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O falecido historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) diz em seu livro „Sobre
História” a enigmática frase “o passado é outro país. Lá eles fazem as coisas de modo
diferente”. Enigmática mas compreensível à luz da história do tempo presente. Para
Hobsbawm o que está em jogo é a nossa relação tanto com o passado quanto com o
presente e o juízo de valor que fazemos deles. Quem sobreviveu aos fascismo europeu e
à ditadura militar do lado combatente e perseguido, por exemplo, recorda-se com
clareza e dor o sofrimento desses regimes políticos caçando seus algozes. Algo bem
diferente do que os neonazistas e apologistas da ditadura militar que não tem a
dimensão da natureza histórica desse mal. Diz Hobsbawm que era impensável que nos
anos 30 uma casa judia fosse sido invadida e queimada com seus habitantes por jovens
nazistas agindo sem ordens específicas como agora acontece com os imigrantes na
Europa e com mendigos ou dependentes químicos da cracolândia em São Paulo. Ou nos
espancamentos de mulheres vestidas de vermelho por todos os cantos do país.
Estes são sinais claros de que uma parcela influente da sociedade brasileira está se
aproximando cada vez mais dos valores totalitários específicos do fascismo. Dado esse
notado que a democracia é uma instituição frágil, convive mal com os sentimentos dos
homens; mas tende a se consolidar na sociedade se houver tempo para florescer, e o
Brasil está longe desse exemplo. Na última década, a combinação das redes sociais
fermentou novas bases de avanço do fascismo, conferindo voz pública a pessoas que
restringiam suas manifestações grotescas às mesas de bar, aos cultos, às lojas e
agremiações sociais e à tribuna exercida por partidos antes nanicos e exóticos. Em
poucos anos, temos em curso a redução da maioridade penal, a criminalização dos
movimentos sociais, o ataque a múltiplos direitos fundamentais da seguridade social, a
entrega da soberania sobre os recursos naturais às grandes corporações transnacionais,
precarização do trabalho ou semiescravidão. O fascismo do século XXI vai-se
fortalecendo na desconstrução dos direitos constitucionais pactuados pela
redemocratização e a classe media louva isso tudo com despudor e vingança (a ideia
geral é despetenizar/deslulizar o país a qualquer custo).
Em artigo sobre a temática em questão Andre Calixtre diz que “o fascismo nutre-se
do sentimento de pureza das pessoas de bem ao seu redor, em suas camisas negras ou
verdes-amarelas, convictas de que contribuem para a ampliação da democracia, quando
fazem o inverso”.
A fatídica passeata dos verdes-amarelos na data de 31 de março de 2016 é
sintomática da noção de história que os cabeças daquele movimento possuem; fascista!
Em panfletagem pelas avenidas centrais do país pediam o retorno de uma ditadura
militar. Deprimentemente sua noção de história é torpe, vil e mal intencionada. Como
ensinou Hobsbawm logo acima; que o passado é outro país e que mal sabiam os
passeateadores que quem pedia uma intervenção militar em 1964 não sabia bem o que
aquele regime seria capaz em relação à brutal violência contra seus opositores, ainda
que de início tenham sido seu lacaio; igrejas, OAB, partidos, jornais, etc.
Reverbera ainda nosso autor acima supracitado “Enquanto a turba ocupa as ruas
exigindo candidamente o verde-amarelo do fim da corrupção (de toda a corrupção!), o
fascismo corrompe o sistema democrático ao turvar as garantias individuais em nome
do jogo de poder. Juízes transformam-se em justiceiros e assumem as feições sobre-
humanas do fascismo. Heróis acima da lei capazes de guiar o destino dos homens
comuns. O fascismo é uma epopeia peculiar, pois se mobiliza nos heróis-ninguéns, em
pessoas esquecidas pelas elites sociais, culturais ou intelectuais que, repentinamente,
são alçadas à condição de semideuses. Não é por menos que, nos períodos em que o
fascismo impera como sistema, a produção artística rebaixa-se em quantidade e,
principalmente, em qualidade. E a Escola Sem Partido bate à porta, (sem partido para
quem? Pois os fascistas têm partido! O do ódio e da violência).
A classe media brasileira foi obrigada a conviver com os pobres que foram
promovidos pelo resgate das políticas públicas de estado nos anos 2000. A classe
merdia brasileira ressentida da ditadura civil-militar e da sua alta concentração de renda
promovida pelos ditadores arregaçam suas mangas e vão as passeatas verde-amarelos
com seus patos de borracha.
Para essa classe que acredita na meritocracia quantas saudades dos tempos da
ditadura em que o pobre (trabalhador) era um semiescravo, o professor e o intelectual
calados, o artista exilado, o gay dentro do armário, o negro na senzala, o índio na
cova!!! A mesma regra do índio vale para o sem terra, mendigo, dependente químico e
obviamente o comunista (nesse caso eles não sabem bem o que estão falando).