onde as vozes não sabem bem o que
cantar, hesitam, gaguejam glossolalias que nunca chegam a
formar um texto que talvez seja importantíssimo.
~IMPERATIVOS, ordens são dadas tal que os verbos
vão perdendo o sentido e sobre apenas a intonação da ordem sem
sentido verbal aparente.
~SUPLICANTES, preces e pedidos com palavras
difusas, incluindo a palavra “daime”. Cantochão gregoriano em
dissonância Fourier em um dado momento, por exemplo.

~OS FILTROS, variações formais sobre o audível do teatro de


ópera. Por exemplo: Um passa-banda contínuo acompanha o desenho do
espaço acústico e um eco surge em alguns momentos dilatando o tempo
cênico.

~AS AQU’ÁRIAS, solos semi-improvisados vocais de


hiperbelcanto.
~OS VÉUS, sons de tecidos são tecidos
eletroacústicamente às cordas dA Orquestra. A cantora deve
contar sua própria história até que entrasse em contato com esta
próera.
~A METÁRIA, onde a diva canta o que realmente está
sentindo e passando na sua última semana de vida. A
honestidade deste desabafo é seu valor. A cantora deve entregar
a partitura necessária com antecedência à regência, ou enfrentar
o improviso.

~O RUÍD’OM SEM COR, todo material sonoro da próera e


ópera são mesclados de modo que se consiga ouvi a todos.

~A DODECAELIS, peça serial integral baseada nos diversos


horóscopos das muitas culturas humanas. Levar em consideração o céu
específico da noite da apresentação.
~A METAFORMOSE, composição que segue os desígnios da
lírica sendo cantada, de maneira a confirmá-la ou negá-la. Pode se
utilizar de qualquer outro dos campos de ação subjetiva da escuta. Levar
em conta as formas arquitetônicas e as escolhas de ambientação
cenográfica ao compor este trecho. Soar a arquitetura local, os canos de
metal, amplificar os ruídos da iluminação e dos materiais.

~AS CRITIFONIAS, campos de atuação relacional da soação
onde A Orquestra é levada a tocar criticamente quanto aos
ocorridos no texto e no palco.
~PROCEDURAIS, onde eles agem questionando as
estruturas sociais de formação da plateia. A ironia deve ser
cautelosamente utilizada aqui, evitando o riso a qualquer
custo.
~SUBSERVIENTES, onde há a impressão de que
estejam sendo críticos, mas de fato não o estão. Evitar qualquer
tipo de ironia ou sarcasmo neste foco aural.

~A OÉFRICA, narrativa épica musical, saga dos clichês


musicais da espécie humana, em três movimentos. Não
utilizar citações ou colagens intencionais nestas composições. E
nunca voltar o caminho inverso, mas fazer um corte brusco de
retorno.
~O OCIDENTE AO ORIENTE, das estruturas monódicas
aos ragas passando pelas brumas harmônicas do tonalismo
microtonal num trecho, por exemplo.
~O ORIENTE AO OCIDENTE, dos mantras, passando
pelos cantos sobretonais indo em direção do cancioneiro
medievo num trecho, por exemplo.
~O INUMANO, onde os sons inomináveis e sem estilo são
trazidos à tona em ondas.

~DE SUPERFICIALIS, composta de clichês musicais em


voga socialmente dispostos da maneira mais tosca e jovial,
embora com o arranjo mais complexo possível as embasando.
As vozes mais agudas cantam em falsete jingles.

~ODE AO LIXO, composição granular com todo o material


gravado dos ensaios gerais.

~AS CANÇÕES, entre o sprachgesang e o teatro épico


brechtiano.
~DE MACABÉA WOOLF, Josefina Hamlin canta A
Canção de Macabéa Woolf para uma fotografia de seu marido
falecido, Storm Applethorn. Soa como um chilreado emotivo
apenas.
~GILDA E O A ESTAÇÃO ESPACIAL, Clara Crocodilo a
canta ao acolher a queda de Laika que caiu do céu em seu colo.

~AEON YUGA, em quatro por quatro, o pior heavy-metal


possível. Todas as dissonâncias sobre acordes consonantes, sons
de vômito, seringas, efeitos de monstros de filmes B.

~AS LUTHIÉRICAS, obras que se focam na própria
instrumentação, preferencialmente na sua produção.
~A CAMPANÁRIA DO CONTROLE
TEMPORAL, a fornalha, o metal líquido, a fôrma, todos os
sinos disponíveis marcando os ritmos sociais acelerando os ritmos
até um uníssono de seus harmônicos.
~O CORDÃO PANÓPTICO DAS
SUPERCORDAS, os bodes berrando, as tripas arrancadas, a
produção do arame, as farpas das cercas, a afinação de todos os
instrumentos de corda disponíveis.
~A PNEUMABAPHOMET, o sopro de todos os
animais disponíveis, as máquinas a vapor, os exercícios iogues de
hiperventilação, bambus sendo esvaziados, chaminés e dutos, até
que se tornem um ruído branco filtrado.
~A PELE, sons de peles e tambores, paredes, em todos os
ritmos possíveis. Batucar em todo o teatro, todos juntos.
~CACHOEIRA DE DADOS, sons digitais, glitchs,
sons das imagens, dos mapas do teatro, dos nomes dos atores e da
ficha técnica culminando em todo este projeto transcrito em
sonificações.

~A MARFINESA, uníssono híperconsonante a 77Hz com


todas as vozes, no qual cada indivíduo passa a mover seu foco para um
harmônico distinto levando a uma harmônia puramente consonante.

~O COMETA VINDO DA NEBULA DA TROMBA, um


véu sonoro espectral que atravessa o teatro ressoando, quase
imperceptivelmente, A Vingança dos Elefantes.

~OVO, sons adquiridos de dados astronômicos sobre como soaria


o universo se tivesse o tamanho de um ovo e emanado com o tamanho de
um elefante.

~AS ELEFANTINAS,
~A MARCHA ELEFANTE, peça percussiva com
todos os instrumentos, incluindo a mesa e os convidados feito a
soar como elefantes andando e correndo pelos campos, como se o
próprio teatro fosse um enorme elefante.
~MASSACRE ELEFANTE, a música mais pesada
com o maior número de ritmos ao mesmo tempo.
~VINGANÇA DOS ELEFANTES, crescendo
espectral vocal (como à canção Nellie The Ellie Fant da banda
Toy Dolls) que culminam de maneiras distintas sempre que
tocadas.
~O ELEFANTE DE MARFIM, em três movimentos
que finalizam os atos.

22.Próera Elefante, Ópera Marfim:

22 .0. Metajustificativa: O objetivo de O Elefante de Marfim é desenvolver uma alternativa


construtiva ao realismo tecnológico, uma posição que
ultimamente foi muito discutida e defendida na filosofia
estética. Para esse fim, a obra está dividida em três partes,
que precisam umas das outras para apoio mútuo. A
primeira, o projeto, diz respeito à relação de uma obra com
o mundo, e especialmente o que pode ser chamado seu
conteúdo empírico. A segunda, o libreto ou poema
dramático, trata sobre a explicação artística, segundo a qual
o poder explicativo de uma obra de arte é um aspecto que
de fato vai além de seu conteúdo empírico e que é
radicalmente dependente dos contextos. E a terceira, a partitura, é uma explicação da probabilidade tal como
ela ocorre nas obras acusmáticas estocásticas.
22 .0.1 . Relações Estéticas: Acrescentemos que a nossa divisão em três partes é
legitimada pela semiótica dos modos de abordagem próprios aos diversos setores da psicologia: geral,
clínica e social. A psicologia geral, que procura evidenciar leis gerais do comportamento, estuda de
preferência condutas consideradas simples (tímicas e motrizes, por exemplo) e sobretudo observáveis e
mensuráveis, diretamente ou por meio estatístico. As psicologias diferencial e clínica reintegram estas
condutas e estas leis em personalidades que, segundo o seu nível de estruturação ou de controle,
podem ou não desmentir leis que no entanto têm valor preditivo no plano estatístico. Mas isto
também pode ser parcialmente previsto por conhecimentos ideográficos. Quanto às relações estéticas,
é a psicologia social e a psicanálise estética que as estudam, utilizando ao mesmo tempo métodos
experimentais e clínicos.
22 .1 . Por que uma portitura ciberfônica ? Uma portitura é um facilitador de diálogos
sonoro-musicais a respeito das posturas subjetivas dos intérpretes quando perante certos temas da próera. Um
disparador de partituras-dispositivos de portes aurais. Uma ciberfonia é o resultado da composição em rede de
intérprete(s) onde cada indivíduo toca uma sinfonia a partir de sua percepção intersubjetiva sobre a próera e de
sua relação com as demais escutas presentes. Os soadores dA Orquestra são portanto, críticos e estão eles
mesmos, num debate aberto sobre o teatro musical que ocorre na cena montada para a ópera, e suas relações
com os conteúdos conceituais da próera. A portitura ciberfônica de O Elefante de Marfim se nega a ser uma
regimentação disciplinar de controle da soação dos músicos e nega a possibilidade de alguém vir a escrever uma
partitura oficial para a mesma ou se declarar maestro regente de intérpretes obedientes. No caso de uma
orquestra regular, o maestro para esta apresentação deve ser o membro mais novo a entrar para o corpo
orquestral, e o regente deve ir limpar o chão (podendo ensinar os outros enquanto executa sua função de
limpeza), demandando que todxs compartilhem suas experiências e responsabilidades para que a obra ocorra.

22 .2 . Arte Elefante: Esta próera tem duas fontes aurais: um desafio e uma teoria. O desafio é
relativo ao benefício da arte como agente de transformação social; a teoria diz respeito à natureza do
conhecimento aural (relativo à escuta sensível). A música repudia a filosonia (escuta atrelada a modos ainda
indeterminados cientificamente). Em outras palavras, a arteciência aural (a música no sentido mais amplo
possível) nunca pretendeu justificar sua verdade ou explicar seu significado. O teatro não suporta a verdade. A
dança não tolera a mentira. O cinema é sempre falado. A música não pode ser explicada.
22 .2 .1 . Os ataques à arteciência aural na nossa sociedade ruidopática vêm de muitas partes,
mas não são orquestrados. A miscelânea de oposição inclui muitos
estranhos companheiros, cada um seguindo a sua própria causa. O
conservador teme que a efemeridade da música destrua o único mundo que
ele conhece em sua escuta; o progressista imagina que sua recursividade
mnemônica alinear (sua própria História Da Escuta) envenenará o paraíso
que está por vir; o democrata acautela-se contra as tiranias da técnica; o
aristocrata teme a tendência niveladora da máquina-música. Os arrazoados
da defesa são igualmente incoerentes: uns dizem que o progresso musical é
automático e inevitável; outros, que o futuro da escuta deve ser
determinado pelo planejamento racional; os tecnocratas adoram dizer-nos
que a música tornará a vida mais confortável; os viciados em acústica
proclamam que o humano deve avançar e conquistar o ruído.
22 .2 .2 . A arte é uma atividade humana tão complexa, tão integrada à nossa civilização, tão
rápida no mudar suas formas e conteúdos, que não pode ser julgada em poucas frases simples.
Observamos, mesmo assim, que grande parte dos produtos da engenharia da escuta coletiva
(principalmente a industrialização da música) foram nocivos ao bem-estar humano. Em tais casos,
costuma ser possível responsabilizar fatores externos ao domínio da arte: uma inovação apressada
demais, subordinação a causas indignas, distorção das necessidades sociais ou desvio de objetivos
humanos genuínos. Com tais distorções utilitárias da digitoeletroacústica, surgiu uma ideologia aural
(ideofonia) de que o fator maléfico era o próprio conhecimento adjunto ao meio utilizado. A arte ficou
caracterizada como uma força materialista, anti-humana, um elefante de retalhos fora de controle,
que só podia ser contido pela total anestesia e pelo encarceramento psíquico dos artistas no zoológico
do entretenimento e da pesquisa.
22 .2 .2 .1 . Críticos mais sutis não
minimizam o poder instrumental da arte em seu
modo material, técnico. A confiabilidade da arte na
engenharia, na indústria, no desígnio visual ou na
medicina estética não é realmente posta em dúvida.
Mas resistem às tentativas de estender a arte (e a
ciência é uma, neste caso) às sutilezas do
comportamento biológico, às emoções humanas e à
organização social. Qualquer apelo a uma
autoridade artística em tais questões é visto como
pretensioso e inerentemente sem fundamento. Outras
fontes de entendimento e outros guias para a ação
devem ser cultivados ou procurados fora do alcance
do método artístico. Um compositor musical hoje é
incentivado à produção de arte-e-tecnologia e
absolutamente desencorajado a questionar o
processo de produção da sua própria arte.
22 .2 .2 .2 . Por esse motivo, a confiabilidade estético-cognitiva artística tornou-se uma
séria questão intelectual. Deixada de lado a doutrina ingênua,a segundo a qual toda arte é
necessariamente bela e toda sensação de beleza é necessariamente artística, vemos que a
epistemologia fenomenológica – a teoria dos fundamentos das sensações – não é apenas uma
disciplina filosófica acadêmica. De maneira bem prática, em questões de vida e de morte,
nossas bases de decisão e de ação podem vir a depender da compreensão do que a arte pode nos
dizer e de quanto podemos acreditar nisto.

22 .3. Arte Elefante de Marfim: Como deve ser
distinguida a arte de outros corpos de discurso organizado e racional,
tais como a religião, a política, o direito ou “as ciências”?
Questionamos se o conhecimento artístico (através das sensações
estéticas) não é um produto de um empreendimento humano coletivo
ao qual os artistas fazem contribuições individuais purificadas e
ampliadas pela crítica mútua e pela cooperação sensória. Segundo esta
teoria, a meta da arte (a estética) é um consenso de opinião sensível
sobre o campo mais amplo possível. Os objetivos da arte não devem ser
confundidos com os objetivos de qualquer artista, tal qual o objetivo do
xadrez é o xeque-mate (ou stale-mate) e os do enxadrista podem ser
fama, glória, grana, política, estética ou qualquer outra forma de
vaidade.
22 .3.1 . Deste ponto de escuta, muita coisa pode ser
entendida sobre o modo como os artistas são formados,
escolhem seus temas de pesquisa, comunicam-se uns com os
outros, criticam e refinam suas descobertas e relacionam-se
entre si como membros de um grupo social especializado. O
princípio do consenso leva, assim, diretamente, ao que hoje é
chamado de sociologia interna da comunidade artística (e musical no nosso caso específico). A partir
desta pesquisa, podemos passar a investigar o lugar da arte nas sociedade em geral, tentando esclarecer
questões práticas importantes como a economia da pesquisa e do desenvolvimento, a organização das
instituições artísticas, as prioridades e o planejamento da produção e do fomento e os torturantes
dilemas éticos que se colocam para o artista socialmente responsável.
22 .3.2 . É de grande valor entender como a arte é feita e pesar o papel social do artista e de suas
instituições. Mas o desafio epistemefenomenológico vai mais fundo. Quais são as características do corpo
de conhecimento adquirido por esse meio? Como é que o princípio do consenso determina o conteúdo
da arte? Que tipos de afirmação, sobre que aspectos da totalidade das coisas, são candidatos legítimos à
validação como “conhecimento sensível universal”?
22 .3.3. Em O Elefante de Marfim, Sofia Harmonia afasta-se deliberadamente dos aspectos
sociológicos da arte, para reconsiderar as questões
intelectuais fundamentais da escuta. Defronta-se com as
partituras de todo o saber da escuta, ensurdece-se à própria
obra e perde sua distinção com um audível imaginário em
que quase desaparece do próprio projeto que escreve. Tinha
plena consciência, é claro, da imensidão da literatura
transacústica, das filosonias, das ciências sonológicas,
embrenhando nas suas palavras um canto epistemofônico. Seu
texto chora um lamento diante dos poliedros da justiça. Nela
a eletroacústica se romantiza. Nela as compositoras
silenciadas da história ecoam como um bordado de vozes
num coro. Contudo, não sendo a filosonia uma área estável
do conhecimento, posta que alicerçada sobre o efêmero, não
podemos ter pretensões de estarmos familiarizadxs com
todas as opiniões passadas e presentes, todas as formas de
soação e todas as objeções em um tema tão vasto quanto os
limites onde o inapreensível e o infinito se cruzam.
22 .3.4 . Em vez de tentar uma avaliação geral do problema epistemofônico, proponho-me a
adotar aqui a estratégia aural de um texto típico de física acústica. Estabelece-se um modelo,
deduzem-se suas propriedades acústicas e escutam-se assim os fenômenos experimentais amplificados,
sem fazer referência ou tecer críticas a hipóteses alternativas. As objeções sérias, o vão entre ruído e
ressonância estocástica adaptativa, buscam respostas adequadas. Mas a meta da próera, enquanto
modelo em miniatura (cenografia, expografia e skitch), é demonstrar positiva e criativamente as
possibilidades da aura, “como se ela fosse verdadeira”.
22 .3.4 .1 . Estas páginas, ouvinte leitor, são um convite que me fiz a falar com vós,
sujeito infinitivo. Ao mesmo tempo, tento entender a obra de Sofia Harmonia e agir de acordo
com seu procedimento aural: embora profundamente imerso na literatura concernente às
artes e ciências musicais, a perda de minha audição do ouvido direito, devido a um acidente,
me foi muito mais impactante que qualquer relato ou audição musical ou de gravações
históricas. Tenho tido a experiência sensível de modulação de aura. Os conceitos extraídos de
uma ampla variedade de áreas, tais como a linguística, a programação de computadores e a
antropologia, cujos textos fui forçado a percorrer e folhear, sem qualquer sistema, em busca de
vocabulários próximos à escuta da história transborda para dizer-vos que devo fazer minha
própria música, sem medo ou vergonha convosco.
22 .3.4 .2. Em muitos aspectos particulares, contudo, as opiniões expressadas estão
longe de serem novidade, e podem ser encontradas em gnoiSe de autoria anônima e no próprio
projeto original de O Elefante de Marfim de Sofia Harmonia. Farei o melhor que posso para
evitar citar a s autoridades históricas– não só para fazer justiça às suas obras libertárias, mas
também para reforçar a própria causa da próera: Encare este texto como seu, esta ópera como sua
e use-a como disparador para suas próprias próeras. Não tentei passar os textos e as músicas a
pente fino para achar os menores vestígios do mesmo ponto de escuta – ou toda objeção
possível a este. O fato de ter ignorado ou negligenciado um trabalho que poderia parecer
relevante em cada questão em particular é lamentável, mas acredito que pode ser perdoado e
que te comova a escrever a respeito desta relação sutil e inaudita.

22 .4. Modelo Operístico, Extração de Marfim do Elefante: Para caracterizar plenamente a
arte, devemos descrevê-la em todos os seus aspectos – científico, sociológico, psicológico e filosófico. Para os
propósitos desta portitura, porém, temos apenas de considerar um modelo simplificado em que a dimensão
sociológica é reduzida a um esquema operístico, à proporção de um elefante para um humano. Presume-se que as
relações entre os artistas individuais (ou entre coletivos como “equipes de pesquisa estética”) aproximam-se
razoavelmente bem dos dramas operísticos. Em outras palavras, buscamos imaginar o caso específico de os
artistas comportarem-se com honestidade uns com os outros (também através de suas obras), tanto na comunicação
de seus trabalhos como na aceitação dos trabalhos alheios mesmo que o ambiente dificulte tal possibilidade postural.
22 .4 .1 . Essa idealização é essencial se quisermos evitar que a questão epistemofônica fique
desesperadoramente confusa. Sabemos, é claro, que
nenhuma comunidade artística é totalmente sincera a
esse respeito, e que a credibilidade da arte é, às vezes,
seriamente prejudicada pelos desvios patológicos desta
norma. As imperfeições na comunicação ou na análise
crítica reduzem a confiabilidade na arte em todas as
áreas. Entretanto, na prática, poucas vezes esse é o
fator dominante que afeta a credibilidade; a
fragmentação e o sectarismo característicos de algumas
áreas (o entretenimento pela competitividade de poder
e dinheiro e a pesquisa estética, como no musical, por
sua mais-valia intelectual) não são tanto sintomas de
ruptura social quanto consequências da imensa
dificuldade em se fazer qualquer progresso na
compreensão do tema.
22 .4 .2 . Embora com frequência os artistas
prometam tesouros sensíveis de compreensão e
verdade, um desafio epistemológico-sensível
(epistemestético) é sempre lançado em um momento
específico: No que podemos acreditar agora? Ao avaliar a
credibilidade do conhecimento artístico, olhamos
naturalmente para o passado, mas não podemos dar
muita importância a prognósticos de um futuro
incerto. O nosso modelo, portanto, deve ser
historicamente preciso, mas não necessita ser
autopropulsor; raras vezes será necessário fazer
referência às forças psicodinâmicas que continuamente
transformam o conteúdo da arte, a música nela mesma.
22 .4 .2 .1 . Felizmente é assim, pois as
discussões sobre criatividade intelectual
tendem sempre a um impasse lógico: conceber
por outros meios que não os de uma arte
particular os conceitos desconhecidos que
podem vir a surgir nessa arte. Aurática ou
auria: Ouvimos fenômenos intelectuais de
crença e dúvida muito mais simples, música enquanto acústica da acusmática, em que o tema e
o contexto são, mesmo que conhecidos de antemão, também ligados aos poderes criativos da
imaginação. Do outro lado, não podemos adotar um modelo arquitetônico, estático, em que
uma fotografia possa resumir o filme. A ideia de trailer é inviabilizada pelo som.
22 .4 .2 .2 . Ab_ismo como modelo artístico: Em sua forma mais simples, portanto,
nosso modelo consiste em um certo número de artistas independentes, ligados por vários
meios de comunicação. Cada um deles faz observações, realiza experimentos, propõe hipóteses
e faz seus cálculos, cujos resultados comunica aos colegas. Como indivíduo, a(o) artista, da
mesma forma que qualquer outro ser consciente, adquire uma boa dose de conhecimento
pessoal sensível sobre o mundo em que vive, não só por meio de sua própria experiência, mas
também por meio das informações que recebe dos outros. Contudo, ao falarmos de conhecimento
artístico, ou gnoseaestesia, referimo-nos ao conteúdo das mensagens que se acumulam e estão
disponíveis no domínio público, e não apenas às lembranças e pensamentos de cada pessoa.
22 .4 .2 .2 .1 . Supomos que o modo de atuação desta classe estética diante do
ab_ismo, seja aquela dos artistas de toda e qualquer área da produção humana que
trabalhem através da consensualidade. Suas obras são sensíveis em seu próprio contexto.
Uma das buscas da arte, além do belo e do feio, foi este consenso das sensibilidades,
mesmo que pelo desarranjo proposital.
22 .4 .3. Este modelo impõe restrições ao conteúdo da arte? Em primeiro lugar a comunicação
plenamente consensível requer uma linguagem inequívoca (música) para uma linguística da errância
(aurática), cuja forma ideal é a escuta das utilizações da matemática e dos afetos nos conteúdos
sonoros. Buscamos uma liberação da escuta controlada pela representação por parte do intérprete, em prol
de um experimentalismo em massa de procedimentos propostos. As trocas de mensagens aurais lógicas
através da arte logicamente coerente são inúteis a menos que se refiram a eventos reconhecíveis e
reproduzíveis nos marcos da experiência aural dos artistas individuais; isso explica o papel fundamental
da escuta controlada e da experimentação no método tradicional da acusmática.
22 .4 .3.1 . A cognição aural e a comunicação sonora não se restringem à leitura de
mostradores e às fórmulas algébricas (o pentagrama compreendido como ábaco diferencial de
frequências). Por meio de nossa
facilidade natural para o
reconhecimento de padrões,
podemos perceber traços
significativos de nossa experiência e
transmitir mensagens consensíveis
na forma de obras cujo “significado”
não pode ser deduzido pela
manipulação matemática ou
lógico-formal de seus símbolos. A
obra de arte é como a máquina
chinesa de Turing, Yupana Kernel,
quando desprovida de pânico. A
gnosestesia não é tão objetiva quanto
intersubjetiva e só pode ser validada
e traduzida em ação pela intervenção
de mentes humanas. A esse respeito,
o nosso modelo é menos restritivo
quanto ao conteúdo legítimo da
arte, mas oferece menos
possibilidades de testes de
confiabilidade do que muitos
esquemas epistemestéticos
tradicionais.

22 .4.3.2 . As obras não confiáveis não são, embora muitos o quisessem, jogadas nos lixos,
arquivos, nem passivamente recebidas.
A consensualidade implica fortes
interações entre os atores humanos do
drama artístico social. A ópera guarda a
criação de estereótipos para os
modelos de relações humanas. O
museu guarda nossa relação afetiva
com os objetos, a produção de lixo. O
laboratório guarda a metáfora da
condição humana: nossa tragédia. A
consensualidade implica fortes
interações estéticas entre os atores
humanos do drama do conhecimento
sensível: erros e mal-entendidos
elementares são eliminados pela
repetição independente dos
experimentos, ou pela crítica teórica.
O fato de todo artista ser treinado –
ou moldado pela amarga experiência –
para apresentar os mais altos níveis de
precisão autocrítica em suas
comunicações não quer dizer que este
aspecto do modelo possa ser ignorado; os erros triviais são endêmicos na pesquisa artística e
devem ser continuamente corrigidos para que o sistema artístico dê origem a qualquer coisa
que se aproxime de “arte”.
22 .4 .3.3. Contudo, no esforço de maximizar a área de consenso, a comunidade
artística vai muito além da troca de
comunicações factuais facilmente
corrigíveis. São postulados sistemas
surreais teóricos que explicam os fatos
reais e implicam uma enorme
quantidade de outros resultados
potencialmente observáveis. A
mitologia é neste foco linguístico uma
linguagem mais certeira que a lógica. A
consensualidade desses sistemas é
posta à prova por estratégias como a
tentativa de confirmar previsões ou
pela descoberta de fenômenos
marginais que podem acabar sendo
incompatíveis com estéticas aceitas. É
importante entender que grande parte
das obras de arte tem uma intenção
retórica – convencer outrxs da
validade de uma hipótese nova ou
destruir opiniões aceitas. A escuta
especulativa experimenta a ligação entre as escutas opinativas.
22 .4 .4 . Ouvindo agora nosso modelo (cada palavra gerando um som), fica fácil escutar
o poder que a participação em tais atividades tem sobre a mente dos artistas. Além do limite de
nossas próprias observações pessoais da natureza estética, é preciso que tenhamos consciência
do enorme corpo de resultados obtidos por nossos predecessores e contemporâneos, sob as
condições estritas da crítica mútua reforçada pela autoridade persuasiva de descobertas
marcantes e previsões espantosamente corretas. O conjunto relativamente coerente e
consistente de crenças assim gerado é o que chamamos de paradigma estético ou audível da
escuta.
22 .4 .5. Quase todx artista é criadx pela educação formal e pela experiência de pesquisa do
audível estético de sua época, e não consegue concordar alegremente
com afirmações que estejam em óbvia contradição com o que
aprendeu e passou a apreciar (como a competitividade capital hoje). A
obtenção do acordo intersubjetivo quase nunca é logicamente
rigorosa; diante de indícios contrários, cada indivíduo tem uma
tendência psicológica natural de acompanhar o resto da turma e
aferrar-se a um paradigma até então correto. O conhecimento
artístico, ou gnosestesia, contém muitas falácias – crenças equivocadas
coletivamente sustentadas e mantidas, e que só podem ser desalojadas
por eventos de forte poder persuasivo, tais como descobertas
inesperadas ou previsões completamente erradas.
22 .4 .5.1 . Em segundo lugar, e de forma mais significativa, existe alguma defesa
contra a acusação de que a totalidade do paradigma estético é uma ilusão auto-sustentada? Os
artistas em nosso modelo operístico,
são quase deliberadamente treinados
para ter uma atitude específica em
relação aos fenômenos sonoros,
vendê-los como diversão, terapia ou
pesquisa técnica. Como fazer para
distinguir suas concepções das de
outros grupos sociais que se
reconhecem como idôneos, como as
seitas religiosas? Que razão temos
nós para preferir o paradigma
artístico?
22 .4 .5.1 .1 .
Podemos afirmar que o
sistema social da arte está
sempre aberto aos não-artistas
e que sempre as
contribuições de fato ou de
opinião não estão restritas
aos verdadeiros crentes
registrados. É sabido, por
exemplo, que grandes progressos estéticos são, muitas vezes, obra de artistas que
atravessam as fronteiras disciplinares convencionais e não têm mais autoridade do que
um leigo em um terreno desconhecido. Segundo a estética da atitude artística, a arte é
válida, em princípio, para todxs, pois qualquer pessoa pode, se quiser, começar a
praticá-la por si mesmx e acabar sendo livremente persuadido de sua beleza.

22 .4 .5.1 .2 . Na prática, contudo, isso é quase impossível; e quando olhamos
para a lavagem cerebral e
sensível implícita no longo
processo de se tornar
tecnicamente apto em
qualquer ramo da arte
(inclusive no ramo da falta
estética do ruído), vemos que
a objeção continua em larga
medida sem resposta: aquele
que emerge desse processo já
não é o inspetor imparcial e
independente que entrou
nele muitos anos antes. Mas
a propósito, deve-se
enfatizar que nenhum
artista é um instrumento
desencarnado de observação
e comercialização; é um ser
humano consciente, nascido
e criado na vida comum de
sua época. Muito antes de aprender sobre harmonia ele adquire a prática de pratos e
panelas, cães e gatos, tios e tias.
22 .4 .5.1 .3. Embora tais modos estéticos mundanos sejam raramente
discutidos como tais nas belas artes (sic), não estão excluídos de seus domínios. Por
mais fantástico que possa parecer
em suas fronteiras mais remotas,
por definição, o consenso estético
inclui o fato corriqueiro e deve ser
compatível com a realidade
cotidiana. A música do caminhão
de gás junto ao som do botijão
estão ambas numa escuta
maximalista. O fracasso em
concordar com as evidências do
senso comum é em todos os aspectos
tão nocivo à credibilidade da arte
quanto a deturpação de um estilo
estético por meio de uma
experimentação descontextualizada
do mesmo. Já não basta haverem
pesquisadores musicais das
produções prosaicas, mas uma
inversão deste processo onde a
mais complexa escuta surja como
algo simples e, por que não, belo.
22 .4 .6. A estratégia básica de O
Elefante de Marfim, é ilustrar o
funcionamento do modelo social da ciência,
fazendo inicialmente referência às ciências
naturais concernentes a um objeto de estudo
qualquer, um elefante, nas quais o poder do
método científico foi demonstrado para
além de qualquer dúvida razoável. Em que
medida devemos acreditar no que a arte tem
a nos dizer acerca do humano como ser social
consciente, sujeito a emoções desarrazoadas e
a instituições irracionais? Qual a real
possibilidade de uma arteciência? Não
pretendo que tal pergunta seja respondida,
mas parece apropriado submetê-la a um
exame baseado em tudo o que aprendemos
sobre a credibilidade das ciências e das artes.
22 .4 .7. Essa investigação, que
você deve percorrer se pretende realizar
uma montagem de O Elefante de Marfim,
se ocupa inteiramente dos aspectos cognitivos da escuta artística, e não de quaisquer aplicações sonoras
do conhecimento acústico à tecnologia ou a outras atividades humanas. A ideia de progresso supõe a
comparação entre dois estados, dos quais um é julgado superior ao outro, em virtude de uma medida
comum que lhes é aplicável; a ideia de harmonia supõe a relação das partes de um todo harmonioso a
um objetivo comum que a colaboração delas realiza. A medida comum dos estados progressivos é
justamente esse objetivo harmônico comum: superioridade quer dizer utilidade maior relativamente a
esse objetivo. Trata-se pois de saber se a natureza é essencialmente utilitária, se um marfim ao som de
dez mil guitarras diz tudo sobre o elefante que é.
22 .4 .7.1 . Ouvir um marfim: A natureza pode ser utilitárias se todas as suas obras se
reduzem a um fim supremo e universal, outro
que não a própria mudança. Mas, se a luz sobre
os fenômenos pela própria ideia de finalidade se
dispersa em inúmeros brilhos intensos e curtos,
e jamais vem do alto; se o objetivo comum de
que falamos é sempre múltiplo, limitado,
variável, e não mais se mostra a uma certa
altura das realidades ascendentes; se dos
acordos parciais sai perpetuamente uma
multiplicidade de obras aí as relações das
diversas harmonias são naturalmente
complexas harmonicamente, heterogêneas, não
comparáveis, não mensuráveis, ou só podem
combinar-se e harmonizar-se por sua vez
parcialmente e mediante o sacrifício da maior
parte dessas harmonias, então teremos motivos
de pensar que o universo põe sua razão e
sensibilidade a serviço de sua imaginação, suas
leis e seus organismos a serviço de suas
fantasias, e que a harmonia não explica tudo, já que não explica seu próprio efeito.

22 .4 . Modelo Proerístico, Forjar Elefante de Marfim: Os equívocos comunicacionais da arte
(música): Como a arte é mais do que o
conhecimento sensível pessoal, ela só
pode consistir do que puder ser
comunicado de uma pessoa a outra. Os
meios de comunicação disponíveis
determinam as formas e, em certa
medida, o conteúdo das mensagens
artísticas. A música não consegue
utilizar todos os recursos de uma
linguística gnosestética (conhecimento
sensível). O Elefante de Marfim busca
ser uma criação artística consensível,
exigindo de seu estilo deliberadamente
a transmissão inequívoca de
conhecimento sensível, um discurso
didático. Para tanto, a consensibilidade
não basta e a obra se atira
continuamente ao consenso possível
(consensualidade). Sofia Harmonia não pretende apenas contar as coisas tais como ela as ouviu, ou tais como
ela acha que são; cada artista também deseja ardentemente convencer seus ouvintes, leitores, público. Uma
mensagem artística tem muitas vezes o propósito de mudar uma noção preconcebida, demonstrar uma
contradição despercebida ou anunciar uma observação inesperada. É dirigida a um cético de fato, um crítico
em potencial, busca ser convincente, não ter lacunas e ainda preencher o vazio de obras que busca honrar. Este
desejo levou a música melódica e consonante através da música moderna ao ruído que abre a porta da aura.
22 .4 .1 . A Próera como arte linguística: O passo final na formalização de uma ópera é
transformá-la em partitura. No caso da próera contudo, este momento aparece no meio do processo
(quando aparece). A performance operística em si surge como formalização de um gesto sonoro de
escultura social na escuta coletiva. A linguagem da notação tem poderes descritivos muito limitados.
Uma partitura pentagramática tem bastante sentido como mapeamento musical, mas é uma
representação bem pobre para um conjunto aurático que forma os diversos momentos criados para a
apresentação social dos conteúdos e modos de escuta encontrados no processo proerístico. O processo
de formalização partitural produz uma entidade aural que satisfaz suas relações de definição estática,
mapeamento, mas somente quando privado de todos os demais atributos ambientais (tidos como ruído
cartográfico). De maneira mais simples: É importante que todxs criem o máximo de partituras
durante o processo, mas não deixar de ouvir as partituras dxs outrxs, mesmo que contradigam a sua.
22 .4 .1 .1 . A ópera é a partitura da próera: O uso musical da linguagem matemática e
científica é uma característica que pode vir tanto a facilitar quanto a dificultar os diálogos
sonoros, mas não é essencial, para a produção de uma ópera. As primeiras comédias del’arte
que deram origem à ópera, usavam apenas roteiros com deixas e mantinham grande parte de
seus processos abertos à improvisação e à interação com o público. Toda diva e todo spalla é
um pouco palhaço branco, toda ópera é um pouco rock. A linguagem musical de um coletivo
pode ser imperfeitamente consensível, mas infinitamente mais rica do que um esforço
indesejado de aprendizado de uma linguagem forçadamente. A eletroacústica do século XX
com suas novas formas de partituração e procedimentos de improviso coletivo e criações
intuitivas, levaram isto em conta. A primeira prioridade da arte é que mensagens significativas
sejam trocadas entre artistas (mesmo que uma mensagem anti-mensagens) e não que a censura
cientificista ou monetária as reduza a trivialidades enganosas em nome duma precisão formal
qualquer que serve apenas para alimentar competitividades hierarquizantes.
22 .4 .2 . Desejo lógico: Deficiências de consensibilidade encontram-se até nos mais sofisticados
sistemas artísticos, como na partitura pentagramática. O estudo dos afetos da matemática dos afetos
(psicoacústica musical), revela ambiguidade e paradoxos que não podem ser resolvidos pela análise
formal. Embora a maioria dessas deficiências esteja relacionada ao uso correto de conceitos abstratos
(da acústica, sonologia, harmonia, filosonia, sociologia aural) que parecem ter pouco significado
prático, elas não podem ser evitadas em uma rigorosa epistemestesia (estudo dos fundamentos
fenomenológicos da sensação artística). Na análise de tais problemas, deparamo-nos inevitavelmente com
um ramo especial do léxico da musicologia moderna – o estruturalismo formal (berço do desígnio sonoro).
A importância fundamental da lógica neste ramo da arte é levada ao limite da comunicabilidade, pois
sua coerência lógica, ou logicidade, enquanto condição necessária para a comunicação intersubjetiva é
extremamente específica.
22 .4 .2 .1 . Uma mensagem artística meramente estrutural (como no caso da música
sonológica, espectral, acusmática e estocástica) só
pode vir a ser compreendida dentro do contexto
linguístico no qual se aplica (onde é sensível seu
drama operístico), tornando-se assim, responsável
pela criação tanto de seu público quanto da
segregação dos que não compreendem sua estesia
( forma estética). Uma das vantagens de um bom
simbolismo aural (estesia sonora) é que ele pode
evitar erros lógicos pela automação intelectual do
criador, que passa a buscar compreender seu
público em sua linguagem, de modo a falar através
destes (de acordo com as necessidades de cada
situação específica). Também as plateias, enquanto
colaboradores da criação da aura da obra, devem
ser guiadas à liberdade aural de produção e ter
uma partitura própria, que por motivos de
praticidade pode ser o próprio libreto do
programa.
22 .4 .2 .2 . Um lance de dados: As investigações sobre os fundamentos da música e da
acústica musical demonstraram que são vãs as
esperanças de encontrar uma linguagem única e
perfeitamente matemática para a música. No impulso
em direção a um consenso absoluto, acabamos chegando
a um ponto em que as diferenças de opinião acerca da
posição ocupada pelas leis da própria acústica não podem
ser resolvidas pela referência a uma autoridade superior.
A logicidade acústica (metanarrativa eletroacústica ou
acusticidade musical) não é uma condição suficiente para
o discurso musical. Ela serve apenas para a gramática da
linguagem artístico-sonora, e não diz coisa alguma
sobre o conteúdo das sensações da obra cuja forma
restringe. As obras consensuais à acústica musical são
um ramo importante da música abstrata, mas do ponto
de vista da escuta, são praticamente vazias. Quase toda a
aura se baseia em uma variedade de outros princípios
compartilhados pela comunidade, mas que não
dependem necessariamente da música.

22 .4 .2 .3. Por muito tempo os artistas sonoros e filósonos ocuparam-se da
investigação e da caracterização
das estruturas categoriais que
devem ser partilhadas para que
seja possível alcançar a
consensibilidade e, em última
instância, a consensualidade.
Os artistas têm de estar de
acordo sobre muitíssimas coisas
se quiserem concordar sobre
mais uma coisa. Por enquanto,
porém, não estamos em
condições de especificar de
antemão, nem de delimitar
hipoteticamente, o alcance dos
princípios supremos na esfera
cognitiva das sensações
estéticas. Podemos, porém,
afirmar que a prática artística
na vida humana, individual e
coletiva, desenvolve e refina os
princípios da escuta. O caráter
social de nossos conceitos, os elos
entre uma poética e o gesto, o
gesto e a comunicação, a
comunicação e as comunidades sociais... Outro nome para objetivo é público.
22 .4 .3. Máquina-Música: Voltando à própria acústica, não temos garantia alguma de que as
formas elementares a que estamos tão apegados são absolutamente universais; a bioacústica e a
etnomusicologia mostra que dependem de características locais de cognição sensível como as
linguísticas distintas e outros instrumentos culturais. Mesmo assim, depois de termos sido avisados
para não aceitar o raciocínio musical formal com base em sua própria estimativa, sabemos que uma
comunicação sonora artística quase não tem valor a menos que seja expressa em linguagem aceita
socialmente como música por sua precisão de repetição e solidez estrutural monetária (de pesquisa ou
entretenimento). Essas qualidades, quando desejáveis podem ser obtidas com maior presteza através
do uso dos conceitos e do simbolismo musical.
22 .4 .3.1 . Metamúsica Matemáquina: O músico puro não se preocupa com a
responsabilidade sonora de qualquer soação dada; o interesse dele se dirige para a posição lógica
acústica das relações entre os termos sensíveis de uma tal declaração musical e para a validade
desses sonemas (termos sonoros) após terem sido transpostos a outras formas de escuta. O
músico puro é um especialista em gramática e sintaxe, não um crítico literário. Mediante esse
poder de transmutação acústica, que vislumbramos nas metanarrativas eletroacústicas do
século XX, os resultados da pesquisa musical pura são de imensa importância nas ciências
sonoras naturais. Dos arquivos musicais, podem ser extraídos teoremas sonoros que justificam
equivalências despercebidas, atalhos computacionais, esquemas generalizados de manipulação
e poderosos formalismos que afetam profundamente o conteúdo do conhecimento sensível
artístico (gnosestesia). Mas não há qualquer fundamento para a profecia autocongratulatória
de que toda a música puramente abstrata (metamúsica) acabará encontrando uma utilização
lógico-sinestésica social (matemáquina) na gnosestesia – nem x músicx precisa desculpar-se a
cada resultado particular por não ser imediatamente “aplicável”.
22 .4 .4 . A ruidocracia aplicada à orquestra: X músicx aplicado, contratado, por outro lado, é
uma tido na conta de obediente intérprete. Pega as mensagens que chegam ao arquivo artístico e os
combina e manipula em novas formas,
que depois são transmitidas a outros
artistas. Trabalha melhor se, como o
codificador e o decodificador de uma
linha de produção, não transformar a
mensagem original em um disparate.
Infelizmente, em virtude de sua
capacidade técnica esotérica, pode
chegar à lisonjeira conclusão de que o
compositor profissional é a fonte
primária de todo conhecimento sobre
a escuta humana. Tal como x maestrx
pode conceber esquemas esplêndidos
que ignoram a realidade local das
escutas a que serve, e pode elx mesmo
deixar de ouvir o que toca, ignorando a
linha de frente da experimentação e da
audição. Nas ciências sonológicas, em
que o raciocínio ruidístico deve ter curso livre através da escuta sonora, esse tipo de especialização
profissional e de divisão do trabalho entre a experimentação e o cálculo é inevitável; mesmo assim,
pode tornar-se, por esnobismo e vaidade acadêmica, uma série fonte de mal-entendidos e erros.
22 .4 .4 .1 . Descanção harmônica: O raciocínio musical é imensamente mais poderoso
do que julgamos
quando se trata de
gerar previsões
verificáveis em
campos de
imprevisibilidade
também. O método
analítico harmônico
explora o simbolismo
notacional como um
instrumento para a
automatizar a fala dos
intérpretes; as
operações acústicas
musicais podem assim
ser acompanhadas em
uma profundidade
muito maior do que a que pode ser alcançada pelo ouvido humano sem ajuda. Desse modo, por
exemplo, o sentido de uma série de frequências pode ser correta do ponto de vista gramatical
dodecafônico microtonal e ainda assim sem quase impossível de apreender enquanto canto,
obedecendo apenas às regras algébricas da harmonia. A essência do raciocínio musical é ser
perfeitamente transparente em seções finas (memorizáveis e repetíveis), mas intelectualmente
opaco em seu conteúdo geral. Isto confere aos resultados de uma composição musical
complicada uma novidade peculiar que pode lhe dar imenso prestígio e força retórica.

