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120 « Literatura € Sociedade Igo comtwcrariva [40-40 JOAO LUIZ LAFETAS® Universidade < de So Paulo Resumo Palavras-chave ormeio de anise de penonagenscrads pel escrior —- Moderaiade ‘acioca, com Efe nos coos, lies mon Waeiia ramon {econ doinsme (ae 196, com Lia Marino) 8 olen fase posterior secaindo Agno, em que a volves predominae 9 case lia persist sb dsrces oo amo parla, sempre no qoade do “romana Sestosdo" de Lukas, ou tej, no coafronto entre Ssubjentdades sic de conteadoe ea oben socal Abstract Keywords Through the analysis of carers crete by he writer Mader: rics Rader Fonseca fom Ri deJancomoly frm irs. nara vince. tris hs carer asian wer fees, fom is ‘yrs Gi 1963, wth ce Mast) slate hase inading Aug in whieh vience revels and lyricism pests either under dgiser or 39 pa, les within what Laas named the "Ronan of Astsionmen, tha i, he confrontation bate ‘onl secs and acs emp betty * Aigo extrido ds Revise theeromana, 38, Max Nlemeje Ves, Tobingen, 1085, pp, 70.4, (199651996) 2040 WU LAFETA, Rubem Fonsecs, do limo & violénca « 4124 (1o-40] 1 © primeiro liveo de contos de Rubem Fonseca, Os prisioncros,' foi publicado em 1963. 0 autor tina, entéo, 38 anos. Estria tardia, que Indo € regia em nossa literature (embors Guimaraes Rosa e Gracilano. Ramos tenham estreado nessa faixa de ade), e deixa no ar uma perguta ccuriosa: por que tanta demora? No caso dos dois grandes escritores citados, a0 lado de sabe-se 13 que injuncdes biogralicas, sem duvida a autoctitica mais exigente, o rigor mats meticulosoe o apuro tcnico mais afinado foram fatores de etardamento da obra, amadutecida devagar 346 uma pista para 0 caso Fonseca. Embora se possa alegar a ire- aolaridade de alguns de seus livros, coisa que se vem fazendo principal ‘mente a propdsito dos tltimes romances, fato€ que autocrtica, rigor € apuro técnico nao the faltam. Ao eontriio, mestio naqueles livros de- preciados por alguns como exercicios de best-sellers, notase uma rara € bem sucedida preocupacio com a eseria, Nesse sentido, & certo que n30 se pode equipari-o a Graciliano ou Guimaraes Rosa: s10 atitudes ¢ tea lidades diferentes, que pedem outros tpos de expresso literiria. Certa angistia, aids, deve ter permeado o inevtsvel confronto com a tadicao. Observe-se, por exemplo, este techo de “Intestino grosso” (de Feliz Ano ‘Novo, livro de 1973) ‘Quon fi que vot fi pula pk primeira vez? Bemerou mit? Bemorou Hes queram gue eserves 0 Machado de Amc ena quer, 08 m0 sti” “Quer ram le” ‘Oscars que etavam os tes, os suplemenio eda. os ora de ers lesqucriamos epi dopstori, os gars, cx serdesds ia Fut num efifico d paraments no cenit d ia ¢da onl omc guts na snsancis cols em ga neon eouva Baul de tres de stones Esse texto interessantissimo tem passagens assim, de sarcasmo € desprezo, denotanclo um impacieneia cheia de firia. Trata-se de entrevis, ta fieticia, realizada com um Autor famoso, que faz livremente, Drovocativamente, alirmagies extremadas ¢ patadoxais sobre seu aficio de escrtor € sobre seu modo de ver a literatura e 0 mundo contempora ‘neo, em particular 0 Brasil Eclaro que nio se trata de Ruibern Fonseca © Autor ¢ uma persona, sem vinculo dieto com a realidade ou o autor éempirico ~mas todo o texto tem a conformacio de uma poética polemica € radical. Nesse caso, as referencias a Machado de Assis, Simoes Lopes Neto, Jose de Alencar e Euclides da Cunha (tiodelos de nosso panteao litririo) ganham o sentido de um embate com a tadigao, Outtas rele. Enciasirdncas, acerca de autores nao basiletos, so fetas também logo a seguit: Stendhal, Proust, Freud, Melanie Klein, TS. Eliot etantos mais aber Fons, 0 bem Fonseca, Fa isons, io de Joe, GRD, 1963, Ano Nov, Rio de Janeto, Anno, 1973, 122 = Literatura e Sociedade e210) = Autor tem uma biblioteca de cerca de cinco mil volumes, ej lew ‘quase todos, a velocidade dé “no minimo um livro por dia", Apesar dis- 0, diz ele: “odelo o joyce. Odelo todos os meus antecessorese