You are on page 1of 12
210 02:301.152.3 A ideologia na Biblioteconomia: uma retlexdo* Ideology in Library Science: some considerations TARA FERREIRA DE MACEDO ** Reflexto da infludncia da ideologia domi ante na Biblicteconomia @ esforgo do profissio- nal para Inverter esta situacso, contribuindo para © crescimento @ desenvolvimento da Bibllcteeo- nomia como ciéncia. Importincla da atuacso d biblioteca» da papel do bibllotectrio como agen- tes sociallzadores @ velculadores do conhecimento para s socledade, como também traneformedores do uma reelidede injusta © imposta. 1. INTRODUCAO. Parece de relevante importéncia indagar-se, nessa oportunidade, quat o compromisso maior do bibliotecdric na sociedade. Falar sobre «ideologia e biblioteconomiay ¢ uma alta pretensdo, mas que é feito com a intengdo de avaliar até que ponto @ Biblioteconomia encobre ou néo alguma ideologia. 7 Monografia olaborada pars x discipiine Metodol Peaqules, do Curso de Especlalzaco em Adminitracho de Sittemex de Biblicteces Netechria dx Giblloteca Setovial do Educache da UFRGS. R. Ese. Bibliotecon, UFMG, B. Horizonte, 18(2):210-221, set. 1986 Tanto um tema como outro sdo inesgotéveis, pois nao se pode falar de ideologia em geral, nem de bibliote- conomia em geral. Apenas, delimitar-se-é alguns campos, sem pretender com isto esgotar a questo, nem mesmo tratéta de modo suficientemente detathado, Em principio j& se pode admitir que o papel do profissional de Biblioteconomia e o da propria Bibliateco- Nomia estao, essencialmente, voltados para a mudanca, Mas, questiona-se que tipo de mudanga, em que direcae se processar @ que maneira atuar para libertar-se da ideologia dominante. Cabe perguntar até que ponto esta profissdo tem autonomia para cumprir 0 seu verdadeiro papel. Esta indagac3o implica em tentar-se conceituar ideologia, para se poder té-la como aliada na atuagao do bibliotecério como agente socializador. Um rapido exame dos papéis gerais da biblioteca e do bibfiotecdrio pode viabilizar a exposi¢ao da relacao desta com o desenvolvimento cientifico da ideologia, nao como controladora da politica bibliotecondmica, mas sim, como ferramenta a seu servigo e dos objetivos reai da Biblioteconomia como ciéncia, ou seja, elemento socia- lizador e integrador a service da comunidade. 2. IDEOLOGIA: breve conceituagao A primeira exigéncia que coloca-se frente ao estudo do tema proposto, € a de um posicionamento tedrico face a0 conceito de ideologia. ‘Segundo Bunge (1980) uma ideologia 6 um con- junto de idéias mais ou menos eoerentes, mas n&o neces- sariamente verdadeiras, sobre a realidade ou uma parte dela. Diz ele, ainda, toda sociedade humana possui uma cultura e toda cultura tem uma ideologia, ou melhor, um conjunto de ideologias paralelas, Assim, um de seus usos mais correntes € 0 de entendé-la como sistema de R. Esc. Bibliotecon. UFMG, B. Horizonte, 15(2):210-222, set. 1986 2i1 212 idéias, valores @ representagées. € como se se pudesse abstrair da relagdo social o seu significado, pensando apenas @ materialidade da relacao social, e considerar © significado coro imaterial. Com isto, quer se dizer, que quando se fala ideolcgia, pretende-se em geral estar qualificando o sistema de idéias como distorcido, falso @ itusério. A ideologia & distorcida, falsa e iluséria em relago ao real. Nesta mesma visio opde-se, por um lado, verdade & ideologia e, por outro lado, ciéncia & ideologia. De um lado, 0 real, a verdade e a ciéncia, de outro, a ideotogia. Esta 6 uma concepe#o negativa da ideologia, que baseia-se na influéncia positiva e/ou negativa que a Heologia exerce na politica, na cultura e na sociedade em geral, ou seja, na tdeologia dos dominantes e dos dominados. Em «A Ideologia Alem&» de Marx, ideologia é con- ceituada como um processo de inverséo de posiches quanto & determinaggo real: ao invés de as relagdes sociais aparecerem como determinantes das idéias e representagbes, as idéias aparece autonomizadas e como tal determinantes das relag5es sociais. Ainda em «A Ideologia Alema», tem-se: «As idéias da classe dominante s8o, em cada época, as idéias dominantes, isto 6, a classe que & a forca material dominante da sociedade ¢, ao mesmo