22 .4 .4 .2 . Audível em expansão: É interessante notar, contudo, que a experiência com
a aplicação da teoria espectral ensinou aos
físicos acústicos a ouvir através dessas
malhas harmônicas, de modo que, hoje
em dia, esse tipo de transformação dos
dados observacionais tornou-se quase tão
óbvio quanto contar carneirinhos com
batidas pop. À medida que a arte e a
ciência evoluem, novos modelos de
fruição estética, fenômenos recentemente
descobertos, novas técnicas experimentais
e novos modelos de soação tornam-se tão
familiares que são incorporados ao
audível que todo artista tem na escuta.
Deduções cuja confirmação, em épocas
anteriores, teria as feito parecer feias
tornam-se o inteiramente rotineiras,
como se não passassem de exercícios
elementares de solfejo do objeto aural ou de
pensamento sônico.
22 .4 .4 .3. O papel criativo da
música na arte sonora é contrabalanceado
por seu uso como instrumento de crítica.
Para o discurso intersubjetivo (entrescuta)
bem-sucedido, os participantes devem
estar previamente de acordo sobre vários
princípios. A comunicação é inútil entre
artistas que não compartilham, em larga medida, de uma estrutura categorial. O papel do
maestro na montagem operística de O Elefante de Marfim é portanto o de um articulador
linguístico-semiótico. A própria ideia de esforço pelo consenso implica que ele já deve ter sido
alcançado em alguns aspectos – que certas questões já não sejam consideradas dignas de serem
colocadas, como por exemplo a necessidade de curiosidade e humildade para a horizontalidade
criativa.
22 .4 .4 .3.1 . A aurática, um programa de axiomatização ao qual muitos
destacados músicos têm devotado seus talentos, busca um conjunto mínimo de axiomas
para as relações da escuta com a música através da acústica em sua utilização
harmônico-contextual. Além disto, almeja a demonstração de que os princípios aceitos
são musicalmente equivalentes a alguma outra estrutura presente, aparentemente sem
conexão.
22 .4 .5. Ressonâncias dissonantes estocásticas: A teorização musical é igualmente inútil na fase
primitiva exploratória de um novo modo de escuta. Uma teoria elaborada e claramente definida sobre
a aura poética de uma obra, extraída de indícios incertos e fragmentários de diversas escutas, pode ter
seus encantos mas pode acabar sendo um guia enganoso para a crítica de uma sensibilidade ainda sem
terminologia precisa. Uma teoria aural que aceite suas limitações acústicas, concebida por analogias
musicais, pode ser intuitivamente apreendida muito antes de poder ser provada. Ao confinar sua
imaginação a modelos realizáveis, a compositora evita os esquemas especulativos que fracassam por
pura incoerência, e mantém-se automaticamente nos limites da consensibilidade musical.
22 .4 .5.0. Em busca do consenso, um modelo surrealista como a aurática também tem
importantes vantagens em relação a esquemas teóricos mais musicais e sonológicos.
Precisamente por causa de sua coerência interna e de suas limitações tácitas, o realismo
maximalista é mais drasticamente negável em algum aspecto particular vital de sua
complexidade. Podemos dizer que o maximalismo é o mínimo do máximo da escuta. Com base
nessas características é fácil ver o poder que um modelo estético bem-sucedido pode adquirir
na mente humana, e não precisamos ficar surpresos com o fato de grande parte da teoria
musical ter esse tipo de origem. O maximalismo surgiu como uma repulsa ao sistema
hipnótico hedonista da música populista, e por isto mantém direta responsabilidade pela
qualidade da música popular, mas disto nunca precisou se desculpar.
22 .4 .5.1 . As plastisonias: Uma dificuldade fundamental da aurática é o vão entre a
acústica sonora e a acústica musical: o ruído
sônico. Os objetos sonoros estão sempre
sujeitos à incerteza. Não se pode dar a eles
uma situação precisa –consonante ou
dissonante, mesmo a partir de entidades
harmônicas complexas –, pois sua lógica
sensória (patológica) lida também com a
indeterminação. Por outro lado, a exigência
básica para a consensibilidade de uma
comunicação acústica é que seja precisa. As
transformações musicais a que nos propomos
submetê-la suporão que ela satisfaz a
sonologia. Disso decorre que a identificação
das estruturas musicais com as empíricas não é
dedutiva. Tendo desprezado a incerteza em
nossas premissas, nunca poderemos ter
certeza da necessidade lógica de nossas
conclusões. Até o cálculo sensível da
plastisonia (sonoplastia enquanto
representação) torna-se metafórico: pode
retratar a realidade, mas não espelhá-la.
22 .4 .5.2 . Metacústica: Nas artes
sonoras espectrais acusmáticas, onde há um
grande empenho em se aproximar das
ciências naturais do som como a acústica e
sonologia, essa objeção, embora uma
contribuição para a morte do positivismo
doutrinário da pedagogia musical
meritocrática, não tem grande significado
poético. Contudo, quando passamos da bioacústica para as ciências do comportamento sonoro
e as sociologias musicais, o efeito é devastador. O modelo mais elegantemente articulado e
computacionalmente complexo de tais fenômenos acústicos não é mais confiável ou
persuasivo em representar os afetos ou chegar aos sentidos e à cognição pública do que as
minúcias musicais de um menestrel medieval. Como é possível então, que na arte sonora
espectral acusmática possamos usar o raciocínio musical com toda confiança, como no caso da
imensidão das obras transacústicas, das filosonias, das ciências sonológicas, embrenhando as suas
composições de um canto epistemofônico? Que característica das artes sonoras espectrais
garante este poder cognitivo?

22 .4 .5.2 .1 Acusticismo sonológico: Essas sonestesias são criadas seguindo-se de
maneira sistemática a estratégia implícita na definição desta como a arte ressonante.
São deliberadamente desenvolvidas para explorar métodos metamusicais. A acústica
faz uso de observações quantitativas; na verdade, só as quantidades que podem ser
representadas por sons e transformadas musicalmente são permitidas nas ciências
sonológicas. Não é por simples sorte que a acústica musical da sonologia se revela
adequada à interpretação musical; isso decorre de uma cuidadosa escolha de temas,
fenômenos e circunstâncias. A sonestesia define-se como a arte sonológica dedicada à
descoberta, ao desenvolvimento e ao refinamento dos aspectos da realidade adequados
à análise musical.
22 .4 .5.2 .2 . Não há nada fundamentalmente errado com este foco
acústico-musical da escuta, mas trata-se de um modelo pouco apropriado para todo o
conhecimento sensível consensual da aura de um dado ambiente. Como veremos, há
outras formas confiavelmente consensíveis de comunicação intersubjetiva, além
daquelas que foram aparadas de forma a caber na lógica da matemática. Ao tratar os
fenômenos acústicos biológicos e sociais, em que a harmonia contextual das escutas
não pode ser ignorada sem que se caia em um acusticismo sonológico que afirma que
todo conhecimento sensível (gnosestética) se resume à musicalidade hegemônica. A
erudição da e a dificuldade de acesso à música de pesquisa e à pesquisa acústica são
argumentos comumente utilizados contra a escuta complexa, embora isto não seja
sempre verdade. Buscamos ouvir as coisas para aprendermos a agir e tomar decisões:
lógicas, científicas e estéticas.

22 .4 .5.2 .3. Referencialidade e colagem: Nem todos os elementos da rede de


objetos sonoros presentes na memória audível de uma compositora têm o mesmo peso
ou credibilidade, mas todos devem ser levados em conta em uma avaliação da
confiabilidade de seu conhecimento na sua área. Muitas consequências específicas de
uma obra de arte podem parecer afastadas dos fatos experimentais e, mesmo assim, a
imagem acústica pode ser totalmente convincente por sua coerência e ampla aplicação.
Observar a foto de uma compositora modifica como ouvimos sua música, suas roupas
e a maneira como nos pede que olhemos suas orelhas. A colagem de referências, o
sample, também atesta estas aberturas de escuta inauditas pelo compositor original da
obra. O ponto em questão é que o reconhecimento intersubjetivo de padrões é um
elemento fundamental na criação de todo conhecimento sensível artístico, de toda a
gnosestética poética.
22 .4 .5.2 .3.1 . Dificuldades da análise de cenas auditivas poéticas: Em
seu nível mais
elementar e
primitivo, a
sonologia
acusmática inclui
descrições e
classificações de
objetos sonoros
baseados na
inspeção acústica.
Seu problema
prático, então, é
transmitir essas
observações a
outrxs sonólogxs a
partir de uma
linguagem
acústica
consensual. Por
exemplo: uma
série de
granulações semi-senoides, de entre 0.1 e 0.7 segundos de duração, aleatórias,
ocupando todo o espectro de maneira estocástica e imprevisível, somado de ruído
branco filtrado por passa banda em modulações indeterminadas, com violinos
soando um acorde de Tristão na segunda variação, etc. etc... Embora a descrição
verbal chame a atenção para características importantes, que podem nos
ajudar a situar esse som no gênero correto de sínteses, ao mesmo mesmo
tempo que a distinguimos de outras cenas auditivas, fica essencialmente
incompleta o vislumbre da cena de um violinista tocando na chuva. As
palavras técnicas usadas na descrição referem-se a outros padrões sonoros
lembrados. Como se pode definir a cena analisada sem um relato cênico?
22 .4 .5.2 .3.2 . Da impossibilidade do plágio (citação sem
interpretação): Se o processo composicional de uma colagem sonora demanda
o acesso lógico à imagem do autor enquanto personagem e analisa a
composição a ser copiada enquanto uma cena afetiva, o plágio se torna
impossível já que a mesma música repetida fora de contexto caracteriza outra
composição de escuta. Neste contexto, qual a importância da poética para a
acusmática eletroacústica? O reconhecimento da necessidade de uma
observação contextual, crítica e intersubjetivamente validada modifica
anatomia da escuta. Podemos também refletir sobre o fato de que muitas
experiências acusmáticas e em harmonia funcional são orientadas no sentido
da elucidação das estruturas expostas sonicamente mas insensíveis à noção
clássica de musicalidade. Uma das metas da harmonia moderna, por este
ponto de escuta, parece ser a criação do perfeito analisador sonoro e a criação
de máquinas abstratas de composição generativa que somam aos
espectrogramas informações precisas sobre as estruturas musicais de qualquer
objeto complexo.

22 .4 .5.2 .3.2 .1 . A operação dramático-acusmática: Como
artecientista, o acusmático imagina que sua pesquisa sonora está livre
da mancha da subjetividade observacional. Em princípio, os “dados
puros” do cálculo digital sonoro da acústica são números que
representam leituras de mostradores ou impressos de computação,
gerados por aparelhos mecânicos ou elétricos, obtidos sem intervenção
humana. Considere-se porém o tipo de resposta, ausente na varredura
estéreo, seria necessária para a compreensão do que de fato ocorre no
nosso exemplo anterior de modo a que pudéssemos relatá-la. Uma
inspeção cuidadosa do espectrograma não levaria a conjecturar que
não é um caso comum, ouvir um violino na chuva, e a criar uma
interpretação cênico-acústica na qual um violinista sem rumo ou abrigo
se viu obrigado a aceitar o destino sem notar o gravador ligado dentro
do carro estacionado. À nossa maneira artística modernista, tendemos
a achar que os maravilhosos instrumentos oferecidos pela tecnologia
dão resultados objetivos nos quais podemos e sobre os quais podemos
teorizar sem dúvida ou controvérsia. Mas nem mesmo os dados
quantitativos da acústica são obtidos simplesmente apertando botões e
lendo os mostradores de instrumentos mecânicos infalíveis.
22 .4 .6. Hipermodalismo: Com base nesta intersubjetividade da interpretação aural que a
acusmática e mesmo a
estocástica são apenas
modos musicais, e que
talvez não venhamos
nunca a passar de uma
lógica modal na estética e
de um modalismo musical.
Podemos aceitar como
consensível o tipo de
relato aural que qualquer
outro ser humano poderia
ter feito se nos colocamos
nas mesmas
circunstâncias, mas a
experiência e a sabedoria
da atividade musical
dizem que os fatos
sensíveis da escuta são
aqueles atestados por
várias testemunhas
independentes ou por
provas materiais. Neste
ponto o tonalismo é um
entranhamento tonal de
diversos nichos aurais
sociais, e o complexismo e o
ruidismo são formas de tonalismo atual. O conhecimento musical não pode ser justificado ou validado
apenas pela acústica.
22 .4 .6.1 . Ruidocracia musical: Apesar de todas as sutilezas e prodígios, nossos
sistema artístico-estético não nos diz necessariamente coisas belas. O modelo ruidocrático
com seus instrumentos experimentais (apresentações, exposições, festivais, etc.), seus artistas
perspicazes e mentalmente dinâmicos, seus meios de comunicação, suas teorias estéticas,
mapas e imagens, pode não passar de um brinquedo interessante, o aparato de um jogo muito
grande e elaborado, sem qualquer função além de se estar nele ou de se assistir a seu desenrolar.

22 .4 .6.2 . Soação e musicking: Para ligar isso à questão fundamental deste projeto,
devemos situar a arte no contexto mais amplo da ação humana sobre a crença. Musicar
(musicking) trata das relações afetivas dos envolvidos numa produção sonora coletiva. Os
artistas de nosso modelo fazem parte da sociedade em geral e a ela respondem, e é a esta
sociedade que o próprio conhecimento científico pertence, em última instância. Os artistas são
meros especialistas na aquisição de experiências consensíveis, que é apenas um dos muitos
empreendimentos humanos – viver e amar, comer, beber e fazer farra, comprar e vender, fazer
e consertar. Perguntar se se deve acreditar na arte é perguntar se existe uma ligação válida
entre o conhecimento consensível e a ação em outras esferas. A aura é a escuta relacional.

22 .5. Marfim, Tecnologia Elefante: As falácias da arte-tecnologia (música-sonologia): O artista
convertido em pesquisador laboratorial da estética, está sempre buscando resultados novos e agradáveis
esteticamente. Todo hacklab é também uma produtora de propaganda. Suas experiências não podem ser como a
das produtoras de arte ou das agências de propaganda, meras repetições de triunfos passados – quantidades
bem conhecidas determinadas com um grau razoável de precisão mercadológica. Nenhuma expansão aurática
poderia advir deste tipo de fato conhecido, a não ser por uma drástica mudança de contexto da obra. O tipo
ideal de novidade experimental é um daqueles episódios dramáticos em que os artistas se inspiram e nos quais
os historiadores e filósofos estéticos concentram sua atenção, quando um fenômeno anteriormente
desconhecido é observado com uma técnica relativamente simples e repetível pelas cadeias de produção
ideológica cultural. Pode ser uma descoberta imprevista ou uma daquelas experiências cruciais que confirmam
surpreedentemente alguma previsão fantástica ou refutam decididamente uma bela teoria. Em geral a arte se
alimenta de pequenos insights de conexão de elementos tidos como díspares, podendo facilmente se assemelhar à
mera piada memética: daí que pululem Monalisas de boné, cabelos curtos, bigodes.
22 .5.1 . Todo pixador teve em si o insight de Banksy, quantos dramaturgos houveram antes de
Shakespeare, o experimento de
Merzbow foi de levar o ruído a uma
consequência impensada pelos ruidistas
antes dele. A ideia de levar a cabo tal
experiência, na verdade, pode ter sido
amplamente discutida em seu campo
específico de investigação artística; os
aparelhos sociais adequados podem já
estar disponíveis; no entanto, a
realização de fato da experiência estética
de ampliação aurática não é, de modo
algum, uma simples rotina como uma
grafitada com atitude. Em geral, o fato
de não ter sido realizada antes não se
deve ao acaso; a tarefa a ser
desempenhada pode estar no que é visto
como fronteira do possível nos marcos
da tecnologia sensível de ponta. As
dificuldades que viciaram os trabalhos
anteriores precisam ser evitadas; o
aparelho cognitivo-sensível deve ser
levado aos limites de seu desempenho; a
capacidade da escuta do artista e a
experiência estética pública são postas à
prova. A genialidade, esta escuta à
consciência contextual de cada gesto poético, é o mínimo para a arte.
22 .5.1 .1 . A arte, no nosso tempo, tornou-se uma indústria. A pesquisa estética deixou de
ser uma atividade individual de aprendizagens singulares para ser realizada por redes coletivas
em que o trabalho é subdividido e especializado. Os aparelhos de valoração dos gestos enquanto
“artísticos” (e não meramente poéticos) são tão complexos e caros, e capitalizados em uma
escala tão ampla, que transcendem em muito as capacidades intelectivas ou manipulativas de
um único artista para intuir, projetar, construir, operar e produzir essas redes de escuta
sozinho. Esse desenvolvimento histórico tem um grande significado na sociologia da
comunidade artística e em suas relações com a sociedade em geral; também tem alguma
influência sobre o conteúdo e a autoridade do conhecimento artístico em geral.
22 .5.2 . Norma musical e hipermúsica coerenciante: As técnicas usadas para separar o sinal
desejado do ruído são muito importantes na música fortemente apoiada em instrumentos e não
podem ser ignoradas em qualquer avaliação da confiabilidade última do conhecimento estético.
Métodos de processamento de dados como o das partituras e da luthieria, desenvolvidos para
aperfeiçoar a transferência de informações entre artistas, podem agora ser aplicados para otimizar e
automatizar o que outrora eram as habilidades altamente apreciadas de instrumentistas especialistas.
Pizzicatos fantasticamente precisos são obtidos por um cálculo apropriado de médias, análise
espectral, síntese de abertura e outros mecanismos computacionais. Até parece que as limitações
intrínsecas da audição podem sempre ser transcendidas por truques como esses.
22 .5.2 .1 . As técnicas passadas da escuta, no nosso caso específico a música, pode não
ser tão eficiente quando
estamos procurando um
sinal que pode não ser
ainda tido como estético,
uma aura. A questão a
enfatizar é de que a
informação trocada entre
artistas e audiências e
depois transmitidas aos
arquivos como elemento
consensual (a
documentação e a crítica
enquanto umas das belas
artes) de conhecimento
público não inclui cada
leitura possível, nem as
respostas dadas a um
questionário sociológico
ou epistêmico. Os dados
brutos precisam ser
refinados, processados,
analisados e interpretados
antes de se tornarem
suficientemente
compactos e interessantes
para serem passados
adiante. Esses processos
em si, onde se cultiva a
crítica e a produção artística, estão pesadamente carregados com teorias e profundamente
inseridos no esquema de pensamento da época. É tarefa do artista minimizar, mas não
subestimar, o conteúdo de ruído de seus dados, pois será a meta da comunidade artística
selecionar os sinais corretos a partir do fundo de resíduos e distribuí-los, despido de toda
incerteza aparente, como conhecimento confiável e beleza estética.
22 .5.3. Para bem e para mal, aqueles que participam da atividade artística geram, comunicam e
avaliam publicamente as obras e teorias de outrxs, relacionados a seu tema de pesquisa (seu foco aurático),
com o mesmo rigor de propósito que dedicam à obtenção de resultados experimentais confiáveis e
consensíveis. A pergunta epistemestética básica – a arte é confiável? – dirige-se muito mais às
interpretações teóricas e pragmáticas da obra por seu autor e por terceiros que propriamente a
experiências artísticas.

22 .5.3.1 . Auricultura: Nas ciências acústicas, as teorias costumam articular-se em
torno de modelos cujas
propriedades são
passíveis de uma análise
matemática
relativamente precisa.
Na maioria dos ramos da
arte sonora (sobretudo a
música), porém, o
conceito de modelo
acústico é, de certo
modo, forte e definido
demais como sinônimo
intersubjetivo para a
convenção teórica dos
afetos pessoais. As
condições básicas de
consensibilidade não
exigem, em absoluto,
precisão geométrica e
mensuração
quantitativa; podem ser
satisfeitas adequadamente pelo reconhecimento mútuo de padrões significativos de modos de
escuta e soação. Do mesmo modo, um consenso adequado pode ser alcançado no domínio da
aura – isto é, na representação generalizada e abstrata de um corpo de informações estéticas
detalhadas – na forma de um padrão que possa ser aceito, reconhecido e assimilado
sensivelmente sem ser necessariamente passível de definição e análise completas em linguagem
matemática ou lógico-formal.
22 .5.3.1 .1 . Aura enquanto cartografias da escuta de um gesto poético: É natural
referir-se a uma representação técnica do artístico como um mapa. É importante
enfatizar que a própria referência é metafórica. O conhecimento estético
(gnosestética) é um epifenômeno peculiar da existência humana e só pode ser
singularmente ele mesmo. Parece não haver qualquer necessidade absoluta de ele seja
estruturalmente isomórfico com algo tão topologicamente especializado como,
digamos, um gráfico de vértices (na linguagem dos mapas, “locais”) ligados por
“margens (ou “estradas” sobre um plano múltiplo (“folha de papel”) de algumas
dimensões. É concebível que pudesse e às vezes talvez devesse assumir formas mais
erráticas e confusas.
22 .5.4 . Signose da sofilopsiquia: A formação de paradigmas é fundamental para a arte como
processo social. Sem o compromisso pessoa dos artistas com a mesma imagem do mundo, não haveria
comunicação, nem base para a crítica, nem critérios para a consensualidade. A ideação mental de
estados sinestésicos – capacidade de ponderar as consequências desta ou daquela ação sem laboriosos
cálculos – é uma habilidade humana imensamente poderosa, essencial para o progresso artístico. A
meta da educação artística é desenvolver a capacidade de estar à vontade com o consenso estético da
época – pensar auraticamente. A experiência demonstrou que é praticamente impossível que alguém
contribua para a pintura, para a música, para a intervenção urbana ou para a dança antes de se tornar
pintor, músico, interventista ou dançarina, internalizando a auricultura própria do modo de escuta
que escolheu.
22 .5.4 .1 . Mas há um preço a ser pago por esse compromisso. Cada geração de artistas
dá demasiado crédito a seus próprios paradigmas. Por sua educação e por sua participação no
mercado da arte, o artista médio é fortemente doutrinado e tem grandes dificuldades para
enfrentar a possibilidade de que sua imagem do mundo (audível) possa estar errada. É raro
que um paradigma estético tenha a riqueza e a diversidade de uma ecologia aural real. Ele é
derivado de um mapa teórico ou fenomenológico, que é necessariamente um representação
esquemática do conhecimento que categoriza. Isso é particularmente verdadeiro no caso
acusmático da experiência artística atual, em que as obras costumam ser relatadas de segunda
mão e as dificuldades e contradições são varridas da escuta em nome do asseio cultural. É
provável que o ouvinte adquira uma escuta grosseiramente simplificada e acrítica do tema, que
pode levar a muitos anos de dura experiência para desaprender. A gnosestética, o conhecimento
artístico, não pode ser validado ou justificado apenas pela estética.
22 .5.5. Na linguagem por meio da qual falamos da arte, intuição designa modos de percepção
(identificação rápida, entendimento claro e capacidade de interpretação), imaginação (capacidade de
representação, habilidade para formar metáforas e criação abstrata de estados cênicos), inferência
(catalítica), síntese (visão global do audível), entendimento (senso comum) e avaliação (fronese). A
intuição artística inclui muitos processos que não podem ser comunicados de maneira inteligível de
uma pessoa a outra, a não ser por sugestões, sinais corporais como no caso de um regente ou outros
meios extralógicos.
22 .5.5.1 . A melologia partitural clássica: A dificuldade com o pensamento melológico
(icônico musical) em relação à complexidade sonora, é precisamente o fato de ele gerar um foco
aural melódico e não poder comunicar a complexidade de parâmetros por uma representação
direta e objetiva. Os diagramas, desenhos e outras mensagens visuais têm um papel importante
na interpretação de uma sonoridade complexa, mas são muitas vezes inadequados para
transmitir sutilezas e complexidades que podem ser aparentes ao “ouvido da mente” na
situação específica. 4’33”.
22 .5.5.2 . Portitura: A
mensagem artística não é prescritiva.
Não é uma ordem de um superior
social nem um imperativo moral. A
influência do conhecimento sensível
sobre a ação surge de seu poder de
ampliação aurática. Tomar decisões é
escolher entre caminhos que se
bifurcam para o futuro, à luz de seus
pontos finais imaginados ou
calculados. Com o auxílio de um
mapa das artes, fazemos
extrapolações do futuro próximo
com modesta confiança e esperamos
chegar à meta desejada. O
conhecimento sensível advém da arte
em consequência do modo como foi
criada pela sociedade para este
propósito. Uma obra é um mapa do
universo que nos é praticamente inútil
como meio de prever o desfecho de
qualquer ação na escala humana.

22 .5. Estilo Marfim: Estilo pessoal e questionamento anônimo: O fundamento básico da crença na
arte é a impressão difusa de que ela tem um objetivo subjetivo: uma estética ou um estilo. Ela é a sensação sem um
sentidor: é a idealização de um sujeito da sensação. A noção ingênua de uma validação da arte por um robô
censor não-humano já foi descartada. A subjetivação do conhecimento artístico reside no fato de ele ser um
produto social objetivo, que não deve sua origem a qualquer indivíduo particular, mas é criada de maneira
cooperativa e comunitária. Apesar de toda a glorificação de indivíduos por suas grandes descobertas estilísticas,
o produto final – a obre de arte estabelecida e suas ressonâncias sensíveis na experiência humana, a estética –
pertence aos anônimos, por assim dizer, à humanidade. Tal objetivação dos sonhos da espécie e a anonimidade
ocorrem em comum com outros segmentos do domínio noético – convenções científicas, preconceitos
políticos, tradição social, etc.
22 .5.1 . Uma obra de arte, assim designada pelo sistema de estilização e controle das condutas
subjetivas (ou mercado da arte), não é tão consensual quanto um teorema matemático, mas mesmo
assim ela se reveste de um processo completo de crítica por parte de proclamados especialistas estéticos
bem motivados (pagos) e habilidosos que não foram capazes (ou assim declararam) de detectar
qualquer motivo para impedir tal obra de existir enquanto organismo da rede sígnica subjetiva da arte
global (estetosfera). Supomos que nós mesmos poderíamos pô-la à prova em busca de contradições de
sua lógica estética interna ou da compatibilidade observacional com o contexto aplicado. O próprio
fato de ela agora fazer parte do consenso da comunidade artística, implica que os críticos potenciais
mais capazes dessa comunidade acreditam nela; quem seríamos nós para não nos conformarmos à fé
deles? Quem quereria comprar tal briga com o modelo de produção objetiva da subjetividade? A falha
perante uma obra de arte é sempre pública, tanto da plateia, da ausência de possibilidade crítica,
quanto de seus intérpretes.
22 .5.2 . A interpretação estilística do porte: A leitura de uma obra como o projeto de O
Elefante de Marfim, é comparável à de um mapa,
traçado por uma grande companhia de topógrafos (os
tais ab_istas anônimos) que percorreram o mesmo
terreno por muitas rotas diferentes, tal como os
críticos de arte julgam todos terem feito com as
possibilidades de gesto poético. Em um primeiro
momento, esse mapa pode parecer não estar de
acordo com o pequeno pedaço de mundo artístico
que vemos por nós mesmos (principalmente na
escuta musical); mas com a experiência das viagens e
na ausência de indícios contrários muito óbvios,
acabamos aceitando seus traços característicos. Com
o tempo, ele passa a emprestar sua aparência à escuta
do mundo do intérprete, tal como a influência das
obras numa vitrine com relação àqueles que passam
por ela na rua. A concordância assim alcançada entre
nossa representação mental do ambiente (como no
caso de uma instalação artística num museu) e todos
os nossos movimentos nele é a própria essência da
relação entre crença bem fundamentada socialmente
e ação. Essa é a base para nossa confiança de que
vivemos em um ambiente artístico e estético cuja
existência independe de nossas percepções,
concepções e criações contínuas de arte.
22 .5.3. O poder, a autoridade e a credibilidade da arte dependem das características do meio
que liga o artista à rede de valoração simbólica da crítica, curadoria e veiculação de sua produção.
Através desta necessidade de comunicação social, os artistas suprimem a aura de suas obras de arte em
prol de fortalecer o conceito-arte, servindo à produção de mais-valia produtiva da cultura do
entretenimento e da pesquisa. Ao adquirir uma linguagem, a criança é automaticamente transformada
em um instrumento de seu grupo social – um aparelho que pode transmitir mensagens na língua em
que foi criada e que só pode ser sensível às categorias implícitas nesta. A arte dentro do sistema de
produção cultural só pode falar do estilo.
22 .5.3.1 . Ecletismo xenófobo: Como as linguagens artísticas são imprecisas,
ambivalentes e formalmente incompletas, não se deve supor que esse processo de socialização
produza estilos idênticos, rigidamente orientados e unilaterais. Mas, realmente, suscita a
possibilidade bastante perturbadora de que os domínios noéticos de grupos sociais com estilos
diferentes podem ser organizados de maneira tão diferente que a noção de uma arte consensual
universal tornar-se-ia insustentável. Por que então existem ainda tabus sociais quanto à
execução de certos modos artísticos, como o ruído simbólico? O ataque à saúde é uma crítica
primeira e aceitável. Quando não é este o caso, há interesses subjetivos envolvidos sobre os
quais não vamos nos delongar aqui, pois já se encontram no projeto de Sofia Harmonia.
Pode-se dizer que o ecletismo é o principal preconceito estético vigente, pois gera a confiança
numa limitação de ampliação da escuta e da complexidade sonora. Pode-se dizer também que
se sabe mais sobre a escuta de alguém pelo que ela não ouve do que pelo que ela assume
enquanto estilos nucleares.
22 .5.3.2 . Sobre plágio, colagens e mashups: Contra esta manifestação de
semi-relativismo cultural, existem as evidências linguísticas, segundo as quais todas as línguas
se conformam à mesma gramática transformacional profunda – qualquer declaração que tenha
sentido em qualquer língua pode ser sistematicamente transformada sem perda de sentido em

uma forma simbolicamente padronizada através da semiótica. Pensemos trechos de uma
música como estetemas numa linguagem, estas podem ser recombinadas em outra linguagem
para outro tipo de soação numa instalação sonora que se converge numa fotografia e assim por
diante. Ao aprender uma língua, além disso, uma criança logo adquire a capacidade de ouvir
uma declaração aparentemente sem sentido como “Os ideais verdes comem comitês
impronunciáveis.” e transformá-la em um ou diversos equivalentes sintáticos tal como “Os
comitês que os ideais verdes comem são incapazes de se pronunciar.” O processo de
aprendizagem gramatical depende deste tipo de criação. Para entender uma composição é
preciso executá-la, editá-la, reinventá-la em diversos contextos e sob diversos pontos de escuta. É
preciso mesmo negá-la, odiá-la e se reconciliar com ela já deposta qualquer dúvida de sua
integridade estética.
22 .5.4 . A homogeneização do audível: Com efeito, a educação exigida para se fazer um artista
(uma educação para a liberdade e autonomia responsável) tem o efeito de ampliar as variações
individuais de cognição primária em uma única cultura, em contínua expansão. Uma cultura da
diferença, do ecletismo e da alteridade. Para tomar parte da atividade artística, é preciso ter a
capacidade de comunicar-se
eficientemente com outros artistas de
quaisquer áreas, incluindo mendigos e
milionários, hackers e folcloristas.
Quanto os artistas de açougues não
têm a aprender com dançarinos? A
comunicação envolve a comunhão, o
que torna a crença estética um pacto
social intersubjetivo. É claro que muitos
irão discordar disto, em prol de suas
próprias obras. É em favor desta
discordância que escrevo. O objeto de
arte perde seu valor, seu fetiche,
justamente porque a arte desponta
enquanto criação da subjetividade
(sonho maquínico) onde o espaço para
variações pessoais é tão importante
que impede a objetividade da estética.
Nessa busca por uma precisão aleatória,
a cognestética cultiva a prática da
comunicação de mensagem máxima,
que expõe todos os detalhes e impõe
um consenso prosaico à interpretação
do domínio da afecção artística. Isto
não diminui empresas mais sutis no
campo do formalismo estrutural das
artes, pois justamente visa preservá-los
a todos.
22 .5.4 .1 . Artistão: O que estabelece a ordem geométrica mínima entre as visões
estéticas apreendidas
pelos vários
indivíduos (entre o
neoplasticismo, o
action-painting e o
barroco, por
exemplo), cada um
dos quais com seu
espaço de escuta
sensível pessoal, não é
ainda a perfeita
semelhança desses
espaços, mas as
diferenças sensíveis
entre seus sistemas de
percepções que geram seu foco, e portanto, seu conteúdo. Para que as visões de todos sejam
coordenadas em uma única ordem estética cognitiva (gnoestética), não podemos querer que
tenham estruturas semelhantes a priori, nem na sua apresentação (a museologia clássica).
Além disso, é necessário compreender as suas diferenças estéticas como equivalentes segundo
complexas regras de precisas perspectivas. São essas diferenças entre a sua percepção e a minha,
cada uma em seu próprio espaço estético imediato, que constituem o campo artístico em que
ambos estamos situados. Artistão, istão (como em Cazaquistão) remete ao local de morada.
22 .5.5. Quanto é real? A aplicação estrita dos princípios da sociologia estética parece levar à
conclusão inelutável de que a arte é apenas uma entre várias visões do mundo, concorrentes no
domínio noético, e não é privilegiada em comparação com qualquer outro esquema sistemático que
um grupo social possa
subscrever, tal como as
famosas crenças em palavras
mágicas. Quanto aos padrões
normais de crença e ação,
devem ser tratados como
culturalmente dados. São
mantidos como características
institucionais permanentes
mediante a socialização e o
controle social, e é
tecnicamente impossível
explicá-las por meio de suas
origens remotas. Todo folclore
é ideologicamente moldado a
fins de produção da realidade.
Podemos alegar que, para
propósitos sociológicos, todos
os sistemas institucionalizados
de crença (incluindo a ciência,
a arte e a política) devem ser
tratados como equivalentes.

22 .5.5.1 . Solfejo aural de um trovão que antecede o raio: O mago de palco (o artista
enquanto performance) ganha a vida criando a ilusão de que um dos princípios elementares do
realismo do senso comum foi contrariado: em todo o mundo, em todas as culturas, os
mesmos truques são eficazes como fontes de assombro e curiosidade. Em algumas sociedades,
é claro (como na política), o ilusionista não revela seus métodos e impõem-se como possuidor
de poderes sobrenaturais. Mas o comportamento crédulo de sua audiência – real ou fingido – é
um comentário sobre o papel social da tecnomagia. O conceito de milagre implica a crença
numa homogeneidade de crença social. A análise estética, portanto, prenuncia o significado
atribuído à entrescuta: ouvir pelo ouvido dos outros.
22 .5.5.2 . O extra-sonoro como valoração musical: As categorias da escuta e as relações
lógico-musicais do mundo audível cotidiano, embora continuamente baseadas na experiência
acústica humana e refinadas para uma autocoerência pela instituição social de linguagem
sônica, não se restringem ao que possa ser expressado simbolicamente ou em termos quantitativos ,
segundo algoritmos finitos da representação matemática espectral. O senso comum distingue,
no domínio sensível da natureza sonora, uma variedade de aspectos extra-sonoros e
extra-musicais e contudo, altamente consensíveis – padrões de entranhamento
cognitivo-afetivas, em adjacências e sequências, conexões e interações. A realidade acústica é
muito mais amplamente um ab_estrato retratado de maneira objetiva (Rizz e Helmholtz
lembram que a música é o princípio físico-psico-acústico) do que um objeto abstratamente
subjetivado.
22 .5.5.2 .1 . A escuta é o mistério da audição, a aurática é a acústica onírica:
Uma pergunta que fica em aberto é se a estrutura categorial do realismo cotidiano é o
único esquema possível para descrever ou entender a natureza aural em seus aspectos
acústicos. A este respeito Novalis diria: “A poesia é a verdadeira linguagem da ciência,
tal como a ciência é a verdadeira sensibilidade da poética.”
22 .5.6. A estratégia cognitiva da arte, em
contraposição à ciência, está dirigida para a criação de
um máximo dissenso no domínio público da percepção
estética. Mas isto não implica que a arte se posicione
em favor da falta de comunicação destas partes
tensionantes. Tal dissenso, como o consenso científico,
está baseado por uma harmonia social preexistente. Se
quisermos uma arte harmônica, precisaremos antes
harmonizar os desejos que forjam o mundo onde esta
se dá. A luta por poder é uma luta por valoração
estética. A menos que tenha sido apanhado pela
estética ou pelo desígnio propagandista (design), o
artista praticante médio está mais do que disposto a
jurar que seu ramo de crença é apenas senso comum.
Concordará que ele mesmo pode ser um tipo muito
incomum de pessoa, com uma educação sensível muito
especializada, no entanto, não faz qualquer distinção
mental entre sua própria sensibilidade artística e sua
prática com os assuntos cotidianos, afirmando
enfaticamente que seu modo artístico de procurar por
sensações e ressoá-las em gestos poéticos no sentido
performático (paint actioning) não é diferente, em
princípio, do que ele faria se tivesse que consertar uma bicicleta, cozinhar ou descobrir um endereço.
22 .6.1 . Tal atitude é uma afronta à sensibilidade da pessoa comum. Ela sabe que o
artista pode desenhar como ela não o faz, que o músico prestidigita de maneira superior (sob a
ótica desportiva da gimnopédia) ou ao menos vivem de maneira não rotineira no sistema
capital, e mesmo que e, por assim dizer, feias, é porque estas são vitais à necessidade complexa
da cultura científica operante ao qual o leigo não tem acesso. O leigo aceita o que o artista lhe
expõe com o mesmo espírito de credulidade maravilhada com que aceitava no ‘passado’ as
especulações teológicas dos políticos, mas não mistura nunca o universo misterioso revelado pela
arte com seu próprio mundo caseiro. Em outras palavras, atribui-se ao artista um acesso a
meios de pensamento e sensibilidade que são fundamentalmente diferentes dos seus próprios;
estão convencidos a acreditar na arte, não pelo peso das provas sensíveis de que este modo de
vida é útil e necessário, mas à luz da autoridade sensível da especialização social da arte.

22 .6.2 . Os críticos e jurados são considerados como seres humanos comuns em nosso
modelo esquemático da arte. O consenso sensível que talvez pudesse ser extraído desse grupo
poderia depois ser estendido ao conjunto da humanidade e desta, devemos supor, a todos os
seres nervais. Nessas circunstâncias, a credibilidade da arte seria vista como dependente da
diversidade de atitudes imparciais entre os membros desse júri, que avaliariam criticamente
todas as provas e ouviriam pacientemente todos os lados de todas as questões transumanas da
sensibilidade e do conhecimento sensório estético. Na prática, porém, o conhecimento
estético é gerado e validado por uma comunidade artística (e propagandística cultural), que
está tão distante quanto possível de uma amostra aleatória da humanidade sem retoques, que
se dirá de todos os seres sensíveis. Em virtude da divisão social do trabalho, a sociedade
moderna confia o cultivo da sensibilidade a um grupo profissional altamente especializado,
caracterizado tanto pela capacidade técnica como por um extremo compromisso com a arte
enquanto instituição cultural social. Aquilo que, por princípio filosófico, deveria ser feito por
todas as pessoas, é posto nas mãos de substitutos que portam coletivamente os poderes e as
responsabilidades da arte na sociedade em geral.

22 .6.2 .1 . Essa especialização representativa e esse profissionalismo na prática
da arte têm imensa eficácia na produção e na aplicação de obras consagradas. Não
vamos pôr em questão a necessidade sociológica, a inevitabilidade histórica, desse
desenvolvimento. A vasta extensão do conhecimento artístico e sua profundidade
sensória em todos os pontos estão além da avaliação ou da reavaliação crítica do leigo
sem instrução. Mas isso, sim, quer dizer que o critério geral da universalidade da arte
não deve ser visto como uma exigência de uniformização do gesto artístico.
22 .6.2 .2 . Ao avaliar a confiabilidade da arte assim produzida, não podemos
evitar de perguntar com que competência essa instituição social especializada cumpre
o papel que lhe foi atribuído. Sabemos, por exemplo, que nem o grupo humano mais
incorruptível e dedicado está imune às falácias e às ilusões de massa. A qualidade do
conhecimento estético acumulado nos arquivos museológicos depende muito menos de
paradoxos filosóficos e cavilações psicológicas do que da formação dada aos artistas
individuais nos cotidianos de suas comunidades, a suas relações mútuas no circuito de
produção e veiculação da subjetividade coletiva (a rede comunicacional do sistema
simbólico) e ao lugar da arte na sociedade em geral. A sociologia da arte é relevante
para nossa discussão, não só porque a arte é um fator transformador altamente ativo
na sociedade, mas também porque seu conteúdo sensório-cognitivo depende, para sua
forma e integridade, da maneira pela qual essa instituição social molda e governa seus
membros. Quem é o maestro de maestros?
22 .6.3. Aprender a pensar esteticamente é um processo longo e complexo. Por outro
lado, o estudante pode simplesmente aprender a fazer arte por “descoberta pessoal”. Diante de
uma coleção de instrumentos e fenômenos culturais (e pseudo-naturais) aparentemente sem
sentido ele pode obrar uma nova forma de sensibilidade estética. O processo estético não pode
ser acelerado aprendendo-se de cor os fatos e teorias da história das artes, memorizando-os a
granel como se faria com o vocabulário de uma língua estrangeira ou com uma cartografia.
Não se trata apenas de que a doutrinação do espírito, como na tradição pedagógica da teologia
ou ideologia, é antitética à crítica e ao ceticismo estético, essenciais para o exercício da
sensibilidade. É que os conceitos estéticos só se tornam arte pelo uso prático.
22 .6.3.1 . Para o esteta,
a arte é interessante em suas
teorias abstratas; para o
diletante, ela é valiosa por suas
realizações sensíveis; mas é a
unidade entre teoria e prática que
o artista estético mais aprecia e
que enfatiza em seu ensino-obra.
Em quase todas as disciplinas
das “Belas Artes”, há uma forte
tradição de formação em
técnicas de experimentação e
observação (de vivências poéticas)
– repetindo experiências
históricas famosas, usando
paletas e instrumentos de época,
observando métricas parnasianas
e curvas de camartelos sobre as
rochas esculpidas. Esta
repetição, como os ensaios
técnicos, são a apreensão e
questionamento sensível de
conhecimentos estéticos
teóricos prévios. Se aprendemos
a falar sem esforço, para ler e
escrever precisamos interpor
toda nossa escuta e da ajuda de
outrxs. A música se põe neste
vão: entre canto-fala e canto-escrita, ar e teia.
22 .6.3.2 . A estudante de arte costuma encontrar uma nova entidade
relacional estética, tal como um campo
magnético, primeiro como uma
intuição sensível e depois tem de
manipular seu corpo e seus
instrumentos até que a relação se torne
real para ela. No devido tempo, pode
ser forçada a afirmar que sua obra é um
paradigma da experiência estética
universal. No curso de sua breve
formação universitária, raramente terá
tempo ou oportunidade para
internalizar o paradigma inteiro em
toda sua riqueza e complexidade, e
pode sair da universidade com pouco
mais do que uma doutrinação incerta
nos aspectos mais avançados das
técnicas de produção e controle de seu
tema.

22 .7. Sensibilidade de Marfim: O Processo Educacional Estético é incompleto demais; é fácil
demais ser doutrinado para consignar atributos de realidade estética a uma falácia socialmente conformista. O
ceticismo organizado e a crítica competitiva são as normas da comunidade artística, mas a maioria dos artistas
criativos é otimista a respeito do consenso atual em sua área, e superestima a permanência do que acredita já
estar firmemente estabelecido. A esse respeito, também, os ensinamentos oficiais das instituições educacionais
não proporcionam uma orientação satisfatória para o que é verdadeiramente digno de crença estética.
22 .7.0. Dissidência e Seleção: A autoridade intelectual da arte não está na capacidade técnica
de seus praticantes individuais, nem nos vastos arquivos a que a formação deles dá acesso; reside nos
processos pelos quais o conhecimento sensível é criado e validado. As fontes de sua confiabilidade não estão
apenas no fato de esta ser expressa em linguagem sensível e comprovável pela experiência, são também
encontradas nos processos históricos de seu crescimento e nas relações sociais dos que a produziram. A
obra de arte do século XX foi a curadoria, assim como das do XIX foram os museus.
22 .7.0.0. Fazendo uma retrospectiva, é fácil cometer o erro de ver a história da arte
como um relato de êxitos indiscutíveis, em que um gênio iluminado após o outro é forçado
pela lógica de sua situação a dar o inevitável passo à frente. Sem dúvida, há o que aprender
sobre o método estético na pesquisa e na invenção, estudando só as realizações bem-sucedidas
socialmente. Mas esses caminhos excelentes são ficções históricas, aos quais só se chega
ignorando um vasto corpo de outros materiais que não foram menos belos em seu tempo. O
ruído é necessário e lindo.
22 .7.0.1 . A Curadoria deve ser feita por artistas: O registro do desenvolvimento
estético inclui uma grande quantidade de experiências e teorizações ‘mal-sucedidas’ que depois
são gentilmente esquecidas. Só uma pequena proporção da informação dada à arte pela
pesquisa estética acaba sendo incorporada permanentemente ao corpo do conhecimento
estético. Mas isto está implícito em
nosso modelo de arte. A rede de
curadores não é apenas um aparato
observacional ampliado, é um
instrumento que analisa e seleciona
somente as mensagens que são objeto
de um apoio consensual esmagador.
Além das teorias estéticas que se
estabelecem em virtude de previsões
confirmadas de mudanças das
valorações do status quo, há inúmeras
hipóteses, conjecturas, observações e
descobertas errôneas que foram
relatadas por curadores individuais,
mas não são validadas pela
comunidade. De uma miscelânea de
mensagens imperfeitamente
expressas, inconsistentemente
argumentadas, inexplicáveis e
inesperadas, só se retém o que é
plenamente convincente. Atraído pela
meta intangível de um consenso
completo, o mercado da arte evolui por
seleção político-crítica.
22 .7.1 . Ruído e Burocracia: Ao enfatizar o princípio nepótico e subjetivo da curadoria
(pedagogia, inclusa), chamamos a atenção para duas características contrastantes da arte como
instituição cultural: a tolerância da dissidência e a avaliação crítica. Onde porém se encontram a
avaliação da dissidência e a crítica da tolerância?
22 .7.1 .1 . Poluição Musical: Os artistas experientes sabem que o progresso real na
pesquisa é lento e doloroso, e que muitas
vezes é melhor publicar uma obra nova e
interessante, mesmo que incompletamente
explorada e inadequadamente entendida
mesmo por seu autor (work “on” progress).
Talvez toda música, reflita sobre este tipo de
efemeridade. Para que a sensibilização
artística evolua (morfogênese), é preciso
mais do que a acumulação de obras novas
atentadas por ocasionais descobertas
acidentais; deve haver um suprimento
público de sugestões, alusões, releituras
possíveis, fórmulas heurísticas, algoritmos de
conexão com outras obras, analogias frutíferas,
redes estilísticas e outros componentes da
teoria estética, para estimular novas
formulações sensoriais e remapeamentos dos
dados observacionais existentes. Para que a
arte possa romper continuamente as
barreiras invisíveis de suas próprias categorias paradigmáticas, cada artista é estimulado a ser
uma fonte imaginativa de interpretação, tanto de suas próprias contribuições como do trabalho
de outros artistas. A composição de uma escuta é mais importante que a composição de uma obra.
22 .7.1 .2 . Museografia Curatorial: Nada pode ser exposto enquanto arte sem um
cuidadoso escrutínio crítico por editores, examinadores e resenhistas. É preciso fomentar a
crítica artística socialmente através de incentivos a estas funções. Todo texto artístico, que
ostensivamente se apoia num trabalho precedente que analisa criativamente, traz em si uma
crítica implícita ou aberta de grande parte desse trabalho, que procura validar ou desconfirmar
e superar. Artigos de revista, colóquios e monografias de pesquisa delineiam questões
controversas e assinalam delicadamente as deficiências de muitas respeitadas contribuições de
pesquisa estético-poética, mas mais que isto são eles próprios obras de arte e assim merecem
ser julgados. No campo da escuta este é mais um motivo pela abertura da comunicação à
população.
22 .7.1 .3. A Relativização da Beleza Artística: Ao estimular a inovação mantendo as
realizações passadas, invocando o espírito competitivo de cada um de nós e, ao mesmo tempo,
fazendo de cada um o guardião da beleza e o árbitro da qualidade sensível, o sistema de
produção subjetiva da propaganda comercial (e da capitalização cognitiva) foi especialmente
bem-sucedida em ampliar o campo da noção de beleza a absolutamente qualquer coisa.
Infelizmente, a tensão imaginativa/crítica da arte não basta, por si só, para justificar a crença
estética. Esses aspectos do modelo social a mantêm em crescimento e em evoluções, mas não
determinam a direção dessa evolução. Isso garante que o conhecimento estético seja bem
adequado aos critérios pelos quais é selecionado e armazenado nos arquivos, mas não oferece
qualquer garantia quanto à legitimidade desses critérios.