contem- poraneos” Digo que deve ter havido um confronto com a tradicio por eausa de frases como essa, de assumida ambivaléncia. Talvez a demora da primeira publicagao se deva a necessidade de se equiparar a um modelo ideal? Ou, quem sabe, a forte censura exercida por uma espécie de superego literirio, exigente da perfeicio dos cumes? Gustivio Flvio, personagem e suposto autor de Bufo & Spallanzan’ (1985), inicia seu romance contando 0 pesadelo recorrente em que Tolsici The aparece “e faz © movimento de molhar uma pens num tintelro”, enquanto The diz ‘em russo: “para escrever Guerra e paz fz este gesto duzentas mil vezes E completa: “Anda, [.] agora € a tua vex’ Dificl saber 0 quanto o jovem Fonseca teré tentado seguir 0 consetho de Flaubert, de abandonat s carne e de “foutre ton enrier”. O fico, entretanto, € que para representar o centro da cidade, cheio de Anuncios coloridos em néon ¢ barulho de aucomsveis, fo-the necessério rio apenas mergulhar na experiencia da vida urbana, mas tambem travessar a pilha dos “cinco mil’ volumes. Desde os primeiras livros, seus contos esto cheios de referencias explicitas ou de alusbesa Mteratura, misica, a pintura, 3 filosofia etc. Em certo sentido, sto textos fortemente Intelectuais ~ ¢ este nao € um dos seus menores paradoxos porque, por outro lado, ele daa impressao de estar uase sempre fazendo pouco £350 do mundo da cultura. Essa tensio, entre o recolhimento e a orgia, a disciplina eo desregramento, habla seus escritos, povoados por poicias sensiveis que léem poesia, halteroflistas habeis tanto nos pesos quanto na levera das sentimentos, advogades cinicos e enduecidos, capazes entretanto de grande compaixdo, © universo complexo desse criador de linguagens, personagens € ambientes jé surge no seu primero liveo, Os pristoneias tem alguns con- tos muito bons, tés ou quatro dos quais altura daqueles que aparece- ‘io nos livros seguinte. “O inimigo”, que fecha a coletanea, € um deles: seu conteddo € a narrativa da busca de um mundo magico, demtiicado ‘a aolescencia do narrador e agora completamente perdido. A abertura ddo conto mostra o personagem ji deitado, as voltas com duvidas que 0 assaltam: tend fechado todas as poras ¢janelas? Por duas vezesladraes hhaviam entrado em sua casa e roubado parte substancial de seus bens. Para te certeza de te fechado tudo, onartadorusera processos nem’ nicos, ais como: dar uma pequena eusparada por entre as venezianas, na Janela da varandsy repetir duas vezes ale jcta est enquanto passa otrin- co da porta da frente; tocar a planta do pe na macanea fia da porta dos fundos. 7 Wuom Fanses, By 6 Spallasin, Rio de Janie, Fence Abe, 105. power ulbem Fonseca, do smo & vilénca «123 ‘too, 0 titulo “0 inimigo" eos rituais obsessivos preparam o leitor para ‘um entedo persecutorio~ que , todavia, nio vem, Em vez disso, omarrador passe afalarde seus companheiros de adolescéncia, tipos fora do comum: Roberto, dado a Ieituras de parapsicologia e que em certa ocasio conseguira levtar; um mico que falava com o dono, Vespasiano, dandi cxtravagante ¢ portentoso, pat do magico Justin (de quem 0 narrador fora assistente em espeticulos de eireo) ¢ de Ulpiniano-o-Meigo, cujo Jema era “tratar todos com ternura © compreensio”, mas que zombara dos padres do colegio, fora expulso, morrera e ressuscitara depois de sete (sie) dias, “tale qual Jesus Cristo”; Mangonga, mitomano que acredita nas estrias que inventa; Félix, que usa prendedotes de roupa na tentative Ae afilaro nari; e Najubs, que amarra um peso a0 pens, na esperanca de faze-lo crescer. Depois de apresentada essa companhia fantistica, comeca a segunda pparte do conto. “Eu ainda estou na cama e isto tudo fot a meméria funcionando’, diz onarrador. E prossegue: "Ou sera que ndo foi? Eu sou hhoje umn homem tao cheio de dividas” ‘As dividas so as causas dos tituais obsessvos, sempre cumpridos quando o narrador fecha a sua casa, Mas as davidas nascem de uma

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