tempo forga espiritual. Os individuos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também cons- ciéncia e, por isso, pensam, Na medida em que dominam como classe e determinam todo o Ambito de uma época histérica, 6 evidente que o fagam em toda sua extens2o e, consequentemente, entre outras coisas, dominem R. Esc. Bibliotecon. UFMG, B. Horizonte, 18(2):210-221, set, 1986 também camo pensadores, como produtores de idéias; que regulem a producéo e distribuigdo das idéias de seu tempo © que suas idéias sojam, por isso mesmo, as idéias dominantes da época». «A Ideologia , antes de tudo, um sistema de repre- sentagdes. Mas essas representacdes, na malor parte das veres, nada tém a ver com a consciéncia; elas so na maior parte das vezes imagens, as vezes conceitos, mas 6 antes de tudo como estruturas que las se impSem a imensa maioria dos homens, sem passar para a sua cons- cigncian. (Althusser, 1980). Visto alguns conceitos, seré utilizado aqui, o con- ceito de ideologia da Proft Marilena Chaui, ou seja, ideologia enquanto «ocultamento da reatidade social». A ideologia consiste precisamente na transformacao das ias da classe dominante em idéias dominantes para a socledade como um todo, de modo que a classe que domina no plana material (econémico, social e politico) ‘também domina no plano espiritual (das idgias). (Chaui 1984). Com base neste concsito, pode-se ver, que a classe dominante cria uma ideologia, ou seja, um corpo de idéias para se manter no controle da saciedade. Estas idéias justificam a dominacdo esta aparece como algo muito natural. Esta dominagéo se dé sem coergo na grande maioria dos casos e o uso da forca fisica s6 se d& nos casos mais extremos. Assim, a ideologia nasce da prépria realidade, mas mostra-se de maneira invertida, Ela esta presente em todos os setores da cultura (leis, escola, literatura, reli- gido, meios de comunicagao, etc). Esta situagdo nao é caracteristica dos nossos dias. Eta tem origens histéricas. Porém, choga-se aos dias atuais munidos de dois grandes instrumentos de leitura do discurso ideolégico: A Psicandlise @ 0 trabalho dos lin- gulstas, R. Eso, Bibliotecon. UFMG, B. Horizonte, 16(2):210-221, set, 1986 213 214 3. IMPORTANCIA DA BIBLIOTECA E DO BIBLIOTECARIO 3.1 Atuagdo das Biblictecas Um pais em desenvolvimento como o Brasil, que assiste a uma séria transformagéo politico-social, econd- mica, técnico-cientifica, necessita, preeminentemente, de uma Infra-estrutura cultural e conseqientemente de uma politica de informacao da Biblioteca ¢ de Documentagao que reconheca nossa prépria cultura emergente @ que, fundamente-se na din&mica dos valores culturais em ger- minagao na comunidade. Para atingir-se esse objetivo, € primordial que os profissionals lIgados a drea da informacao sintam a neces- sidade e a responsabitidade social & que esté vinculada esta proposta. Portanto, pergunta-se: Qual a missdo da biblioteca num pais de dimensdes continentais e de desnivelamentos ‘80 viotentos como o nosso? A resposta é delicada e proviséria, devido ao caréter da biblioteca como um fenémeno historico em regime de mutua e constante interacéo com o ambiente @ pela ligagéo ideoligica de toda instituigao com aqueles que a organizam, que criam © que emprestam a ela sua personalidade. A biblioteca 6, assim, um organismo vivo @ Unico, ndo havendo duas bibliotecas iguais. A biblioteca é uma instituig&o social. Para atingir sua finalidade precisa reffetir a sociedade da qual faz Parte, evoluindo de acordo com 0 seu progresso © as suas necessidades. Vista deste perspectiva, a biblioteca converte-se em veiculo de integragio nacional e a leitura, um forte Ins- trumento para a nossa independéncia cultural, «Se 0 subdesenvolvimento & causado pela falta de informagao — pals rico é aquele que gerou ou absorveu R, Esc, Bibliotecon. UFMG, B. Horizonte, 15(2):210-221, set. 1986 a informago que necessitava para o propria desenvolvi- mento ¢ dedica parte desses conhecimentos para a expor- taco e a manutencao de seus privilégios — e se acel- tamos 0 fato de que o hamem esté, cada vez mais s6 na multidao, a biblioteca daria ao individuo a oportuni dade de se informar, de se instruir, e de se distrain, (Miranda, 1978). A biblioteca precisa perder a sua imagem de ins. tituico que est4 a servico samente das classes domi- nantes, de mudar sua postura estatica de espera do usuario e ir até eles, especialmente dos despreparados © impossibilitados, mostrar-thes a riqueza e o prazer da leitura, preparando-Ihes para atuar como forca trans- formadora da realidade que Ihe 6 imposta. 