22 .7.1 .3.1 . Cognofiança (confiança no conhecimento): Lembremos, porém, que
se supõe que os “artistas” de nosso modelo sejam procuradores do “humano comum”,
“espectador”. Estariam traindo a confiança neles depositada se seus critérios de
seleção não fossem os de toda a humanidade. Os leigos têm razão em rejeitar à arte,
pois esta não é plenamente consensual e pedem provas sensíveis de arrebatamento e
êxtase para se sentirem obrigados a acreditar nela. Daí a espetacularização da
sensibilidade, a dramatização do conhecimento em tempos de mera representação do
conhecimento.
22 .7.1 .3.2 . Interarte Disciplinar: Na prática, um certo grau de sectarismo
pode com frequência ser observado na própria arte (em enorme grau na música). Os
especialistas de uma
área específica podem
ficar tão doutrinados
pelo paradigma do
momento e tão
comprometidos com
este que seus poderes
críticos e imaginativos
são inibidos e eles já
não conseguem ouvir
nada fora de seus
próprios focos de
escuta. Isto ocorre
bastante com leigos,
que deslumbrados com
o prazer das escutas
tonais evitam qualquer
forma de dissonância,
ou viciados em pulsos
rítmicos evitam formas
temporais dilatadas,
etc. Nessas
circunstâncias, o
progresso sensível pode
ser detido e até mesmo
regredir até que intrusos intelectuais atravessem as fronteiras interdisciplinares e
olhem para o tema com outros preconceitos.
22 .7.1 .3.2 .1 . Antiaurista: Em sua extrema especialização, a arte
corre sempre o perigo de se fragmentar em pequenos domínios mutuamente
incompreensíveis (repito que os domésticos é uma artista próxima à instalação
artística) e não-comunicantes, nos quais os padrões de julgamento e os
critérios de validade podem decair. A interdisciplinaridade desempenha um
papel importante de manter os ramos especializados das artes em contato com a
realidade geral do sistema de subjetivação coletiva. O sectarismo é uma
tendência social natural e não pode ser inteiramente eliminada, nem mesmo
no mundo da sensibilidade gregária, mas não pode reivindicar qualquer
legitimidade, nem forma institucional permanente.
22 .7.1 .3.2 .1 .1 . Artpunk: Enquanto a prática da arte estiver
confinada a um grupo profissional que deve passar por uma longa e
rigorosa jornada de entranhamento às redes de poder simbólico antes de
ser reconhecido como colaborador ou crítico qualificado, sempre deverá
existir a suspeita de que são eles que estão fora de contato com a
realidade, e que ou estão todos coletivamente iludidos ou estão todos
em uma conspiração para manter a sensibilidade escondida das
pessoas. Para refutar essa acusação, precisamos examinar novamente a
educação artística. Existe uma significativa diferença entre a
doutrinação iluminadora e o sensibilicídio inescrupuloso. A despeito
de inúmeros enganos e erros de concepção, a criança elabora uma
imagem estética de seu mundo imediato fundamentalmente confiável
e digna de crédito artístico. É difícil negar as mesmas qualidades e
defeitos à estetosfera de um mundo muito amplo criado pelo
instrumento social maior da arte. “A estética” é um retrato da
sensibilidade do mundo.
22 .7.1 .4 . Realidade Diminuída: A suposição fundamental do ensino artístico é que o
estudante tem um uso livre e independente de sua sensibilidade, tanto para observar e
experimentar por si mesmo como para apreender as interpretações teóricas do que supõe ter
sentido. Não se ensina ao estudante que a arte é uma maneira esotérica ou privilegiada de ver
as coisas, mas que, na verdade, ela é apenas o senso comum ampliado. Assim, o artista
profissionalizado pode agir como procurador da sensibilidade comum, pois seus paradigmas de
verificação e de prova continuam sendo essencialmente os mesmos que os do mundo
cotidiano.
22 .7.1 .4 .1 . Máfia do Pesquisadorismo: Ninguém sente (portanto, sabe) mais
do que um fragmento minúsculo da arte bem o bastante para julgar sua validade e
valor em primeira mão. Quanto ao resto, precisa apoiar-se em opiniões aceitas em
segunda mão (a foto no livro sobre a
relação da obra com a vida do autor e
seu contexto, por exemplo), baseado
na autoridade de uma comunidade
de pessoas credenciadas como
artistas, curadores, museólogos.
Esse credenciamento, porém,
depende, por sua vez, de uma
organização complexa, pois cada
membro da comunidade pode julgar
em primeira mão apenas um
número de seus colegas e, no
entanto, cada umx deleas é
credenciadx por todxs. O que
acontece é que cada umx reconhece
como artista vários outrxs, que, por
sua vez, reconhecem os primeiros
como artistas; e essas relações
formam cadeias que transmitem esse
reconhecimento de segunda mão a
toda a comunidade. É assim que
cada membro é direta ou indiretamente credenciadx por todxs.

22 .8. Estetização Marfim: Autorialidade: Embora devamos nos apoiar nas autoridades artísticas,
em suas obras publicadas ou em uma consulta pessoal ou em uma consulta pessoal, para informações acerca do
conteúdo ficcional dos arquivos, é esperar demais querer garantir a entrega e abnegação em tudo o que fazem.
O que pode ser enganador é o grau de credibilidade que os próprios especialistas atribuem a proposições
estéticas específicas. O conhecimento sensível da arte é vasto demais em quantidade e é acumulado e avaliado
de maneira casual demais para que qualquer pessoa possa ter uma percepção sólida da situação relativa de todos
os pedacinhos de informação que formam uma disciplina artística, como a ópera, por exemplo.
22 .8.1 . Febre do Coro: Ocorre com frequência descobrir-se que um modelo conjectural
fenomenológico ou heurístico, que não está solidamente baseado em outros dados culturais da
percepção estética, adequa-se muito bem a um conjunto particular de dados experimentais. A obra de
Jeff Koons não explica Banksy, mas sintetiza uma certa valoração social da década passada que é base
de grande parte da arte decorativa, Flo Menezes não explica o noise mas é uma ponte de abertura da
obra bouleziana. Para que um procedimento artístico assim alcance plena validade artística, deve ter
demonstrado seus poderes de modulação subjetiva (preferencialmente subliminar, para a cooptação
propagandística). Mas, se essas investigações percepto-sensíveis não forem validadas pelo sistema
cultural corrente das observações em questão, o modelo pode ser incorporado ainda assim ao mapa das
artes. Daí a corrida pelas “sacadas” conceituais, de modo a demarcar propriedade estilística enquanto
pioneiro de um território sensível.
22 .8.2 . Territórios Aurais: A suposição inconsciente é de que quando toda a rede de
sensibilidade ficar populada, quando mais nós forem dados nas pontas soltas, a interpretação
provisória original validar-se-á por si mesma, em virtude da coerência processual. E eles possam talvez
participar deste. Essa pode ser uma fase perigosíssima no desenvolvimento de um projeto artístico,
quando hipóteses não postas à prova podem se estabelecer como detalhes de uma imagem maior e
adquirir uma credibilidade muito maior do que é justificado pelas pesquisas estéticas que de fato foram
realizadas a respeito delas. É muito difícil para o artista especialista na própria pesquisa, fortemente
influenciado pela confiabilidade em seu foco conhecido sobre o paradigma geral, reconhecer essa
incerteza nas questões mais especializadas de sua área além de si mesmo.
22 .8.3. Errorismo: Parece injusto olharmos para a história da arte e concentrarmos nas
ocasionais tolices ou erros de mulheres e homens honestxs e industriosxs. Mas como, senão assim,
poderemos ver que é possível haver, sob a prosa sedutora e sincera, armadilhas ocultas em que tanto o
artista como o dilentante podem cair com facilidade? Ao planejar seu processo, o artista deve estimar
por si mesmo a situação epistemestética de tudo o que for relevante para seu tema (as idiossincrasias de
sua aparelhagem, o significado das anomalias não explicadas ainda, a força da suposições subjacentes à
teorização, os limites da ignorância genuína e as dificuldades imprevistas que podem surgir no
caminho do progresso.
22 .8.3.1 . A estratégia da pesquisa vivencial estética nunca é a da tentativa e erro, ela é
regida pela apreciação inteligente das possibilidades e solubilidades. Perguntar “em quanto se
pode acreditar da arte?” é expor-se à tentação de contribuir para a evolução do conhecimento
estético. Por isto, o diletante que procura ainda uma resposta quanto ao conteúdo da arte
usualmente sai frustrado se ele próprio não tenta inventar esta resposta em cada gesto.
22 .8.4 . Para-arte: A arte institucionalizada, colegiada, é sempre vulnerável à acusação de não
passar de um establishment que defende apenas sua própria ortodoxia a partir da manutenção da
massificação cultural através do entretenimento e da pesquisa por um diferencial de sofisticação
inacessível. O consenso que a arte busca (a do dissenso) só se aplica, na prática, aos membros de uma
comunidade artística já fortemente doutrinada pelos paradigmas correntes. A despeito de todos os seus
altos níveis ideais e de suas boas intenções, é inevitável que tal comunidade resista radicalmente às
ideias novas que perturbam sua posição conquistada a duras penas e põem em questão toda a ardorosa
labuta de seus membros.
22 .8.4 .1 . Essa acusação é facilmente substanciada pela referência à conhecida lista de
descobertas artísticas que foram rejeitadas pelos artistas estabelecidos de sua época. É bem
verdade também que muitas obras ditas de vanguardas não ofereceram nenhuma sensibilidade
realmente nova (que talvez de fato nem mesmo hajam). Não há qualquer indícios de que a
sensibilidade estética avançaria mais rapidamente com uma mudança na aceitação maior das
novidades artísticas.
22 .8.5. Crítica Cognoestética: Tampouco é
óbvio que o conteúdo dos arquivos artísticos seria
melhorado se toda nova obra tivesse de ser aprovada por,
digamos, júris de diletantes sem familiaridade com as
complexidades das questões envolvidas. É bom que
jornalistas culturais e escritores de espírito independente
levem à atenção do público algumas questões
controversas da arte, mas não está claro que o debate
público resolva as questões intelectuais subjacentes. O
crítico sério acaba inevitavelmente adquirindo uma
parte do conhecimento dos membros com quem tem
contato e se torna parte da comunidade artística, em vez
de um avaliador genuinamente independente. Todo o
problema da participação pública no processo estético de
tomada de decisões sobre questões públicas (a feiura
inegável das cidades e a falta de fantasia na virtualidade
cotidiana) é da maior urgência política, mas sugere que
uma difusão muito mais ampla daquilo “que os artistas
sabem sentir” será necessária antes que isso se possa
refletir em um aperfeiçoamento da qualidade desse
conhecimento sensível.

22 .8.5.1 . Ditadura da Arte: Em torno às fronteiras relativamente bem definidas da
arte institucionalizada “oficial”, desenvolve-se naturalmente uma faixa de ideias e práticas
para-artísticas em busca de reconhecimento oficial por parte da comunidade artística ou do
público em geral. Como a República da Arte não pode nunca ser fechada, é importante que se
faça justiça a tais ideias publicamente, em tribunais abertos. E um dos papéis das mídias de
massa seria este. Como Jonathan Meese mostra, nada é mais destrutivo para a credibilidade da
arte aos olhos do público do que a impressão de estar escarnecendo ou suprimindo qualquer
coisa que possa, de algum modo, ser vista como uma contribuição sincera e, possivelmente,
valiosa.
22 .8.5.2 . Estéticas Perigozas: Argumenta-se com frequência que a melhor política
seria abrir totalmente o sistema de comunicação da arte, confiando que, no fim, a beleza
triunfará. Mas isso não seria apenas nocivo para o aparato crítico interno da arte, cuja função é
absolutamente essencial para manter um consenso confiável, mas também não conseguiria
satisfazer os expoentes das opiniões não-ortodoxas. A dificuldade é que o para-artismo
costuma querer mais crédito do que simplesmente “ser ouvido”, insiste também em um
adiantamento da aclamação que tem certeza de merecer. Uma pessoa não pode carregar o
manto de DaVinci só porque está contra um establishment que o trata mal (menos ainda por
meramente citá-lo numa trama imbecil qualquer); mas precisa estar certo de uma ampliação
subjetiva, ou pelo menos ser brilhante em sua forma de errar.
22 .8.5.2 .0. Vã Guarda: Não é provável que um artista excêntrico isolado,
sem conexões nas redes da
máfia artística, cause muitos
anos ao mercado das artes,
pois não dispõe de uma
plataforma oficial para expor
suas opiniões. Porém,
precisamente por essa razão,
é conveniente que suas obras
(incluindo suas alegações
enquanto performances)
sejam seriamente examinadas
por especialistas competentes
e imparciais, para o caso de
haver alguma coisa nelas. O
fato é que, obviamente, a
maior parte desses diligentes
esforços, seja na forma de
uma obra ou texto crítico
ricamente impresso sob os
auspícios de uma grande
galeria, não tem valor algum.
As ditas obras de arte atuais,
a despeito das enormes
vendas e do culto popular que
surge ao seu redor, não representam qualquer desafio sério para a estética, pois não
aceitam os princípios básicos de consensibilidade e da interpretação consensual de que
depende todo conhecimento estético. Em todo caso há sempre sabedoria em qualquer
obra de qualquer proveniência.
22 .8.6. Limites da Escuta: O fato de o conhecimento estético pertencer ao domínio noético
na forma de uma obra ou processo impõe uma forte restrição à quantidade de informação que ele pode
de fato conter. Apenas uma fração infinitesimal de todos os eventos sonoros do audível mundial, de
todos os dados sensíveis pode ser registrada no arquivo. Por outro lado, os passos lógicos necessários
para demonstrar um fato aparentemente simples, tal como a queda de uma serpente em nossos
ombros, podem acabar sendo tão numerosos e complicados que desafiam qualquer outra compreensão
que não aquela fornecida por muitas horas de funcionamento de um computador. Assim, chegamos a
uma estranha fronteira da aura artística (a escuta da obra), em que os instrumentos parecem estar
tomando o lugar dos seres humanos, não apenas na coleta de informações, mas também no
processamento e na transformação das mensagens estéticas que dão sentido à arte.
22 .8.7. Limites da Escuta Musical: O fator
crucial na evolução das artes continua sendo, apesar
disso, o poder da sensibilidade humana para
resinificar padrões reconhecidos numa massa de
detalhes. Essa capacidade tem suas limitações; seria
razoável perguntarmos se o próprio conhecimento
artístico é fundamentalmente restringido por essas
limitações. Os dados sensoriais adquiridos por uma
industriosa observação instrumental ficam
acumulados inutilmente nos arquivos até poderem
ser mapeados esteticamente. Mas fazer um mapa
implica seleção e disposição dos dados levantados
segundo um princípio organizador numa nova obra
com uma estrutura de coordenadas, um esquema
conceitual, um paradigma estético, uma teoria
cognitiva, uma hipótese sensível. Tal esquema
poderia ser, no início, puramente particular, interno
ao domínio sensível de quem estiver fazendo o mapa.
Mas a consensualidade noética da crença na arte
exige que ele se torne visível na obra e que, com o
tempo, adquira realidade no domínio público no
estético da rede de estilos.
22 .8.8. Ab_Surdo: A costumeira associação de características culturais inibe a imaginação
artística (sonora). A partitura ou imagem aural corrente traz consigo associações convencionais
difíceis de romper, mas tão difícil quanto é encontrar um modo de escuta acultural. Se o contexto pode
iludir, então a ausência dele pode ser profundamente desconcertante. Pode ser que, na verdade o que se
busque sejam as interpretações errôneas do paradigma corrente da escuta que não podem ser ouvidos à
primeira audição. Com tudo o que foi dito, é importante ressaltar que a arte é, em princípio, receptiva
a todas as revoluções, e a inovação sensível bem-sucedida é apreciada, respeitada e difundida para todos
os campos da experiência humana.
22 .8.8.1 . Comoposição: Contudo, as interpretações sugeridas por uma partitura não
são de modo algum fantasiosas. Mais profundamente situadas que os modelos, as metáforas
ou as analogias estão as pressuposições aurais, os termos filosônicos, os juízos cognestéticos e as
decisões composicionais fundamentais... que não evoluem diretamente, por um lado, de uma
audição objetiva, nem se resolvem nela ou, por outro lado, de raciocínios acuslógicos, musicais
e outros processos analíticos formais. De todos os recursos sensíveis da audibilidade humana,
esses são ao mesmo tempo os mais poderosos e os mais restritivos.

22 .8.8.2 . Portitura: As questões e explicações fundamentais da arte da escuta (auria)
dependem de nosso interesse no
que é expresso por obras em nossa
sensibilidade sonora quanto ao que
possa ser expresso de um modo de
querer ouvir num som e por nossa
apreensão e compreensão destes.
Esses são os materiais (pessoais e
intuitivos, por um lado, e
intersubjetivos e consensuais, por
outro), dos quais se constroem
teorias filosônicas, interpretações
esquizoacústicas, significados
musicológicos e realidades aurais.
O que quer que constitua o audível
do mundo externo, quaisquer que
sejam as impressões dos sentidos
que se acumulam em nossos corpos
e gestos, nossos processos e obras
artísticas só podem ser feitos de elementos selecionados pela peneira relacional.
22 .8.9. Aurática: A análise temática do pensamento corporal artístico mal começou. Pode
ser que só tenhamos entrado na pré-história de uma pedagogia para um espírito humano ainda
infantil, se debatendo com questões as mais básicas como é possível notar na pesquisa de Sofia
Harmonia sobre a performance. Em todos os níveis, da escala grandiosa da física acústica às minúcias
relacionais das reações harmônicas, a sensibilidade da escuta é um composto de processos ancestrais e
composições novas, maiores e menores, fantásticas e corriqueiras, que se combinam para transcender a
estética do passado moldando a escuta coletiva nesta efemeridade que se assemelha ela mesma a uma
música. A própria escuta gera continuamente novos motivleitungs que surgem como princípios
organizadores em novas imagens acústicas do audível. A arte não é precisa ou infalível, mas se
apresenta como a mais consistente base de pensamento sensível de que dispomos.
22 .8.10. Sociofonia em Ruidocracias: podemos adquirir um conhecimento extático confiável e
consensual sobre o comportamento humano através da arte? Como nós humanos só experienciamos a
estética vital plenamente na companhia de nossxs semelhantes (mesmo que em nossas solidões), essa é
uma exigência de uma arte da sociedade. Temos uma arte assim? Se a temos, em quanto dela se pode
acreditar? Muitos artistas negam a condição de arte a disciplinas sensoriais como a economia, as
ciências, a coleta de lixo, a psicologia, entre outras. Reivindicar a condição de arte para essas (e todas as)
disciplinas não é apenas uma forma das palavras, essa reivindicação tem a intenção de transmitir uma
credibilidade à sensibilidade coletiva correspondentemente alta.
22 .8.10.1 . Artes Funcionais: Em cada área da atuação humana, com relação às
questões para as quais foram dadas respostas artísticas, o artista tem direito legítimo a uma
autoridade especializada que não pode ser contestada com facilidade pelo diletante. Portanto, a
pergunta sobre se um corpo específico de conhecimentos estéticos é ou não genuinamente
“artístico” é altamente prática: de sua resposta podem depender todos os laços sociais, nossas
produções de ideologia e realidade, nossa sanidade desejante. É nesse ponto que o desafio
epistemestético se torna mais sério e crucial para qualquer pessoa responsável. Não haveria
dúvida se não houvesse funcionalidade na dança do lixeiro e se a economia fosse mais próxima
da pura visualização de dados, mas há um aspecto direto de funcionalidade que impede
qualquer arte.

22 .9. Estética Elefante: Acreditar na
arte é acreditar em seu poder de sensibilização. A
questão fundamental para os comportamentos
artísticos é se o processo de construção da prática
pode traduzir uma estrutura estilística forte, segura
e inequívoca de processos sensibilizantes e relações
tão confiável em seu próprio domínio (ou mais)
quanto os estilos precedentes. O que O Elefante de
Marfim defende não é apenas que todos estetizem
suas vidas, mas que por este motivo o estudo
estético-semiótico seja levado a um estatuto da mais
suprema importância, levando a uma melhor
utilização dos meios de comunicação para um
entranhamento do conhecimento sensível. O que
pedimos de uma arte da sociedade é um corpo de
conhecimentos vivenciáveis, um guia para a ação e
contemplação, que seja significativamente mais
confiável, mais amplo e profundo em seu alcance, do
que as acumulações de sabedoria prática com que a
maior parte do que fazemos é ainda decidida e
entretenimentalizada.
22 .9.1 . Matemúsica: A música como matema psicoacústico. A aspiração tradicional da aurática
é tornar-se uma ciência aural como a acústica. Mas a acústica é uma disciplina altamente
especializada, dedicada ao mapeamento do domínio material na linguagem consensual idealizada da
matemática aplicada à física ondular. Para que possamos algum dia construir uma psicoacústica ou
uma socioacústica, precisaríamos encontrar os meios para representar as entidades psíquicas ou o
comportamento social em uma linguagem sônico-musical precisa. Isso coloca problemas
fundamentais de dois tipos. Mesmo na representação musical do domínio sonoro, categorias pouco
nítidas que obedecem a uma lógica da simplificação e da compressão sintética devido à insensibilidade
de gamas complexas.
22 .9.1 .1 . Nas ciências cognoacústicas, essa aproximação é permissível, pois é aplicada a
temas cuidadosamente escolhidos em condições altamente artificiais. Os erros no resultado de
uma composição, interpretação ou análise musical, portanto, são toleráveis e não deturpam a
comparação com a experimentação ou a audição. Mas a lacuna existente entre a lógica da
experiência acústica e a lógica estética da música não pode ser superada pelo gesto poético
meramente bem-intencionado; a atitude artística característica da ação estetizante, da
produção de obras artísticas (neste caso, sonoras), funda-se sobre o reconhecimento, na
natureza, de categorias relativamente nítidas às quais os argumentos sensíveis possam ser
aplicados com razoável convicção. Sem essas categorias estéticas pessoais, o método artístico
convencional é impotente.
22 .9.2 . Arte: Metaciência. Com efeito, em todos os ramos das artes acústicas, sejam ou não
compatíveis com a análise musical, o problema da classificação é fundamental e não pode ser resolvido
por uma convenção arbitrária sem raízes numa base simbólica, clara ou difusa. A linguagem do enólogo
com a perfumista é a conversa das mãos do pianista. Acredito que Anon não tocasse suas escalas como
meros exercícios, apenas. Podemos ter confiança de que a descoberta de novos espécimes e a aplicação
de novas técnicas sobre a sensibilidade, como as escalas fractais vão esclarecendo a situação sensível
contemporânea até que surja uma história das artes enquanto organismos vivos. O aspecto de bioeco
(ressonância vital) da música está ainda em estado incipiente.
22 .9.2 .1 . Artista, Categoria Impossível: Será que essas pessoas culturalmente
definidas são mais homogêneas como grupo de obras do que o conjunto de elefantes numa
savana como animais zoológicos? O problema de descobrir categorias significativas nas
estéticas sociais e relacionais não se resolve com demonstrar que tais categorias
epistemestéticas artificiais são, de fato, bem definidas, estáveis, consensíveis e significativas
como elementos em um esquema conceitual. A arte conceitual demanda uma conceituação
artística. A nitidez da classificação estilística inicial logo fica borrada com o prosseguimento da
investigação.
22 .9.3. Arte, Ciência da Crença: Não temos uma estrutura taxionômica para o
comportamento estético, individual ou social, em que as categorias sejam ao mesmo tempo
significativas e distintas. A questão para nós é se tal esquema é em princípio inatingível, mas
simplesmente se essa base essencial para uma arte pública (logo, consensual) foi de fato encontrada.
Sem ela, precisamos ser cautelosos com qualquer tentativa de analisar esses temas nos limites de uma
lógica estética. Isto explica a ausência de um processo crítico-estético generalizado. Em todo sistema
social estético ou de comportamento artístico, deve haver elementos que não podem ser categorizados
de maneira evidente, de modo que todas as implicações lógicas, tabelas de verdade, etc. devem ser
aceitas com muita reserva, por causa das classes incertas, das classes que não podem ser provadas a não
ser pelos próprios sentidos.

22 .9.3.1 . Música e Soação: A lógica misteriosa e incompleta da soação não deve ser
ignorada. Essa característica das artes relacionais é inerente ao amplo uso da estatística e da
incerteza ruidística. Apesar disso, os padrões de precisão aural, previsão teórica e validação
nessa arte não podem nem se aproximar dos que são tidos como certos na música embasada
neuro-psico-acusticamente, em que categorias nítidas e distintas de objetos quase idênticos
são observadas. No caso de uma partitura, por exemplo, é claro que o simbolismo não nos diz
tudo sobre suas reações, mas ela pode ser rearranjada para “prever” que um processo
totalmente diferente ocorra. Coisa muito mais complexa de ser adquirida através de uma
análise espectrogramática do material sonoro. Símbolos obedecem a axiomas algébricos enquanto
massas sonoras atravessam regras sociais de enredamento.

22 .9.3.2 . Portitura: Os axiomas partiturais utilizados sobre as questões da soação não
são banais, nem vazios, pois permitem
inúmeras manipulações relacionais,
transformações aurais, substituições de
instintos infrutíferos e recombinações de
materiais improvisativos cujo desfecho pode
ser verificado experimentalmente. A obra de
Mauricio Kagel e Jocy de Oliveira são
expoentes desta pesquisa. Além de suas
interpretações em termos de sons
fisicamente distintos, os símbolos partiturais
constituem um mapa simples de grande
parte de nosso conhecimento sobre o
assunto, além de uma provocação ao
pensamento acústico.
22 .9.3.2 .1 . Quais as
sensações isomórficas à doutrinação
social a partir do conhecimento
reflexivo da psicologia
comportamental da arte? A partir do
momento em que se manipula
formalmente a conduta de porte de
um indivíduo perante sua própria
criação de comportamento artístico,
quais os resultados estéticos sociais
desta obra? As características de fato
interessantes do comportamento estético humano são muito mais sutis e convolutas
do que as que podem ser modeladas por uma representação musical semilinear e
semideterminista. Para demonstrar essas características sob condições controladas,
reprodutíveis e consensíveis, podemos precisar da ajuda de um tipo diferente de
processo, a representação de uma simulação social.
22 .9.4 . Harmonia Hierárquica: A identidade quantitativa numérica não tem equivalente na
dimensão da sensibilidade. A representação numérica da harmonia só satisfaz a álgebra dos números
ordinais e não dos cardinais. Uma harmonia aural haveria de valorar cada intervalo com base numa
poética paralela. Isso pode parecer banal, mas sempre que a afinação de um conjunto é calculado e
citado como dado estético, existe a suposição subjacente de que as afinações dos membros podem ser
somadas e divididas numericamente desse modo, assim como podemos calcular a energia média de um
ataque fff. Mas não existe uma lei de conservação do temperamento que embase tal procedimento.
Como não existe aliás nenhum embasamento para a ideia de um centro de afinação, deveríamos falar
em sempre em afinações.
22 .9.4 .1 . Ainda está por ser feita todo um corpo de obras criadas para desafinarem os
instrumentos envolvidos. Na psicoacústica social das massas sonoras, portanto, há pouquíssima
esperança de derivar conclusões interessantes e inesperadas por análise musical do tipo que é
tão frutífero na acústica dos temperamentos e afinações. É claro que existe sempre o objetivo
reducionista de encontrar o prodigioso cálculo do fractom espectral (a afinação algébrica do
próprio modo de escutarmos) que romperia esta barreira entre a ciência e a ficção, mas essa
aspiração não é propiciada pelo conhecimento atualmente disponível.
22 .9.5. Economologia Afetiva: De todas as artes sociais, a mais parecida com a
harmonia talvez seja a orquestração relacional (articulacionismo, ou relações públicas enquanto
uma das belas artes). Mas o fato de que muitos músicos e artistas terem preços e custos que
podem ser somados e manipulados aritmeticamente não quer dizer que todos os praticantes da
arte sonora e todas as atividades de relacionamento sonoro (musicking especificamente) podem
ser igualmente quantificados. Os paradoxos da análise de custo-benefício na arte são bem
conhecidos. No nível mais fundamental, o exercício de atribuir um valor monetário à vida de
uma escuta é fatalmente frustrado pelo simples fato de que o valor de sua própria vida para um
indivíduo ouvinte é essencialmente infinito, pois sem ela, ele não tem nada; mas a vida dos outros
não mostra sua necessidade de maneira similar (se aparenta mais a uma vontade do mundo).
Só isto faz um condenado tocar uma valsa para a morte de seus familiares e por este mesmo
motivo cada gesto poético deve ser necessário. Talvez, a arte seja a vontade da necessidade, ou o
sonho da consciência.

22 .9.6. Sonema: É prudente considerar outro fator social e psicológico de grande


importância sobre uma harmonia da(s) escuta(s), a informação estética. Apesar de todos os
nossos esforços, ela não pode ser tratada como mercadoria, pois não lhe podemos atribuir
qualquer valor fixo que não dependa completamente do contexto em que está sendo avaliada.
Nem as convenções da contabilidade nem qualquer formalismo algébrico podem representar
as realidades de um fator totalmente histórico e circunstancial em seu significado. Isso não
quer dizer que um empresário cultural ou um chefe de laboratório sonológico não saibam o
valor do que estão comprando, mas que essa cifra (e aqui o termo harmônico se torna irônico)
não é uma quantidade que possa ser atribuída invariavelmente à mensagem transferida. O
Elefante de Marfim não pode ser revendido por mais que M$0,00.
22 .9.7. A Simplificação Experimental: Seria errado supor que todas essas dificuldades
são peculiares às artes relacionais. À primeira vista, a maioria dos fenômenos estéticos é tão
complexa e ilógica quanto os comportamentos humanos. Os problemas de descobrir categorias
consensíveis e padrões consensuais para objetos observáveis perversos como as notas que
compõem um acorde têm sido uma grande inspiração de toda arte. Em geral, esses problemas
têm sido resolvidos pelo recurso à experimentação. Esse método caracteristicamente artístico
não só produz informações consensíveis como também é o meio pelo qual o domínio sensível
é surpreendido em atitudes incomumente simples, nas quais seu funcionamento interno é
posto a nu.

22 .9.7.1 . A Museificação, Ou A Estetização Contínua: Essa interferência
com a ordem natural é bastante extrema nas obras em que aparelhos mais elaborados e
extravagantes são concebidos para gerar ambientes em estados particularmente
simples e arquitetonicamente definíveis: cristais de tecidos, gases rarefeitos, feixes
uniformes de luz, etc. Tudo isto é cotidianamente convertido em obra do primeiro
artista oportunista o bastante para criar um conceito que enquadre a nova invenção
científica na subjetividade coletiva. X é dono do celofane colorido, Y domina o
território da tipologia, Z e W estetizaram o chá da tarde, etc.
22 .9.8. Síntese Harmônica: A mesma estratégia é adotada na escuta social que na
pesquisa laboratorial eletroacústica, em que células meméticas são tiradas da música que as
rodeia e estudadas em seus aspectos moleculares, em que dietas peculiares são impostas a
ouvintes de certas condições, ou em que vastas famílias de estilos são deliberadamente
cruzadas sob condições controladas. Os fenômenos ouvidos nessas condições são, por assim
dizer, totalmente antinaturais, mas, eliminando muitas influências aleatórias e aguçando
quase que caricatamente as categorias observáveis da experiência, o experimentador pode ter
uma compreensão sociológica da situação e testar modelos teóricos que podem ser aplicados
em condições normais. Em termos mais simples, sem o advento das pesquisas eruditas
eletroacústicas, não seria possível o controle social cultural da escuta. A arte se tornou, através
da estetização contínua, o ensaio para a estrategização dos relacionamentos com sujeitos e objetivos.

22 .10. Orquestração de Manadas: Máquina-Ópera: A auditoria analítica é amplamente aplicada
nas ciências sociais e do comportamento. A
disciplina acadêmica da psicologia experimental
dedica-se ao estudo do comportamento de
indivíduos em situações cuidadosamente
projetadas e padronizadas (Skinner e Pavlov). Um
teatro de ópera pode facilmente ser considerado um
experimento comportamental desse tipo. A
consensibilidade observacional que leva a
descrições consensuais de fenômenos é bem capaz
de ser alcançada em tais experimentos. A
introdução de interações sociais entre diversos
sujeitos experimentais no campo da psicologia dos
pequenos grupos exige precauções muito mais
estritas para manter sob controle as variáveis perturbadoras, mas algum progresso foi alcançado na descoberta
de fenômenos mais ou menos reproduzíveis, tal como a tendência dos indivíduos a se conformar à opinião do
grupo. O público da arte está longe de ser heterogêneo esteticamente.
22 .10.0. Aparelho-Museu: O que devemos perguntar é se os resultados dessas pesquisas
poderão algum dia ter a esperança de explicar fenômenos sociais reais. O voluntário que está
participando de uma experiência estética (que reitero, deve receber por seu trabalho sensível),
confiando plenamente na benevolência e na sanidade mental da
cultura é a mesma pessoa que o operário entediado e esgotado, a
vendedora levemente alcoólatra, etc. cujas reações aos acontecimentos
espera-se que lhes espelhem. Podemos honestamente acreditar que o
comportamento de imensas sociedades humanas, que envolvem
muitos milhares de indivíduos com muitas lealdades institucionais e
interesses particulares, sejam uma versão ampliada do que é observado
quando algumas dezenas de pessoa são reunidas por alguns dias ou
algumas horas sob condições artificiais? É mortificador notar que
sistemas políticos dominados e aterrorizados por sistemas ditatoriais
se tornem mais e mais estetizados. Não se concebe que tal fenômeno
possa ser reduzido àquilo, nem extrapolado daquilo, que pode ser
descoberto e reproduzido em pequena escala por um experimento
sociológico ético como num museu ou teatro de ópera.
22 .10.1 . Pertransformance (ou Postformance): Falando de
maneira mais áspera, pode-se dizer que as artes do comportamento
(chamadas até agora de performance) estão atravancadas com inúmeros
modelos especulativos semi-articulados que nunca foram submetidos a
uma validação crítica social. Os padrões de construção e validação
destas teorias da ação poucas vezes foram rigorosos o bastante para
distinguir claramente entre o que está bem estabelecido, o que é
essencialmente conjectural e o que foi totalmente refutado. Os
esboços teóricos abundam, mas há pouquíssimos mapas confiáveis.
Muitos dos quadros são pura repetição prosaica da realidade cultural
com uma mera sacada irônica, contraditórios em si mesmos e sem
qualquer base subjetiva e onírica. Tal situação é deplorável, mas reflete
as enormes dificuldades em definir observações consensíveis e
descobrir teorias comportamentais estéticas consensuais para
explicá-las direto à carne.
22 .10.2 . Resumo da Ópera: Mesmo quando não se pretende uma verossimilhança
quantitativa, o modelo operístico musical (forma-canção) costuma conter relações qualitativas
duvidosas entre categorias vagas ou variáveis ocultas hipotéticas que nunca se demonstra terem
qualquer invariabilidade operacional. É uma obra de arte e não científica, devendo ser abordada
sensivelmente e não através da análise. Não há razão alguma para que um raciocínio formal seja
considerado persuasivo só por ser impenetravelmente complicado, quando não satisfaz em detalhes os
cânones elementares da credibilidade estética. Uma ópera pode ser uma próera, mas pode ser apenas
um engodo longuíssimo. A música, do pop ao maximalismo, trabalha pela forma dramática de
previsão e reiteração desta. Como o cinema, ela não oferece não só o que sentir, mas como sentir. Mas
como a interface (que ela própria é em relação ao cinema) ela nos oferece a ilusão plena de interação e
controle subjetivo.
22 .10.2 .1 . Síntese Aural: O modelo nunca pode ser tão bem fundamentado que suas
previsões possam ser levadas tão a sério quanto, por exemplo, as relativas ao desempenho real
da ópera no contexto social e da subjetividade dos participantes. Tampouco se podem fazer
arranjos para coletar indícios acústicos suficientes para confirmar detalhadamente as
previsões, validando assim as pressuposições do modelo. Por outro lado, o próprio modelo é
complicado demais para exemplificar um princípio geral ou para demonstrar um fenômeno
hipoestético (estética das hipóteses). Portanto, fica difícil decidir o que foi acrescentado aos
arquivos do conhecimento sensível artístico por essas investigações.
22 .10.3. Jogos improvisatórios e circuit bending: Nas artes acústicas, o progresso teórico
segue-se muitas vezes à
invenção de brinquedos
(modelos com propriedades
bem definidas, que não são
precisamente representativas
de nenhum sistema real, mas
simples o bastante para serem
estudadas musicalmente com
profundidade e detalhe.
Exemplos disto são o circuit
bending e os jogos
improvisatórios. Como tais
modelos são concebidos
ludicamente e só precisam
existir no domínio noético, é
possível atribuir-lhes quaisquer
propriedades lógicas que sejam
convenientes. O essencial
dessas pesquisas estéticas é que a dedução dessas propriedades do brinquedo pode ser transformada em
um problema musical rigoroso, cujos métodos sejam plenamente consensíveis e cujos resultados sejam
auraticamente consensuais. Por isso, grande parte do trabalho do físico teórico profissional é dedicada
à elucidação das sutis propriedades musicais de uma gama de teorias de brinquedos correntemente em
voga, que na verdade não são modeladas com base em qualquer sistema acústico real específico. O
estudo cuidadoso de tais obras sintéticas também tem seu valor nas artes sociais. Um fenômeno de
significado incerto no mundo real deriva diretamente de certas características estruturais simples do
sistema cultural. Os pressupostos musicais da escuta estão diretamente conectados à produção de surdez
quanto a certos modos de soação.

22 .10.3.1 . Luthieria Abstrata: O perigo desta tecnologização da arte é que enormes
esforços podem ser dispendidos na meta inadequada de resolver charadas musicais cada vez
mais elaboradas que têm cada vez menos relevância para qualquer realidade concebível. A arte
dos ruídos (e, presumivelmente, da economia aural) é inventar brinquedos que tenham alguma
semelhança essencial com o que pode ser imaginado no domínio do ambiente psicoacústico
local e que também sejam musicalmente tratáveis. Isso é muito difícil de fazer, mas é
inerentemente mais criativo do que a postulação de sistemas teóricos vagos demais aos
detalhes conhecidos para serem capazes de gerar novidade qualitativa ou previsões refutáveis.
22 .10.4 . Simulações Aurais: Os jogos econômicos adquirem aparência de realismo com o
surgimento de uma variável quantitativa sobre a valoração estética, o mercado da arte, cujas
propriedades formais se pode supor serem as da aritmética elementar. É muito mais difícil construir
sistemas analíticos que envolvam fatores psicológicos ou sociais como “prestígio”, “tendência
política” ou “anomia”. As propriedades musicais que podem ser atribuídas a tais variáveis são tão vagas
ou tão implausíveis, que uma análise formal simbólica (como na sonificação e na visualização auditiva)
não nos diz muito mais do que pareceria óbvio a um participante ou ouvinte atento.
22 .10.5. Orqueação:
Queremos encontrar o que a mais
impecável e precisa orquestra
digital perde da partitura mais
complexa e sublime. Deste resto de
humanidade, buscamos produzir
nossa própria partitura
entreharmônica. Dos restos de
sacrifícios, de lixos, encontrar uma
vida inteira de novo: Um Elefante
de Marfim. Isso é enfatizado pelas
recentes realizações na
programação de máquinas
compositoras e jogadoras de
xadrez em um relativo alto
padrão. Isso não quer dizer que as
infinitas complexidades da escuta
ou de uma decisão militar possam
ser confiadas a uma máquina.
Mas mostra que sob os princípios
heurísticos intuitivos da
estratégia sob condições
precisamente definidas e
consensíveis podem surgir
naturalmente da lógica da situação (dos sentidos), sem conter necessariamente elementos psicológicos.
22 .10.5.1 . A teoria musical concatenada nos instrumentos culturais, como um
tabuleiro de xadrez, está longe de ser um sistema simples. As condições topológicas são
visualmente de fácil apreensão, mas de mais difícil programação. Consideradas como um
código formal, essas condições pareceriam totalmente arbitrárias e sem sentido sem uma
referência às relações do mapa subjacente a elas. O jogo é realizável como sistema-modelo
coerente e como simulação social aural da imaginação (frente ao elefante em mandarim),
porque é dominado pela mesma lógica geográfica que tradicionalmente domina a própria arte
da guerra por territórios da escuta.
22 .10.6. Entreharmonia da Operacionalidade: As simulações em que a ação em cada nó da
rede não é decidida por uma fórmula musical, mas por uma pessoa representando temporariamente
um papel social dentro de um embate de campos de forças complexas, não são deterministas, mas são
largamente empregadas para treinar assistentes sociais, oficiais de estão, diplomatas, executivos e
outros. Também são apreciadas como fontes de compreensão de formas características de
comportamento estético humano sob condições mais ou menos realistas. Nesse domínio, pouco
distingue uma brincadeira com bonecas de algumas crianças de uma ópera. Estritamente falando,
porém, uma simulação social sob condições controladas é uma experiência de pequenos grupos com
possibilidades de ampliação. A suposição subjacente deve ser que um humano vale tanto quanto outro
como participante do drama, persona-margem. Tal suposição não é inteiramente sem substância.
22 .10.6.1 . A grosseira equivalência dos seres humanos em seus poderes do pensamento
e sentimento deve ser o fundamento de qualquer generalização acerca do comportamento
social. Mas as objeções à experimentação simplificada como fonte de conhecimento sensível
confiável no domínio social servem com a mesmíssima força para os resultados obtidos por
simulações sociais, embora estas cubram uma gama mais ampla de fenômenos sociais e
psicológicos mais complexos.

22 .10.7. Intersubjetividade Estética: Até agora, não levamos em conta o papel desempenhado
pelo espectador nos processos artísticos comportamentais. Ele é visto como uma câmera, ou um robô
tomador de notas, olhando e ouvindo e registrando o que sente com a mesma objetividade que teria se
estivesse diante de uma interface maquínica como uma partitura ou um programa de computador. Na
prática, porém, o público participante de uma performance (ouvinte-compositor, emerec) permite-se a
oportunidade de comunicar-se com os sujeitos de sua composição aural. Ele não só observa o que eles
fazem, mas muitas vezes pergunta-lhes por que se comportaram desse modo. Em um jogo de
simulação teatral, por exemplo, é possível que lhe digam que “aquilo era chantagem”, ou “senti-me
muito mal por decepcionar tantos”. Ora, é claro que o observador precisa ter muito cuidado para não
influenciar os acontecimentos com seus próprios comentários, nem ficar emocionalmente envolvido
demais com os sujeitos de sua experiência (artistas). E é por esta aproximação laboratorial que as
plateias agem de maneira apática e distante de suas cobaias de condutas artísticas, como consumidores
de experiências. Isso não quer dizer que tais comunicações não tenham sentido ou sejam irrelevantes;
ao contrário, elas podem fornecer as mais valiosas pistas para a interpretação do que for vivenciado. É
precisamente esse acesso ao domínio sensível dos agentes estéticos que nos permite uma compreensão
de comportamentos humanos bastante complexos, que seriam quase totalmente ininteligíveis se
observados entre elefantes treinados. Como propor esta intersubjetivação nos processos de
experimentação das obras?
22 .10.8. Partitura Social: Os poderes de categorização da sensibilidade humana têm seu
papel. Os relacionamentos entre pessoas, por afinidade ou função social, ganham ordem e sentido. A
ação social, tal como a ação senso-motora, tem sua própria lógica interna, que molda a linguagem em
que é descrita e as categorias em que é dividida. O conhecimento estético social, tal como o
conhecimento científico do mundo material, é automático e inevitavelmente abstraído em um mapa
derivado do domínio noético, mas internalizado no domínio sensível de cada indivíduo. Seria errado
supor que essas obras internalizadas do mundo social sejam de algum modo menos reais do que os dos
domínios materiais estudados pelas artes naturais. Sentimentos, de amor e ódio; motivos, de orgulho
ou inveja; relacionamentos, de amizade ou concorrência; afiliações institucionais; tradições históricas;
obrigações; deveres; papéis sociais e categorias ocupacionais - tudo isso determina cada ação nossa e
está firmemente implantado em nossos sentidos e gestos. Com efeito, tão forte é esse sentido de
realidade social que são a fonte original de muitos dos temas estéticos de obras nas ditas belas artes.
22 .10.9. Partitura Relacional: Pode ser que a própria lógica musicante, o arquétipo sonoro da
necessidade extra-humana da escuta, não derive tanto da experiência senso-motora do canto e da
instrumentação quanto da verbalização dos relacionamentos de fetiche e poder social da música
introjetados durante a infância. Quais são as fontes e as limitações da consensibilidade intersubjetiva
no domínio da escuta, senão esta? A empatia deriva
tanto dos traços do indivíduo como do ambiente social
em que tais traços são desenvolvidos e expressos. Na
espécie humana, há relativa uniformidade de estruturas
e mecanismos fisiológicos associados ao pensamento e
às emoções estéticas. Assim como todos nós temos
ouvidos e cérebros que podem ouvir através deles,
parecemos ter também padrões característicos de
sentimentos regidos por locais ou atividades específicas.
Seria impossível entender as consequências afetivas de
certas mudanças no ambiente a priori. Para os nossos
ouvidos e olhos sutilmente discriminadores, há uma
prodigiosa variedade nas formas da vida social possíveis,
como bem suscitadas na ficção, que só podem ser
compreendidas quando experienciadas.
22 .10.10. As Limitações de Uma Arte Social: Sem empatia, não haveria ordem social
coerente, nem comunicação entre humanos. Mas a consensibilidade comportamental é incompleta e
defeituosa em comparação com as consensibilidades da percepção lógica. Estamos tão profundamente
imersos em culturas particulares, cujas concepções de realidade social e mesmo de senso-comum social
são variadas e excêntricas. Toda cultura coerente mapeia-se teoricamente em seu domínio noético,
toda seita estetiza suas regras, mas a concordância de tais mapas é muito imperfeita. Apesar dos
esforços de artistas unificadores, as contradições das visões de mundo e de ideologia não podem ser
superadas na mente e no coração de seus adeptos respectivos. O comportamento social é regido, em
larga medida, por valores individuais e corporativistas cujas prioridades não podem ser decididas por
critérios de prioridade aceitáveis para todos os humanos. Uma estética social não pode ser sintética,
assim como a terrível história de Édipo de Tebas pode ter equivalentes em muitos outros sistemas
simbólicos, mas não pode ser reduzida a um esquema consensual de leis gerais comparável, por
exemplo, à física newtoniana. Os arquétipos harmônicos aurais se somam e a escuta sempre amplia-se.
22 .10.11 . A Inevitabilidade do Relativismo Cultural Estético: Os argumentos e
contra-argumentos quanto ao papel do interesse estético do viés de classe e de raça, do preconceito
sensível e da ideoestesia apenas sublinham essa diversidade. Em um mundo que abarca contrastes de
fantasia social tais como as vidas de um milionário colecionador de arte, de um operário chinês de sua
empresa de mineração e de uma artista sonora média escrevendo uma ópera para um amante, a busca
de uma base consensual para uma arte da política ou da economia parece inútil, rara. Os partidários
dessas artes fazem alegações em sua defesa, mas elas ainda não foram validadas enquanto uma forma
aceita socialmente.
22 .10.11 .1 . Solo e Ruído: Seria errado supor que todo membro de uma dada cultura
vê o mundo social de acordo com o mesmo mapa. Cada intérprete, uma partitura de um
compositor. Cada escuta, uma obra. Solos devem ser conquistados como ruído social. O papel do
maestro é sinergizar o grupo. Quanto mais estudamos as pessoas na suposta uniformidade de
uma sociedade de massas, menos plausível fica atribuir-lhes as categorias estereotipadas de
juízo de valor ou de comportamento interativo supostamente características de seu meio
cultural. Tais estereótipos de funcionalidade de uma orquestra não são apenas inúteis como
guias para a ação, mas perigosos.

22 .11 . Gnosestética Elefante: Hegemonia da Diferença: Pode ser que a própria arte, fundada
deliberadamente sobre princípios de consenso público, tenha-se tornado o alicerce da cultura centralizante da
variação mínima da sociedade moderna, indo contra a necessidade artística por diferenciação e singularização.
O mapa dos modos de arte torna-se um paradigma em si mesmo, cobrindo o domínio de operação propriamente
estética. Esse paradigma, introjetado pela educação informalizante da estética, transforma nossa imagem
individual da fantasia social, dando-lhe uma incoerência e simplicidade artificiais. Podem ser necessárias uma
considerável experiência de vida e uma atitude experimental para com muitos de nossos próprios pressupostos
antes que consigamos ver nosso próprio mundo social e psicológico como uma criação própria e coletiva que
não pode ser reduzida a temas correntes numa linguagem superficial. À medida que os sistemas éticos e
comportamentais tradicionais se desintegram, deixando fragmentos que se diversificam e mudam sem cessar, só os
princípios da sensibilidade afetuosa permanecem coerentes. Em última instância, a própria sociedade precisa ser
transformada para realizar o paradigma em que esta é esteticamente percebida.
22 .11 .1 . Escuta Geral do Audível: Nessa busca por uma estesia confiável acerca do
comportamento humano (sua escuta), chegamos assim a uma conclusão bem desapontadora. Há
graves obstáculos de imprecisão sensual, variação operacional, irrelevância experimental,
indemonstrabilidade relacional e relativismo cultural no caminho do estabelecimento de uma arte geral da
escuta. Os modelos conjecturais da ópera enquanto próera, os esquemas conceituais de O Elefante de
Marfim, as variáveis ocultas da Aura (enquanto ciência filosônica) muitas vezes postuladas em perfeita
boa-fé por Sofia Harmonia não alcançaram uma situação consensual e não constituem uma base
teórica para a ação artística social, esta ainda deve basear-se na intuição profunda de que a incerteza é
certa.
22 .11 .1 .1 . Isto não é negar o
valor da obra, que revela tal riqueza e
variedade, uma tal pobreza e
uniformidade, na vivência subjetiva de
todos os seres humanos. Na falta dessa
pesquisa, viveríamos inteiramente à
mercê de nossas próprias tolices, erros
de concepção e ilusões quanto aos mais
simples fatos da questão. Mas os
esquemas interpretativos que alegam
penetrar profundamente sob a
superfície da experiência estética social,
revelar forças desconhecidas ou afirmar
necessidades que de modo algum são
evidentes devem ser tratados com
extremo ceticismo. A capacidade
artística da compositora de óperas deve
ser respeitada, as afirmações de que a
mesma seja capaz de praticar uma
engenharia de sistemas simbólicos ou de
apontar um drama social é que não têm
essa justificativa na prática ou em
princípio, mesmo que eu me veja
fortemente inclinado a crer nestas
expectativas. Seu trabalho, no entanto,
ao manter-se distante da apologia, deixa aberta a sensibilidade para, caso queira, fazê-lo
autoralmente.
22 .11 .2 . Panmaestria: Contudo, sabemos por experiência que os fenômenos estéticos
relacionais não são nada caóticos. Em nossa vida cotidiana, confiamos plenamente no comportamento
previsível das outras pessoas: quando os trens estão atrasados, uma falha mecânica é uma causa mais
comum do que um maquinista bêbado ou um sinalizador equivocado. Não devemos esquecer que os
humanos adquiriram por tentativa e erro muitos hábitos sensíveis não formulados de conduta que
corporificam princípios sólidos de raciocínio cognestético não demonstrável de outra maneira que não
pela arte. O senso-comum estético é um guia muito satisfatório para a ação artística social: Todo mundo
de um certo modo, é um artista social bastante competente e não devemos tratar com desprezo a obra dessa
pessoa sobre o mundo social e o lugar desta beleza nesse mundo.

22 .11 .3. Socioestética: Talvez o que devêssemos estar perguntando é se mesmo esse tipo de
conhecimento sensível pode ser recolhido segundo princípios acordados (estilisticamente) em uma
estética, comunicados consensivelmente em uma comunidade artística dedicada a padrões culturais de
prova representativa e mapeados consensualmente para o arquivo da cultura. Os princípios pelos quais
a ação estético-social efetiva se justifica na prática se parecem demais com sensibilizações
(propagandísticas) cuja virtude é mais a plausibilidade do que a necessidade sensível dos participantes.
O que guia nossa vivência estética social não é uma série de leis artísticas, mas de máximas
gesto-poéticas (de onde posso gostar do maximalismo), cuja falta de coerência e de consensualidade é
irrelevante para seu valor prático. Encarar que as obras não podem ser entendidas, ainda menos
quando aplicadas por alguém que já não possua bom conhecimento prático da arte. Que arte é esta?
Como a conheceríamos? Derivam estas obras seu interesse de nossa apreciação da arte e elas próprias não
podem substituir ou instituir essa apreciação.
22 .11 .4 . Subjetividade Relacional: O desafio para as artes comportamentais (performáticas
interventivas) não vêm da estética, mas das humanidades. O artista, este extasiador confiável, com seu
ouvido sensível e seu olhar discriminativo, articula os elementos universais em nossa vida emocional e
ensina-nos mais sobre o gênero humano do que qualquer de suas obras estéticas.
22 .11 .5. Gnoestética Social: De todas as atividades sociais e psicológicas do humano,
poucas são tão sutis, tão complexas, tão exigentes em juízo crítico, imaginação, coragem e
intuição quanto a própria busca do conhecimento. É por isso que não conseguimos aprender a
arte da pesquisa recorrendo às filosofias estéticas, sociologias e psicologias formais da arte. A
epistemestética (a avaliação da arte organizada por uma eidosofia) é uma técnica adquirida por
experiência, tanto de disciplinas específicas quanto da própria vida.

22 .12 . Soação Elefante (ou Apoteose de Merzbow): A Oposição Entre Experimentalismo e
Estruturalismo na especulação aural é antiga na arte (musical) e pode ser apresentada com ilustrações a partir
de diversos episódios da história da filosonia. O mais nítido deles é talvez aquele apresentado pelo sentimento
de superioridade filosônica que
tinham os participantes dos
primeiros desenvolvimentos da
acústica moderna em relação à
tradição musical. Nessa tradição,
os concretistas sustentavam que as
regularidade nos fenômenos
sonoros naturais devem possuir
uma razão, e procuravam essa
razão nas propriedades causais das
substâncias envolvidas nos
processos ruidísticos, constituindo
o que denominavam suas formas
substanciais ou naturezas. Os
arquetipistas harmônicos, que
negam a realidade dessas
propriedades, estavam em posição de ter de rejeitar tais pedidos de explicação.
22 .12 .0. Grãos Elefantes, Espectros Marfim (ou geotema das desias e matemas geodésicos): Os
filósonos consagrados ao desenvolvimento dos fundamentos filosônicos da escuta moderna,
aparentemente, tinham escapado a esse dilema. Sem postular tais propriedades naturais, formas ou
qualidades ocultas, eles ainda podiam explicar as regularidades do acaso da escuta. Desse modo, aquilo
que visávamos principalmente era, por experimentos sonoros, tornar verossímil que podem ser
produzidos mecanicamente quase todos os tipos de qualidade sonora, a maior parte das quais as escolas
deixaram sem explicação ou, de maneira geral, remeteram a não sei que formas hierárquicas
subliminares, por aqueles agentes sonoros que não parecem operar de outro modo que em virtude do
movimento, tamanho, formato e disposição de suas próprias partes (cujos atributos denomino
afecções mecânicas da matéria vibrátil).
22 .12 .1 . Singularidade Limítrofe da Escuta: Para explicar fenômenos tais como a
intendensidade (densidade das intensidades) e a hormonia aural (de Schoenberg, por exemplo) em
termos apenas de atributos mecânicos, nos damos conta de que seria necessária pelo menos uma teoria
psicoacústica, um mito. A geomática granular só expulsa a incerteza para os campos da complexidade
infinitesimal, mas a tensão e o questionamento aural não cessam por isto. Aí onde nenhuma escuta pode
certificar-se da forma, onde nenhuma explicação mecânica é possível, uma vez que os grãos não são
divisíveis pela escuta em sua escala micro-sonora. Assim, ou atribuímos poderes específicos,
qualidades e propriedades causais (mitos e poéticas) a tais grãos, para explicar por que eles agem e
reagem da maneira como na composição deles, ou então rejeitamos também o pedido de explicação.
22 .12 .2 . Cosmética das Artes ( protopróera): A observação dos fenômenos não aponta de forma
clara as supostas relações causais que estariam por trás deles. Alguns pesquisadores sonoros
posteriores, que tentaram esclarecer as bases filosônicas de sua disciplina, acharam ainda mais difícil
conciliar seu empirismo assumido e sua antipatia pela metafísica com uma crença sem restrições em
hipóteses que descrevem um suposto mundo por trás dos gestos sonoros. No século XX, isso
conduziu ao fenomenalismo de Cage, ao convencionalismo de Bartók, ao ficcionalismo de
Stockhausen e os positivismo lógico de Boulez como desenvolvimento dessa virada radical para o
empirismo. Hoje, contudo, uma escuta especulativa não pode aderir a qualquer uma dessas posições
filosônicas de forma real no seu cotidiano de maneira purista.
22 .12 .2 .1 . Os estudos em filosonia da musicologia se dividem, a grosso modo, em dois
tipos. O primeiro, que se pode chamar de fundacional, diz respeito ao conteúdo e à estrutura
das teorias musicológicas (a ciência da ficção). O outro tipo de estudo lida com as relações das
teorias sobre a musicologia (as ciberfonias entreharmônicas), de um lado, e, de outro, com os
usuários destas teorias (a sociofonia).
22 .12 .3. Filosonia da Musicologia: Há profundos desacordos filosônicos a respeito da
estrutura geral das teorias psicoacústicas e de uma caracterização cognoestética de seu conteúdo na
escuta. Uma concepção comum, que mesmo não sendo isenta de controvérsia é ainda aceita em geral, é
que as teorias estéticas sobre a escuta dão conta dos fenômenos sonoros (ou seja, os processos e
estruturas psico-físicas observáveis na sensibilidade), postulando outros processos e estruturas que não
são diretamente acessíveis à observação; e que um sistema aural de qualquer tipo (sonificação,
paisagem ruidística, música, etc.) é descrito por uma teoria em termos de escutas possíveis.
22 .12 .3.1 . Entrescutas Possíveis: Essa concepção da estrutura das teorias que é
compartilhada por muitos
filósonos que, contudo,
discordam em relação a questões
sobre a relação da teoria estética
com o mundo e com seus
usuários. Há um fractal de modos
de consistência de uma teoria
estética com seu meio. Uma das
relações que uma teoria estética
pode ter com o mundo é a de ser
verdadeira imagem artística da
beleza aceita, porém esta não é de
longe a única. A arte procura
encontrar uma descrição sensível
dos processos inobserváveis que
explicam aqueles que são
observáveis e também do que são
os estados de coisas possíveis, e
não apenas do que é real.
22 .12 .3.1 . Acaosmose: Os
experimentalistas sempre
evitaram a reificação da
possibilidade (ou de sua correlata,
a necessidade). As estéticas
experimentalistas relegam a
possibilidade e a necessidade às
relações entre ideias, sonhos,
sentidos, imagens, sons,
sensações como dispositivos para
facilitar a descrição do que é real. Assim, de um ponto de vista estético-empirista, para
servirem aos objetivos da arte que busca ser científica, os processos não precisam ser
verdadeiros, a não ser no que dizem sobre o que é real e empiricamente atestável. Cada obra
contém uma lógica própria e deve ser avaliada a partir desta. Quando esse ponto de vista
empirista foi representado pela música lógica, a ele acrescentou-se uma teoria do significado e
da linguagem, e, em geral, uma orientação linguística.

22 .12 .4 . Estetística: O realismo estético da arte-e-tecnologia se opõe a essa forma de
empirismo, rejeitando não apenas as concepções românticas sobre o significado dos sons, mas também
todos aqueles princípios experimentalistas estruturais. A concepção de Sofia Harmonia é que o
experimentalismo é correto, mas que não poderia sobreviver sem a forma linguística que lhe deram os
estruturalistas. Eles estavam certos em pensar, em alguns casos, que diversas dificuldades filosônicas,
mal concebidas como problemas de ontologia e epistemologia, no fundo, eram de fato problemas da
linguagem científica utilizada em questões poéticas. Sendo uma parte própria da linguagem natural, a
estética é um assunto para a arte e não o contrário.
22 .12 .4 .1 . Proética: O que é aceitar uma teoria estética? Afora um compromisso de
pesquisa, uma teoria estética, salva os processos, isto é, descreve corretamente o que observável
numa obra de arte de dentro de seu foco. Mas a aceitação não é crença. Nunca temos a
possibilidade de aceitar uma teoria estética que dá conta de tudo, completa em todos os detalhes.
Assim, aceitar uma teoria em vez de outra envolve também o compromisso com uma estrutura
experimental. À escuta pouco preocupada com a estrutura e à estrutura pouco preocupada com
a escuta, buscamos estruturar os processos intuitivos aurais.
22 .12 .5. Complexismo: O que se segue é um experimentalismo estrutural e de estruturação
experimental, e ambos mantêm e
intensificam as idiossincrasias do
experimentalismo e do estruturalismo. O
complexismo ab_surdo (ab_ismo) é uma
alternativa construtiva ao utilitarismo
artístico, sobre as questões principais que nos
dividem: a relação da arte com o mundo, a
análise da explicação artística e o significado
dos estilos artísticos de probabilidade estética
quando eles são parte de um processo sensível
relacional. Utilizamos o adjetivo
complexo para indicar nossa concepção,
em vez de composição: rede de modelos que
se adequam aos fenômenos sensíveis em
lugar de um modelo isolado ao qual a
situação deve curvar-se. O batismo dessa
posição filosônica como um “ismo”
específico não está voltado para o desejo de
uma escola criativa, mas apenas para
contrabalançar o fato de que os músicos
deram a si mesmos um nome mais
persuasivo (não somos, hoje em dia, todos
fascinados por sermos agraciados das
musas e compreensores do máximo de
possibilidades?); e que, além do mais, em
um nome, há muitas coisas que não
compreendemos dada a sua complexidade.
22 .12 .6. A Partitura da Invenção demanda compromisso da escuta com a pesquisa do modo
de soação na entrescuta através de um processamento aural: Intuição artística, teorema matêmico,
teoria físico-acústica, harmonia química, ecobiologia (envelope de ressonâncias), ideossociação, etc. A
estética visa dar-nos em suas teorias um relato literalmente verdadeiro de como a obra é, a partir dos
pressupostos de seu autor, e a aceitação de uma teoria estética envolve a crença de que ela é verdadeira.
22 .12 .6.1 . O objetivo da arte não deve ser identificada com as motivações de cada
artista: O que é objetivo de um empreendimento enquanto tal determina o que nele se
considera sucesso; e esse objetivo pode ser buscado em virtude de quaisquer razões.
Acreditamos que o objetivo da arte sejam as modulações da harmonia aural, a ressononância
vital (bioeco) das entrescutas. Ao chamar de o objetivo, não negamos que haja objetivos
menores, que podem ou não ser meios para aquele fim. Chamaremos de soneres a estas
entidades aurais.
22 .12 .7. Preconceitos das Escutas: Se a crença é uma questão de grau, também o é a aceitação;
e podemos então falar de um grau de aceitação das obras envolvendo certo grau de crença de que a
estética subjacente a esta seja um procedimento sensibilizante vital. É claro que isso deve se distinguir
da crença de que a teoria estética é representativa, que parece significar a crença de que algum elemento
de uma classe centrada no modo de sensibilização mencionado contenha em si algum valor. A
formulação proposta por um processo artístico pode ser realizada independentemente da sua orientação
estética.
22 .12 .8. A Visualização Aural (de Menezes,
por exemplo) é a posição de que a complexão de teorias
estéticas visa nos dar um relato verossímil de como o
audível é e de que a aceitação de uma teoria estética
envolve a crença de que ela é verdadeira. De maneira
equivalente o surrealismo fantástico (de Rodolfo Caesar,
por exemplo) é a posição segundo a qual o objetivo da arte
pode bem ser atendido sem fazer tal relato verdadeiro, e a
aceitação de uma teoria estética pode, de modo
apropriado, envolver algo a menos (ou diferente) que a
crença de que ela é representativa. O que faz então o
artista, de acordo com essas diferentes posições? De
acordo com o sonifiquista (expositor auditivo), quando
alguém propõe uma escuta, afirma que ela é
representativa. Mas, de acordo com o performismo, o
proponente não afirma que a teoria estética que subjaz à
obra é sensível; apenas a exibe e alega que ela possui certas
virtudes. Essas virtudes podem estar aquém da verdade
sobre o objeto representado – talvez a adequação empírica,
a abrangência, a aceitabilidade relativa a diferentes
propósitos. Isso tem de ser mais bem explicado, pois aqui
os detalhes não são claros pelo simples fato de negar o realismo sonoro.
22 .12 .8.1 . A Produção da Escuta Analítica: A ideia de um relato musical verossímil
possui dois aspectos: a linguagem deve literalmente interpretada sem licenças poéticas; e assim
interpretada, o relato é verdadeiro. Isso divide os anti-realistas estéticos em dois tipos. O
primeiro afirma que a arte é verdadeira ou isso procura, interpretada apropriada e
consensivelmente (e não literalmente). A segunda afirma que a linguagem da arte deveria ser
literalmente interpretada, mas que suas teorias estéticas não precisam (por isto mesmo) ser
verdadeiras (representativas) para ser boas. O anti-realismo que defendemos pertence a esse
segundo tipo, onde a produção analítica gera uma estética para cada uma escuta. Segundo a
análise estética científica-realista, os termos teóricos estéticos possuem significado apenas por
meio de suas relações com o que é observável na obra. Duas obras podem afirmar o mesmo fato
estético, embora formalmente se contradigam ( para o audível, maximalismo e minimalismo se
sustentam mutuamente).

22 .12 .9. Uma Leitura de Uma Escuta: Não é tão fácil saber o que se quer dizer com uma
interpretação literal de uma obra, pois em
essência toda partitura é probabilística. Essa
ideia talvez derive da teologia, domínio no qual
os fundamentalistas interpretam a poesia
literalmente, e os liberais possuem as diferentes
interpretações alegóricas, metafóricas e
analógicas, que desmitologizam o assunto. Em
última instância, embora a interpretação de uma
obra de arte possa se refinar, ela não pode
modificar as relações lógicas da estética
subjacente à obra; tal como as interpretações
sonoras de uma partitura resvalam na
simbologia abstrata arbitrária dos afetos das
matemáticas. A redução da linguagem da
harmonia sinestésica das ressonâncias
estocásticas à harmonia funcional (tal qual a dos
enredamentos neuronais à frenologia) é um caso
como esse: porções de afetos são identificados
com agregados de sons e a densidade a
encadeamento harmônico médio, e assim por
diante. Insistir em uma interpretação musical
literal da linguagem sonora (estética) é eliminar a
interpretação (crítica) da própria teoria estética
que sustenta a obra, taxando-a como metáfora ou comparação, ou como alguma coisa inteligível apenas
depois de ser desmitologizada ou submetida a outra forma de tradução que não preserve sua forma lógica.
22 .12 .10. Arquestética: Frequentemente, não é nem um pouco óbvio assim se um gesto
poético refere-se a uma entidade social relacional ou a uma entidade abstrata ou íntima. O teísta
fundamentalista, o agnóstico e o ateu, presumivelmente, concordam uns com os outros sobre a
inspiração divina da arte, embora discordem dos teólogos liberais quanto a sua compreensão de que os
anjos pintados de fato existam como representados.
22 .12 .10.1 . Depois de decidir que a linguagem da arte deve ser compreendida
literalmente, ainda podemos dizer que não é preciso acreditar que as boas estéticas sejam
verdadeiras, nem, ipso facto, acreditar que as entidades que elas postulam sejam reais. A arte
visa dar-nos experiências que sejam sensivelmente adequadas; e a aceitação de uma obra
envolve, como crença, apenas aquela de que ela é sensivelmente adequada. As estéticas, como as
artes, são ficções. A crença de uma estética é sensivelmente adequada não implica ou é implicada
pela crença de que a aceitação plena dela vá ser justificada.
22 .12 .11 . Música Enquanto Modo Harmônico de Soação (sounding): A distinção que
esboçamos entre música e anti-música, na medida em que tem a ver com a aceitação, diz respeito
apenas à crença que nisso está envolvida. A aceitação estética é um fenômeno que envolve claramente
mais que crença. Uma das principais razões para pensar assim é que nunca somos confrontados com
uma estética completa. Assim, se um artista aceita uma estética, por causa disso ele se envolve em um
tipo de programa de pesquisa vital. Tal programa pode entrar em conflito com outro programa de
pesquisa que já havia assumido, mesmo que exteriormente ambos se assemelhem formalmente. Um
praticante de música que se envolva com a arte do ruído deve repensar todas os seus modos de escuta. A
música neste sentido, deve ser encarada como apenas mais um modalismo aural. O fato de deixarmos
nossa escuta ser levada por certo modo de soação não mostra o quanto cremos neste modo de escuta.
22 .12 .12 . A Aceitação Estética envolve não apenas a crença, mas certo compromisso. Mesmo
para aqueles de nós que não somos artistas profissionais, a aceitação envolve o compromisso de
enfrentar qualquer fenômeno a ser observado com os recursos conceituais dessa estética. Ela
determina os modos de respostas nos quais vamos procurar ressoar os fatos. A conquista da
subjetividade social pelo entretenimento se sustenta num desejo íntimo dos indivíduos por
descompromisso e irresponsabilidade. Mesmo que não se aceite uma estética, pode-se adotar o
discurso de um contexto no qual o uso da linguagem é guiado por tal teoria (e a aceitação produz
contextos desse tipo). Há semelhanças profundas disso com os compromissos ideológicos. É verdade
que um compromisso não é nem verdadeiro nem falso; apenas mostra a confiança de que ele vá ser
justificado.

22 .13. Entrescuta Elefante: A Dicotomia Soação/Escuta Na Estocástica: O termo escutável
classifica entidades sonoras (que podem ou não existir no caso) enquanto parte do audível, aquilo que se pode
ouvir num dado momento e lugar por todas as escutas presentes. Um cavalo alado é escutável por sobreposição
acusmática. O número 17 não é escutável, embora possa ser cognoscível de diversas formas no audível.
Supõe-se que haja uma classificação correlata nos gestos sonoros: um gesto de percepção sem ajuda, por
exemplo, é audível sem ser escutável. O cálculo da massa de uma partícula sonora a partir da deflexão de sua
trajetória em um campo de força conhecido pela constante de Avogadro não é uma escuta dessa massa do
audível.
22 .13.0. Oucutar (entendre): É importante não confundir ouvir (uma entidade sonora, tal
como uma coisa, evento ou processo) e ouvir que (um modo de interpretação ou outro é o caso).
Suponhamos que se soe um som sintético que se assemelha a um timbre de piano a um indígena que
nunca teve contato com um computador ou instrumento ocidental. A partir do seu comportamento,
vemos que ele notou essas coisas; ele responde àquele canto na mesma altura, mas ele não escutou que
era um piano. Ele não pode obter essa informação pela percepção, teria primeiro que aprender muito.
Dizer que ele não escuta as mesmas coisas e eventos que nós, contudo, é simplesmente tolo; é um jogo
que tira partido da ambiguidade entre ouvir e ouvir que que vai contra a escuta especulativa, oucuta
(entendre).
22 .13.1 . Falácias Aurais: A série
contínua de supostos atos de escuta não
corresponde diretamente a uma continuidade
naquilo que supostamente é escutável. Pois se
algo pode ser ouvido através de uma música,
também é ouvido através do som. Que algo seja
escutável (possível para a escuta) não implica
automaticamente que as condições para
escutá-lo agora sejam apropriadas. Uma
entidade aural é escutável se há condições que
são tais que, se tal entidade aural nos estiver
presente nessas condições, então vamos
escutá-lo.
22 .13.2 . Escuta e Aura: Ainda podemos
ser capazes de encontrar uma continuidade no
que se supõe detectável (escutável do audível).
Talvez algumas coisas possam ser detectadas
apenas com a ajuda de aparelhos amplificadores
acústicos, talvez elétricos, e assim por diante.
Onde vamos traçar a linha entre o que é escutável
e o que é apenas detectável de uma forma mais
indireta? Supondo que não possamos responder
a essa questão sem arbitrariedade, o que se
segue? Que escutável é um predicado vago. A
escuta pragmática nos lembra que quase todos os
predicados são vagos e não há nenhum problema
em utilizá-los, mas apenas em formular a lógica
estética que os dirige. Um predicado estético vago
é útil desde que contenha exemplos e contra-exemplos dentro da própria obra. Uma teoria estética
relevante implica que as entidades não podem ser escutadas em quaisquer circunstâncias, mas através
de um certo modo de escuta, daí que uma estética é uma tecnologia ética.
22 .13.3. Meta-Análise Estética: Em estatística, a meta-análise se refere aos métodos focados
em contrastar e combinar resultados de diferentes obras e processos, na esperança de identificar padrões de
resultados, fontes e discordâncias entre estes resultados, ou outros relacionamentos interessantes nas
variações metodológicas que possam vir à luz no contexto da complexidade (que inclui a multiplicidade
e a unicidade). A arte se utiliza da colagem referencial como maneira de embasar um discurso estético e
de autorização de um certo modo de experimentação estrutural. Mesmo que alguém tenha buscado
sentir e interpretar um processo ou obra artística de maneira neutra, ainda assim poderão se lembrar
desta seletivamente para reforçar suas expectativas. Numa meta-análise estética, portanto, a questão
dos pesos dados a cada influência é a medida de novidade da própria obra.

22 .13.3.1 . Preconceitos de Publicação geram uma inclinação com respeito a o que é


mais facilmente publicado e propagado na subjetividade coletiva, dentro do que há disponível
para a publicação levando a um preconceito quanto ao real estado social da subjetividade. Tal
preconceito ocorre embora o fato de processos com resultados tidos como positivos não
apresentarem nenhuma superioridade sensível de desígnio (design) aos que aparentam estar
ainda em processo ou utilizarem-se da “não-estética” como linguagem. É notável
estatisticamente a grande quantidade de obras artísticas na história de alto teor de
conhecimento sensível e que permaneceram inacabadas. A negativa da competitividade
(embalagem institucional) da obra é uma razão comum para a não-publicação também, já que
tais artistas perdem o interesse nos processos de socialização estética.
22 .13.3.2 . A Inclinação a Resultados Positivos influencia as escolhas de publicação e
propagação de uma obra ou processo de subjetivação, fazendo com que os artistas estejam mais
predispostos a apresentar, ou os curadores estejam mais predispostos a aceitar, resultados
positivos do que nulos (negativos ou inconclusivos). Os artistas tendem a experimentar
estruturas através de um foco unilateral (ou no máximo maniqueísta), mesmo que amparado
por uma rede conceitual, procurando por evidências consistentes com a hipótese que eles têm
no momento, querendo provar que suas estéticas estão certas, e nunca erradas.

22 .13.3.2 .1 . Até que ponto O Elefante de Marfim não é um grande erro,
perigoso mesmo enquanto gesto poético? Ao invés de pesquisar através de toda evidência
relevante, perguntamos questões que são feitas de tal maneira que as respostas
suportem nossas hipóteses sensíveis. Qualquer pequena mudança nas palavras pode
afetar como as pessoas pesquisam através de uma obra, qualquer mudança técnica
numa montagem têm valor ético nas conclusões dos participantes. Refaça este texto
inteiro, criticando cada trecho, traduzindo seus termos para a sua linguagem pessoal,
com os conceitos de sua pesquisa íntima, e averigue se isto ainda mantém a expansão
da escuta e sensibilização sensorial.
22 .13.3.3. A Inclinação à Confirmação é a tendência das pessoas a favorecerem os
processos e obras que confirmam suas crenças ou hipóteses. As pessoas mostram este
preconceito quando se juntam para recolher ou lembrar as informações seletivamente (como
em coletâneas de um certo estilo ou tema), ou quando interpretam criticamente uma obra de
maneira tendenciosa. O efeito é mais forte para questões que envolvem carga emocional e para
crenças profundamente entranhadas. As pessoas normalmente preferem fontes que afirmam
suas presentes atitudes, também tendendo a interpretar evidências ambíguas como suportes
para estas atitudes. A pesquisa preconceituada, a interpretação tendenciosa e a memória
confirmativa são invocadas para explicar as polarizações estéticas (quando um desacordo se
torna mais extremo mesmo que ambos os lados estejam expostos às mesmas evidências), a
perseverança de crença (quando estas persistem mesmo depois de uma evidência cabal contra a
mesma), o efeito da primazia irracional (a febre do coro, ou a maior credibilidade dada aos
primeiros numa dada série, como a lembrança do começo de uma música apenas), e a
correlação ilusória (quando as pessoas falsamente percebem uma associação entre dois eventos
ou situações, sizígia pareidolia).
22 .13.4 . O Nome da Obra: O ficcionalista
diz, em substância que certos conceitos
correspondem a ordenações de distâncias, harmonias.
O acorde de Tristão é indispensável, mas não, isso não
tende a mostrar que tal entidade harmônica
correspondente àquele mito realmente, que tenha
necessariamente alguma ligação simbólica (aural) com
o mesmo (embora possa tê-lo de diversas maneiras).
Apenas mostra que aquela entidade é uma ficção útil.
Aparentemente, a arte é chamada socialmente apenas
para explicar seu próprio sucesso. Os movimentos
aparentes da subjetividade formam estruturas
relacionais definidas por meio da medida de distâncias
relativas a diversos modo de percepção com a obra. O
nome da obra é a perspectiva de sua forma prismática,
uma adequação sócio-experimental.
22 .13.4 .1 . Utilitarismo Estético:
Pode-se levantar a objeção de que as estéticas
podem parecer empiricamente equivalentes
apenas enquanto não consideramos suas possíveis extensões práticas, os processos-obras.
Quando consideramos suas aplicações além do domínio originalmente pretendido de
aplicação, ou sua associação com as demais estéticas (entrestéticas), descobrimos que, afinal,
estéticas distintas realmente possuem diferentes conteúdos sensíveis. Aí, vislumbramos (sim,
nós!) O Elefante de Marfim entre a estética e a ética.
22 .13.4 .2 . A Rejeição do Utilitarismo pressupõe ou implica uma epistemestética que vá
conduzir a um ceticismo auto-refutatório (síndrome de impostor)? A metodologia da arte (a
eidosofia) e da elaboração de experimentos subjetivantes (próera) é inteligível exclusivamente
mediante alguma interpretação utilitarista da arte? O ideal de unidade da arte (“A Estética”
hegemônica, ou O Império Sobre Os Sentidos) ou mesmo a prática de utilizar estéticas artísticas
distintas conjuntamente são inteligíveis mediante uma concepção experimental da arte? Que
sentido podemos dar às virtudes estéticas (tais como simplicidade, coerência, poder sensível),
que não são redutíveis à adequação experimental ou à força sócio-ambiental?

22 .13.5. Sonologia e Harmonia Moderna: Impressionados com as realizações da lógica e dos
estudos fundacionais na matemática do final do século XIX e com o início da sonologia a partir do
eletromagnetismo, os músicos começaram a pensar teorias estéticas em um viés linguístico. Para
apresentar uma estética musical, especificava-se uma linguagem exata (geotemática), algum conjunto
de axiomas e um dicionário parcial, que relacionava o dialeto estético com os fenômenos escutáveis
que são relatados. Estas novas réguas de medidas (pararegulares), idealizadas exatamente da mesma
maneira que os pontos de massa e os planos sem atrito idealizam os fenômenos mecânicos. Não há
dúvida de que essas novas matrizes foram muito importantes para a sonologia e para a ampliação da
escuta à ciência acústica, mas ela também conseguiu nos iludir.
22 .13.5.1 . Estética Teórica: Uma gravação é apenas uma gravação, retrato sonoro
onde muitas coisas ficam fora do quadro espectral escolhido (foco aural), alguma coisa para
guiar a imaginação aural enquanto a seguimos em suas tantas vias. Já nos propusemos a não
gravar, ou a outras gravações sinestésicas para guiar as discussões dos aspectos mais gerais das
teorias estéticas. Apresentar uma estética é especificar uma família de estruturas, seus
modelos; e, em segundo lugar, especificar certas partes desses modelos (as subestruturas
experimentais) como candidatos à representação direta dos fenômenos escutáveis. As
estruturas que podem ser descritas em relatos experimentais e de medição podemos chamar de
aparências da obra (fruido); a estética é experimentalmente adequada se possui algum modelo
tal que todas as aparências sejam isomórficas a subestruturas experimentais daquele modelo.
22 .13.6. Metodologia e Projetos Experimentais: A real importância da estética para o artista é
que ela é um dos elementos da elaboração de experimentos subjetivos, o oposto do retrato feito pela
filosofia institucionalizante da cultura. Se no primeiro tudo está subordinado ao objetivo de conhecer
a estrutura do mundo, no último temos um aparelho de controle social da criatividade. Na cultura
portanto, a atividade principal é a construção de teorias estéticas estáticas que descrevam essa
estrutura relacional-empírica. Os experimentos artísticos são então elaborados para testar essas
estéticas, para ver se poderiam ser admitidos na condição de portadores da sensibilidade, contribuindo
para nosso retrato do mundo enquanto consumo de produções de realidade. A próera enquanto ópera,
trata além da escultura de escutas sociais e da coreografia de morfemas, de uma meta-estética.
22 .13.6.1 . Meta-Estética: Para a construção de uma estética, a experimentação
subjetiva sensível (o processo-pesquisa enquanto obra) tem uma importância dupla: testar a
adequação à situação da estética, como ela está desenvolvida até então e preencher os vazios,
isto é, guiar a continuação da construção da estética enquanto subjetivação social (rapsódica da
lírica). Do mesmo modo, a estética tem um duplo papel na experimentação: a formulação de
questões a serem respondidas de uma forma sistemática e concisa e ser um guia na elaboração
dos experimentos para responder àquelas questões. A partitura de O Elefante de Marfim é uma
obra de arte-da-estética, uma filosofia do projeto enquanto meta-análise. Mas até que ponto, isto
(tal como a música o faz no cotidiano) não tira o foco das questões mais profundas e diretas
levantadas pelo projeto e que devem ser resolvidas o quanto antes?

22 .14 . Eidosofia Elefante: Ensaios
Improvisatórios: Entre os critérios de adequação
do teste experimental de uma estética está o
seguinte: deve-se perguntar, à luz do
conhecimento sensível disponível, em que
circunstâncias as alegações causais feitas pela
estética poderiam estar plausivelmente erradas
na própria obra, ou porque mecanismos causais
alternativos poderiam estar operando em lugar
daqueles indicados pela estética em outras
obras, ou porque se poderia esperar
plausivelmente que mecanismos causais de tipos
já conhecidos pudessem interferir com aqueles
requeridos pela estética formal nas quais esta
em específico não antecipa. Uma estética é uma
regra negativa, uma forma de tabu, uma
censura. Sabe-se mais sobre uma estética pelo
que ela proíbe do que pelo que ela assume.
22 .14 .0. Morfogênese da
Escuta: A escuta procria sentidos em
partenogênese, a música não, a intenção
sobre um som sexualiza sua relação com
a escuta. Podemos falar da estética (e
aqui a musical desponta) também como
uma eidosofia, sabedoria das formas. Isto
pode ser vislumbrado no modelo animal
do elefante na próera de Sofia
Harmonia. Organismos modelo são
comumente usados em situações
experimentais no qual seria antiético
utilizar cobaias humanas. Esta
estratégia é possível pela descendência comum de todas as formas de organismos vivos (e cuidamos das
artes e das linguagens como tal) e a conservação dos caminhos de desenvolvimento formal e
metabolismo relacional (harmonia contextual) do material estético. Os animais são uma boa matriz de
informação e categorias subjetivas (dificilmente comunicáveis senão através da fábula, como bem
mostrou Rabelais), mas é importante tomar cuidado quando se extrapola de um organismo a outro
(assim como de uma área do conhecimento para outra).
22 .14 .0.1 . Os Organismos Modelo sempre estiveram na fronteira da genética. No
desenvolvimento histórico de um organismo modelo, um pesquisador inicialmente seleciona
um organismo devido a alguma característica que se adapta particularmente bem ao estudo de
um processo genético no qual o pesquisador está interessado. O conselho nos últimos cem
anos tem sido “escolha bem seu organismo” (órgão-sem-corpos de puro pneuma além do ar da
acusmática, ou Switched On Bach). Por exemplo, o Vampyroteuthis Infernalis levou Villém
Flusser a postular a ciência fictícia, o Loxodonta Africanis levou Sofia Harmonia a postular a
sociologia fictícia. A análise molecular da teoria musical (estética) não tem propriedades
suficientes para arbitrar questões sistemáticas, porque ela ainda mantém conflitos consigo
mesma. Como no caso de um psicólogo que nunca passou por auto-análise, assim é a arte
(musical) frente à escuta (sensível) de seus ouvintes-compositores: forma sem foco.
22 .14 .1 . Eidosofia Como Metatranscriação: A tradução é inerentemente problemática, porque
não é apenas um trânsito entre códigos. Ao invés disto, envolve a violência de codificar, ou linguificar,
uma realidade que se mantém fora de todas as linguagens e códigos. A transcriação (tradução da
tradução) envereda à feitura de uma equivalência àquilo que não têm equivalente, forçando um câmbio
entre incomensuráveis. Se há alternância, esta é desigual e custa uma fortuna sensível para ser
estabelecida e mantida. Isto significa que o problema da transcriação é realmente um da estética da
estética, da eidosofia. A básica antinomia estética moderna em que; se por um lado todo julgamento de
gosto é totalmente singular, cognitivo e sem conceito por detrás de si, não podendo ser generalizado;
por outro, todo julgamento de gosto aspira a (ou mesmo demanda) a aprovação dos demais, clamando
ser universalmente comunicável sem mediação de um conceito. Podemos entender uma transcriação,
portanto, enquanto um esforço de capturar uma singularidade dentro a um meio universal de troca, de
modo a, a partir disto, compelir a aceitação de todxs. Tal modelo levou ao senso-comum enquanto base
não-cognitiva (de máximas) para a possibilidade da cognição.
22 .14 .2 . Fenomenologia da
Atividade Artística: O artista está
totalmente imerso em um retrato
estético do mundo; e não apenas ele, em
diversos graus todos nós estamos. Se
noto o desígnio (design) de uma cadeira,
se faço um gesto ou rio de um meme, se
digo que há harmonia na posição dos
elefantes na jaula, se ligo um aparelho
tecnológico, estou imerso numa
linguagem que está totalmente permeada
pela sensibilidade projetada
culturalmente, e vivendo num mundo
no qual nossos ancestrais de dois séculos
atrás não poderiam entender senão
enquanto artifício. O nascimento do
ruído ocorre com a ciência moderna,
ambos filhos da alquimia. Toda
tecnologia avançada o suficiente não se
distingue nem da natureza nem do lixo
que produz. A estética (filosofia sensível)
artística é uma tecnologia (ruidística da
ciência enquanto crença) deste tipo.
22 .14 .2 .1 . Nas Obras Projetadas entre os modernos não se poderia dizer isto e
permanecer um experimentador artístico. Pois o conteúdo experimental de uma estética era
definido por meio de uma divisão de sua (sic) linguagem em uma parte teórica e outra
não-teórica. Essa divisão era filosófica, isto é, imposta de fora. Poderia ser observada na
maneira como a maioria dos textos acadêmicos estéticos não se encaixam poeticamente (uma
tese sisuda de um punk, por exemplo). Não se podia limitar a aceitação do conteúdo
experimental de uma estética a não ser que a linguagem permanecesse, em princípio, limitada à
parte não-estética da linguagem. Imergir completamente em um retrato do mundo segundo
uma estética, logo utilizar toda a sua gama de sensibilidades sem restrições, essas coisas
estigmatizavam com um completo comprometimento com a veracidade daquele retrato.
Como efeito colateral da projeção operística, a obrigatoriedade de um projeto burocrático
artístico prévio. Uma tese sobre uma poesia era mais aceita como conhecimento sensível do
que a própria poesia.