3.2 — Papel do Bibliotecdrio Com base no exposto acima, em que se afirma ser @ biblioteca uma instituig&o eminentemente social, 0 bibliotecdrio, conseqUentemente, tem sua parcela de res- ponsabitidade e competéncia no desenvolvimento do pats, devendo representar uma funcéo especifica em uma organizagao social. Ele tem, pois, uma importante funcao social a cumprir junto & comunidade em que esté inserido. © biblictecério tem o relevante papel de alertar as auto- ridades pera a importancia da biblioteca como centro provedor de informagio, cultura, educagéo e lezer para a comunidade, Como também, de engajar-se na luta para a melhoria da situagao cultural brasileira, «€ com espirito de socializaco que o bibliotecério desempenhard o seu papel de agente social. Parece neces- sdrio, assim, desenvolver conhecimentos, atitudes e pa- drdes cde agdo no bibliotecério para que desempenhe suas fungbes @ obrigages como elemento capaz de inerementar e executar as atividades aqui referidas junto R. Esc, Bibliotecon, UFMG, B, Horizonte, 15(2):210-221, set. 1986 215 216 & comunidade, especialmente aos segmentos mais caren- tes de assisténcia neste seton». (Araijo, 1985). Compete, assim, ao bibliotecdrio, além de realizar um trabalho técnico altamente qualificado através de planejamento administrative e de programas culturais; fomentar a cooperagdo e a intercambio entre bibliotecas, entre 0s prdprios profissionals da érea, bem como com outras instituig6es interessadas; exercer o trabalho de equipe. compartilhando com os bibliotecdrios € outros profissionais 0 cardter interdisciplinar e sistémico da pro- fissao; contribuir para o treino da compreensto da leitura e para o gosto da leitura; colaborar no planejamento ¢ tna avaliagéo do proceso ensino-aprendizagem; enfim, ser um agente da educacso para a comunidade ¢ um agente politico e atuante que contribua para 0 rompimento dos mecanismos da ideologia dominante para com a informacao. 4. A RELAGAO IDEOLOGIA X BIBLIOTECONOMIA € indiscutivel que j& n&o passa despercebido a nenum brasileiro a forma desigual ¢ injusta de como os bens econdmicos e sociais s4o distribuldes pelos diversos estratos, classes e grupos sociais na atual soce- dade brasileira. Nao se pode conceber mudanga, se nio for voltada para superar a concentragio dos privilégios de uma minoria, que tem como contrapartida a pobreza da grande meioria. Ingénua ou maliciosamente, por- gunta-se 0 que 0 bibliotecério ou a biblioteconomia tem a ver com isso? Nao 6 suficiente ao bibliotecario sistema- tizar e organizar os conhecimentos e colocé-los & dis- posi¢o do puiblico? Por que esperar do bibliotecsrio um desempenho que extrapole a sua area de competéncla técnica? Atrds desses indagacies, esconde-se toda uma Ideologia que visa manter 0 profissional de Biblioteco- R. Esc, Bibliotecon. UFMG, 8. Horizonte, 15(2):210-221, set. 1986 nomia come instrumenta de manutencao do «status quo». Para essa ideologia, basta, apenas que o bibliotecdrio desempenhe © que manda o cédigo de ética e valores que servem Unica e exclusivamente & manutengio dos privilégios de alguns & custa da opressao sobre muitos. Essa ideologia, que usa os bibliotecdrios e outros pro- fissionais a seu servigo, costuma criar alguns mites para assegurar a idolatria aos seus valores. Assim, 0 que conta 6 a competéncia, a eficdcia, a competicao. Basta. Assim, quando disserem que ¢ preciso ser eficien- tes, pergunte-se para que e para servir a quem. Isto 6 necessério para que coloque-se em nossa frente a pers- pectiva da sociedade e do ambiente social no qual inte- ragese como protissional. Q bibliotecario deve propor-se ser veiculador de um elemento vital de desenvolvimento, que & exatamente © conhecimento, considerando-se que este tanto pode libertar como escravizar.

You might also like