22 .14 .3. Acuspoiesis (Arte Acústica): As dinâmicas dos fruidos harmônicos (hormonia de
entrescutas) entre o formal-musical (eidoacusia) e o ruído-contextual gestando a auramática
acuspoética (aura). Nada é mais natural e mais de se recomendar a qualquer artista que a imersão total .
Imagine padeiros cantando com a boca cheia fórmulas químicas da fermentação e escrevendo poesias
sobre os aromas das ervas no tempo da fornada. Pois o conteúdo experimental da estética é definido de
dentro da arte, por meio de uma distinção feita pela própria arte entre o que é observável e o que não é . O
compromisso cognoestético com o conteúdo experimental de uma arte pode ser enunciado utilizando
a linguagem da arte (o poema escrito nos pães, todas as manhãs) e, de fato, de nenhum outro modo.
22 .14 .4 . Eidoestética: O compromisso de uma estética com a obra é superior à que ela tem
com o artista ou com o público, é parte de seu entranhamento (sua consistência mesma). Toda estética
proclama: “Isto é assim quer alguém se comprometa com isso, quer não. Não é assim apenas para
alguém que acredite que a estética é funcional, mas a qualquer um que atravesse aquele dado campo de
percepção sensível.” Mas não podemos voltar atrás (ao modernismismo) onde isto prova um verdadeiro
valor da obra em questão, mas serve para aprendermos a nos mover no mundo descrito pela arte
contemporânea, para falarmos sua linguagem (intervirmos no mundo, dançar nas ruas, amar os
objetos, etc.) como falantes nativos.
22 .14 .4 .1 . Alguém que aprende uma segunda língua passa por uma transição
importantíssima em certo momento: quando deixa de falar traduzindo sua primeira língua, e
começa a falar diretamente. É apenas aí que começa a ter acesso às nuanças e diferenças
intangíveis que distinguem as duas línguas. Tal transição é um salto no escuro, uma catástrofe
teórica, uma abertura dimensional imprevista, uma mera obra de arte.
22 .14 .5. Estilo, Estética Dócil: A criação de uma nova forma de vida subjetiva envolve a ilusão
de descoberta e a disciplina quanto a seguir as
regras pelas quais esta vida é operada.
Provavelmente os meios mais intuitivos de
criação de um sistema compositivo artificial,
particularmente um a ser implementado
computacionalmente, é o de sujeitar a própria
estética à programação. A composição baseada em
regras (metapartitura, coreografia, realismo
pictográfico, teatro representacional, etc.) chega
ao beco sem saída da compensação
estrutura/novidade: incorporando o
conhecimento estésico no sistema desta forma
leva à estruturação artificial de processos
previsíveis e massificantes, sem surpresas e
obviamente sem mudança sensível. Dificilmente
alguém se surpreenderia por composições com os
dados de Mozart. Talvez mais desencorajante,
seja a dificuldade de se encontrar regras para
colocar em algoritmo. Por séculos, pesquisadores
estético-cognitivos tentaram especificar
completamente as regras envolvidas em estilos
musicais particulares, tal como contrapontos;
mas sempre que um arranjo de regras era
cristalizado, exceções e extensões são sempre
descobertas que necessitam de mais regras.
22 .14 .5.1 . Bioarte: Para se gerar diversidade musical (estética) tanto através do tempo
quanto em um dado instante (tanto diacronicamente quanto sincronicamente) temos de
construir um sistema que possa criar uma multitude de espécies distintamente definidas de
gestos poéticos (no caso, sonoros) dentro de uma população de sensibilidades (limites
estético-estilísticos), e isto induz tais espécimes a se mover ao redor do espaço musical de uma
geração a outra. A seleção estética de escutas permite a formação de relações entre as obras e o
meio social, levando uma população de sensibilidades a se agrupar em subpopulações com
singulares características de estilos e preferências aurais através de distintos nichos.
Precisamos de um pouco mais de força ainda para empurrar uma população de sensibilidades
para fora de seu padrão alcançado a uma estabilidade de especiação, no entanto. Para tal
especiação, saber designar o que cada um deseja fazer e onde isto cabe na harmonia contextual,
necessitados de uma orquestração pela diferença que permita a todxs um espaço e momento de
expressão.
22 .14 .5.2 . Processos Coevolucionários: A evolução de modos de criação estéticas, seja
entre os Kamayurá ou Românticos Alemães, esta constante luta por originalidade (relação às
origens e novidade) está diretamente ligada à vaidade e à procura por acasalamento. Nosso
modelo coevolucionário acaba sendo inspirado pela evolução dos cantos de elefantes em
Musth através da seleção sexual das fêmeas seletoras. A crítica musical é feminina, a ópera
ressente-se sempre disto (Catherine Clément). A adaptabilidade de qualquer som é altamente
dependente do seu contexto acústico; assim sendo, a música de sucesso enraba a evolução de
modos de escuta que interagem de maneiras musicalmente significantes. De alguma maneira,
então, os modos de soação coevoluem através do tempo a se complementarem dentro do sistema
audível, apesar de qualquer competitividade.

22 .14 .6. Gene Simbólico: Um símbolo pode ser usado por ideologias para controlar todos os
outros símbolos, mas não pode superar a própria simbolização que o iguala a todos os demais. Uma nota
pode ser um tom, mas ainda é só parte da série dodecafônica. Uma música pode se tornar um hino,
mas é só parte do repertório de um dado território. Isto faz da subjetividade básica da estesia,
fundamento da estética, mais como o mutualismo, com uma colônia de sentidos e intenções
cooperantes, do que a coevolução selecionada a partir do desejo imperativo de compositores
individuais e críticos. Tangenciamos um dos mistérios da música. Isto, ao analisar o mito sob
inspiração da ideia de tema e variação, apontando simultaneamente para a noção de motivo - átomo
do estrato sintático da música - e para os processos variacionais através dos quais os motivos são
elaborados na trama musical: inversão, oposição e tantos outros mais. Mas se há um gene simbólico
que rege a música, este está na escuta e não nos objetos formais sensíveis. A multiplicidade do
simbolismo é o gene de qualquer símbolo. Qualquer religião que recaia no uso de símbolos é ecumênica.
22 .14 .6.1 . Motivo?
Digamos que algo, de um lado, da
natureza do tema – coisa que
ninguém pode negar à música (é
claro que não a toda, mas a alguma) –
ao mesmo tempo em que é similar a
um assunto ou tópico, o que muitos
(tipicamente, músicos e aficionados,
como Lévi-Strauss e Eliade, da
música clássico-romântica ocidental)
recusam ter existência no campo
musical. Um motivo é uma causa ou
agitação elementar (motivus), um
tema minimal. Algo, enfim, como
uma palavra ou, melhor dizendo,
tema, raiz, radical do campo da
língua falada às linguagens ou
subsistemas envolvidos na trama
intersemiótica na verdade
constituem, um a um, esforços de
expressão significante de significados
de outros canais, deslocando-os, no
entanto, através dos novos
significados, consequentes, que
mimeticamente produzem. O
motivo se encontra na escuta, é seu
foco à soação.
22 .14 .7. A Arte Evolutiva é criada para a efemeridade, quer ser esquecida e remisturada,
transformada, aberta. Mas também quer ser honrada, paga, compreendida e respeitada para gerar
vantagens a seus criadores e mediadores. A ironia lhe fere, mas não devemos esperar piedade de
humanos, nos lembram os elefantes. O processo evolutivo de uma obra começa na população de
referências inerentes à própria obra. Cada representação (cada uma escuta) é avaliada por seu valor
estético no contexto em que se o ouve e é dado um grau de adaptabilidade em relação ao seu ambiente
específico. As obras mais adaptáveis se moldam melhor à cultura vigente e têm uma chance maior de
permanecer na população de referências sobrevivente enquanto os menos adaptáveis são relegadas ao
esquecimento. Este conjunto adaptativo de um certo grupo humano forma um estilo.

22 .14 .7.1 . Motivleit: Mas o que será um dicionário de temas? O que será um tema?
Haverá, enfim, alguma linguagem efetivamente traduzível – intersemioticamente – em outra?
Como “digo”, por exemplo, “pedra” em “pintura (por exemplo, de Monet)”? Tudo começa,
aqui, com o que será “dizer” – no plano intersemiótico. Evidentemente que no jogo sendo
feito não valem respostas tipo “’anthropology’ é ‘anthropologie’ que é ‘antropologia‚’”, etc,
pois assim estaremos congelados na mesma linguagem em termos intersemióticos (língua
falada). O que faz com que um tema tema outro tema?
22 .14 .7.2 . Os Estilos
são selecionados a partir do
desejo para cruzarem com
outros e ter uma cria. Cada
prole também será uma
representação de um conjunto
de produções estéticas de outro
dado grupo humano, com
características herdadas de
ambos os “pais”. Estas crias irão
também ser adicionadas à
população de referências e
também serão avaliadas em seus
graus de adaptabilidade. O
processo de avaliação é um dos
mistérios da subjetividade
social, complexo e inexato,
seguindo por inúmeras gerações
até que sejam distinguidas em
cladogramas que especifiquem
uma estética. As estéticas são a
criação de um estilo como se este
fosse uma obra. Em todo o
processo mutações ocorrem
ocasionalmente criando casos
singulares. Mas será isto um
tema de O Elefante de Marfim?
22 .14 .7.2 .1 . Frankenstein (a obra) nasceu desejando ser bom, pleno de amor à
virtude, mas sua forma foi esteticamente repulsiva como a pior elefantíase. Sua forma,
apesar de suas intenções, fez com que a obra fosse afastada da relação coevolutiva
criador-crítica, deixando-a ao desenvolvimento próprio (biomusicologia) até a
condição trágica. Muitas das obras de arte começaram suas vidas similarmente sem
amor. Fosse Frankenstein (o criador) um pouco mais paciente, tivesse permanecido
engajado em um papel de guia para sua criação, tivesse crescido e aprendido com ela e a
ajudado a aprender sobre os bons e maus aspectos do mundo, e lhe tivesse ensinado as
regras que governam o comportamento social, o resultado de sua história haveria sido
muito diferente e quase certamente mais feliz para todxs. Os artistas (músicos) que
tentam criar estéticas a partir de processos éticos têm o direito de serem postos à
prova a partir de suas intenções explícitas e implícitas. O caso do Homem Elefante
Merrick é um retrato de uma obra sem autor.
22 .14 .8. A Evolução da Cultura é bem diferente da evolução arqueobiológica; a palavra
evolução pode ser má-compreendida. A biologia envolve espécies morrendo e a seleção natural,
biólogos só encontram espécies vivas ao seu redor. Algo similar ocorre na história da arte (da música
em especial): quando uma estética se torna obsoleta por outra ela segue convivendo com as demais, nos
mesmos museus até. Este entranhamento de distintos modos de feitura históricos faz com que
espécies culturais consideradas mortas ressuscitem. O que ‘funciona’ não é a seleção mais recente
temporalmente, mas o a história estética inteira enquanto obra.
22 .14 .8.1 . Intron e Exon (região intra simbólica e região expressada): Uma estética
pode ser formulada para uso
interno e(ou) externo. A arte
permitindo-nos a cognição de
conceitos sensíveis através de
uma economia da censura de
seu feitor, um atalho com
diversas direções. Este atalho
levando as pessoas a pensarem
e sentirem direta ou
indiretamente as concretudes
que suscita; esta dupla
possibilidade, faz com que seja
ao mesmo tempo uma expressão
puramente alienante tanto
quanto um disparador de
processos de mudança. A arte
pode tanto veicular
conhecimento quanto ser
propagandística. Embora a
arte sempre envolva valores
morais e ideais, seus
propósitos não são o educar,
mas apenas apresentar. A arte é
um meio, não necessitando ser
uma válvula de escape de uma
filosofia explícita. Na maioria
dos casos a filosofia é
codificada subliminarmente de
modo a evitar a responsabilização estética da obra e sua autoria, procedendo dos sentidos de vida
dos artistas que é largamente cheio de preconceitos e emotividades.
22 .14 .9. A Arte Estética prima pela valoração das fontes da estesia e da gênese das emoções:
Uma grande porção de intensidade emocional (boas e ou más) é projetada sobre a arte através da
estética, tanto pelos artistas quanto por seus públicos. Uma grande quantidade de modos de usar cores,
imaginações, originalidades (origens e variações), excitações, etc. é usada para gerar uma escolha da
própria obra por suas conexões no sistema subjetivo. A obra estética escolhe seu público, seu estilo. O
romantismo, neste sentido, é uma arte estética que conecta o intra simbólico com a expressão
querendo agradar um certo modo de sensibilidade.
22 .14 .9.1 . A Arte Cognoestética por outro lado prima pela compreensão das fontes
do conhecimento sensível e da gênese das relações estéticas.

22 .15. Epistemestética Marfim: O Determinismo Estético é a crença epistemológica de que genes
simbólicos (supremacia e homogenia de uma ideia ou conceito, racional ou puramente sensível), juntos a
condições ambientais (a cruz cristã no ocidente), determinam estilos morfológicos e comportamentais. O ideal da
música ocidental como “A Música” é um caso clássico. É preciso examinar a cultura europeia como exótica,
neste sentido. A etnoantropologia estética aplicada à hegemonia é um estudo incipiente e raro, já que quase
nada restou das culturas dos últimos impérios hegemônicos (babilônicos, maias, persas...).
22 .15.1 . Contextualização Harmônica e Consonância Textual: A aceitação de estéticas possui
uma dimensão pragmática. Ainda que a única crença envolvida na aceitação, como a concebemos, é a
crença de que a estética é experimentalmente adequada, mais que crença está envolvida nisso. Aceitar
uma estética é assumir um compromisso, é comprometer-se com a futura confrontação de novas obras e
processos artísticos (novas eidoestéticas, mesmo) dentro da armação daquela estética, um compromisso
com um programa relacional, e é uma aposta que se pode dar conta de todos os fenômenos relevantes
sem abandonar aquela estética. É por isso que alguém que tenha aceitado certa estética (como o
neoplasticismo) vai daí por diante usar sua terminologia e se aproximar de seu modo de vida. Os
compromissos não são verdadeiros ou falsos, eles são justificados ou não no decorrer do tempo.
22 .15.1 .1 . Bioestética do aparelho de empoderamento da impotência: No entanto, é
quando a população passa a
incluir, ao lado da dimensão
biológica, uma outra dimensão,
que é a da naturalização que a
caracteriza, que ela pode se tornar
objeto de uma técnica de governo,
de uma arte de governar. Se, por
um lado, a população é apreendida
como um conjunto de processos
bioestéticos, por outro, ela se
refere também a um conjunto de
processos entendidos como
naturais, como a estética. A
naturalidade da população de
referências se refere a um
conjunto de variáveis; assim, se do
ponto de vista bioestético, a
população é, de certo modo, a
espécie humana, do ponto de vista
da naturalidade que a constitui,
ela é o público. O público, noção
teatral capital do século XVIII, é
a população tomada do lado de
suas opiniões, de suas maneiras de
fazer, de seus comportamentos,
de seus hábitos, de seus temores, de seus preconceitos, de suas exigências, é sobre isso que se
intervém pela educação, pelas campanhas, pelas convicções.
22 .15.2 . A Estética da Governamentabilidade: A forma não é apenas sensível, é sensibilidade. A
ciência é a arte do passado, a história é a arte do futuro. As propriedades formais e as relações
semânticas são a área na qual tanto o estruturalismo quanto o experimentalismo estrutural localizam
o objetivo principal da arte, a governabilidade da população de sensibilidades.
22 .15.2 .1 . A População é, então, tudo o que se estende desde o enraizamento
teatral-biológico pela espécie até a
superfície de captura oferecida pela
noção de público-platéia. Os
dispositivos de segurança subjetiva (a
censura particular e as políticas de
tabus) que operam na gestão
governamental intervêm para
modificar a população assim como
um maestro com uma orquestra que
toca mais de uma música,
modificando os elementos e as
variáveis que a afetam, considerando
e respeitando, no entanto, a
naturalidade dessa população. Essa
noção de população conduz-nos
também a deslocar a investigação da
bioestética para o domínio das artes
de governar sonhos coletivos. A
dimensão do “público”, que inclui as
maneiras de fazer, os
comportamentos, os usos, permite
então a abertura desse novo campo
que é o da gestão governamental da
subjetividade, entendida como
condução de condutas artísticas.
22 .15.2 .2 . Complexismo Ab_Surdo: A simplicidade é um caso bem ilustrativo. Ela é,
obviamente, um critério para a escolha de estéticas, ou pelo menos um termo de avaliação de
estéticas em julgamentos públicos, dado o próprio processo burocrático demandar
simplicidade (consensualidade com a terminologia e metodologia burocrática). Por essa razão,
alguns escritos sobre o tema da indução moral nas obras de arte propõem que é mais provável
que as estéticas simples sejam transparentes. Mas é com certeza um absurdo pensar que é mais
provável que o mundo seja simples em vez de complicado (a menos que se infiram valorações
justamente morais concernentes à monoteologia da sensibilidade
eidoestética). A questão é que a virtude, ou agregados de virtudes, indicada
pelo tema simples é um fator nas avaliações estéticas, mas não indica
aspectos especiais que tornem mais provável que uma estética seja
transparente quanto ao seu projeto e sua adequação experimental.
22 .15.3. O Problema do Controle: O drama musical, a ópera, foi o último
e mais extremado produto da fé do século XVI na força comovedora da música. O
intervencionismo aural, a próera, talvez seja o último e mais extremado produto
da descrença contemporânea nesta comoção. O mito de Oefro (Orfeo através do
espelho), trata do artista especificamente como humano e somos obrigados a ouvir
nele os problemas de um compositor de ópera fora de cena, deparado com o
mundo que sua ópera enaltece e nega. O suplício lírico que nos tirou dos infernos
também nos negou a olhar para trás, a dor nos impede de lembrar e a morte nos
impede de esquecer ou chegar. A luta característica (hiperclassicismo) do
compositor com o libretista. O libreto que é inicialmente a inspiração de abertura
à escuta do compositor, se tornam a limitação da imaginação sonora.

22 .15.3.1 . Se o problema central da dramaturgia operística é o relacionamento entre a


ação e a música, no enredamento relacional proerístico é a interação entre a percepção e a escuta.
Se a compreensão das óperas de Mozart e Beethoven demandam uma compreensão de certa
forma técnica de sua época e dramaturgia musical (sua retórica melódica), no caso de O
Elefante de Marfim é necessário que se compreenda a rede de produção de escutas como um todo
em relação ao caso específico da montagem.
22 .15.3.1 .1 . Assim como o leitmotiv, enquanto abstração recorrente, não
adquire nunca uma clareza quanto ao seu cerne gravitacional simbólico (o sistema
simbólico como genealogia da estética), podendo apenas remeter a brumas afetivas de
climas sonoros; tampouco a próera (enquanto motivleitung, ou condução motivacional)
pode chegar a uma síntese (só a uma pântese). Quando uma sonoridade retorna numa
ópera, como acontece com tanta frequência, a função dramática é, em geral, mostrar
como um acontecimento ou uma ação é vivenciada em termos de um outro
acontecimento ou outra ação. O mesmo ocorre quando um trecho de uma ópera é
reencenada numa próera.
22 .15.3.2 . Trilha Ruidística: Numa ópera, quando a reação da música à ação é
inadequada, essa ação se torna trivial ou nula. É possível ver e admirar como compositores
tentam o possível e o impossível para controlar ou descontrolar seu meio de expressão
dramática. Mas tudo isto perde o sentido quando a própria ideia de se ir à ópera é nivelado à
experiência da novela televisiva. Se no caso de Berg, a música é uma história à parte da ópera
dramática, no musical cada ação e emoção é denotada com primor. O que busca-se em O
Elefante de Marfim é uma conjunção de ambos os campos de atuação sobre a escuta ao mesmo
tempo.
22 .15.3.3. A Escuta Subverte A Personagem: Dar vida a indivíduos claros e bem
definidos pode parecer a virtude mínima de um dramaturgo, mas criar o contraste entre sua
caracterização personalizada e as figuras estereotipadas pela cultura antecessora provoca uma
considerável agitação no fluxo da ópera. Cada personagem pode ter seu próprio estilo sonoro,
um canto que o desconstrua, talvez sua fala só surja em legendas.
22 .15.3.3.1 . A Voz Humana Nua: O hiper-recitativo, a emoção desordenada
de um contínuo grito do coração do intérprete através de sua personagem servindo de
partitura. A plastisonia emocional em tempos de sentidos incompreendidos
hiperdisciplinados. Sofia não disciplinava os arroubos dos intérpretes, mas os
amplificava quando ocorriam em cena, e fazia questão de explicitar ao público que
aquilo não fazia parte da psique da personagem.
22 .15.4 . Eidoestesia Operística: Algumas características centrais da operação artística enquanto
política formal da forma política, na atualidade, são: A arte se torna uma declaração explícita de que
somos incapazes de resolver os problemas planetários mais sérios e que considerar suas resoluções é
“irrealista”. A arte se torna mesmo parte destes problemas ao encobri-los e maquiá-los sob alcunhas da
subjetividade coletiva, sua criação da realidade. A arte demanda recursos imensos em aspectos
desnecessários de sua produção, como o desperdício proposital de materiais em prol de certas escolhas
estéticas, aceitando este tipo de postura simbólica também na política. Este mesmo tipo de conduta
leva a arte a se obrigar a criar um campo amplo de práticas e instâncias que são expressões de
preocupações irrelevantes (sob a alcunha do estilo) e de modificação sensível modesta, quase-simbólica,
em minúsculos passos e meias medidas que só mantêm os artistas atuando a estipêndios de miséria.
Embora comumente combinadas com as políticas do medo, esta estética do medo pode melhor ser
pensada como uma arte da impossibilidade.
22 .15.4 .1 . Cognestética Complexista Ab_ismal: Consideremos, no entanto, uma
estética do optimismo: O realismo pode melhor ser definido como o que está dentro de nossas
capacidades subjetivas e necessário de acordo
com as demandas locais. O belo pode ser
nossa capacidade de criar e depôr soluções
para os maiores problemas do mundo, e a
magnitude das consequências das falhas
(ambas as nossas e das gerações porvir)
demandam que ajamos imediatamente em
prol da divisão dos conhecimentos e das
sensibilidades. É possível que os atos de
intervenção estética (a operação
artístico-social) sejam realizados de tal
maneira que os prospectos da maioria das
pessoas no planeta sejam melhoradas.
Enquanto certos custos ocorrerão, os
retornos destes investimentos serão
atrativos, não apenas à estabilidade
economológica das redes cognitivas, à
segurança internacional e ao bem-estar
humano, mas em termos de prosperidade
criativa de modos de vida diversos. Tais
soluções irão fazer o futuro melhor que o
presente para que quase todos que desejem,
se tornem apreciadores da experiência vital.
Assim, quando a arte se mantém no papel
crítico, ela perde o tempo em que poderia estar
descrevendo as soluções e criando as estruturas de futuros possíveis. Mas além disto tudo, a arte
não cessa de ocupar as pessoas, o espaço, ou o tempo. Ela ocupa a vida.

22 .15.4 .2 . A Arte Enquanto Ocupação, enquanto um gesto público (mesmo que em
solidão), é um comprometimento vital. A autonomia artística foi tradicionalmente predicada
não à sua forma de ocupação, mas à sua separação da vida cotidiana enquanto sacralidade desta.
Ao mesmo tempo que a produção artística se tornou mais especializada na sociedade
industrial, marcada pela crescente divisão do trabalho, também cresceu sua separação de uma
funcionalidade direta, representativa. Enquanto ela aparentemente evadia de qualquer
instrumentalização, simultaneamente perdeu sua relevância social. Enquanto uma reação,
diferentes vanguardas tentaram romper as barreiras da arte para recriar suas relações com a
vida. Suas esperanças eram de que a arte se dissolvesse na vida e fosse infundida numa
revolução cotidiana dos sentidos. O que ocorreu foi drasticamente o contrário.
22 .15.4 .3. A Vida Artificializada, as práticas diárias tornadas rotinas estéticas, os
hobbies feitos ocupações, mostram como a arte se tornou entretenimento memético. Hoje, a
invasão da arte na vida não é a exceção, mas a regra. A autonomia artística que deveria separar a
arte da zona de vivências cotidianas – da vida mundana, intencional, útil, produtiva, e do
pensamento pragmático – de modo a distanciá-la das regras de eficiência e coerção social. Mas
esta área incompletamente segregada, então, incorporou tudo aquilo que havia quebrado de
princípio, restaurando a ordem antiga dentro de seus próprios paradigmas estéticos. A
incorporação da arte dentro da vida já foi um projeto político (tanto da esquerda quanto da
direita), mas a incorporação da vida dentro das artes é agora um projeto estético, e coincide com
uma estetização generalizada das políticas.
22 .15.4 .3.1 . Bernardo Paz em momento algum de todas as suas entrevistas
fala da obra de nenhum de seus artistas, mas apenas de seu museu, de sua obra de
população estética geracional. Trabalhando por compensação, Inhotim alimenta a
inflação simbólica de obras supervalorizadas, desprovidas de aura, que em sua tese
demandam a extração mineral e a destruição ambiental. Inhotim é uma educação ao
consumo estético-virtual. A pedagogia de Inhotim elabora sobre a arte a mais-valia
extrativista.
22 .15.5. Teoria Musicante: Dizer que uma estética explica uma ou outra obra é afirmar que há
uma relação entre um processo de criação
de contexto e a poética própria do texto,
independente da questão se o mundo
real, como um todo (o audível aural) se
ajusta àquela teoria. É possível ouvir
Bach laicamente e Mozart longe da
corte? Debussy podia estetizar as marés,
que ele realmente o fez. Ao mesmo
tempo, podemos acrescentar que essa
obra, afinal de contas não é
representativa. Logo, seria inconsistente
se com a primeira afirmação quiséssemos
dizer que Debussy tinha uma estética das
marés. Debussy fez uma maquete de mar,
Bach uma maquete de Deus que talvez
seja por esta humildade maior que a sua
igreja. Toda estética é política ou policia.
22 .15.6. Teorema Musical: Uma
avaliação do poder mimético geral de
uma estética é menos problemática e
mais relevante, como uma avaliação do
estado do conhecimento sensível, que uma avaliação das explicações estatísticas de ocorrências isoladas
das obras que a fundamentam. É mais fácil se chegar a uma teoria geral sobre uma metanarrativa
artística ( John Cage: acaso, não-intenção, intuição, etc.) do que compreender cada uma das exceções
em sua obra (as partituras, a poética das palestras, etc.). A estilização é um teorema que subjaz às
mensagens específicas de cada obra, ao mesmo tempo embasando-as quanto delas tirando seu próprio
sentido.
22 .15.7. Relato Sonoro é a construção de uma situação que, depois que os parâmetros iniciais
estão fixados, se move em direção a sua conclusão com um tipo de necessidade, inexoravelmente –
retrospectivamente, “inevitável”, teleonômica. A acuspoesia (arte sonora) está diretamente ligada ao
teorema de sua estética aural, neste sentido é teleosófica (assume transparentemente seu processo). Sua
metanarrativa demanda o processo estético. As estéticas estilísticas mostram apenas como os eventos
puderam acontecer como aconteceram dentro da subjetividade compositora, mas não a justificam. Tal
vínculo une o conceito, o contexto e o conjetivo (a entrescuta, ou modo de conexão entre sujeito e
objeto).
22 .15.7.1 . A Causalidade Estética é a relação entre eventos, não podendo ser
identificada nem com a eficiência sensível de processos estésicos. Não podemos dizer porque
gostamos de uma obra, mas apenas afirmar que certos eventos que incluíam a obra causaram-nos
tais e tais processos estésicos e de compreensão estética. A formulação exata não é importante; que
os termos relacionados sejam eventos (inclusive os processos e estados de coisas momentâneos
ou duradouros) é muito importante.
22 .15.8. Arranjo: Quando algo é mencionado como causa (tema, motivo, inspiração, projeto)
isso não quer dizer que tal partitura fosse suficiente para produzir a obra experienciada. Dizemos que
essa música se deu por conta deste arquétipo harmônico, embora saibamos que sua percepção seja para
poucos já que a pulverização deste campo aural seja entremeado de uma infinidade de outros aspectos
do arranjo.

22 .15.8.1 . Há dois problemas em reformular isso do seguinte modo: uma causa
estésica é uma condição necessária. Em primeiro lugar, nem toda condição necessária de uma
obra é uma causa. Um improvisador sauvant pode ter chego a resultados sensíveis iguais
àqueles que se chegou através da estruturação. Em segundo lugar, uma causa pode não ser
necessária, a saber, causas alternativas poderiam ter conduzido ao mesmo resultado. Nada nos
impede de imaginar que se A Sagração da Primavera contivesse cantos balineses sobre uma
base de rap, iria causar tanto ou mais furor na plateia de sua estreia. Se a música tivesse aquele
arquétipo harmônico (e tudo mais tivesse sido igual) então ela se dá da forma que deu.
22 .15.9. Instantspecific: Há uma variável contextual que é crucial para o valor sensível do
enunciado estésico condicional do estilo estético. Vamos supor que um maestro se diga em silêncio,
que certa ligatura leva a um crescendo, e então diga em voz alta à orquestra: “Se Briars tivesse feito
uma ligatura não ocorreria o crescendo.” Suponhamos que outra pessoa da orquestra, conhecendo a
prudência deste músico, sabe que ele nunca faria a ligatura ampliar a dinâmica daquele momento da
partitura, e dissesse: “Se Briars tivesse feito a ligatura, teríamos caído em um crescendo, mas não
caímos.” A quem fica a decisão de executar a ligatura e de levar a orquestra a um crescendo neste
momento, ao maestro ou a Briars? Se Verdi e Bizet fossem compatriotas, eles seriam franceses ou
italianos? Qual o papel da sensação de harmonia contextual subjetiva na produção do motivo causal na
escuta e soação crítica?
22 .15.10. A Partitura é um experimento de
poderes abstratos: O que a partitura oferece além da
capacidade inferencial de predição e retroedição? Ela
oferece conhecimento sensível dos mecanismos de
produção e propagação de estruturas no mundo. Isso vai
um pouco além do mero reconhecimento de
regularidades e da possibilidade de subsumir
fenômenos particulares a elas. O que a ampliação
experimental da notação musical nos mostrou é que a
pergunta por uma relação causal foi substituída pela
pergunta: O que é um processo relacional e uma obra
interacional? Cada montagem de uma composição é
uma série espaço-temporal contínua de eventos (uma
veste sonora, Inuksuite). A duração, a continuidade é o
cerne da escuta e sua estruturação precede a qualquer
tentativa melódica ou harmônica.
22 .15.11 . A Ultrapassagem do Musical em
relação ao estético (por seu ruído científico) ocorre
porque, embora seu movimento tendendo ao infinito,
sua estética consiste em exibir apenas a parte relevante
da rede sensorial que conduz aos eventos que o
compositor quer que seja apresentado. Os intérpretes
sempre utilizaram modos de leitura partitural
alternativos de modo a se libertar das regras impostas de repetição (a teatralização da música),
ampliando tanto as formas de escrita e captura quanto de possibilidades sonoras. Em alguns casos,
precisamos apenas apontar um processo particular que conduza ao evento em questão. Em outros
casos, somos chamadxs a inferir a confluência dos eventos, ou sua correlação clara, e fazemos isso os
remetendo às bifurcações, isto é, às origens comuns dos processos de escuta e soação. Um maestro pode
formar uma orquestra começando com músicas muito simples de uma nota (Ligeti), passar a outras
mais complexas (Arvo Part) ou apenas agir como curador do modo de soação de cada participante.
22 .15.12 . Propriedades
Globais dos Estilos: Ter uma
explicação (mesmo que tácita)
para um fato sensível é ter
(aceitado) uma estética que seja
aceitável para a criação de tal
sensibilidade a partir de um gesto
poético. Como uma estética pode
explicar uma sensação e não
outra, toda estética é singular e se
embasa sobre um sentido. A
formulação das metanarrativas
hipermodernas nas artes, como
nas partituras pós-seriais, e num
sentido mais geral na
aproximação cada vez maior da
música em relação à
psico-sonologia formam também
um estilo possuindo certos
aspectos além da aceitabilidade. A
relação entre a estética e esse
sentido político de aceitação pode
ser chamado de um aspecto local
da estética, e as características
que pertencem à estética tomada
como um todo, aspectos globais.
22 .15.12 .1 . A
Estética Teatral
Adramática espera que
você pense o texto e
somente o texto (seja
esperto perante a
violência e se isente do mundo, seja sensível formalmente à crueza geomática e leia os corpos
como esculturas), mas que, mesmo assim, aja estupidamente (agora sem ingenuidade e sem
culpa), simplesmente veja como se faz sem querer agir também. Algo que nos leva a um ponto
fundamental para a compreensão do cinismo estético contemporâneo: a possibilidade de um
enunciado ser quebrado em duas partes, uma que diz respeito ao indivíduo (a companhia de
teatro), sua crença e seu modo de ver o mundo, e outra que diz respeito ao público (plateia).
22 .15.12 .2 . “É claro que a peça é sobre a libertação, mas como diretor de teatro preciso te
prender no assento”. Uma dualidade castradora entre o sujeito do enunciado e o sujeito da
enunciação. Tal dualidade permite que o “eu” se coloque, produza um enunciado sobre o
mundo (a partir de discursos ideológicos est-éticos subliminares) e sobre as coisas (sempre
negando qualquer viés político), e ao mesmo tempo, se isente das consequências e das
responsabilidades derivadas deste enunciado. Trata-se de uma gestão cínica da vida (um
policiamento) em que é possível assimilar os princípios do capitalismo e ao mesmo tempo não
aderir a eles. Ou melhor, trata-se do gesto dúbio de aderir pela não-adesão, e de não aderir pela
adesão.

22 .15.13. Na Comunidade Artística de consumidores
de representações, a estupidez estratégica puramente estética
(sempre negada enquanto política sensível do biopoder) significa
criar intervenções ligadas à arte, ao prazer desinteressado, às
empreitadas sem sentido da mudança social e do relacionamento.
No domínio serializado do capitalismo industrial, esse convite
não era ainda possível, na medida em que se deveria eliminar da
esfera da produção tudo o que pudesse resultar em disfunção e
excesso. Mas no mundo da próera (ivory wave, pó de marfim) é
aquele no qual as precariedades do trabalho material convivem
com os processos “leves” e “dinâmicos” do trabalho imaterial.
Artísticos são os produtos, serviços e slogans que precisam se
sofisticar (precisam se tornar “espertos”), assimilando processos
críticos e transgressivos outrora identificados ao campo da arte.
Nesse mundo, a invenção encontra pleno espaço, desde que dela
não derivem maiores consequências, efetivas e dissensuais, em
nosso cotidiano.
22 .15.13.1 . A Estética Cínica, afinal de contas, é o que faz com que esse texto tenha,
muito rapidamente, seu sentido esvaziado e seja, desde as primeiras linhas, um gesto crítico
fracassado: ele nunca faria melhor do que a própria representação teatral operística a tarefa de
explicitar reflexivamente suas estratégias
de propagação subjetiva da valoração de
si. Ser crítico nesse caso é reafirmar algo
que já foi afirmado e ironizado pela
própria estética que nega a política. E
mais, ser crítico, nesse caso, é negar
valores que, historicamente, constituem
a força motriz do pensamento crítico: a
invenção, a transgressão, a autonomia, a
ironia... Por fim, a representação teatral
que nega o drama desarticula, em seu
âmago, a possibilidade da crítica: ela
sugere que qualquer tentativa de
reflexão, como a que arriscamos neste
projeto, nos leva a querer representar,
logo, a negar o vitalismo da vida em seu
poder de invenção puramente formal.
Nesse contexto, parece-nos, a crítica
teatral se torna tão mais inviável quanto
necessária, urgente: sua potência está,
assim, em se confrontar e lidar com sua
própria impotência, com sua falência.
22 .15.14 . A Pragmática Artístico-Linguística é onde localizamos a conceitualização da
experiência estética, a imersão estética na linguistificação da experiência. Os fatores fundamentais na
situação linguística, concebidos pragmaticamente, são o falante-compositor, a entidade sintática
(gesto ou gestos sentenciais), a audiência-ouvinte, e as circunstâncias factuais ruidísticas. Qualquer
fator que esteja relacionado com a audiência é tido como fator pragmático ou contextual.
22 .15.14 .1 . A Auramática pode ser um acordo tácito entre compositor e ouvinte (ou
um compromisso unilateral da parte de cada um deles) para, em suas inferências poéticas,
serem guiados por alguma coisa mais que a simples lógica. Há uma hormonia contextual que
leva à estruturação das prosódias e retóricas musicais, há uma música aural de entrescutas na
formação do des-encanto. Há um compromisso mais ou menos geral de não se chamar um
barulho qualquer de música. O compromisso auramático ao contrário, demanda uma
metalinguística da pragmática.
22 .15.14 .2 . A Auricultura clama uma certa suspensão da descrença ao ouvir
qualquer coisa, um compromisso (ao menos momentâneo) com um mundo retratado por cada
teoria, por cada pintura, cada romance, determinando em sua situação linguística o que foi
dito relacionalmente e o modo pragmático com que o faz. Não cabe ao público acreditar ou
não se um artista diz que tem ou não uma política ou ideologia, mas sim buscar compreender
qual é esta e de que maneira ela se mascara e apresenta. O motivo é aquele fator sobre o qual o
compositor tem mais controle ou não tem controle algum.
22 .15.14 .3. A Arte nos dá um retrato do mundo como uma rede de eventos sensíveis
interconectados, relacionados uns com os outros de uma forma complexa, mas ordenada. Os
eventos sensíveis (estesias) estão emaranhados em uma rede de relações contextuais-abstratas. O
que a arte apresenta é essa rede. Uma explicação estética para pôr que uma sensação acontece
consiste (de forma característica) em mostrar os fatores salientes na parte da rede de sensações
formada pelas linhas que conduzem à obra. Tais fatores salientes mencionados em uma
explicação estética constituem seu motivo ideológico, seu projeto de escuta.

22 .16. Negentropia Elefante: Princípio Entrópico da Polifonia Mínima: Há tantas causas para
uma obra de arte quanto explicações estéticas desta. Consideremos como a causa de O Elefante de Marfim
possa ter sido delimitada por um terapeuta sonoro como escuta múltipla, por um ator advogado de direito
autoral como negligência por parte da compositora, por um construtor de palcos como uma resistência civil da
operação social, por um costureiro urbanista como gesto musical preciso. O aspecto saliente selecionado como
“a causa estética” naquele processo complexo é saliente para dado modo de escuta por causa de sua orientação
relacional, seus interesses e diversas outras peculiaridades em sua abordagem, sua harmonia contextual.
22 .16.0. Em certo sentido, essas respostas diferentes não podem se combinar. O urbanista dá por
estabelecido a constituição mecânica da música, e ressoa sob a convicção de que, independentemente
de erros interacionais
(como o direito autoral),
a obra seria a mesma. O
construtor dá por
estabelecido o ambiente
acústico; apesar do
ruído urbano dificultar
a precisão da escuta. O
que um faz variar, outro
deixa fixo, e não se pode
fazer as duas coisas ao
mesmo tempo. Esta
tensão, este intervalo
relacional é vital para a
poliauria da encenação
de O Elefante de
Marfim. Em outras
palavras, a escolha
pessoal do fator causal
saliente não é uma
questão de apontar o
fator mais interessante, não é como a escolha de uma atração; trata-se de uma questão de competição e
colaboração entre contrafactuais.
22 .16.0.1 . O Exame das Caracterizações da ópera parece estabelecer que os fatores
explicativos devem ser escolhidos a partir de um âmbito de fatores que são (ou que a estética
mostra como) subjetivamente relevantes de certos modos especiais – mas que a escolha é então
determinada por outros fatores que variam com o contexto da solicitação de explicação, o
projeto. Em suma, nenhum fator é explicativamente relevante a menos que seja esteticamente
relevante; e dentre os fatores artísticos relevantes, o contexto determina aqueles que são
explicativamente relevantes.
22 .16.1 . Modo de Questionamento Interpretativo: Uma outra abordagem à explicação projetiva
é a que consta no inicio do procedimento de portituração aqui presente. Em primeiro lugar, o gesto
sonoro se assume como uma explicação daquele impensável intuitivo que surge na obra final de
Stockhausen. Mas, por que o questionamento seria menos imperativo que a ordem? A questão só surge
quando é apropriada empiricamente. Senão diríamos: “O som não pode ser usado para representar
nada e não pode ser usado como explicação de qualquer coisas que não ele mesmo.” A negativa da arte
enquanto linguagem, sua irresponsabilização perante certo tipo de perguntas quanto à sua motivação
só mudam o campo onde sua linguagem atua por mímese. Uma obra que não se queira teatral tende a se
aproximar da plástica formal ou da escultura, por exemplo.
22 .16.2 . Que São Portituras? Propomos que as portituras não são o mesmo que uma
proposição do teorema estético, ou um argumento sinestésico de uma ideofonia, ou uma lista de
proposições; elas são perguntas-respostas. De maneira análoga, uma obra não é o mesmo que uma
estética, mesmo sendo todas as obras estéticas, e sendo cada estética uma obra. Uma portitura é uma
pergunta-resposta sinestésica que fecha um ciclo tautológico entre relações sensíveis, gestos poéticos e
conceitos subjacentes. Assim, uma estética portitural deve ser uma estética questionadora dos sentidos.
Uma estética do questionamento lógico-sensório?
22 .16.2 .1 . Acuspoetas: Os músicos filosônicos têm construído uma série de modelos
de nossa linguagem, de complexidade e sofisticação crescentes. Os fenômenos aurais que eles
procuram salvar são a gramática superficial de nossas asserções e os padrões de inferência
detectáveis em nossa escuta. A distinção entre lógica musical e a psicoacústica fonológica está se
tornando vaga, embora o interesse dos musicólogos se concentre em partes especiais de nossa
linguagem, e requeiram um ajuste menos fidedigno à gramática superficial, permanecendo
seus interesses altamente teóricos, em todo caso.
22 .16.2 .2 . As Entidades Aurais apresentadas pelos musicólogos em seus modelos
linguísticos incluem domínios do discurso sonológico, fatos e proposições psicoacústicas,
valorações antropocósmicas e, por fim, contextos harmônicos aurais. Como se pode inferir,
assumo como parte do experimentalismo insistir que a adequação desses modelos não requer
que todos os seus elementos possuam correlatos na realidade. Eles vão ser adequados se se
ajustarem aos fenômenos a serem salvos.
22 .16.3. Musicalização: Os cursos de música elementar nos apresentam aos modelos mais
simples, as linguagens da música
sentencial (melódica) e
quantificacional (harmônica)
que, sendo as mais simples é
claro que são as mais claramente
inadequadas para a compreensão
do mundo em sua complexidade.
Estando a maior parte dos
professores de música de alguma
forma na defensiva a este
respeito, muitos estudantes de
música, saem com a impressão
de que as supersimplificações
tornam a matéria mais
complicada que a complexidade
do audível real. Alguns desistem do “sacerdócio”, enquanto outros, impressionados com os usos que a
música elementar efetivamente tem (elucidando a matemática clássica, por exemplo), concluem que
não vamos entender o som natural até que tenhamos ouvido como ela pode ser arregimentada de
forma a se ajustar àquele modelo simples de repetição mecânica.
22 .16.3.1 . Linguísticas Sonoras: Na sonologia elementar, cada sentença corresponde
porém a um dado examinável por experimentos que não dependem de intermediação humana.
As proposições musicais podem nela, portanto encontrar sua função de verificação
experimental. Isto também é verdade a respeito de tais extensões da música elementar como a
música livre, e a música modal e, de fato, quase todas as músicas estudadas até bem
recentemente. Mas é claro que as sentenças da sonologia são caracteristicamente dependentes
de contextos.

22 .16.3.2 . A Ciência Partitural primeiro identifica certas entidades aurais


(construtos matemáticos), cada uma das quais tem uma valoração dentro da estética estilística.
Então apresenta o contexto, tendo como sua tarefa principal o trabalho de escolher, para cada
escuta a soação que ela expressa naquele contexto. Em geral, o contexto aural (os
ouvintes-compositores) vai escolher a escuta soada para dado gesto poético por meio de uma
escolha de referentes para seus aspectos formais. Ocorrem variáveis contextuais interferentes
em qualquer ponto destas escolhas. Dentre tais variáveis, há as pressuposições dadas por
pacíficas, as estéticas aceitas, os retratos aurais do mundo ou paradigmas que receberam adesão
naquele contexto.
22 .16.4 . Axialismo Complexista Ab_Surdo: Um exemplo simples seria o âmbito de audíveis
concebíveis(escutáveis) admitidos pela compositora como possíveis; essa variável desempenha o papel de
determinar o valor estésico das proposições sensíveis (os modos de soação) a partir daquele contexto
relativamente às pressuposições da escuta, seus preconceitos e pragmáticas. Uma vez que tal papel central é
desempenhado pelas reações relacionais da escuta a partir de suas experiências, todo estilo tem uma
estrutura razoavelmente complexa.
22 .16.4 .1 . Minimaxialismo: Aqui, uma hipótese simplificadora entre em combate:
Os gestos poéticos podem ser identificados apenas através dos mundos nos quais eles estão
atuando. Isso simplifica o modelo consideravelmente, pois nos permite identificar uma
proposição com um conjunto de mundos possíveis, a saber, os mundos onde aquela obra comove.
Isso permite que o estilo seja uma estrutura complexa, admitindo operações interessantes,
embora conservando a estrutura de cada proposição individual muito simples. Tal
simplicidade (minimalista?) tem seu custo. Apenas se os fenômenos forem simples o
suficiente, os modelos simples vão se ajustar a eles. E, às vezes, para conservar uma parte do
modelo simples, temos de complicar umas tantas outras.
22 .16.5. Eu Sou Um Elefante, Madame: Qualquer soação implicada por um gesto poético é
um gesto sonoro que implica uma poliauria (multiplicidade transversal de escutas). Mesa de discussão
acaendêmica de professores com propriedades sobre seus assuntos, focando as divergências de tradução
hermenêutica ao invés de ouvir o que diz a obra e agir com o coração cheio de amor e bondade sincera
(perdão pela terminologia moral). Cremos que a questão importante é que deveríamos encarar a
tipologia de perguntas apresentadas nesta portitura como incompleta, para ser completada como for
necessário quando tipos específicos de questões forem estudadas.
22 .16.5.1 . Questões Em Cada Nota: Finalmente, que questão está expressa por dada
interrogação? Isso é altamente dependente de contextos, em parte porque todos os termos
dêiticos usuais aparecem em interrogações. Se digo “Qual seu ponto de escuta?”, o contexto
determina um âmbito de sons que nosso “qual” percorre.
22 .16.5.2 . A Resposta É Outra Obra-Pergunta? Um conjunto de alternativas e uma
solicitação de uma escolha dentre essas alternativas e, possivelmente, de certa informação
sobre a escolha feita (as alegações de distinção e completude). O que são esses dois fatores pode
não ser explicitado nos gestos poéticos utilizados para formular o questionamento, mas o
contexto tem de determiná-los exatamente se ele for capaz de produzir uma interpretação
destes como uma relação à pergunta primeira. Como gerar uma partitura para a diferenciação?
22 .16.6. Causalidade Sonora, Desejo Musical: Os principais problemas da estética filosônica
dos gestos soantes são dar conta das rejeições legítimas de solicitações de explicação conceitual e das
assimetrias entre contextos relacionais e abstrações conceituais. Esses problemas são resolvidos com
sucesso pela estética tautológica como foi até aqui desenvolvida. Há na arte (musical em específico)
uma covardia onde se pode mascarar qualquer desejo e motivação, que sua estética nega. Quantos artistas
pregam a bondade de maneira ímpia e(ou) dizem abster da política e policiam ao se eximir de qualquer
responsabilidade? Não acreditamos numa beleza que não possa ser justamente boa.
22 .16.7. Metautoria: Há pelo menos três maneiras nas quais umx artista pode ser avaliadx. A
primeira diz respeito à avaliação da própria obra, como aceitável ou provavelmente relevante. A
segunda, diz respeito à
extensão na qual a obra
favorece um tema em
detrimento de alguns
elementos seus através de
focos de contraste. O
terceiro diz respeito à
comparação de porque a
obra com outras possíveis
relações com outras obras
sobre o mesmo tema; e isto
tem três aspectos. A obra
pode ser mais provável
que as outras,
modificando o foco geral
sobre o tema; tão
relevante quanto,
complementando as
lacunas das outras obras;
ou total ou parcialmente
irrelevante. Categorias muito imprecisas: está chovendo e não está chovendo.

22 .17. Probabilidade Elefante: A Nova Tonalidade da Escuta Estética: Os estruturalistas da
escuta estão lidando com as modalidades transmusicais ao reificarem certas entidades acústicas
correspondentes. Assim, na estética da tomada dos espaços e do tempo, na qual possíveis trajetórias sonoras e
dos ouvintes desempenham um papel importante; já se afirmou que o próprio espaço-tempo é uma entidade
de relevância musical, substancial e concreta (Formas Sonoras Contínuas).
22 .17.1 . A Estetística: A probabilidade não se encontra apenas nas ciências estésicas como a
acústica, a estética da probabilidade é amplamente utilizada na arte hoje porque fornece os
fundamentos da estatística, e os métodos estatísticos se tornaram uma ferramenta fundamental em
todas as artes, tando puras quanto aplicadas. As valorizações modais em prol de certas questões aurais
em Messiaen incluem certo número de assimetrias (erros) probabilisticamente calculados de modo que
relevem possíveis erros do compositor e intérpretes da análise preciosista. Há certa aparência de que a
estetística lida com classes infinitas de estesias, mas essa aparência é enganadora. A razão é que os
métodos estetísticos são tanto mais confiáveis quanto maiores forem as gamas estocásticas às quais são
aplicados.
22 .17.1 .1 . A Maioria dos Casos refere-se ao longo prazo para as previsões estésicas. A
estetística enquanto probabilidade de comoção de uma obra diz respeito a enunciados sobre
proporção e distribuição em classes reais e finitas de afecções, e estas não provocam nenhuma
perplexidade filosófica. Se os usos de técnicas artísticas probabilísticas estiverem restritos aos
cálculos estatísticos apenas, podemos ficar tranquilos com estes também. Mas nem todos
estão.
22 .17.2 . Modotonalismo: Nas exposições
da nova abordagem estetística em acústica
(auditory display e sonificação), duas noções
intuitivas foram utilizadas: a probabilidade como
grau de ignorância estrutural das escutas
(psicoacústica audiológica) e a probabilidade como
medida de quantidades objetivas (estocástica), tais
como frequência de ocorrência, médias, tempo de
permanência. Um foco epistemestético e outro
filosófico. A modalidade é a economologia filosônica.
O livre arbítrio dos modos gregos de afinação. O
pantonalismo é um modo.
22 .17.2 .1 . Modos Aurais: A
respeito da modalidade, sustentamos que
problemas filosóficos importantes a
respeito da linguagem sonora (sua pretensa
linearidade evolutiva do modalismo à
estocástica passando pelo tonalismo)foram
mal interpretados como problemas
relativos aos processos simbólicos da escuta
e à estrutura antropo-social da música. Isso
não é nem um pouco novo, mas é a linha
tradicional da harmonia funcionalista, que
também foi seguida nas tentativas experimentais microtonais de desemaranhar as relações
entre harmonias a partir das relações entre ideias. Dar corpo a essa concepção requer, é claro,
uma prática na linguística da soação, uma teoria da linguagem musical, assim como uma
estética da arte.
22 .17.2 .2 . Experimentalismo Modal: Os modelos de uma estética probabilística são
ou têm partes que são espaços de probabilidade. Na interpretação que propomos, cada um desses
modelos é reconstruído como se consistisse em elementos que representam, cada um deles,
uma sequência alternativa possível de eventos-resultados. No máximo, uma dessas
consequências pode corresponder à sequência de eventos (tais como as obras) que realmente
aconteceram. Não se pode ter uma reconstrução de um modelo de uma estética, na qual cada
parte corresponde a algo realizado. Cada música clama pelo seu ruído próprio, e cada estética
compõe tanto com a música que cria quanto com o ruído que atrai.

22 .17.3. Adequação Experimental de Estéticas Probabilísticas: Nossa preocupação principal


nas seções anteriores foi elucidar o que é dito por uma estética que implica asserções probabilísticas.
Tentamos mostrar que se examinarmos um modelo de ópera assim, vamos ver um retrato de diversas
configurações diferentes nas sequências de resultados em um experimento repetido infinitamente (as
mil e uma faces do mito enquanto platô). Essas sequências de resultados (ópera, múltiplas opus) são
diferentes umas das outras, mas alguns aspectos são comuns a todas elas; e são esses aspectos comuns
que determinam a função estetística do modelo. A asserção de que esse modelo é sensível significa que a
série (ópera) atual de resultados experimentais (opus) vai mostrar esses aspectos comuns.
22 .17.3.1 . Opus: Contudo, somos logo detidos pela reflexão de que a série de
resultados reais pode ser finita. Acreditamos que o ajuste do modelo ao mundo nesse caso deve
ser encarado exatamente da mesma maneira que o ajuste do modelo aos dados obtidos em tais
experimentos até o momento. Esses dados, claramente, dizem respeito a uma série finita de
resultados, quer o longo prazo real de resultados seja finito, quer não. E a medição do quanto
um modelo probabilístico da próera se ajusta bem aos dados reunidos na experimentação.
22 .17.3.2 . Escutável Composicional: Se a série de obras é finita (à proporção de um
elefante para um humano), ela deveria ser encarada como uma amostra aleatória finita a partir
da série infinita modelo que, devemos acrescentar agora, pode ser a série de obras de quaisquer
experimentos estéticos nos quais são significativos os eventos realmente verificados nesses
experimentos.

22 .17.4 . Fórmula Elefante: {Σ=ƒ.[(ॐ.φ)/ψ]}. Uma linguagem é a função de um modelo de
afinação da escuta em harmonia com o todo sob o foco da filosofia filtrada pela psicologia da pessoa. O
modelo operístico sintetizado é uma entidade matemática anteposta a uma metanarrativa psicosocial
tautológica. O Elefante de Marfim é só um haikai. As subestruturas importantes correspondem a algo
sensível: a trajetórias experienciáveis potenciais, estados de coisas por serem feitas, possibilidades. As
sequências de eventos em (nossa reconstrução de) um ambiente de probabilidade correspondem cada
uma delas ao que acontece em qualquer ópera. Nossa insistência sobre a interpretação frequencial modal
da probabilidade (e, de forma mais geral, sobre a abordagem dos espaços de estados aos fundamentos
simbólicos) não nos compromete com nenhum tipo de posição metafísica.
22 .17.4 .1 . Ouvindo o Inaudível: A música enquanto modalismo aural parece muito
semelhante ao modalismo das entidades harmônicas (estéticas). Se examinarmos um modelo
estético, discernimos importantes subestruturas que não correspondem a qualquer coisa
observável na natureza acústica. De acordo com a auricultura (construtivismo da escuta) a
adequação experimental é a única demanda a uma soação, fazendo com que a musicalidade seja
aplicada à escuta de modo que amplie a escuta sobre qualquer foco de atenção desta.
22 .17.5. Filosonia do Hipermodalismo
(música sonora): A modalidade aparece na arte apenas
porque a linguagem sensível utilizada por uma
estética quando esta surge enquanto estesia é apenas
uma variação de um outro modo de produzir
sensações cognitivas. Isto reconduz o problema à
filosonia da música aplicada à sonologia, pois ele se
torna o problema de explicar o uso e a estrutura
musical como apenas um modo de um modo maior
de produção de sensações à escuta, da aurática.
Assim, se alguém pergunta: “O que mais há para
examinarmos na arte além dos modelos, dos
processos e obras e das relações entre estas?”
Podemos responder: “A estrutura da linguagem
utilizada em um conteto no qual uma estética foi ou
não aceita.” E o problema de fazer justiça à
modalidade (musical, por exemplo) vai ter sido
resolvido para a satisfação dos musicófilos se
pudermos explicar o uso e a estrutura musical sem
concluir que qualquer um que realmente a utilize
está comprometido com algum tipo de crença
metafísica nas correlações sociais prévias destas. A
música está para a representação e o entretenimento
como a aura está para a escuta e o ruído.
22 .17.6. A Música Acústica, Acuspoesia:
Em um contexto histórico no qual certa estética
artística foi aceita, certa forma de linguagem é
naturalmente adotada. A filomusia (a ideosonia
musical) esvazia a relevância social dos gestos soantes, pelo fato de a linguagem justificativa da música
separar a lógica formal da harmonia composicional da harmonia contextual, afastando as relações do
material inerente à obra dos relacionamentos entre as escutas produtoras de subjetivações aurais. A
linguagem com que se estabelece uma estética deriva das estéticas que aceitamos. Como permitir uma
estética inclusiva sob as formas linguísticas burocráticas em voga na projeção artística?
22 .17.7. Linguética: Deve-se lembrar aqui quais tarefas uma estética do estilo musical coloca
à escuta. Ela deve dar conta dos fenômenos relevantes; e esses são principalmente a estrutura
gramatical e os padrões de inferência subjetiva apresentados no comportamento morfogênico dos sons
geométricos (timbre, melodia, harmonia, intensidade, densidade, movimento, direcionalidade) e suas
consequências no psiquismo ouvinte. Os modelos que construímos, ao desenvolvimento de tal estética,
são linguagens (estilos) artificiais. Se o uso do estilo de soar é dirigido por uma estética artística aceita,
então devemos examinar aquela estética para construir modelos da linguagem em uso. O estilo estético
é uma parte do estilo natural, e não é essencialmente diferente de outras de suas partes.
22 .17.8. Entretenimento Teórico: Sem a
relevância social que necessitaria, qualquer forma de
arte se tornou mero entretenimento teórico ou
valorização da marca do pesquisador enquanto
fornecedor de produtos abstratos. Em relação ao
desenvolvimento da arte relacional (instantspecific),
sua estética modal e seus ramos que proliferam, da
recente linguística aural, vemos o desenvolvimento de
uma semântica formal e conectiva muito rica, mas que
(talvez por isto mesmo) não é levada em cosideração.
Nas estéticas modais, um estilo artístico é
caracterizado como uma especificação da estrutura dos
modelos para as estéticas formuladas naquele estilo,
mas não mais uma proposta geral a ser considerada.
Stravinsky musicaliza não só a partir de um léxico
coletivo (neo-classicismo), mas também das próprias
distinções de modos de escuta das diversas estéticas
musicais.
22 .17.8.1 . Obra: As obras de arte são
aquilo que chamamos de estruturas de modelos
de mundos possíveis. Por outro lado, na filosofia
da arte, muita atenção foi dada à
caracterização da estrutura destes modelos
como eles aparecem na literatura artística ao
invés de se levar a sério os questionamentos
estruturais propostos. O primeiro problema
central é o de juntar estes dois esforços
(entretenimento e pesquisa), porque, à
primeira vista, as estruturas de modelos
encontradas na semântica lúdica e as estéticas
artísticas (mesmo como são encontradas numa
concha feita brinquedo e fundamento
acústico) envolvem ainda modos sociais que diferem.
22 .17.9. Metaestética: O que tentamos fazer é caracterizar (fragmentos da) linguagem
aurática por meio de conceitos da semântica formal da poética estética, mas de tal modo que as
estruturas de modelos derivem de uma forma óbvia dos modelos das estéticas artísticas já existentes.
Não há nada de novo aqui, todos sabem o que é um elefante, música musicológica. Há um grande
trabalho que tem contribuído para isso, a maior parte dele em relação aos fundamento das mecânicas
acústicas e aurais. Milhares de pesquisadores e artistas estão todos os dias ouvindo detalhes cruciais
para que possamos compreender e sentir melhor.

22 .17.10. Próera Auricultural: Outra questão pertence ao desenvolvimento relacional de
redes de atuação e de pragmáticas de encontro para além da competitividade por subsistência. Precisamos
modelar situações poéticas de uma forma que reflitam como o uso da arte é dirigido à experiência, à
sensação, ao aprendizado polifônico e translinear, e principalmente ao encontro. Isso nos daria
automaticamente alguma compressão de como as mudanças nas estéticas aceitas precipitam mudanças
na estrutura da linguagem estética comum. Mas há mais que isso, precisamos desenvolver os conceitos
peculiarmente pragmáticos que sejam aplicáveis aqui (além de uma poética, uma poestética).
22 .17.10.1 . Banda de Orquestrações: Se, ao dialogar, fizermos uma suposição (que o
som da chave não combinou com a flor caindo na água), então, a partir daí, vai ser correto
afirmar o que se segue daquela opinião (retirar o som da flor ou da chave?), e incorreto afirmar
o que é inconsistente com ela (manter como está). Muitas outras coisas permancem corretas (o
som da chave e da flor podem continuar na obra, só não ali e juntos), porque obtemos
evidência para elas. Todavia, algumas coisas podem não chegar a um consenso, sendo
incompatíveis com aquela suposição (em prol da parte que se segue no roteiro desenvolvido
coletivamente retirar aquele momento pode estragar tudo). Uma vez que isto seja reconhecido,
não é grave dizer que eles dialogam como se acreditassem que a suposição é verdadeira.
22 .17.11 . Transmúsica: A música (esqueleto da escuta aurática) enquanto modelo de aceitação
estética envolve um compromisso
crescente com a complexidade das
relações entre sensações e estruturas
cognitivas. O fracasso da estética
musical não se deu no campo da
escuta propriamente, pois foi um
fracasso conceitual. Pois, na ampliação
das possibilidades de escuta e soação,
a estrutura formal de nossa
linguagem pôde mudar de modo a
melhor compreender as variáveis dos
modos sonoros e aurais. As estéticas
que desenvolvemos nunca são
completas, mas sempre complexas.
22 .17.12 . Compromisso de
Escuta: Somos muito mais flexíveis
no uso dos sons do que muitos
musicólogos parecem presumir;
estamos inteiramente acostumados a
suspensões de crença ou de
compromisso estético no diálogo
com os adeptos de estéticas que
pessoalmente não aceitamos. Isso nos
prepara para tais eventualidades. É
digno de nota que por mais que
tenham sido radicais as revoluções
artísticas, e por mais confusos que às
vezes se tornem os conceitos
estéticos e a experiência relacional
com os processos e obras de arte, os artistas nunca ficaram atados, mas sempre adaptaram de forma
bem sucedida (embora gradualmente) seus estilos às mudanças de maré da estética.

22 .18. Socioestesias Elefante: Dificilmente os governos e religiões consideram as artes como
neutras. Às vezes, as artes são condenadas. Mais comumente os governos sustentam certos tipos de arte,
estabelecendo fundações ou ministérios especiais para “a cultura”, ensinando certas formas de arte (mas não
outras) nas escolas públicas. Os mercados procedem de maneira similar. Os artistas, em geral, não têm poder
político de questionamento dessas regras, e se o adquirem é justamente por não questioná-las. Gosto não se
discute, se controla.
22 .18.1 . Os Julgamentos Estéticos de pessoas realmente interessadas na arte diferem muito
mais das que não são; esta variação comportamental é muito maior que as comparações entre diversas
etnias. O que devemos incentivar na arte, mais que a formação identitária é a produção crítica.
Transportar a arte de um estilo de vida para uma estética vitalizante. Embora pareçam existir alguns
critérios estésicos humanos, existem também, muitas variações. Em parte tais variações refletem o
material que um contexto dispõe aos sentidos e como estes se enredam na malha cultural. Caçadores e
coletores nômades dificilmente trabalhariam em cerâmica, uma vez que seria difícil transportar
objetos tão pesados; para eles era melhor tatuar-se. No entanto, para a maioria das sociedades, há
muitos materiais no ambiente com os quais seria possível trabalhar. A variação material sozinha não
explicaria, portanto, as mudanças simbólicas e subjetivas dos modos estéticos.

22 .18.1 .1 . Variabilidade Modal Artística: As mudanças ambientais e sociais


modificam profundamente as relações estéticas do indivíduo com a produção subjetiva. Dois
dos grandes exercícios da música coral ocidental são os longos uníssonos, o cantar junto, e as
polifonias estocásticas complexas. As pessoas (talvez inconscientemente) têm a tendência a
querer se destacar como indivíduos e ao mesmo tempo a buscar um consenso médio. Existem
comunidades em que ambos estes exercícios ocorrem em separado, como no caso dos Suriá do
Xingu.
22 .18.2 . A Exposição de obras de arte no mundo moderno, onde os meios de difusão
diferentes às vezes concorrem entre si para atrair nossa atenção, nos deixam tão acostumados a
experiências artísticas que muitas vezes precisamos fugir delas (o som alto dos vizinhos, a dança de um
amigo, etc.) Em muitos lugares do mundo ainda, porém, as pessoas não são forçadas a cada momento
a ver obras que se embasem em propostas estéticas de estilização (e portanto, artificialização) da vida.
22 .18.2 .1 . Arte Escondida: Há casos singulares onde a arte é escondida, não por
acidente mas, como escolha por outro modo de relacionamento sensível. Sofia Harmonia é
um desses casos, O Elefante de Marfim é sua primeira obra pública. Objetos-fetiche
escondidos em estojos, samizdat, templos subterrâneos, Lascaux, esculturas sem ponto de
vista em catedrais, crop-circles.
22 .18.2 .2 . A Arte Efêmera (a performance relacional e o acontecimento artístico) é
semelhante à arte escondida, poesias na areia pro mar levar, cartas que não são enviadas, teatro
sem texto, danças no escuro, músicas para ouvidos cerrados, imagens para vendas. Potlach
enquanto uma das formas das belas-artes. A renovação sazonal. Talvez eu somasse ao projeto de
um salão interventivo aberto em Inhotim um dia anual de limpeza coletiva, de potlach das
obras a serem doadas e ressignificadas, trocadas, remixadas.
22 .18.3. Por que algumas sociedades escondem mais sua arte que outras? Uma hipótese é a do
mantenimento da aura e do ritual estético pelo cuidado quanto à necessidade do gesto poético. Sempre
há o medo da censura, também. Outra
possibilidade é que a venda de subjetivações
leve os próprios sentidos a uma
reprodutibilidade técnica acima da
apreciação. A música sobrepujando a escuta.
Bem sabemos o quanto é doloroso este vício,
que pode ser observado em cada letra digitada
em O Elefante de Marfim. Esta fantasia de
que algum conhecimento confiável e
consensível nos reuniria de volta com a
sensibilidade (a crença estética), nos põe a
produzir soluções para problemas inventados
para serem insolúveis.
22 .18.3.1 . Mitosígnia
Elefante: É muito fácil fazer
interpretações diferentes de mitos, e
os estudos de pesquisadores e a ironia
de artistas, têm sido tão imaginativos
e irreais quanto os próprios mitos.
Décadas podem ser gastas explicando
a centralidade do papel do símbolo
mítico elefante nas artes, muitos
artistas podem surgir com
Dinossauros de Quartzo,
Rinocerontes de Jade, Tigres de
Opala e Leões de Ouro. Na ausência de uma sistematização sobre os mitos sobre a utilização
simbólica (mitosígnia) em cada caso, é impossível decidir por uma, fazendo com que
mantenhamos nossa crença de que a multiplicidade mítica seja a natureza formal do
conhecimento estético (gnosestética da eidosofia).

22 .18.4 . Estética Retórica: Um memorando é um poema, sim. Um projeto é uma ópera. Nada
difere um projeto de como ele é feito. Mas
quais as diferentes maneiras de se construir
um projeto burocrático de arte? Por
exemplo, na burocracia existe uma expressão
para certo estilo literário de projetos que
bem poderia ser usada para diversas obras
artísticas, o chamado “tirar o cú da reta”.
Este estilo consiste em substituir o eu por
nós, eu decidi por foi decidido e declarações
mais diretas por locuções complicadas,
abstratas e ambíguas. É interessante escutar
O Elefante de Marfim por esta ótica, ver
como de tirada da reta em tirada da reta
todos os modos de escuta (pontos de vista)
se livram de uma responsabilidade social do
gesto de produção da subjetividade,
protelando a tomada de decisões. Seguindo a
hipótese de que os discursos diretos servem
para a auto-promoção onde os erros não são
tão importantes e os indiretos ao
obscurecimento de si onde não há lucro no
destaque pessoal e os erros são inaceitáveis,
podemos ver uma dança de escutas na próera
toda.
22 .18.4 .1 . Discurso Complexista Ab_C: Com um estilo complexo é muito difícil
apontar onde se encontra um erro, e quem o fez. O artista pode sempre dizer que as suas obras
foram mal interpretadas, e que, de qualquer maneira, não eram dele aquelas ideias. Da mesma
maneira, porém, é muito propício aos órgãos de controle fomentar a complexidade imponente
ligada ao entretenimento, já que isto permite que toda obra seja dada como incompreensível se
não coadunar ao controle hedonista. A defesa da complexidade não é uma luta contra a
simplicidade mas a compreensão de que a soma de incontáveis simplicidades gera uma
complexidade. Além disto, é também a demanda pelo direito ao conhecimento científico e à
atuação social.
22 .18.4 .2 . Reiteramos a necessidade de crítica à leitura, de tomada de posição, de
abertura a qualquer forma de produção estética e de respeito mesmo para com aquelas que
discordamos. Pedimos ainda que nos contatem para dialogarmos sobre a obra e criar novas. O
Elefante de Marfim é um sintoma de um modo de produção, da fetichização alienante da
apreciação e experiência artística.
22 .18.5. Ab_Gesto: É difícil apresentar qualquer gesto que formule em si uma resolução de
um tipo de tensão eterna a ele próprio. Tudo é complexo demais para isto. Este projeto tem uma
proposta muito mais modesta. Pretendemos, apenas, mostrar algumas ligações entre teoria e prática
artística. Uma cognoestética sociológica nos parece, além de um pleonasmo, não uma busca por respostas
definitivas de como as coisas devam ser feitas, mas um gesto. “Como agir” é uma questão política e
(ou) moral que não pode ser respondida de maneira estética sem propor uma crença pragmática. No
entanto a socioestética, ainda assim, pode auxiliar-nos a entender algumas consequências obscuras de
diferentes formas de performance artística, o que pode ajudar na hora de tomarmos decisões sobre
como atuar.
22 .18.6. Burocratização da Invenção de Orfeo: Baseando-se em concepções que substituem o
respeito ao conhecimento e à obra de arte por pretensas virtudes humanistas, os políticos e as cidades
opuseram-se à estética violentamente. As culturas ancestrais foram desapossadas e desvalorizadas,
sendo perseguidas e sofrendo uma distorção caricaturizante de suas identidades simbólicas abrangentes.
Os modelos sociais de estilização novos, o entretenimento e o utilitarismo tecnologizante,
propagam-se pelas periferias ao mesmo tempo que o colecionismo traz consigo uma nova onda de
colonialismo subjetivo.
22 .18.7. As Estéticas de Entretenimento da Subjetivação realizado enquanto estética
hegemonista, quaisquer que tenham sido o caráter e a intenção primeira de seus fundadores,
tornaram-se essencialmente estéticas de Estado de caráter moralista. Permitem ao poder centralizado
impor um elemento de unificação a populações muito diversas por suas crenças estéticas, seus
costumes artísticos e rituais de relacionamento sensível. Vemos por toda parte essas estéticas, ao mesmo
tempo em que falam de amor, de igualdade, de caridade, servirem como desculpa e como instrumento para
as conquistas culturais e materiais.
22 .18.7.1 . O Modelo Religioso da Cultura Hegemônica: No Ocidente, o orfismo,
inserindo-se no dionisismo, desnaturou seu caráter de enfrentamento à violência
institucionalizada pela cultura hegemônica (as redes de poder oligárquicas). Intrigante que
tenhamo-nos esquecido de Lino, o irmão de Orfeo que viveu uma vida leve e doce e foi o
inventor da melodia e da harmonia (o músico comportado). De forma similar as seitas
ganapaty foram incorporadas pelo hinduísmo ariano, sem que contanto, se perdesse o aspecto
jovial de Ganesha. Orfeo é o primeiro músico, o pulsional percussivo; sua contraparte, Lino é a
aprendizagem da escuta após a tragédia do musical (o controlado). Nos textos que se referem
ao dionisismo não se encontra nenhuma referência ao orfismo, nem ao sacrifício do jovem
deus Zagreu, despedaçado por titãs. A música consoante pertence a Lino, a Orfeo pertence uma
música maior e mais perigosa, mas é Orfeo que consegue voar na medida certa e atingir o centro
do labirinto, enquanto Lino não deixa o jardim. Assim como o mito de Jesus lembra a todxs xs
interessadxs em amar e agir com bondade a punição por tais tentativas, o mito de Orfeo
apresenta o modelo básico de perseguição à música que expande a sensibilidade além do
conforto.
22 .18.8. Metassimbolismo: Os
aspectos estésicos (como aponta Cassirrer) da
cultura (linguagem, arte, ciência,
religiosidade) têm uma forma simbólica única
(o campo noético). O Orfismo surge como uma
espécie de reforma protestante no interior do
dionisismo. Sente-se ali a influência do
pensamento jainista, a tragificação da música,
a mistificação dos rituais de conexão com a
natureza, o aprisionamento dos impulsos
soantes e, principalmente, o esquecimento do
passado da humanidade. Este impulso de
tabla rasa é usual nas estéticas, quando se
estruturam. Até que ponto este processo do
orfismo não é relacionável com uma utilização
deste conhecimento da utilização simbólica
para uma centralização política, um
aparelhamento cultural e uma massificação
estética?

22 .19. Hegemonia Marfim: A ilusão hegemônica cultural mantém um véu sobre a impotência
humana. Baseada na vaidade social, é uma das características da cultura atual, como se pode observar no
supremacia moral da lógica ao mesmo tempo que do monoteísmo. As técnicas de êxtase e os rituais que nos
permitem tomar consciência da presença dos campos sutis da escuta sinestésica devem levar em conta a
totalidade do ser humano e seu lugar no cosmos, sua fragilidade. O princípio do mundo é indefinível, toda
existência implica a multiplicidade. O princípio está além da manifestação, além do número, além da unidade,
além da criação. Não pode ser apreendido pelos sentidos, nem pela ascese, nem pelas práticas mais rituais.
Como poderíamos então postular que chegamos a uma escuta final (sob o discurso pseudo-científico) de como
devem se desenvolver as comunidades humanas e suas produções de modos de vida?
22 .19.0. Aquilo em que os contrários coexistem: O humano, fazendo parte da criação só pode
conceber ou conhecer os aspectos múltiplos da experiência sensível. A hegemonia estética ou cultural é
uma aberração do ponto de vista da experiência estética. Oriunda de uma concepção cosmética
(superficialização cosmológica a partir da ética pessoal, sempre moralizante) que resulta na ideia de
uma causa primeira para a poética.
22 .19.1 . A Simplificação Hegemônica da Beleza parece ter-se originado de uma concepção
estética de mercadores, surgida entre os povos que procuram se afirmar em ambientes recentemente
urbanizados (superlotados), justificar sua ocupação de territórios e suas conquistas também através de
seus valores de beleza e harmonia. A beleza está no olho de quem a vê, a harmonia no ouvido de quem a
escuta. A estética é reduzida ao papel de um guia que acompanha os desejos de uma tribo em suas
migrações, dá instruções a seu chefe. Só se interessa pelo humano e, entre os humanos, pelos “eleitos”.
Torna-se um pretexto fácil para o genocídio, como bem o mostra Sofia Harmonia.
22 .19.1 .1 . Pedágio
Semiótico: Qualquer Um pode
conseguir, a partir da percepção
extática, entrar em contato com o
mundo misterioso da poética, cuja
natureza continua indefinível e
incerta. O problema começa
quando surge uma beleza pessoal e
única, ditando regras de conduta
que, na verdade, não passam de
convenções sociais e não têm nada
a ver com a estética ou com o
domínio artístico, os principais
artífices dos desvios do mundo
moderno. A hegemonia do
entretenimento é contrária à
experiência estética humana; não é
um desenvolvimento natural, mas
uma simplificação imposta. É
preciso que voltemos a estudar os
textos sagrados de maneira
sagrada, humildemente
compreendendo-nas como meras
obras de arte humana e a nós como
inaptos à cognição sensível de
todos as suas significações.
22 .19.1 .2 . As Estéticas Hegemônicas sempre tiveram como ponto de partida a
cooptação de um gesto poético genuíno, individual ou coletivo, tornando-os políticas públicas que
formam uma base ideal para as ambições expansionistas da cidade. A impostura da cooptação
(o império sobre os sentidos) está na origem da perversão artística, a industrialização da
criatividade, na burocratização da sensibilidade através da hermeneutização e mediatização
(pedágio semiótico).
22 .19.2 . A Estética Imposta sobre uma poética supera a obra até que a anule. Esta estética
(modo de vitalização) tornada estilo de
vida (consumo de possibilidades não
realizadas), cujas formações
inumeráveis outros pretenderão
interpretar (apenas ampliando sua
multiplicidade), serve de pretexto e de
escusa para a dominação subjetiva do
mundo por diversos grupos que se
acreditam “eleitos” a partir de suas
regras simbólicas, e também para um
orgulhoso isolamento das pessoas em
relação à arte enquanto sensibilidade
coletiva. A impertinência e o orgulho
com que os crentes de um estilo de
subjetivação atribuem beleza a seus
preconceitos sociais, alimentares,
sexuais, que aliás, variam de uma
região a outra, seriam cômicas se não
resultassem inevitavelmente em
formas de tirania.
22 .19.2 .1 .
Utilitarismo Estético: A
obrigação de conformar-se
com crenças estéticas e modos
de ação arbitrários é um meio
de aviltar e submeter a
personalidade do indivíduo, do
qual todas as tiranias, sejam
elas religiosas ou políticas,
sempre souberam se servir. De
um lado, há aqueles para quem
os investimentos em cultura se
justificam por permitir o desenvolvimento da “economia criativa”. Nessa visão, cultura é bom
porque gera empregos, turismo e desenvolvimento econômico. De outro, há os que vêem a
cultura como ponta de lança de serviços de assistência e integração social. Mais música e
menos violência - é o que alguns gostam de dizer, como se houvesse alguma forma de relação
direita possível. O que abre um perigoso flanco: se o índice de violência não baixar, o
investimento em música parece perder o sentido. Por fim, há os que compreendem cultura
como um mero complemento para a educação. Todas as ações culturais devem estar integradas
em um projeto educacional pedagógico.

22 .19.2 .2 . Arte Proibida: Há de lembrar a tais pessoas que a cultura ocidental
construiu seu lugar exatamente por meio da recusa dessas três tutelas. Platão e Rousseau, por
mais que enunciassem pensamentos distintos, tinham ao menos a similitude de ver a arte
como uma pedagogia para o bem-viver em sociedade. Não por outra razão, um expulsou os
artistas de sua cidade ideal e o outro brigava para não abrirem um teatro em Genebra. Afinal,
Cartola, Francis Bacon, Cicciolina e Paul Celan não são exatamente companheiros na arte da
descoberta do bem-viver. A arte serve mais para desestabilizar visões de mundo do que para
referendá-las.
22 .19.3. Indústria Cultural e Economia Criativa: Já a subsunção das discussões culturais aos
imperativos da nova “economia criativa” é só mais
uma maneira de justificar a lógica de mercador de
certos administradores culturais. Assim, eles podem
financiar o que circula mais, já que a alta circulação
é o critério fundamental para a avaliação dos
processos de produção econômica. Como
entretenimento sempre circulará mais do que críticas,
fica justificada a transformação do Estado em
departamento de desenvolvimento de subprodutos
culturais para a indústria. Aqueles que acreditam
que a cultura serve, sobretudo, para desestabilizar
visões de mundo e compreender a força crítica das
formas estéticas deveriam parar de falar em voz
baixa.
22 .19.4 . Poestética: Enquanto
comunicação através de formas simbólicas afloram
e são mais efetivas dentro de uma cultura, a questão
de uma comunicação transcultural é endereçada,
fortemente influenciada pela pesquisa nos estados
de transe induzido ritualisticamente em várias
culturas. O ethos estésico de uma cultura particular, consistindo das combinações ideológicas (os delírios
atômicos de genes do princípio), ecológicas, e culturais como os valores colocados em expressões de
emoções particulares, limitam as dinâmicas relacionais.
22 .19.5. As Formas de Arte Não-Discursivas articulam o conhecimento que não pode ser
renderizado porque concerne experiências que não são formalmente manuseáveis à projeção. Tais
experiências são os ritmos vitais, orgânicos, emocionais e mesmo mentais que sustentam o até mesmo
uma obra de arte que também inclua a discursividade como O Elefante de Marfim, e que não são
matematicamente simplifcáveis a fórmulas periódicas, mas a metasistemas complexos infinitáveis, e
ainda por cima sensíveis a toda sorte de influências externas porquanto existirem. Todas juntas, elas
compõem a dinâmica estésica. É este padrão incognoscível (de onde surge o pensamento intuitivo e
estético) que apenas as formas não-discursivas de símbolos pode apresentar. Ativar uma alteração
desta homeostase subjetiva-corporal é o ponto e propósito da arte.
22 .19.6. A Manufatura Subjetiva permite que certos elementos sejam deixados à
improvisação, à liberdade do momento, à criação daquele que está fazendo, à medida em que se está
fazendo. Isso, entretanto, é apropriado, essa liberdade que está lá na base da construção, é apropriada
pelo autor, pelo risco do autor, pelo traço do autor, pelo projeto que impõe sua mão. Essa
não-historicidade aparece exatamente no momento em que alguma coisa que foi movimento, o traço
no papel, se imobiliza no canteiro, na estrutura, no feito, congelando aquele movimento. Deixando só
o vestigio de um movimento que foi, mas que parou, que não está mais lá.
22 .19.6.1 . Arte, Subversão: A crônica da civilização é a história de uma ventura de
cooperação constante frustrada pela auto-destruição, e cada progresso é acompanhado de uma
eficácia do comportamento violento. A cada obra, um novo produto cultural. Nossa sociedade
industrial é tragicamente desequilibrada: ela consagra a maior parte de seus recursos a adquirir
poder de controle (menticídio propagandístico) através da destruição (psiquíca) e só investe
esforços insignificantes na pesquisa que poderia fornecer as verdadeiras armas da nossa
auto-defesa, a saber, o conhecimento sensível (cognestesia) dos mecanismos responsáveis por
nossa compaixão, comoção e violência (pathopatia) . Estes estão necessariamente ligados aos
processos estético-simbólicos que acompanham a fisicalização das abstrações e a sensibilização
surrealizante do ambiente. O papel da arte é construir nos seres humanos contra-estruturas
internas que possam resistir às pressões massificantes para o mantenimento da psique.

22 .20. Catarse Marfim: Simbologênese: O nascimento dos símbolos está ligado diretamente às
regulações retroativas que ela exerce sobre as tensões biológicas, afetivas e sociais que engendram. Pensamos,
com efeito, que todo organismo em via de desenvolvimento procura realizar normas de equilíbrio próprios à sua
espécie. Essas normas constituem sistemas de trocas e dádivas através das quais ocorre uma comunicação com
o meio; enquanto elas não se realizam, o organismo (órgão sem corpos e corpo sem órgãos, incluidos)
apresentam três modos básicos de reação: desenvolvem-se, destroem ou se destroem.
22 .20.0. A doença da espécie é estética (vício em prazer) e sua somatização é a arte
(perversidade sádica). Por não assumirmos nem simbolizarmos nossos conflitos, por até mesmo
deliberadamente os escondermos, não chegamos a transformar nossa auto-agressão coletiva e nossa
agressão às outras espécies (necessárias em outros tempos) em comunicação. Sofremos de um autismo
auto-gerido através da estetização sensível consentida. É a capacidade de simbolizar os conflitos que em
grande parte comanda, nos humanos, o processo de evolução e equilibração, mesmo fisiológico.
22 .20.1 . Signjetividade: Entre a subjetividade e a objetivação, a semiôntica. Mas simbolizar
não se confunde com falar. O discurso moral, religioso e mesmo científico, se não for vivificado por
uma crença estética, quer dizer, se não estiver enraizado em estruturas afetivas e relacionais
verdadeiras, tem apenas função de camuflagem, ela mesma de origem agressiva e rapidamente
desmistificada. Importa, pois, definir a palavra símbolo, correspondendo a quatro níveis de
organização e de eficiência da psique:
22 .20.1 .1 . Metáfora: representação de uma coisa por outra em virtude de leis
associativas (contiguidade, semelhança, contraste). Simbolizar seria direcionar uma atitude a
um objeto associado (generalização do estímulo condicional) ou exprimi-la mais em imagens e
palavras do que em gestos. Este nível simbólico não libera, porém, seu autor do sentimento
simbolizado. Uma criança que buscar expurgar-se da agressividade simbolizando em
brinquedos o faz de modo agressivo. Uma peça teatral violenta nos enfurece. Mais que
reguladora, a metáfora é estimuladora. A metáfora poliniza o sentido que carrega,
multiplica-o.
22 .20.1 .2 . Sonho: representação afetivamente motivada especialmente por pulsões
sexuais e agressivas recalcadas, donde sua ambivalência e polissemia. Caracteriza-se por uma
forma regressiva e puramente narcísica de satisfação cujo modelo é o sonho. Aqui não
procuramos mais uma catarse ab_reativa (vingativa, na mesma "moeda"), mas uma integração
da afeto ao eu. A quantidade insuficiente de sonhos, ou a insuficiência na sua elaboração, está
altamente correlacionada às formas elementares de agressividade.
22 .20.1 .3. Ritual: ainda como uma representação afetivamente motivada, mas não
unicamente por
pulsões; remte a
relações duais com
outros. Esta estranha
definição só faz
ampliar a estranha
etimologia da palavra
símbolo (sun-ballein,
de arremessar junto,
bater-se com): depor
as armas ao mesmo
tempo, para fazer as
pazes implica que se
tenha combatido
antes, e que se tenha
podido apreciar
durante o duelo o
valor e as intenções
não homicidas das
duas partes. Esses ritos sagrados nas fronteiras das eras, das raças, das tribos, são
paradoxalmente apaziguantes por sua crueldade mesma e transformam o ataque em
atachamento. Mas, enquanto no animal os rituais integram definitivamente a agressividade
numa relação, no humano a desritualização é frequente, os ritos sagrados se gradua em
metáforas, rapidamente desmistificadas, e a violência reaparece em sua brutalidade. Por quê? É
que o humano não está programado para funcionar somente sob o império de rituais, e ainda
menos de metáforas. Esses níveis de simbolização são apenas trampolins para alcançar um
quarto nível, que não passa de uma etapa rumo a uma comunicação personalizada num
discurso ideológico.
22 .20.1 .4 . Estrutura Relacional: representação socialmente codificada, triangulada
por uma lei. Aqui, a própria signjetividade surge como comunicação barrada por tabus que
confrontam o desejo estésico com ameaças. Esta intrusão violenta dos códigos culturais entre
a poética e a obra instala um modo de funcionamento estético entregue ao imaginário do
desejo; um novo sistema de trocas e dádivas, portanto, de comunicação entre os símbolos que
leva do narcisismo criativo (genialidade individual) a um modo convencional em que os seres
estão ao mesmo tempo separados e unidos pelo arbitrário tabu social. O próprio símbolo se
torna uma gramática simbólica.
22 .20.2 . A Violência eclode quando desistimos de resolver os problemas colocados pela paz:
Assim pensa o humanismo, de Ésquilo aos fundadores da ONU. A performance surge quando o teatro
não comove. A guerra está na natureza, a paz filha da cultura e do conhecimento, a começar pelo de
nossa agressividade e medo. Neste sentido, o teatro é uma arte histórica, enquanto a performance é
uma arte política. Mas quem não vê que esse otimismo cultural, acompanhado de pessimismo com
relação ao animal que existe em nós, é mais ideológico-estético que artístico-cognitivo?
22 .20.2 .1 . O Elefante dos Homens: Os lobos não se devoram uns aos outros e os
elefantes não abandonam crias de outras mães. Foi ao entrar na cultura que adquirimos estes
hábitos que julgamos selvagens. Sabemos, sobretudo, que toda arte é perigosa nas mãos dos
perversos; uma prova é a estetização permanente das forças militares e o mantenimento de
seus espetáculos enquanto a toda a sociedade se fragmenta e enfraquece.

22 .20.2 .2 . Não nos cabe mais perguntar se a agressividade é natural ou cultural,
inata ou adquirida, mas sim: Quais suas funções, a fim de assegurá-las de outra forma. Por que,
contrariamente às outras espécies, a nossa, ainda que mal dotada de armas naturais, e talvez
por causa disso, se tornou tão destrutiva para si e seu meio. E, sobretudo por que, apesar do
discurso humanista, o humano é tão apaixonadamente cúmplice da sua destrutividade, a
ponto de confundi-la com sua vitalidade: prova disso são os gritos de horror sagrado emitidos
quando se fala em administração de tranquilizantes pelo sistema de abastecimento de água.
22 .20.3. Controlar a Agressividade todos querem, mas a agressividade dos outros. Má fé,
ambivalência, necrofilia latente que embasa a subjetividade coletiva da espécie ao ponto de ser um
norteador das produções estéticas coletivas. Acreditamos que não haja necessidade de citarmos como
exemplo toda a cultura de massas. Qual é, a longo prazo, o sentido (ou falta de sentido) dessa
letalização estética que revela a história como história das guerras, dos genocídios, dos massacres;
impondo uma cognição enquanto estatística de crimes, suicídios, acidentes? Existem maneiras de afrouxar
esse processo? Podemos definir limites de periculosidade para os indivíduos e os grupos, e organizar
uma prevenção que não compactue justamente com o embrutecimento e vitimização? Temos interesse
nesta busca pela paz?

22 .20.4 . Síndrome de Merzbow: Distingamos entre uma agressividade dinâmica ou


combatividade que evolui para estruturas de paz (subversão poética) e uma agressividade estática, com
fim em si, que evolui frequentemente para a destrutividade. Quando a estética é combativa? Quase
sempre. A beleza nos impele, ressalta e reconfigura os sentidos de onde está.
22 .20.4 .1 . A Agressividade Estética, no entanto surge como? A agressividade aparece
como um subproduto da combatividade; como sua desestruturação relacional em variáveis
elementares, motrizes, formais, estocásticas, fantasmáticas, sob o efeito do fracasso; como o
efeito de um bloqueio do processo de maturação sensível-cognitiva e de autonomização dos
participantes, com reações passionais ao sentimento de dependência a um estilo. A arte
combativa é sempre processo, meio; enquanto a arte agressiva faz frequentemente do combate
objeto de uma verdadeira apetência que pode se transformar em paixões destruidoras. A
imaturidade das estéticas agressivas torna-nos suas dependentes, perpetuamente sitiadas por
perigos imaginários, a que somente elas teriam uma saída. A agressividade torna-nos surdos à
escuta.
22 .20.5. A Combatividade Estética de uns, que os torna cada vez mais eficazes e únicos
detentores da estética informacional, poderia muito bem criar a agressividade de outros e destruir
indiretamente pelo longo circuito da
excessiva criatividade. Exemplos pipocam:
Obriga-se o canto orfeônico e surgem as
resistências umbandísticas no samba; a
bossa nova cria um modelo de
bom-comportamento para o samba e o funk
retoma-lhe a proibição. A noção de
optimização cognitiva da sensibilidade, em
todas as variáveis que organiza, implica um
apartheid sensível-cognitivo. No plano
psicossomático, ela supõe uma
irritabilidade optimal para o mantenimento
da situação, e talvez desta conformação à
ideologia vigente surja a necessidade de uma
combatividade sempre mais agressiva nos
limiares estético-sociais.
22 .20.6. O Teatro, Da Crueldade:
Ouvir uma música muito pesada, no plano
individual (somato-psíquico), trata-se
apenas de irritabilidade excessiva com risco
de auto-intoxicação de conteúdos grotescos.
No plano comportamental, tais
auto-agressões sensíveis, motrizes, verbais,
estocásticas e lúdicas podem ser estudadas
separadamente; segundo as personalidades,
elas se compensam ou reforçam. A catarse
não ocorre da mesma maneira em toda personalidade.
22 .20.6.1 . É no plano das atitudes ou hábitos de um lado, e dos fantasmas
individuais do outro, que as agressões simbólicas adquirem, para uma pessoa e seus próximos,
uma unidade de significação que vai tanto no sentido da morte como no sentido da vida. Por
que essa dupla orientação da agressividade estética? Será porque o humano, não tendo instinto
para satisfazer suas necessidades, é obrigado a apelar para todas as dimensões do imaginário
para realizá-las em desejos e satisfações? Não seria a morbidez estética uma defesa contra a
angústia da imaturidade vivida como definitiva em todo ser que não chega nem a se autonomizar
nem a sair de seu narcisismo (como não conseguiu Wilhelm Fürtwangler) pelo acesso, com a ajuda
de outros, à ordem simbólica? Que são as seitas secretas, como a maçonaria, senão pedágios para
este acesso ao inconsciente profundo da espécie?
22 .20.7. O Vocabulário Militar da Cultura tem mais de um valor metafórico: não há apenas
analogias de estruturas entre as “defesas” da cultura nacional, há, ao mesmo tempo, interação e uma
dupla evolução da irritabilidade difusa para uma localização dos combates; uma simbolização destes
últimos e que vai cada vez mais transformá-los nos elementos de um discurso significante. Esse
vocabulário militar permite encarar a hiperirritabilidade relacionada à própria ação artística, como um
fracasso local em superar um invasor, isto é, como ordem significante de relações estéticas. Uma
defesa cultural, ou uma obra de vanguarda (pelotão de frente), prepara os sentidos para contra-atacar a
arte e buscar as trincheiras do entretenimento programadas pelas estratégias de marketing
cognitivo-sensorial.

22 .20.8. Teleomarketing: Uma esquematização excessiva leva a distinguir as agressões em
função dos centros integradores, reduzidos ao comércio nos centros urbanos modernos. Isto leva a
uma irritabilidade difusa, pouco distinta da ansiedade acompanhada de hipervigilância, que põe fora de
circuito o que não compactua com o status quo comercial; ao mesmo que traz uma cólera orientada à
diferença. É claro que há aí também uma forma perversa de erotismo, babuíno que espanca diversas
fêmeas para se exibir para a que deseja, fêmea louva-deus arrancando a cabeça do macho. Os infelizes
abaixo da escala musical da escuta se alimentam pior, são humilhados pelos símbolos sociais e quando
tenta manter seu modo de vida não hegemônico em outra parte, são caçados.
22 .20.9. A Agressividade Destrutiva, rara na natureza mas frequente em ambiente artifical,
apresenta duas grandes formas: Um deles é a hiper-reatividade emocional, que os animais conhecem
nas mesmas condições que nós, com seu cortejo de raivas, doenças psicossomáticas, estereótipos
automutiladores, anorexias, depressões. Todas podem ser tratadas pelo menos parcialmente em termos
de stress que busca se focalizar em estereótipos ou se purgar em distúrbios que assumem diversas
formas. A outra, são as condutas inamistosas, perfeitamente organizadas para destruir, seja as coisas
(cupins que destroem periodicamente sua casa para refazer outra semelhante, os frangos solitários que
atacam a própria cauda), seja outras espécies (o rato matador de camundongos, as formigas
escravagistas), seja um congênere, um filho, um velho que se torna incômodo. Agora tente entender a
violência de uma população periférica os levando direto à música pesada e à poesia de violência, não
por sadismo ou masoquismo mas como tentativa cognestética de compreender o que os leva àquela
tortura diária.

22 .20.10. A Ritualização Estética Do Sofrimento é mais importante para a combatividade do


que para as outras motivações. Não se trata apenas de um fenômeno de repetição, que conduziria a
estereótipos enrigecedores do comportamento social (estilização da vida); ela traduz, em relação a um
segmento de comportamento e especialmente em relação ao início de um combate psíquico, uma
dessolidarização do conjunto presente às regras sociais gerais, um engrandecimento do aqui-agora, uma
transformação em ameaça e blefe que, induzindo à fuga ou à submissão, vai integrar um verdadeiro
sistema de comunicação. Um caçador jamais é agressivo ou menospreza aquilo que o alimenta, um
macho que menospreza um competidor pela fêmea, a menospreza também, colocando-a contra si. A
violência do ruído é uma maneira de sondar aqueles que não levam o sistema geral da cultura humana
em consideração.
22 .20.10.1 . Nos elefantes em musth, os gritos, mímicas, vibrações infrassônicas,
bailados terríveis empunhando paus com a tromba, árvores arrancadas e arremessadas ao
mesmo tempo pelos rivais, tudo isso já faz pensar numa regulação das trocas, não mais apenas
cibernética mas significante, com os verdadeiros golpes se integrando num sistema simbólico.
Entretanto, em ambientes articiais, tornam-se compulsões, estereótipos, manias.
Acreditamos que neste instinto, onde os combatentes eram vistos como unidos pelo resto da
manada, como símbolo de uma resolução a partir de dois corpos de obra feitos metáforas
esteja um indício do nascimento dos embates estéticos.
22 .20.11 . Os Mecanismos de Afastamento das Pulsões de seus fins originais será o mais
importante a ser estudado para compreendermos a evolução do comportamento, seja para a
comunicação combativa como para a cultura agressiva. Os rituais acabam por modificar a espécie, seja
no sentido de uma adaptação aberta, progressiva, seja num sentido regressivo (estereótipos). Ao ponto
de esses rituais estetizantes servirem hoje em dia como critérios morais, religiosos e políticos.
22 .20.12 . Seleção Artificial das Estéticas: Sigamos por um parágrafo apenas a hipótese
otimista de que pessoas dóceis produzam obras dóceis e pessoas agressivas obras violentas. Agora
imaginemos que somente as obras violentas, “radicais”, “originais” fossem ressarcidas. O que fariam
os artistas dóceis, fora morrer de fome ou se tornarem hipócritas? Quando tal hipocrisia se
disseminasse entre as obras dos realmente violentos, como poderíamos experienciá-las sem um pouco
de ironia quanto à possibilidade de sua doçura, imposta pela própria estrutura do dado sistema?
22 .20.12 .1 . As Qualidades de bravura e nobreza, tão apreciadas pelo mercado das
artes, são tão raras quanto o gênio em nossa espécie; tal que, se pudermos selecionar, por
cruzamento, estilos geniais
comuns como se seleciona
nas galerias, a bravura será
ao contrário, recessiva, sempre
dominada pela covardia
perante o mercado, e não
depende apenas da seleção,
mas de certas condições de
criação (harmonia
contextual) que são mantidas
em segredo até para seus
criadores. A educação dos
sentidos não tem nada de uma
aprendizagem compulsiva; o
desenvolvimento de um dom
está mais próximo do desvio
ou da paixão organizada do
que do desenvolvimento de
simples caráter de espécie
subordinado pela
aprendizagem a novos
estímulos: ele concerne a
reorganização de uma
personalidade. Donde os
elementos aleatórios da
criação genial.

22 .20.13. A Aprendizagem Estética, mesmo condicional, é uma modificação de uma
montagem por submissão desta a novos estímulos desencadeadores ou inibidores; inato e adquirido são
apenas duas maneiras de a informação se integrar ao sistema sensível; o importante é conhecer sua
maneira específica de interferir em certos períodos do desenvolvimento psicossocial. A esportividade
mercantilizada suprimindo o ritualismo da agressividade em prol de sua ideologia competitiva pode ser
um dos fatores de patologização de seus reguladores normais, isto é, sociais e territoriais.
22 .20.13.1 . A Zoologização dos espaços de convivência urbana que serve de base aos
estudos da propaganda e do menticídio de controle (entretenimentização artística), se baseiam
na supressão da variável ambiental, quer dizer, em animais traumatizados pelo
encarceramento e a relação com um experimentador-torturador. O recalque e a exasperação da
agressividade estética só traduzem então o caráter demencial dessa relação: não se pode tirar
daí nenhuma conclusão sobre o animal humano normal, mas somente sobre as consequências
do cativeiro e da tortura sobre a produção subjetiva realmente espontânea.
22 .20.13.2 . Subjetividade do Cativeiro: No circo, a letalização é menos frequente que
no zoológico (por isto, a molecada prefere ter bandas de rock a entrar em laboratórios), porque
os animais trabalham e conhecem menos o stress da inação, isto é, da subestimulação (embora
a hiperestimulação provocada por um adestramento intensivo possa torná-los perigosos); mas,
contrariamente ao que se pensa, estes animais são submetidos menos a um adestramento que a
uma educação, que leva em conta não apenas regulações psicossociais próprias da espécie como
também inimizades individuais. Apesar dessas precauções, ocorrem acidentes, e as doenças
mentais, embora menos numerosas que no zoológico, proliferam no circo, como em toda
parte onde o animal é alojado, alimentado e protegido artificialmente, sem poder exercer, por
conseginte, os padrões da espécie: portanto, ele está fundamentalmente frustrado, corre perigo
de não-desenvolvimento e, portanto, é perigoso. Entre as escolas museológicas e as festas
noturnas, vemos artistas presos sem reais possibilidades de criação urbanística.
22 .20.13.3. Insuficiência de Estímulo Cultural: Toda inibição externa de um
comportamento artístico (inato ou adquirido)
aumenta a irritabilidade destx artista e a
probabilidade de emissão de um ataque
interventivo na cultura, ampliando a
necessidade subjetiva da criação de um estilo.
Toda inibição interna provocada por um conflito
de motivações aumenta a irritabilidade e a
ansiedade até as raias da neurose, tanto no
artista como no público. O tedioso se fere para
lembrar que está vivo. Tais bloqueios do
desenvolvimento cogno-sensível em certos
períodos críticos, por razões psicossociais,
transforma a adversidade em repulsa. Tornar
uma música, modelo de conduta (como foi feito
com a clássica instrumental européia), não só
afasta aqueles que não conseguem se sentir à altura de suas regras como também gera outras
estéticas musicais que confrontem sua hegemonia.

22 .21 . Poestética Elefante: A Significação Estética é ambígua, tanto para o espectador quanto para
artistas. Notemos que no plano das observações, o comportamento neurótico só se fixa a longo prazo se o
espectador não pode fugir nem encontrar alívio escondendo-se dos impulsos da obra numa massa de outras
informações congêneres cujo contato tranquilizador suprime a crise compulsiva. A neurose, agressão às
ideologias vigentes, constitui uma série graduada de regressões patológicas: infantilizações com o intuito de
proteção contra o que o sistema subjetivo acredita serem ataques. No plano explicativo, pode-se admitir uma
tese interacionista da agressividade estética de laboratório nas artes, já que, de um lado, ela é adquirida como
um sintoma doentio, e, de outro, essas doenças psíquicas são produto ao mesmo tempo de uma desorganização
de padrões estáveis (pedagonia) e de uma reorganização (sempre prematura para quem as vivencia)
universalmente observável, em situações idênticas de conflito simbólico e frustração hedonística (catarse).

22 .21 .1 . A Interação Obra-Meio pode tomar duas formas: a de uma reação agressiva
momentânea, isto é, de uma aprendizagem condicional a curto prazo, ou a de uma instigação habitual a
este modo de atuação colocando em jogo a memória a longo prazo. A arte sempre envolve uma
frustração que designa uma privação transitória de partes da totalidade experiencial, que permite
observar o valor daquilo que priva. Num certo sentido, a arte intensifica o processo cultural numa área
de excessão aceita socialmente. Guantánamo é a franquia do 11 de Setembro, a novela feita a partir do
roteiro da obra de arte do século. A arte, sendo negada, se torna uma subjetivação delinquente
(heterodinâmica) que atua na fixação de traumas e na defesa neurótica.
22 .21 .2 . Estética Behaviourista: Não se trata de um condicionamento ordinário, o de
subjugar todas as possibilidades da arte à fixação afetivo-memorial dolorosa. Cria-se através deste
procedimento, a repulsa ao pensamento e à sensibilização, que mantêm o controle através da
violentização e obrigatoriedade do controle repressivo por uma fixação masoquista que exprime, no plano
comportamental, por um estereótipo rígido da arte enquanto modelo da felicidade fracassada. Mas isso
não seria politizar a arte, justamente em sua despolitização? Há em qualquer obra ou processo artístico
uma grande dose de condicionamento cultural (a estética policia a arte), já que são razões sociais que
nos predispõem a querermos parar defronte a subjetividade de outrém com coisas julgadas como
imperdíveis para uma experiência total da condição humana.
22 .21 .3. Excesso de Estimulação Cultural: Quando a densidade populacional (mesmo de
sensibilidades ou referências)
ultrapassa um certo nível e também
cresce o tédio de não ter mais que
caçar ou inventar o menu, os hábitos
se deterioram: combates mortais entre
subjetivações, acasalamentos violentos
de sonhos, violações sensíveis o mais das
vezes infecundas ou seguidas de partos
ao acaso, poesias natimortas, abstenção
de ninhos, ausência de condutas
maternais, canibalismo psíquico.
Falar-se-á de stress provocado pelos
excessos de estimulação social devidos à
superpopulação e ao espaço vital
insuficiente, duas variáveis
indissociáveis; em termos dinâmicos,
de frustração da necessidade de
estimulação optimal, ou ganhar a
própria vida; em termos
estruturalistas e normativos, de
desintrincamento da variável letal
(motricidade simbólica incontrolada)
por supressão das regulações sociais
normais e instauração de um estado de
anomia estética, já que as “leis
culturais” e a partilha sensível dos
papéis sociais só podem se realizar
onde têm um sentido para a sobrevivência, isto é, fora da abundância.
22 .21 .3.1 . Superpopulação Subjetiva: Nessas condições, a troca de informações
estéticas funciona apenas como estímulo inútil e estressante, não como sistema regulador de
comunicação. Numa sociedade anônima, os próprios símbolos de apaziguamento e rituais
catárticos não desempenham mais seu papel frutificante e inibidor, como se não fossem mais
compreendidos. Deve-se isso à superpopulação? À abundância de estéticas? Ao stress da
impotência e da ligação estabelecida entre a obediência e a sobrevivência? O fato de cada nicho
social conseguir criar suas próprias hierarquias reguladoras apesar de uma grande densidade de
informação aponta para a lei cultural como criadora de uma distância social que serve de
substituta para a distância subjetiva real, desde que respeitadas as variações linguísticas dos
estilos. O cálculo para definir a população subjetiva de um local deve levar em conta todos
esses fatores.

22 .21 .4 . Estética Optimal: A existência de normas reguladoras internas e externas às obras de
arte e às estéticas
complexificam sua
regimentação de
adaptabilidade. A adaptação
não é algo fácil de se
controlar. Isto levaria a uma
lógica das estruturas fixas,
reguladas por uma aparente
finalidade interna, mas na
verdade, pensável segundo o
modelo das máquinas
auto-reguladas. No outro
extremo, é uma adaptação
aberta ou adaptabildiade cuja
forma extrema é o
comportamento dito
“inteligente”: os pontos de
equilíbrio entre organismo e meio são aí perpetuamente recolocados em questão e comportam dois
momentos: a assimilação ou modificação do meio, e a acomodação ou modificação da obra, os dois
constituindo pontos de equilíbrio estético oscilantes em que a adaptabilidade pode ser definida em
termos de rendimento semiótico, isto é, o mínimo de acomodação para o máximo de assimilação: o
músico adaptado à música toca o maior número de concertos com o mínimo de composições (ou
complexificações dentre e cada composição); esses problemas são mais frequentemente levantados por
ele do que pelo meio, donde um sistema de trocas que não é mais somente cibernético e estático, mas
carregado de sentido evolutivo.
22 .21 .5. Adaptação Estética: Entre a adaptação morfológica e a adaptabilidade
hiperinteligente há uma quantidade de intermediários, como a adaptação formal ou a habitual (modos
de relacionamento com tais processos e obras). Quanto mais complexas as estéticas, mais a adaptação
tende a ser comportamental (socio-relacional), o que a longo prazo provoca modificações formais.
Mesmo que essas adaptações não sejam sempre boas para a espécie considerada isoladamente ( já parou
pra pensar no trabalho que deu pra escrever tudo isto aqui?), elas o são na escala da evolução da
sensibilidade, pois as estéticas concorrentes têm de evoluir para inventar um modo de sobreviver ( já
pensou o quanto você vai ter que aprofundar sua pesquisa sensível, agora?). Assim, a dinâmica da
adaptação estética que regula os comportamentos artísticos explica a norma de estetização capital, mas
não explica a dádiva artística. Dada a origem das estruturas de equilíbrio que regulam as trocas
simbólicas e as fazem evoluir, quais as consequências de uma doação?
22 .21 .5.1 . Desvio Anormal: A adaptação estocástica em função de informações e de
escolhas na ordem da dicotomia não é uniforme, há sempre alguns desviantes ligados a antigos
comportamentos e ou avançados em relação ao grupo (as vanguardas). Mas são precisamente
esses retardatários ou esses “monstros promissores” que constituem, quando a evolução
adaptativa é rápida ou lenta demais um relação à de outros fatores ambientais, a salvaguarda
reguladora que é uma possibilidade de reestruturação de todo o sistema. Entretanto, a eidosofia é
apenas o produto fortuito dos grandes números, quer dizer, de uma teleonomia do acaso e da
necessidade; especialmente quando regula os combates simbólicos no inconsciente coletivo, ela
se exprime não por uma prudente reserva de uma percentagem de desviantes, mas por uma
evolução rumo a trocas cada vez menos materiais (dádivas), cada vez mais estruturadas e
significantes, das quais apenas certos comportamentos humanos podem dar ideia.
22 .21 .6. O Ruído cria a necessidade evolutiva de novas estruturas. Estruturados, os ruídos são
também estruturantes. Nas fronteiras dos territórios da escuta, a ambivalência agressividade/medo é
maximal, o que favorece as simulações estéticas, isto é, ocorre a transformação do ataque sonoro
competitivo em ameaças e rituais que despertam a mesma ambivalência motivacional e ritualizável na
própria subjetividade auditiva do confrontado. A partir daí, a troca de comunicações que integram
amigos e inimigos numa mesma estrutura de relações coloca as trocas na via de uma semântica
tipicamente musical. Os estilos são mais anticorpos estéticos que meros núcleos identitários.
22 .21 .6.1 . Estéticas, Antiestesias: Quanto às estruturas sociais da escuta, seria um
erro acreditar que só se estabelecem através das agressões estéticas diretas: isto só é verdadeiro
nas hierarquias fechadas das cátedras e nas igrejas estilísticas. No cotidiano, as hierarquias de
possibilidade de soação são instáveis, cada um tentando ser ouvido mais sem ter de escutar os
outros. Mas também aí a hostilidade é inversamente proporcional à distância identitária
simbólica. Quase por toda parte, ademais, a dominância aural cria tantos deveres formais
(musicais) quanto direitos de soação.
22 .21 .6.2 . Um Cantor popular como Raimundo Soldado têm deveres de manter sua
música popular, “sincera”, demonstrando um humor tranquilo que se comunica a todo o
grupo; de sorte que a dominância só se perpetua por uma espécie de liderança, intermediária
entre competição e cooperação. Scott Walker é um exemplo musical de uma ruptura desta
regra, com suas consequências sociais. A música noise também não permitiria a Masami Akita
que fizesse um disco de músicas bregas de amor, que seria um real ruído a sua produção até
agora.

22 .22 . Aurasofia Elefante: Economologia Libidinosa Estética: A interação entre o
desenvolvimento da agressividade ruidística da arte e a sexualização do erotismo estésico (pedagogia formal) é
uma das bases do ruidismo (Merzbow), mas apresenta muitos problemas devido à complexidade da variável
sexualidade/sexualização da sensibilidade; a agressividade simbólica (ruído) está ligada a uma demonstração de
poder sobre a sexualidade por sua simbolização, portanto a uma função adulta da escuta. Mas o
desenvolvimento de todas as formas de ruído está ligado a formas de sexualização infantil, abertura à
alteridade pela sedução distanciada. O ruído estruturado (rúsica) é uma forma de violência consentida. A música
é uma violência mascarada.
22 .22 .1 . Filogênese Aural: A macroevolução dos estilos só deixa marcas nos comportamentos
aurais daqueles que os vivenciaram, só quem vivencia um estilo o conhece. A microevolução das formas
que compõem cada estilo, no entanto, estruturam em outra dimensão os cruzamentos seletivos e as
hibridizações. Estruturar as microevoluções eidosóficas demanda que detectemos univocidades de
comportamento (entrestilos) que tenham a mesma função, embora diferentes quanto ao limiar de
desencadeamento ou quanto à estrutura (o grito une diversos estilos musicais e modos de soação
extra-musicais, por exemplo).
22 .22 .1 .1 . Mutações Aurais: Então podemos verificar se o traço de mutações que
desenham as macroevoluções
são coerentes com as
hereditariedades desta unidade.
A unidade filosônica nos
permite averiguar quando um
estilo é isomórfico às linhagens
que assume e quando atua
apenas por adaptação
ambiental. Podemos assim
também abrir diálogos
consistentes a respeito de
particularidades estéticas.
22 .22 .1 .2 . Filogênese
Ruidística: Uma música pode
ser tida dentro de um estilo
porque sua banda pertence a ele,
mas ela pode se enquadrar
numa outra linhagem da que
seu autor segue, como abertura
de um entrestilo. Tomadas as
devidas precauções, observa-se
uma microevolução das condutas
de ruído estético: elas têm por
objeto a quantidade e
intensidade das agressões
estéticas, os limiares de
desencadeamento, as atitudes
ideológicas, sua coordenação simbólica. Esta evolução se processa num sentido ora divergente
(multiplicação de modos de uso), ora convergente porque manifestamente boa para todos estes
projetos. Podemos imaginar cada estilo como uma igreja que defende seus preconceitos
incomprováveis, enquanto a própria estética aponta para uma incompreensão da afetação da
cognição estésica, gerando embasamento para a capitalização sensível.

22 .22 .1 .2 .1 . Estratégia Ruidística: Essencial é a artificialidade da seleção e a
ritualização da
profanação, que
buscam assegurar uma
crítica máxima à ideia
de optimização estética
e eficiência artística,
ampliando a
ambiguidade da
ciência fictícia e crença
estésica, tanto dentro
como fora do estilo.
Fornecendo estímulos
excessivos ou
desencadeadores de
esquemas de ação
excessiva, propõe-se
outras formas de
cognição mais
potenciais que a
linearidade analítica
sobre a escuta.
Reduzindo a diferença
entre as composições à
quase nulidade,
diminui-se a
fetichização do objeto
de arte, do processo e dos artistas; além de se evitar a competitividade e a corrida por
novidades e controle sobre raízes simbólicas (origens). Não propondo nenhuma regra
(afora esta), qualquer movimento se torna dança e qualquer som se torna erótico.
22 .22 .1 .2 .2 . Ouve-se No Ruído A Diferença entre ritual artístico e
estereótipo estético: O primeiro tem o sentido de uma adaptação aberta; o segundo, de
uma rigidificação e fixação estilística do comportamento. O ruído leva a escuta a uma
perda ou modificação da orientação original quanto à motivação da escuta; uma redução
do limiar da escuta, portanto a uma elevação da probabilidade de atenção, uma
despadronização a partir de elementos a-rítmicos, e uma ampliação diferencial da
compreensão sensível de matemas complexos. O ruído ridiculariza a vaidade do ritual
artístico ao mostrá-lo como estereótipo estético da complexidade natural à amplitude
sensível-cognitiva. Propomos que o ruído (abertura significante) seja o denominador
comum a todas as estéticas artísticas.
22 .22 .2 . Sistema Artístico Ruidístico: Podemos redefinir o sistema estético atual como
ritualização catártica do ruído. Este retorno à convulsão embaralha os estímulos orientadores, ao
mesmo tempo que ab_reage uma auto-agressividade somática. Os ruidistas são parte do sistema. Esta
regressão defensiva é entendida no plano do comportamento e dos sinais trocados; se fixa na
subjetividade individual, na medida em que temos sido eficazes em manter este sistema simbólico não
só como vigente, mas hegemônico através da sua transmissão tanto por contágio midiático quanto por
hereditariedade dentro de nossas formas de produção. A microevolução formal foi programada para
uma hegemonia do ruído e da incomunicabilidade, e nisto está o limite deste sistema, com graves
consequência a todas as instâncias da vida mediada por símbolos.
22 .22 .2 .1 . Ritualização e personalização das relações ruidísticas em conhecimento
sensível: Levantamos a hipótese de uma certa convergência da evolução da sensibilidade para
relações não apenas cada vez mais ritualizadas (estetizadas), mas cada vez mais personalizadas
em apegos simbólicos (estilo identitário de grupo social), que começam com ataques
semiótico-simbólicos (ruídos interacionais).
22 .22 .2 .2 . Progressão Harmônica Contextual: Algumas etapas demarcam a evolução
dos sistemas relacionais que regulam e bloqueiam os ruídos estéticos: a massificação no bando
anônimo, a traumatização interesseira nas sociedades parentais, os preconceitos como estilos nas
tribos, o nepotismo e a máfia na amizade.
22 .22 .2 .2 .1 . A massa anônima não passa de um amontoado de indivíduos
que se ignoram, sacudidos por estéticas, inteiramente submetidos aos pânicos
coletivos ou às
variações de humor
daqueles que não
hesitam e que a massa
hesitante exalta como
chefe. A demarcação
de hierarquias e de
metas competitivas
na família e a
hierarquização de
interesses individuais
dentre a um grupo,
bem como a
imposição de regras
de ruído específicas
privilegiam um modo
relacional em
proveito das demais
se somam para que o
conhecimento
coletivo seja
individualizado na
figura de liderança.
Nas sociedade tribais,
também não há
conhecimento
individual; só o que
importa é a aura geral
do grupo, no qual se busca refúgio nos momentos de angústia: sociedade de massa
fundada, todavia, na partilha dos papéis e na luta mortal entre as tribos; é um mau
cálculo a longo prazo, pois as tribos se tornam enormes e perdem justamente seus
aspectos relacionais.
22 .22 .2 .2 .2 . Hormonia: O nascimento da ligação personalizada é produto de
rituais ruidísticos que terminam em verdadeiras estruturas de comunicação novas
onde, graças a uma organização especial da mensagem, emissor e receptor se
reconhecem.

22 .22 .3. Música, Contenção da Escuta: Norma estética social, exigência ética, imperativo
político, o preceito de conteção e de retenção das atitudes e dos gestos acompanha no mesmo processo
o exercício do governo de si, como a orquestração dos outros. A contenção, que estrutura em
profundidade um certo tipo de economia psíquica, uma certa forma de subjetividade, exalta um
modelo fundamental de representação do sujeito. O que coloca em risco são os excessos, tanto internos
quanto externos, os arroubos, o incontrolável, o que não pode ser governado. Dentre ao sujeito, isto
remonta ao auto-controle, quando utilizado como modelo social, com os outros, faz com que as
trocas sejam percebidas como uma ameaça à integridade, à identidade, à virtude de cada um. Na dança
hierárquica das cortes, a música recebeu seu papel de fundamento da identificação autoral.
22 .22 .4 . Orquestração do Maestro: A maestria
trata-se de um modelo fundamentalmente psicológico da
matemática dos conjuntos. Implica a consciência, o
reconhecimento do próximo e o respeito por ele, ao
mesmo tempo que constitui uma delimitação de si: as
disposições para a composição são refreadas pela
necessidade da partitura, demandando a retenção, o
controle e a prudência. Não se poderia ver, numa tal
concepção do regente, ao mesmo tempo uma condição e
um traço desse lento processo de estruturação psicológica
do governo das escutas, que modelou a economia
subjetiva e orientou os laços estéticos nas comunidades
organizadas pelas musicalidades ocidentais? O maestro é a
transição ritualizada da disciplina ao controle.
22 .22 .4 .1 . Maestro Elefante: Sentir ao máximo mas conter-se, exibir o terror do
excesso mas reter-se em si mesmo, libertar-se para dominar-se, atitudes cruciais na
representação maestral, parecem assim indissociáveis do político. Simbolizando e realizando a
aceitação de constrangimentos que se exercem sobre a escuta em sociedade, a conteção musical
não desempenharia o papel da incorporação do real nesses momentos raros e estruturantes que
são as ritualizações socioestéticas?
22 .22.5. A Música Operística pretende elucidar as figuras da afetividade coletiva, as formas de
sensibilidade política que exigem o controle de si do maestro; a política afetiva que (excetuando as
celebrações festivas) se exerce de maneira contínua na música e, frequentemente discreta, pelo
exercício de uma dominação aural silenciosa, pelos rituais dos corpos, das posturas, dos olhares e
expressões. Um concerto, um show de rock, um televisor, um filme num cinema, uma ópera, um
ballet, um quadro, um programa, uma instalação interativa: tudo isto que podemos, sem equívocos,
chamar de arte (musicae) circunscrevem os corpos com fins políticos (objetificação da relação política, tida
como maquínica e transcendente), que exigem controle, domínio de si e reserva, destinados a traduzir o
respeito e a obediência de cada um para com a representatividade do poder enquanto técnica do poder.
22 .22.5.1 . Meta-regência: Uma Política Cultural que privilegia um estilo que
depende essencialmente da ostentação representativa, um estilo majestoso que, ao se
acompanhar da domestificação dos corpos, pretende impressionar celebrando a grandeza da
inacessibilidade, faz com que a arte renuncie a seu papel enquanto política para se conformar a
ser puramente polícia. As cerimônias e os rituais são concebidos como instrumentos destinados a
provocar o respeito e mesmo o medo, a instaurar a distância. A maestria se acompanha de
ornamentos, indumentárias, gestos, olhares, posturas. As cerimônias e os rituais
artístico-estéticos têm uma finalidade em comum: graças a um trabalho sobre as aparências, é
necessário por meio de sinais sensíveis captar os sentidos e emocionar os espíritos para impor
uma ordem, instaurar uma distância e, dessa forma, fazer reconhecer uma hierarquia.
22 .22 .6. O Posicionamento Orquestral: O maestro, quando outorga distinções e favores nas
prerrogativas da etiqueta orquestral, demarca pelo mesmo gesto diferenças marcantes no interior das
ordens hierárquicas do grupo. Todo artista é maestro de platéias, todo espectador corrobora com o
deleite de ser condutor de seus próprios sentidos. A mínima nuance de reserva, de descontentamento
ou, ao contrário, de aprovação na atitude do maestro adquire considerável importância estratégica:
traduz efetivamente, de maneira visível, o lugar de cada um aos olhos do regente e sua posição na
escuta coletiva. Isto conduz Sofia a discernir, por meio da etiqueta musical e do cerimonial (um tipo
de organização específica), uma sociedade na qual todo gesto (toda atitude indica com precisão o lugar
de cada escuta), ao mesmo tempo que o refletindo, simboliza a própria repartição do poder. Daí que
Sofia deduz que a etiqueta, é o próprio tom simbólico da musicalidade ocidental.
22 .22 .7. Música-Etiqueta: Qual o significado mais latente do cerimonial artístico estético
(amplificado ainda mais na música orquestral)? A necessidade sem trégua de lutar por prestígio, por
privilégios, por honrarias e por um reflexo identitário nunca definitivo. Não é tanto a finalidade dessas
disputas sociais que interessam a Sofia, mas mais a natureza dos signos, dos instrumentos, dos
aparelhos simbólicos e materiais pelos quais se permite a cada qual garantir um lugar na sociedade
cultural. Mas, fato curioso, os próprios artistas rejeitam este cerimonial estetizante.
22 .22 .7.1 . Ruído, Sem-Etiqueta: Artistas renunciam a seus privilégios enquanto
estetizadores e subjetivadores, perdem sua parcela de poder, aceitam o que Sofia chama de
uma “degradação de si em prol
da abdicação da identidade”,
“humilham-se de modo a
ridicularizar as técnicas e
propriedades intelectuais que
sustentam com seus nomes”,
a seus próprios ouvidos e à
escuta dos outros. Numa
sociedade de ordens simbólicas,
a existência de cada um só se
confirma e sublinha sob a
estética alheia.
22 .22 .8. Arte e Poder: Por
meio das exigências e das funções do
cerimonial burocrático nas artes
(projeto, vernissage, estréia,
apresentação, entrevistas, release,
clipping, citação), Sofia efetivamente
discerne as maneiras de se artear
(sentir e fazer arte) encorajadas por
essa sociedade que as marca
psicologicamente e que define tipos de
comportamento e de economias
psíquicas. Evoca assim a prudência, a
reserva, o cálculo, de dentro da
sacrossanta instituição da intuição e
da inspiração. Mostra o gênio como
uma evolução meticulosa de relações
subjetivas urdidas entre redes de símbolos e de relacionamentos sociais, une a poética da linguagem à
dança das afetividades políticas.

22 .22 .9. A Obra Museificada (A Escuta Musificada) não visa apenas à representação
exterior, à conquista de uma posição melhor e de um prestígio maior, de uma distinção em relação ao
espectador. Marca da mesma maneira as distâncias que separam uns dos outros, os participantes de seu
processo. Uma tal sociedade cultural, encoraja relações que pouco lugar conferem às manifestações
estéticas e afetivas espontâneas. Se torna crucial evitar toda exposição real de sensibilidade. O
relacional se torna naïf e a desarticulação social passa a ser valorizada. Esta atitude, quando
generalizada, museifica a própria força de atuação subjetiva da arte.
22 .22 .9.1 . Teatro Do Museu: A maneira como o espaço é apropriado, ocupado,
repartido, a maneira como nele se desloca, a ideia de um território assinalado a cada um, de um
lugar reconhecido a cada participante, correspondem a uma hierarquia social e política
materialmente representada no espaço. A distribuição no espaço segundo uma certa ordem de
precedência estética traduz as desigualdades dos estatutos, das origens e dos poderes.
22 .22 .10. Cerimoniais Estéticos: Em matéria de comunicação política, um bom número das
interrogações contemporâneas da
arte retomam preocupações
seculares. Assim, a insistência atual
sobre a apresentação de si, o saber
relacional, a necessidade de instaurar
uma relação personalizada com os
administrados (objetos), a abstração
dos afetos, o trabalho sobre as
aparências e o estilo remontam, na
realidade, a preocupações bastante
antigas. Da mesma forma, a
importância atribuída aos emblemas
(museus, galerias, curadores,
prêmios, editais), aos signos
exteriores de aceitação subjetiva,
pode se esclarecer à luz de uma
arqueologia da comunicação política.
As palavras mudam, adquirem
conteúdos diferentes, mas remetem
a uma constante estésica fundamental
do poder.
22 .22 .11 . O que se comunica
na arte? Conferir significados à
autoridade, ao poder, ao prestígio, à
hierarquia com o auxílio de meios
não violentos, por meio das
cerimônias, dos rituais ordenados
por uma etiqueta (musical), um
protocolo e, dessa forma, ordenar a
relação das pessoas com o poder
(psíquico, econômico e político),
impondo uma alternância entre a acessibilidade e a inacessibilidade do público à produção de realidade.
Trata-se ainda de significar o poder, a hierarquia, e para isso mostrar e instaurar uma distância entre
artista e espectador, conjurar o medo que o espectador tem de um artista demasiado enigmático e por
outro lado o medo que os artistas têm da sensibilidade não-estética.
22 .22 .12 . O que se comunica no artista? Mostrar-se para impor, impor-se, exibir para ser
temido e valorizado por este temor. Mostrar para seduzir, envolver, fascinar, fixar pelos sentidos, pela
expressão, pelas disposições psicológicas inscritas no rosto e expressas pelo corpo. Comunicar pelo
cerimonial aparece como a arte de se exibir sem jamais se mostrar. É conveniente ao poder que se
mostre-o num indivíduo e para isto é necessário mostrar: persuadir, penetrar as sensações e ideias,
convencer, transmitir um saber que, nas cerimônias e nos rituais, dirige-se aos corpos, aos olhares e às
almas apelando aos gestos, aos movimentos, às posturas, às expressões, mas também aos
comportamentos, à etiqueta, às maneiras sociais. Nesse sentido, o artista sustenta com sua biografia a
retórica do poder sobre sua própria obra.
22 .22 .13. Os Estilos São Rituais Políticos: contribuem a estruturar, a reforçar uma política
cultural por meio do que dizem a respeito de como mudaram os modos comportamentais daqueles que
o seguem. Cada artista é uma cobaia de seu próprio estilo, podendo passar a ser uma conduta valorizada
ou não, de acordo com as necessidades políticas vigentes. Mais do que a pompa, o efeito de
arrebatamento, a fascinação visual dos cerimoniais burocráticos de aberturas de exposições colocam
em cena mecanismos afetivos, emocionais.
Ao manter o papel aural mais abdicado, o de
obedecer estritamente à partitura, o regente
permite-se demandar postura semelhante
dos demais participantes.
22 .22 .14 . A Ópera das Artes: A
dramatização social das novelas televisivas
operam esteticamenteas pesquisas estatísticas
de comportamento. O colecionador, maestro
de curadores, celebra as virtudes da
simulação, do fingimento, do poder
metafórico próprio da música enquanto
etiqueta: é preciso saber mostrar aquilo que
não sentimos; é preciso ainda saber mostrar,
fazer ver aquilo que as circunstâncias
exigem. Talvez, não haja nada que torne
uma estética mais rentável que sua
capacidade de adaptação a um meio de
empoderamento. Existem diferentes
concepções do gesto poético controlado. O que
as distingue não é tanto o fato de que o
gesto seja concebido como um instrumento,
um signo, mas sobretudo, a sua finalidade.
22 .22 .14 .1 . A Poética da
Ópera: É justamente a finalidade
política do gesto poético que
interessa a Sofia Harmonia.
Analisando a maneira como os gestos
poéticos podem servir de instrumento de dominação ao poder realizador, e os efeitos produzidos
por essa subordinação, Sofia sublinha a necessidade de assegurar-se da deferência devida ao
maestro por meio de um jogo de gestos ínfimos, e mesmo íntimos. O poder da regência ocorre
através dos gestos para a própria gesticulação. O domínio de si, necessário por razões de
prudência e reserva acaba por se converter no centro gravitacional da força da regência sobre a
coletividade mesma.

22 .22 .15. Combatividade Artística: Para além da preocupação com as atitudes exteriores, os
ideais relacionais da estética, a expressão de códigos e normas culturais sensíveis, o que é fundamental
na obra de Sofia Harmonia é o fato de perceber tanto na polidez da discursividade política como na
violência dos massacres uma dimensão estética, de beleza, de elegância. Fazendo da polidez técnica da
obra de arte um gesto poético concreto que se apreende como belo em função de regras codificadas, a
forma e as aparências tornam-se essenciais em face de um sentido autêntico e escondido: a aura. Ao
contrário do que acreditava Walter Benjamin, foi um excesso, e não uma ausência, de aura que cegou
os sentidos perante a arte da reprodução.
22 .22 .16. Obra Elefante: O desaparecimento progressivo de animais dispersores de sementes,
como os elefantes e os rinocerontes, coloca a integridade estrutural e a biodiversidade da floresta
tropical do sudeste da Ásia em risco. Com a ajuda de pesquisadores espanhóis, um time internacional
de especialistas confirmou que nem herbívoros como a anta podem substituí-los. Que tipo de artistas
executam uma função semelhante de digestão cultural e proliferação subjetiva de sementes de
possibilidades novas que se encontravam abandonadas pelos territórios da cultura?
22 .22 .16.1 . Copyfight Elefante: Nessas florestas no leste da África, a grande
diversidade de espécies de plantas significa que não há espaço suficiente para todas as árvores
germinarem e crescerem. Assim como a escassez de luz, a dispersão de sementes se torna mais
complicada pela falta de vento, resultado do tamanho das árvores, que atingem até 90 metros
de altura. A vida das plantas é então limitada a sementes dispersas por animais que comem
polpa. Eles espalham as sementes quando deixam cair seu alimento, regurgitando-o, ou ainda
mais tarde, através de suas fezes. Não é este o mesmo problema que assola a cultura através dos
monopólios de "direitos autorais"?
22 .22 .16.2 . Épico Elefante: No caso das grandes sementes, plantas necessitam de um
grande animal capaz de comer, transportar e
defecar as sementes em boas condições , como
descrito por Luis Santamaría, coautor e
pesquisador do Instituto Mediterrâneo de
Estudos Avançados (IMEDEA) da Agência de
Pesquisas Científicas CSIC, da Espanha. É
aqui que os elefantes entram em campo,
porque eles podem dispersar uma grande
quantidade de sementes, graças ao fato de que
vagarosamente digerem poucas quantidades de
seu alimento. A função do mainstream
artístico assemelha-se a um semear das grandes
ideias e grandes conhecimentos através de sua
bosta cognitiva.
22 .22 .16.3. Proliferação Elefante: Se
esses mega-herbívoros desaparecerem do
ecossistema, sua contribuição para os processos
ecológicos também será perdida, e o caminho
do ecossistema mudará irreversivelmente. Sem
grandes herbívoros, as sementes das grandes
plantas sempre cairão próximas à planta-mãe e, consequentemente, serão incapazes de
colonizar o espaço disponível em outras áreas da floresta. Então, um papel fundamental dos
grandes artistas é o de se movimentarem e levarem consigo a rede de artistas que lhe
acompanham de modo a conectá-los às situações que precisem de seu modo de sensibilização.
22 .22 .16.4 . Sofia Harmonia, Gênio Elefante: Aquelas espécies que dependem de
grandes mamíferos serão cada vez mais raras, e as que dependem do vento e de pequenos e
abundantes animais irão aumentar em termos de densidade e dominância. Campos-Arceiz
afirma que, no final das contas, a composição e a estrutura da floresta mudam e acabam se
tornando menos complexas tanto a nível estrutural como funcional: isso se traduz em perda
de biodiversidade. Isto já vem ocorrendo na cultura artística, onde os modos de produção
estética que demandam grande produção se convertem ao entretenimento e perdem sua real
sensibilização dada a ausência de possibilidade de atuação política dos grandes artistas.
22 .22 .16.5. Redução de Danos
Estéticos: Para evitar tal cenário,
pesquisadores sugerem que a megafauna seja
protegida e, em alguns casos, a reintrodução
de mega-herbívoros em áreas de onde eles
previamente desapareceram (como em
Inhotim). No sudeste da Ásia, a prioridade é
impedir a caça ilegal (ou a mineração
predatória, tanto subjetiva quanto
geológica) e diminuir o impacto da perda de
habitat, indica o especialista, criticando a
absurda motivação para matar, em troca da
venda de chifres e presas para a medicina
tradicional (sem benefícios terapêuticos) ou
para fabricação de produtos ornamentais
(obras de arte, fezes). Isso também reafirma
a necessidade de se combater o mercado de
uma maneira muito mais determinante,
diminuindo o valor da arte em geral em prol
de um aumento do valor do
espectador-criador que deve ser ressarcido
por sua cognição das obras.
22 .22 .17. Parque Pleistocênico: O professor Chris Johnson, da Universidade James Cook, diz
que a reintrodução de grandes herbívoros nas Américas ajudaria a restaurar ecossistemas e salvar
espécies nativas ameaçadas. Ele diz que a experiência (como visível em Jorge de Lima e Sousândrade)
também ajudaria a esclarecer se foram os homens ou as
mudanças climáticas os responsáveis pela extinção da
megafauna, como o mamute e os cangurus gigantes.
Entretanto, em termos ecológicos, a extinção da
megafauna criou, rapidamente, paisagens de vegetação
densa e uniforme, ele diz. Durante suas longas vidas,
elefantes percorrem grandes distâncias, comem uma
enorme variedade de plantas, interagem com um vasto
número de outros elefantes e ganham muitas experiências
valiosas. O avanço da idade entre as fêmeas está associado a
um aumento de conhecimento social e ecológico e a
habilidades discriminatórias. Fêmeas idosas mantêm seu
lugar como líderes ou matriarcas de sua família na
estrutura social feminina. Assim, fêmeas mais velhas são
repositórios de conhecimento social e ecológico, influindo
na sobrevivência e no sucesso de suas famílias.

22 .22 .18. Longevidade Elefante: Uma vida longa e uma maturação lenta (um folclore aberto
e criativo) estão correlacionadas e são como que pré-condições necessárias ao desenvolvimento da
complexidade social e de um cérebro grande. Com um grande e complexo cérebro e uma boa memória,
experiências aprendidas e complexidade social se multiplicam durante a longa vida dos elefantes.
Fêmeas (intuições) idosas, com um maior conhecimento social e ecológico, têm papéis sociais
diferentes das fêmeas mais jovens. O aprendizado que sustenta a transmissão de tradições culturais
ocorre no contexto de sucessivas gerações de animais que passam a maior parte de seu tempo juntos.
Quando uma matriarca morre (como quando ocorre uma ruptura estética), seu lugar é assumido por
outra elefanta, que recebeu todos os conhecimentos da matriarca morta, como rotas migratórias, onde
buscar água, comida etc. A morte de uma matriarca significa que a manada deve se reorganizar, logo
depois de passar pelo período de luto, durante o qual fazem ritos funerários. Ritos que se repetem por
anos, quando passam por onde estão os ossos do membro da manada morto.
22 .22 .19. Troféu Elefante: Os caçadores, em seu afã de mostrar ainda não sabemos o quê ao
assassinar animais indefesos, buscam matar os maiores exemplares e justificam isso argumentando que
sua caça é ética e que responde a critérios conservacionistas (os ruidistas atacando o easy listening, por
exemplo). Nada pode estar mais longe da verdade: somente buscam o indivíduo maior, mais velho e
majestoso para poder, assim, posar com peças maiores de marfim como troféus. A verdade é que,
quando se mata um elefante adulto, os mais jovens ficam condenados a não ter com quem aprender a
encontrar as rotas por onde se movem em busca de comida e água (o punk, ao contrário do que
proclama, não gestou uma saída para o rock progressivo mas apenas o fez retornar ao primeiro passo).
Isso tem acontecido em muitos povoados e cidades africanas, onde pequenos grupos de jovens
elefantes invadem, em uma espécie de ato de vandalismo, desde casas e tendas até plantações e
colheitas. Comportam-se como se comportaria (e é assim mesmo que acontece) um grupo de
adolescentes que vivesse sem a orientação de seus responsáveis (gangues de metaleiros e rappers se
matando). E então, os caçadores utilizam esses acontecimentos como desculpa para matar também
esses jovens elefantes. E tá tudo dominado.
22 .22 .19.1. A Caça Como Uma Das Belas-Artes: A caça de elefantes não é um
esporte, é um vício. Qualquer jogador de telejogos de guerra percebe o quão fácil e sem-graça é
matar um animal gigante e lerdo como um elefante, não há desafio nenhum afora as
superações das regras sociais humanas. A caça é o entretenimento do poder no estado-da-arte,
a busca por prazer na demonstração agressiva de irresponsabilidade consentida. Para os
elefantes, além disso, quem os mata demonstra uma grave falta de compromisso com a
opinião geral da população, que deseja observá-los vivendo em paz e de acordo com sua
natureza, e condena ainda o resto dos membros de sua manada a um futuro incerto. A caça
subjetiva da propaganda é o oposto complementar à zoologização das relações (museificadas).
22 .22 .19.2 . Natureza Numa Caixa: A natureza representa para os zoológicos, o que
Deus representa para as Igrejas, o que a arte representa para os museus. Uma comparação
intrigante, mas, dado o estado da maioria dos zoológicos no mundo todo e certamente seria
apropriado dizer: A estética nos zoológicos é similar à pornografia na arte e à política nas
congregações. Há tantos livros escritos sobre zoos, especialmente no Ocidente, que as pessoas
têm inúmeras opções de escolha quando consideram esse tema. Se as visitas de crianças aos
zoos têm o objetivo de ajudar as pessoas a medir a verdadeira beleza e o valor da natureza,
então essas instituições estão muito aquém de seus objetivos.
22 .22 .20. Sofia Harmonia No Museu De O Elefante De Marfim: Sofia se mudava de pensão
a pensão com seu violãozinho e uma mala de
anotações, às vezes largando para trás montanhas de
papéis em que escrevia, sem se preocupar em
publicar, a ópera na qual purgava o luto pela morte
da ópera. Sofia leva ao limite o gesto da vanguarda,
fazendo da espera pela ópera que nunca se publicará
a história mesma que se narra. O resultado é um
projeto de experiência nova da arte, onde se arma
uma poética invencionista, anti-naturalista da
escuta. Ali ela brinca com a espera, reflete sobre a
escrita, a literatura e a publicação, constrói a figura
da mulher ausente que é e, depois de centenas de
páginas, chega à ópera propriamente dito, que é
muito mais curta que o projeto, e no qual os
personagens não parecem seres humanos, e sim seres
de papelão, como que num conto de fadas. Acredite:
não há nada neste planeta que se assemelhe a esta
"próera". Não há também ninguém como Sofia.
22 .22 .20.1 . “Toda personagem
sofre com a violência na ópera”, dizia Sofia,
“ainda que seja imortal”, pois ela entendeu
que, sendo os personagens gente de fantasia,
eles perecem todos ao concluir o relato.
Tarefa desnecessária que tomam os autores,
com o perigo de esquecimentos e de repetir a
morte a algum. Tudo em Sofia funciona
assim, de forma a expor, ao invés de esconder, os mecanismos de produção do texto e da escuta
e a relação com o leitor-ópera. Este, aliás, é o grande personagem do Museu. Sofia elabora
uma verdadeira galeria de arte numa homenagem clara a Macedônio Fernandez onde você se
encontra em solidão.

22 .22 .20.2 . A Obra Escrita de Sofia, por mais genial que seja, é só um pálido reflexo
da espontaneidade oral, da invenção conversacional que ela eleva à condição de arte. Sofia
Harmonia não foi apenas a maior musicista, luthier e programadora de máquinas sonoras,
mas também foi uma grande escritora de ímpar sensibilidade. Escreveu contos, poemas,
romances, ensaios, tratados, cartas, mas talvez o seu gênero literário por excelência tenha sido
o brinde.

22 .22 .20.3. A Intervenção de O Elefante de Marfim incluía a intervenção da própria


Sofia comigo em museus com uma série de objetos impossíveis: pentes com dentes dos dois
lados, escarradeiras oscilantes, colarinhos desmontáveis, escadas assimétricas, onde cada
degrau é de um tamanho etc. Era a política transformada em ficção dadaísta, ab_ismo da polis.
Sofia era, acima de tudo, uma inimiga da verossimilhança, do realismo, da ilusão de realidade
na arte. Ao invés de buscar o real na ficção, procurava na realidade o seu grão de ficcionalidade
constitutiva: “Eu quero que o leitor saiba que está lendo um romance e não vendo um viver,
não presenciando 'vida'. Quero que eles ouçam o texto.” Nós três nos amávamos
profundamente. Ainda assim, ela sofria com as perseguições e ameaças sofridas por suas ideias.
Quando foi embora, transou com cada um de nós separadamente pela tarde, e saiu no meio da
noite deixando flores de tecido por toda a casa e o projeto na geladeira.
22 .22 .20.4. Ao dizer que “a ópera purga”, Sofia sugere uma verdade complementar:
“Uma sociedade sem ópera se intoxica, uma sociedade cujos espetáculos perderam a elevação
sagrada e a participação comunitária tende a jogar de novo na realidade as paixões e os mistérios
que desertaram dos sentidos.” As linguagens estéticas e as linguísticas semióticas da arte sempre
estiveram mescladas à linguistificação da vida (proesia) chegando a uma teatralização da
história e uma dramatização da sensibilidade estética mesma. Sob as máscaras não há rostos.
Toda a existência humana é colocada em dúvida. O trágico se camuflou nas grandes máquinas
administrativas,em mecanismos abstratos de produção de realidade, redes emeranhadas onde
circulam palavras de ordem, onde os meios de comunicação servem para sugerir, insinuar...
camuflar, mas jamais para dizer.
22 .22 .21. A Formas Complexas de Agressividade Estética são organizadas a longo prazo em
três sistemas defensivos de tipo psicótico, neurótico ou passional. Ódio a um estilo, sadismo
performático, crueldade teatral, destrutividade harmônica, vandalismo etc., não têm sempre o mesmo
sentido, segundo o sistema de defesa em que se integram e que depende das estruturas da personalidade
artística. Entre esses três sistemas de defesa ao conhecimento estética há analogias e diferenças. A
analogia está na angústia de imaturidade definitiva e no caráter narcisista e fantasmado (c.f.: Por falta
de aptidão para simbolizar.) dos organizadores da agressividade estética elementar em uma
combatividade complexa. A diferença está no grau de imaturidade, na natureza dos fantasmas,
principalmente de vida e de morte, e sobretudo na sua capacidade, ou não de evoluir para símbolos
dentro de uma relação.
22 .22 .21.1 . Fantasmagoria da Influência: A agressividade estética psicótica é, de
longe, a mais perigosa, pois organizada e desencadeada não por situações mas por fantasmas de
morte-deslocamento que o indivíduo imagina fora para deles se defender dentro da
obra-estilo. As paixões destrutivas dependem do mesmo mecanismo; mas se os
intérpretes-necrófilos são tão perigosos porque perseguidos pelos mesmos fantasmas de
deslocamento desejável, os sádicos-maestros, acariciando fantasmas de dominação absoluta, o
são um pouco menos porque ainda têm necessidade da vida de seus escravos psíquicos. Quanto
aos fantasmas dos neurotizados, são variados e muitas vezes arcaicos (obras familiares,
documentários em geral, e todo tipo de queima de karma), mas frequentemente reprimidos e
reorientados contra o indivíduo em sintomas formais ou ab-reagidos em agressões
elementares (cóleras histéricas).
22 .22 .21.2 . Quanto
ao grau de imaturidade,
pode-se falar em termos de
fixações temáticas
(traumáticas) num estágio
mais ou menos primitivo e
narcisista do desenvolvimento
de compreensão de modos de
simbolização. Pode-se falar
também em termos de
aptidão desigual para
simbolizar seus conflitos,
com ou sem os outros. O
conformismo linguístico
obediente, criador de estados
de desligamento
afetivo-estético, é o maior
gerador de perturbações; o
opositor por consciência
constitui a exceção; somente
este poderia, falando
rigorosamente, ser
diferenciado por um
coeficiente não-conformidade
ao grupo cuja chave deve ser
procurada na pessoa
responsável e não no indivíduo conformista, ou personagem.

22 .22 .21.3. A Arte Como Uma Das
Bela-Violências: Os que são tidos como agressivos
estéticos nem sempre possuem um potencial de
agressividade superior à média; investem esse
potencial de modo não conforme aos preconceitos do
grupo ou de maneira declaradamente oposta; sendo
até o pacifista paradoxalmente considerado como
agressor em tempos de guerra, por ser capaz de
desobedecer e perturbar os movimento de destruição
universal. A arte sempre tem uma parcela de
agressividade: o narcisismo pessoal daquelxs que a
criam que alimenta a vaidade de seus grupos, o orgulho
sem sentido de seus povos, o antropocentrismo através
da inspiração divina. Mas ao mesmo tempo, pode
expor este mecanismo de auto-cooptação em prol de
uma causa, focando sua agressividade num combate
específico por formas de experimentação
sensível-cognitiva.
22 .22 .21.4 . A Estética Estocástica: A arte combativa não é aquela que sabe apenas
adaptar os seus ideais à realidade dizendo: “Antes vencer a mim mesmo do que a sorte.”; é
também aquela que ousa tentar a sorte pondo todas as oportunidades do seu lado, ou seja,
adaptar-se com certeza a um futuro incerto, mas que envia sinais que é necessário saber
interpretar para guardar certas margens de segurança e, por conseguinte, ultrapassar a
ansiedade e limitar os acidentes. Os elefantes são capazes de aprendizagem estocástica, isto é,
expor as suas escolhas a uma probabilidade de recompensa. O humano também é capaz de
fazê-lo, não só intuitivamente mas por cálculo. Alguns sujeitos continuam, contudo, a
escolher a estratégia pura compulsivamente ou se desinteressam, acreditando que não há nada
a encontrar numa tal desordem. A arte combativa flexível, ao contrário, aprende rapidamente.
Há aí uma chave para compreendermos a insensibilidade aos verdadeiros perigos,
acompanhada de uma hipersensibilidade aos perigos imaginários?
22 .22 .21.5. Encontramos estas mesmas distorções estéticas do sentido do risco em
muitas pessoas hostis por medo, pequenos-burgueses atingidos pela síndrome “racismo,
espírito bélico, autoritarismo, anticomunismo, limpeza obsessiva, medo de micróbios e da
poluição, etc.” A solução não é ensiná-los a avaliar racionalmente os verdadeiros riscos
estéticos, pois mesmo se o intelecto aprende a alcançar a probabilidade objetiva pelo cálculo, a
crença não se alcança, e menos ainda a espontaneidade afetiva.
22 .22 .21.6. Situação Elefante: A descrição leva a distinguir três tipos de situação
entre arte e plateia.
22 .22 .21.6.1 . As situações de conflito total (duelo), nas quais tudo o que um
ganha o outro perde.
22 .22 .21.6.2 . As situações de cooperação perfeita, onde tudo o que um
ganha o outro ganha também. São raras, pois exigem longas negociações
desembocando num conhecimento sensível e confiança perfeitos, uma comunicação
constante e centrada no companheiro e na realidade “grupo”.
22 .22 .21.6.3. As situações que não são de perde-e-ganha são o caso mais
frequente onde o que um perde não envolve necessariamente o outro, como numa
discussão entre patrões e operários em greve, cujo vencedor pode ser uma fábrica
concorrente.
22 .22 .21.7.Nos Jogos de Guerra Estética (Debord pelo Critical Art Ensemble), onde há
comunicação de atitude do parceiro, vê-se que a atitude de competição induz sempre à
competição; mas a de cooperação permanente induz apenas uma fraca percentagem de
cooperação. Esta é interpretada como vontade de mudar a atitude do adversário, ou seja,
controlar a situação; induz então a uma marcada percentagem de exploração cínica. A atitude
que induz no adversário uma maior cooperação não é nem a concorrência, nem a fraqueza,
mas sim uma estratégia progressiva: inicialmente altruística, depois defensiva (imitação das
escolhas do adversário, em seguida luta declarada, mantida com retornos repentinos à simples
estratégia defensiva, depois um altruísmo final).
22 .22 .21.7.1 . Arte Altruísta: Tente fazer uma obra boa que lhe dê prazer,
sem que ninguém perca nada com ela. A obra começa a a oscilar depois de trinta e três
lances para se tornar francamente competitiva, mesmo que consigo mesma para evitar
a competitividade. O tédio sensível-cognitivo impele à diferença, mesmo que mínima.
Ao contrário, uma atitude desfavorável no começo do jogo relacional tem uma
consistência mais duradoura do
que uma atitude favorável. O
favorável é oscilante, o perigo é
certo. Mostrar o seu pior é uma
maneira de preparar os outros para
quando este venha a surgir. Daí
que o choque tenha um papel
iniciático nas vanguardas artísticas.
Desnecessário dizer que a
confiança e decisão no início,
como quer Pascal na aposta, não é
boa: é mais fácil ganhá-la com a
hostilidade, a competição, a
desconfiança, etapas agressivas que não devem ser queimadas sob pena de irrealismo
que se transforma rapidamente em guerra declarada. O artista, ao propor novas regras
de jogo, nunca é pacífico (mesmo que module elementos pacificadores).
22 .22 .21.7.2 . Dialética do Desengajamento Estético-Cognitivo e
Hiperengajamento Afetivo na Destrutividade: Nas artes, a qualidade lúdica das
situações deve-se ao isolamento da relação no espaço e no tempo social, à relativa
igualdade dos jogadores no começo e à liberdade de se retirarem do jogo a qualquer
momento. Isto não acontece na realidade, onde
as relações raramente são simétricas e isoláveis
da sociedade global e dos seus códigos; em
outras palavras, a dinâmica da relação, mesmo
dual, não é comandada somente pelos golpes
dos parceiros, mas pela engrenagem social que
está por trás. Isto também é verdade para as
disputas estilísticas. A triangulação das relações
estéticas pela onipresença do grupo e dos seus
códigos é importante para compreender a
evolução de certas relações para soluções
extremas, mesmo quando as consciências
individuais reprovam esta evolução: não é a
vontade individual, mas o grupo através dela
que funciona e perturba a relação.

22 .22 .21.7.3. As Relações Duais da Arte podem se degradar de duas
maneiras, que constituem duas patologias aparentemente opostas, mas
frequentemente ligadas em alternância: A forma sadomasoquista, caracterizada por
um hiperengajamento afetivo na percepção do outro, a ponto de os dois se
confundirem, por vezes, nos seus sonhos e fantasmas. & A forma paranóide, com
desengajamento afetivo quase total. Nas obras reconhecemos o ruído que ensurdece
um outro si-mesmo numa exaltação de todas as percepções e numa exasperação das
impressões fortes de que é sedento toda obra agressiva banal; na outra, o estrangeiro de
Camus espera Godot para matar os sentidos. Já na plateia reconhecemos aqueles que
sabem-se presos a uma situação social e se defendem com tosses e críticas; e os que
sem sabê-lo, se veem entregues a uma incerteza kafkaniana e ao estupor perante as
humilhações.
22 .22 .21.8. Especta Dor, A Obediência Estética: “Ah, bom, já que você assume toda a
responsabilidade.” testemunha a existência de
um deslocamento progressivo do foco das
preocupações. O fato de funcionar como
agente irresponsável faz com que se perca o
interesse pelos efeitos dos seus próprios atos e
pelas vítimas: nos preocupamos mais com o
fato de bem fazer e obedecer. Este mecanismo
prepara outro, muito mais surpreendente, a
negação da realidade (a partir da estética) do
sofrimento do outro e de si próprio ante o
espetáculo: este mecanismo funcionou
plenamente em toda a cultura bélica:
ninguém sabe a poesia dos troianos, nem ouve
os cantos vindos do Xingu. Os carrascos
inocentes não chegam a esse ponto; somente
atingem um processo que começa pela
não-atenção ao parceiro de status-social
menor, em proveito da atenção ao chefe (no
caso da arte, o artista-curadoria-museu).
22 .22 .21.9. Cena Número Onze: O público assina um termo onde aceita ser preso
por um tempo estipulado, dentro da obra-cela observa
torturas e as pode controlar. Se alguém na plateia dá
uma ordem para torturar o bailarino, e não está
uniformizado, as pessoas desobedecem após o primeiro
protesto da vítima. Se dois atores dão ordens
contraditórias, nenhuma descarga atinge o bailarino;
como se o indivíduo retomasse a sua autonomia
quando os agentes do controle fracassam. Se a vítima
usa um uniforme, os choques são igualmente
numerosos: a vítima perde seu status ao mudar de
papel, assim como todo chefe perde o seu poder se está
na prisão. Esta atenção exclusiva prestada ao chefe em
função pode ser observada em todas as situações
artísticas, vernissages, exposições, espetáculos teatrais,
shows. Daí que a dança deva sempre ser imposta para a plateia em festas e concertos.
22 .22 .21.10. O Problema da Espectação talvez seja o mais agudo da arte, pois aqueles
que poderiam fazer algo se recusaram a
acreditar na realidade do mal e da morte, e
por isto mesmo são suas vítimas. O cão
morreu de fome na exposição, mesmo! E
poderia bem ser um elefante. A negação da
realidade funcionou no mundo todo, como
hoje funciona a anulação retroativa e o
revisionismo histórico e científico das
ampliações sensíveis e cognitivas dos
sistemas simbólicos de práticas religiosas
(relegere religare, releituras de conexões).
São exatamente estes poderosos
mecanismos de defesa infantis que, por todo
lado, tornam possível a proliferação da
violência estética com vitimização de uns,
brutalização de outros, mecanização de
todxs, considerando os códigos sociais e
culturais que fazem da dependência e da
obediência virtudes antes de fazerem de
ambas paixões e psicoses coletivas, e que
entram, contudo, como ingredientes na definição de “normalidade”.
22 .22 .21.10.1 . Artleaks: Um único remédio para tudo isto, mas
infinitamente difícil: a autonomia estético-cognitivo afetiva e a personalização das
relações sensíveis com o outro, com a vida e a morte, isto é, ultrapassar todas as
defesas e fusões narcisistas, criadoras de falsas seguranças, de dependência agressiva e
mortífera; em suma, a maturação estésica, cada vez mais raras nas nossas sociedades.
O espaço estético é feito de relações narcisistas muito ambivalentes, porque o amor à
arte (identificada ao ego criador) acarreta e engendra agressão sensível, culpabilidade e,
por conseguinte, superproteção cultural desculpabilizante. Todo sistema das artes é
um círculo vicioso.
22 .22 .21.10.2 . Liberalismo Hedonista: A ausência de formulação e de código
distanciador que mantém a competitividade provoca uma confusão de modos de artear
que obrigam à contínua diferenciação dos outros, reduzindo o gesto estético à
identificação. A arte libertária é tão destruidora quanto a arte autoritária, porque
camufla esquemas de dominação/submissão. É ainda mais ambivalente e prepara os
seres a se comportarem como vítimas, face aos produtos culturais autorizados, mais
dotados para serem carrascos e funcionar como agentes e de maneira paranoica.
22 .22 .21.10.3. Arte de Passagem: A violência entre as idades é camuflada e
investida nos ritos de passagem que protegem e sacralizam tabus e mitos, o que faz
uma dupla ou tripla barreira para a agressividade adulta e adolescente. Muitos são os
roqueiros convertidos em bancários. E como negar o caráter trágico dos trotes de
faculdades? Tais obras coletivas servem para anular a violência das duas gerações,
sublimando-as no consenso e para dar ao jovem a impressão de que conquistou
definitivamente seus direitos viris e a sua inserção na sociedade adulta constituindo
uma unidade com o mundo sagrado da agressividade. Toda obra de arte é um pouco
um rito de passagem, neste sentido. Toda exposição uma forma de adentrar a
simbologia-máfia de uma linguagem subjetiva e, portanto, arbitrária.

22 .22 .21.11 . A Cooptação das Zonas Autônomas
Temporárias: A barbárie estética é, aliás, limitada no tempo de
atenção. Ninguém acreditaria na maldade real de um
metaleiro velho. Esta limitação é também uma função da festa
ritual da exposição artística (estéticas compartilhadas) que só
volta de dez em dez anos (o ciclo das vanguardas e modas),
pois custa caro. Esse ritmo representa uma segurança para
todxs, tendo os adultos assegurado o desempenho do seu papel
por longo tempo, os adolescentes aceitando se manter no seu
lugar, pois estão certos de aceder, não dependendo esta acessão
da sua conduta antes do rito de iniciação na máfia cultural,
mas sim de um acolhimento que virá de qualquer modo.
Nunca será demasiado sublinhar a importância destes ritmos
para abafar o questionamento estético: estes submetem à
ordem temporal a impaciente eternidade do inconsciente e das
paixões. Limitam a arte a alguns abcessos de fixação social,
enquanto que nas nossas sociedades ela é perpetuamente difusa
e acaba por envenenar todas as relações.
22 .22 .21.11 .1 . Tatuagem: Investir o sadismo do grupo abençoado pelos
deuses; investir o masoquismo dos jovens e o transformar em sadismo legal nas
próximas festividades: aí serão tanto mais duros para os noviços quanto maior foi o
seu próprio sofrimento; fazer o jovem esperar durante longos anos; concentrar em
determinadas épocas toda a agressividade do grupo, principalmente aquela que impera
em todas as sociedades permanentemente nas fronteiras das idades e, logo, dos sexos;
também camuflar a agressividade, fazendo disto uma exigência dos deuses que
sacralizam o ritual. Há uma mais-valia do sofrimento e do prazer na arte que
desenvolve a entrega da pessoa participante à morte-renascimento proposto pelas
obras.
22 .22 .21 .11 .2 . Tempos de Zoneamentos Autônomos: Mas o destino dos ritos
simbólicos (sunballein) é a degradação em
símbolos, metáforas. A sua crueldade acaba por
diminuir: O sacrifício humano se transforma em
sacrifício animal, em seguida desperdício de
objetos; a festa religiosa torna-se carnaval, o rito
de passagem, iniciação, até o dia em que o
símbolo sagrado, desmistificado pela razão, revela
precisamente o que escondia e fixava: a violência
social. Os exames vestibulares e diplomas não
garantem mais o desempenho de um papel na
sociedade adulta que por um lado rejeita e, por
outro, tem inveja de suas jovens possibilidades.
De modo que a dupla violência simbólica nas
fronteiras simbólicas do sensível, deixa de ter
limites: o jovem pode reinventar todos os grandes
feitos de toda a história da arte, a sua cabeça de
Górgona não petrifica mais ninguém e não lhe dá qualquer direito de entrada. Resta a
alguns voltar a violência de suas obras contra si próprios. Uma sociedade incapaz de
inventar ritos fascinantes para os seus jovens os condena efetivamente à brutalização e
à apatia.
22 .22 .21 .11 .3. Os Coletivos de Jovens Artistas, de modo geral, não reagrupam
nem somente verdadeiros doentes
da feiura, nem apenas
revolucionários da forma, mas
apenas ansiosos que querem ser
hiperconformes aos modelos viris
difundidos pelas histórias em
quadrinhos da sociedade neolítica,
burguesa ou não. Embora a
injustiça surja como tema e
slogan, a ideologia dos jovens
artistas (com raras exceções) é a
mesma da sociedade adulta onde
lhes é recusada a entrada:
enriquecer, consumir, demonstrar
indícios de potência e virilidade,
fama, etc. Toda banda de roque
diz em seu videoclipe: “Venham
juntar-se a nós e provar que são
gente. Se nos ajudarem a tomar o
poder obterão proteção simbólica,
situação, riqueza e prazer. Em vez de uma existência monótona, sua vida será feita de
uma série de aventuras apaixonadas.” Toda escolha estilística é uma aposta vital.
22 .22 .21 .11 .4 . Cartelas de
Clientes e Fã-Clubes: É sempre
um programa atraente para um
jovem isolado e ansioso de ser
acolhido como um adulto poder
se levar por uma legião de fãs. O
bando estético vai oferecer ao
mesmo tempo: proteção e
fidelidade num mundo
desestruturado; possibilidade de
investir a agressividade contra
pessoas fora do grupo, vítimas
desvalorizadas, estereotipadas
“que de qualquer maneira levam
já uma vida semimorta por
desconhecerem de uma verdade
estética”; bem como dentro do
grupo onde existe sempre algum
zé-ninguém emissário se
prestando de boa vontade aos
insultos e sobretudo uma jovem
para violar coletivamente e
ritualmente (groupies). A
tatuagem do clube de futebol, o
cabelo igual ao da guitarrista da banda, o chapéu daquela performance, o gesto como
naquela dança, aquela palavra inventada que só os raros sabem.

22 .22 .21 .11 .5. O Estilo Enquanto Tribo familiariza o despertencimento, a


solidão social. Todo convento é um fã-clube, onde se muda de nome. A gíria funda
uma subcultura; a capacidade para inventar novas e pitorescas expressões é, aliás,
grandemente apreciada. Em seguida, se poderá tentar subir na hierarquia através de
uma ação de destaque (pixar ou compor a primeira peça para orquestra, por exemplo),
o que permitirá a prática de todas as artes viris nas nossas sociedades: lacaios sexuais,
escravização por dinheiro, embriaguezes “rituais”, jogatinas políticas, sendo os signos
ostensivos do poder mais procurados do que a realidade de uma felicidade ignorada,
pois o que se procura é um ego narcisista dO Artista que foge indefinidamente ao
olhar do outro. É este gosto exclusivo pelos signos que acaba por causar a ruína dos
bandos estilísticos.
22 .22 .21 .11 .6. A Espectação Como
Fonte Do Infantilismo Estético: É o aspecto
frágil e lamentável do espectador (fã) que cria a
ambivalência na relação que temos em relação
a estes: a infelicidade é quase sempre
reconhecida, o que dá a todos esses violentos
impositores de estéticas o sentimento de
impunidade que protege a crueldade infantil.
Tudo isso, juntamente com o burburinho da
imprensa e o arrepio que o simples mencionar
do seu nome faz percorrer na multidão, os
compromete na pesquisa frenética de um ego
imaginário que substitui para sempre o
exercício de um eu responsável e capaz de
encontrar um tu num discurso verdadeiro, a
que todo humano aspira para além dos ritos de
camuflagem estética.
22 .22 .21 .11 .7. Pedaestética: Ainda não se tirou uma lição da negação da arte,
embora um século tenha se passado com multidões de artistas apontando a
necessidade deste questionamento. Quando uma sociedade renuncia ao horror sagrado
dos ritos de passagem ou às crises sacrificiais (Uaxuctum) destinadas a investir,
camuflando-a, a violência difundida em todo o corpo social, só lhe restam três
soluções:
22 .22 .21 .11 .7.1 . O retorno à barbárie estética do ruído puro, a uma
violência sensível não-regulamentada, proliferando de maneira endêmica
com, aqui e ali, tentativas de ritualização narcisistas, mais perigosas ainda do
que a violência que elas ritualizam, porque não levam a passar a lado algum, a
não ser a ilusão do encontro com um falso Eu Artístico Ideal.
22 .22 .21 .11 .7.2 . A invenção de novos ritos estéticos assegurando
momentaneamente o acordo das partes foi o reflexo de todas as sociedades em
crise: a competição para a ajuda aos países subdesenvolvidos, a conquista do
espaço, os rituais das sociedades internacionais – mas quem ainda acredita no
seu valor sagrado e não as desmistifica com um levantar de ombros? Até os
esportes violentos e os jogos olímpicos são objetos de uma desmistificação e
revelam o segredo das violências sociais que mals conseguem camuflar.
22 .22 .21 .11 .7.3. Mas, para pensar a humanidade além deste jogo de
mistificação/desmistificação, não podemos deixar de pensar que a humanidade
procura algo mais sensato e inscrito nas normas da espécie: relações amigáveis
e personalizadas, um eu e um tu capazes de tirar prazer das suas diferenças,
conquistadas justamente pelo afrontamento ritual. O que implica
rituais-participação como o psicodrama e não somente rituais-espetáculo
como os concertos de ópera, os concertos de estádio ou de sombra (cinema,
TV). Na sociedade do espetáculo é necessário recear o retorno das grandes
crises sacrificiais como as guerras pois, qualquer que seja a melhoria do nível
de vida, os humanos perderam o essencial, procurando para além do espelho a
violência e do vedetismo um ego estético ilusório, ao qual nenhuma relação
autêntica lhes deu oportunidade de renunciar.

22 .22 .21 .11 .8. Anonimato
Estético: No contexto do anonimato
moderno, é de surpreender o fato de o
artista, sendo esta a sua época, repetir
indefinidamente o gesto narcisista de se
acomodar à imagem de uma virilidade
que lhe escapa, pois esta é apenas um
fantasma divulgado pelos meios de
comunicação? São estes artistas e
curadores muito diferentes, nesse
aspecto, dos conquistadores do espaço
horizontal ou vertical, todos “ébrios de
um sonho heroico e brutal”, porque
separados para sempre, como Narciso,
de uma imagem sem serem religados a
essa imagem por uma lei simbólica
moderadora, por uma relação
verdadeira? Quero dizer, quanto do
ímpeto colonizador se mantém num
meme, e qual a medida estética desta
forma de conquista de territórios
subjetivos? Quanto de uma obra-estilo
supera a descrença na própria morte
necessária aos ritos iniciáticos?
22 .22 .21 .11 .9. A Crítica dos Rituais Artísticos Agressivos Psiquicamente, mesmo
acompanhada de apelo à razão ou ao
amor, é apenas semi-hábil no que diz
respeito à violência social. Para o
inconsciente, a defesa e a vingança
são a mesma obra. Certamente é
lúcida quanto ao caráter enganador
do rito, constituem um controle dos
conflitos necessários e uma
preparação para o discurso
socialmente aceito como verdadeiro,
submetido à lógica experimental
científica e à eloquência retórica da
política poética. Sem esta preparação
só existem discursos formais e falsos,
tão agressivos quanto a troca direta
de golpes. Mas, inversamente, a
camuflagem institucional por detrás
dos mesmos rituais acaba por
despertar o humor, a crítica, a
violência, o que prova que o próprio
ritual artístico tem necessidade de
ser ultrapassado por outros
regulamentos e outros modos de
comunicação cuja ordem não está em continuidade com o ritual.
22 .22 .21 .11 .9.1 . Gugudadaísmo: Contrariamente ao que gostamos de
acreditar, ignoramos quase tudo sobre
os estádios simbólicos pré-verbais. Não
é necessário reduzi-los à sua dimensão
agressiva ou afetiva, mas esta dimensão
é demasiado esquecida na escola
pedagógica da estética; e ela tem uma
grande importância, pois é aí que se
sente a necessidade de separar para unir,
não mais diretamente, mas primeiro
por um rito simbólico (sun-ballein), em
seguida por um código cultural.
22 .22 .21 .11 .9.2 . A Patafísica
é sem dúvida a psicologia, senão
filosofia, que mais refletiu sobre o
enraizamento do logos nos ritos e
relações simbólicas capazes de
triangular a dupla agressividade por
códigos, ao mesmo tempo que
pesquisou o regulamento retroativo que
as estruturas primitivas do discurso
verdadeiro (enraizado no triângulo
simbólico e reunificado) exercem sobre
as metamorfoses da agressividade estética (dadaísta, no caso) em envolvimento
fraternal e arte de amar a vida. O sentido de agressividade estética se encontra, não na
estrutura de uma estilização da própria violência, mas no nível do despojamento
cultural de um discurso capaz de recriar uma unidade de si para si.
22 .22 .21 .11 .10. Da Ilusão Realista ao Idealismo Semântico: É uma ilusão realista que
faz com que os experimentalistas creiam
que existem obras agressivas
objetivamente definíveis; um sorriso ou
um silêncio bem colocados são mais
agressivos do que um idiota vestido de
Hitler num ringue de boxe; a
agressividade pertence a um modo de
significações que remetem não só a
intenções, mas a estruturas, pelas quais
tudo se torna significante. Mas a
estrutura não pertence ao mundo das
realidades; pertence à arte, ou seja, das
realidades em relação umas com as
outras no seio de um discurso invisível, o
signo de um discurso artístico sendo ao
mesmo tempo libertar o que estava
alienado, reunir o que estava separado e
criar um consenso, um acordo entre si e
o outro (consensualidade da
consensibilidade).

22 .22 .21 .11 .11. A Guerra da Arte: Os esportes de combate, por exemplo, repetem o
momento em que a natureza se transforma em cultura, como o action-painting, e a
agressividade passa a funcionar no interior de um sistema de convenções; ninguém se interessa
por um jogo cujas regras se desconhecem ou se o árbitro não as faz respeitar. Os westerns
constituem a eterna história da violência individual que se submete pouco a pouco a uma lei
cuja aplicação cristaliza toda a violência difundida no grupo, nas fronteiras das diferenças, ou,
pelo contrário, das fusões narcisistas. Opostamente, as conquistas heroicas dos
conquistadores, dos cavaleiros da industria poluidora e das atividades paranoicas não
regulamentadas como a arte, preservam algo da violência narcisista e não aculturada.
22 .22 .21 .11 .12 . Harmonia Contextual: A arte é estruturada em diversos níveis não
biológicos (fantasmas, situações desarmônicas, ordem simbólica, leis-instituições); essas
estruturas são
analisáveis como as de
vários discursos,
muitas vezes
sobrepostos, num
mesmo ato poético; o
papel da crítica é fazer
evoluir esse
aglomerado para um
discurso honesto com
relação a quem o
profere em um dado
contexto, ou seja capaz
de realizar o acordo
entre todos os
precedentes e
assegurar consigo e
com o outro uma
cooperação e uma
harmonia que não meramente a das notas, mas a das escutas.
22 .22 .21 .11 .13. A Aurática da Agressividade é um estudo chave para as obras em
orquestras relacionais. O seu fim é detectar e explicar para prever as irrupções de destrutividade
inconsciente a partir das desmesuras harmônicas entre os modos de escutas vigentes. Mas isto
não será o bastante para evitá-la, pois o discurso estético não é normativo, diz o que pode ser.
Quando o discurso estético exclui qualquer outro, pode se tornar o mais agressivo que existe,
pois emana muitas vezes, nos que utilizam, do medo do encontro arriscado; para limitar o
risco de um encontro com as mãos nuas, o curador interpõe entre si e seus artistas tabelas de
comportamento social e cartografias de processos abstratos, frequentemente bem pouco mais
sutis do que os estereótipos que se criam espontaneamente nas fronteiras das raças, das idades,
das nações. Estes “rituais” das sociedades modernas participam dos melhores sentimentos e
têm originalmente como fim apaziguar a angústia que nasce do desconhecido; mas tornam
rígidos o comportamento e as relações, bloqueando muitas vezes o processo sensível e a
evolução artística normal, donde advém incompreensão e uma agressividade simbólica
aumentada da parte daqueles que querem ser reconhecidos pessoalmente como produtores de
sua própria cultura, e não como representantes de uma categoria arquetípica midiática,
mesmo que “artística”.
22 .22 .21 .11 .14 A Estética da Agressividade: Inversamente, o discurso normativo
das morais formais, das religiões simbólicas, dos códigos de ajustamento e até do discurso
profético dos pacifista por decisão ou dos poetas místicos delirando de amor, emanam quase
sempre de relações falsificadas e, portanto, geradoras de mais agressividade de si para o outro e
de si para si; por isto, nunca conseguiram estabelecer a paz. É evidente na estética repressiva:
Emana de personalidades pouco unificadas, ameaçadas interiormente pela dissociação,
consequentemente também ameaçadas no exterior e incapazes de correr o risco de um
afrontamento, ou de um acordo relativo aos sistemas mais racionais de defesa contra o medo e
a destrutividade que se encontram em todos nós.
22 .22 .21 .11 .15. A Estesia do Pacifismo: A geração de um sistema agressivo de
simbolização é menos evidente no discurso libertário pacifista, pois este é multiforme. Emana
muitas vezes de personalidades imaturas interiormente, irrealistas exteriormente e
impermeáveis ao discurso científico. Irrealistas? Porque ignoram que uma obra de arte que se
proponha à paz é percebido como a pior violência, ora como covardia que transforma o
próprio pacifista em “estímulo-vítima”, ora como uma reusa desdenhosa em comunicar e
cooperar. A forma de afetação do pacifismo não se dá pelo discurso estético da obra (sempre
agressiva), mas pelo reconhecimento desta agressividade e por uma elaboração conjunta com o
inimigo de uma paz (escuta compassiva). Imaturos? Porque o amoroso do amor muitas vezes é
um narcisista fazendo arte pela arte e ignora quanto este traço camufla a destrutividade real
em si, potencial por fora; quer que as pessoas se entreguem às facilidades dos contatos afetivos
em relações identificadoras e missionárias, não trianguladas por uma norma de respeito (a
Senhora restaurando o Ecce Homo).
22 .22 .21 .11 .16. Mitossocioestética: A mitologia amorosa é tão perigosa, por ser
despersonalizante para a estesia, quanto as mitologias guerreiras que encerram o indivíduo no
narcisismo de fãs de grupos e o preparam para todas as formas de dependência irresponsável, e
mesmo para a destrutividade obediente das censuras, até o dia da revolta passional em que o
processo de descomprometimento estético, que tinha funcionado primeiro em relação às
plateias funciona em relação aos artistas e a arte toda a é abandonada aos artistas e jovens em
busca de uma ilusão, de mais um entorpecimento dos “sentidos reais”.
22 .22 .21 .11 .17. Tabu Artístico: É no afrontamento arriscado que a nossa
agressividade estética toma consciência de si própria, aprende a se formular um estilo, a se
ritualizar, se ultrapassar, até efetuar relações de amizade que incluem esta personalização
inscrita na evolução interna da obra,
das obras, dos estilos, das histórias da
arte. Não são os discursos abstratos,
disparados do córtex, ou instituições
repressivas, ou sistematizações
delirantes dos apaixonados da justiça
(quase indiferenciáveis, por vezes, dos
briguentos), que podem servir de
reguladores e organizadores da estética
humana, mas uma ordem simbólica
preparada desde a infância por esses
organizadores das relações que são o
sorriso, a angústia dos oito meses e a
sua simbolização onírica, depois o espelho, a castração, os mitos.

22 .22 .21 .11 .18. Humanos Para O Parque Das Regras: O humano não é feito para
funcionar sob o império dos estímulos, mesmo optimais, nem sob o império das pulsões, nem
sequer sob o império de motivos simplesmente racionais como a justiça, a igualdade, a paz no
jardim ecológico: estas boas razões conjuntamente a muita virtude nunca impediram o
processo de degradação das relações e do preço da vida. Humanos “funcionam” sob o império
dos sentidos, de uma ordem simbólica que dá “as regras do jogo” toda a força dos antigos
tabus, porque cada um acredita na eficiência dessa ordem e tem ocasião de o verificar cada vez
que a tenta transgredir; é ainda
necessário que tenha coragem e que
se lhe dê oportunidade.
22 .22 .21 .11 .19. O som,
como a escuta, é dialógico. Uma
dialogia busca defender uma
postura sempre aproximadora
entre os pontos de vista por vezes
antagônicos. A dialógica tem como
principal função aproximar os
antagônicos admitindo que os
“opostos são complementares”
sendo indissociáveis e
indispensáveis, negando o terceiro
axioma identitário (“Principio do
terceiro excluído”, defendendo que
toda a proposição dotada de
significação é verdadeira ou falsa, e
que entre duas proposições
contraditórias uma somente pode
ser considerada verdadeira [A é ou
B ou não-B]. Podemos perceber
isso nas palavras de Bohr: “O
contrário de uma verdade trivial é
um erro estúpido, mas o contrário
de uma verdade profunda é sempre
uma outra verdade profunda”.
Desta forma, este princípio propõe um diálogo amplo e realimentador entre todo os
elementos constituintes da “realidade humana”, admitindo-se vários níveis de realidade (ativas
e mutáveis) em detrimento de uma realidade unificada e perene.
22 .22 .21 .11 .20. A Recursividade da Escuta ou recursão organizacional dos modos
de escuta, este princípio que vai muito além da simples noção de retroalimentação (ou escuta
da escuta), não se restringindo a noção simplista de regulação sonora, abraçando as noções de
autoprodução e auto-organização do sujeito soante. É a espiral geradora na qual, os produtos
sonoros e os efeitos aurais são simultaneamente produtores e causadores daquilo que os
produz, este principio é corroborado pela ciberfonia que com a idéia de retroação ou curva
causal (que contesta a causalidade linear) concebe os fenômenos sonoros e os seres soantes
como causas e causadores, modificados e modificantes, influenciando tanto a si, como aos
outros e o meio aurático. Desta forma, todas ações são importantes musicalmente, não
existindo contribuição desnecessária (especialmente nas relações humanas das entre-escutas),
pois uma ação individual pode reconfigurar um sistema operístico (dependendo da ecologia
das ações).
22 .22 .21 .11 .21 . Holograma Elefante: A ideia do holograma ultrapassa o
reducionismo, que só vê as partes, e o holismo, que não vê senão o todo. Está ligado à idéia
recursiva (GNU), ou seja, ao princípio de organização recursiva que é a organização, cujos
efeitos e produtos são necessários à sua própria produção: Trata-se rigorosamente do
problema da autoprodução e da auto-organização. Assim, uma obra (ópera-próera) como uma
sociedade são produzidas pelas interações entre indivíduos, mas essas interações produzem um
todo organizado que retroatua sobre os indivíduos, para os co-produzir em sua qualidade de
indivíduos humanos, o que eles não seriam se não dispusessem da educação, da linguagem e da
cultura. Assim, para se conhecer e se transformar, o ser humano depende da variedade de
condições que a realidade lhe oferece e do estoque de ideias existentes para que faça, de maneira
autônoma, as suas escolhas. Temos aí três conceitos fundamentais: o de autonomia, o de
liberdade e o de dependência. Vale ressaltar que a autonomia autoral só pode ser concebida a
partir de uma teoria dos sistemas simultaneamente fechados (a fim de preservar a sua
individualidade e integridade) e abertos (ao meio ambiente) – um problema de complexidade.
Nesse sentido, tudo o que inibe o poder de escolha dos indivíduos (a censura, por exemplo),
restringe a liberdade; e, em contrapartida, a autonomia só pode afirmar-se e fazer emergir as
suas liberdades (dependência) nas e pelas determinações sociológicas, econômicas, políticas –
em relação recíproca ao sistema auto-organizador e ao ecossistema.
22 .22 .22. Complexidade Elefante: Uma análise aural baseada na complexidade da escuta difere das
interpretações que enfatizam o papel das precondições (projetos x cultura), diz respeito ao seu papel no próprio
processo de industrialização da simbolização. A abordagem da complexidade tende a privilegiar as
não-linearidades envolvidas nesse processo e assim a maneira como ele transforma as condições preexistentes.
Desse modo, não é que as precondições não tenham importância, mas antes até pelo contrário. Como o
processo de mudança é altamente não-linear, pequenas discrepâncias nas precondições (se estiverem presentes
no momento correto) produzem variações tão grandes nas trajetórias do sistema cultural, que de fato não
podemos avaliar a importância desses pequenos desvios. Esses momentos de auto-organização dos sistemas
culturais não-lineares não podem ser previstos nem temporalmente nem em seus detalhes específicos. Eles
ocorrem quando, em razão da dinâmica de longo prazo, das conexões internas existentes entre as várias partes
do sistema econômico-cognitivo e das interações sensíveis diretas e indiretas entre essas partes, os efeitos
indutores à industrialização simbólica produzidos pela dinâmica de longo prazo geram um círculo virtuoso
interno, impulsionado por ciclos de realimentação positiva.

22.22.22.22. Resumo da Próera:

antes a pós
de mais, nada
apenas tudo...


Esta obra foi impressa dia 11 de Setembro de 2012


em Fell Great Primer Open Type tamanho 11 no miolo e 22 nos títulos
sobre Papel Carta reciclado de fezes de elefantes (PooPooPaper) 0,4mg
pela Scriberia Lemniscata Serviços Gráficos para a Editora Toschen

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