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O fascismo está logo ali dobrando a esquina

Eduardo Martins, professor de história de Nova Andradina/MS

O falecido historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) diz em seu livro „Sobre
História” a enigmática frase “o passado é outro país. Lá eles fazem as coisas de modo
diferente”. Enigmática mas compreensível à luz da história do tempo presente. Para
Hobsbawm o que está em jogo é a nossa relação tanto com o passado quanto com o
presente e o juízo de valor que fazemos deles. Quem sobreviveu aos fascismo europeu e
à ditadura militar do lado combatente e perseguido, por exemplo, recorda-se com
clareza e dor o sofrimento desses regimes políticos caçando seus algozes. Algo bem
diferente do que os neonazistas e apologistas da ditadura militar que não tem a
dimensão da natureza histórica desse mal. Diz Hobsbawm que era impensável que nos
anos 30 uma casa judia fosse sido invadida e queimada com seus habitantes por jovens
nazistas agindo sem ordens específicas como agora acontece com os imigrantes na
Europa e com mendigos ou dependentes químicos da cracolândia em São Paulo. Ou nos
espancamentos de mulheres vestidas de vermelho por todos os cantos do país.

Em artigo recente a jornalista e escritora italiana Mariapia Veladiano reflete que a


juventude liberal burguesa e classe média cresceu imersa nas liberdades fundamentais
de fins do século XX e agora do século XXI e que tais sentimentos de liberdade os
fizeram sentir como ilimitados: “eles falam quando querem e daquilo que querem, eles
se movem para onde o desejo os leva, encontram-se, agregam-se e desagregam-se.
Protestam.
Fascismo é uma experiência política, social e humana iliberal e violenta. Um
problema é que, para os jovens, a substância iliberal do fascismo é inimaginável, pois
quando esse jovem classe média é contrariado ou se depara com um pequeno limite
desencadeia-se a raiva de lesa-majestade.
Em um contexto propício o ódio é lugar comum e a violência ganha contornos
fascistas porque a própria sociedade assim aceita; violência nos debates políticos, no
futebol, filmes, nos videogames aqui é sintomático a exploração da força contra o outro;
estrangeiro, adversário de MMA, esportivo, político, e, portanto, por se tratar de uma
categoria podemos não sentir a ofensa da violência, nem tampouco seu grau. Diante
desses fatos nos habituamos a aceitar socialmente a violência tal qual no fascismo.

Estes são sinais claros de que uma parcela influente da sociedade brasileira está se
aproximando cada vez mais dos valores totalitários específicos do fascismo. Dado esse
notado que a democracia é uma instituição frágil, convive mal com os sentimentos dos
homens; mas tende a se consolidar na sociedade se houver tempo para florescer, e o
Brasil está longe desse exemplo. Na última década, a combinação das redes sociais
fermentou novas bases de avanço do fascismo, conferindo voz pública a pessoas que
restringiam suas manifestações grotescas às mesas de bar, aos cultos, às lojas e
agremiações sociais e à tribuna exercida por partidos antes nanicos e exóticos. Em
poucos anos, temos em curso a redução da maioridade penal, a criminalização dos
movimentos sociais, o ataque a múltiplos direitos fundamentais da seguridade social, a
entrega da soberania sobre os recursos naturais às grandes corporações transnacionais,
precarização do trabalho ou semiescravidão. O fascismo do século XXI vai-se
fortalecendo na desconstrução dos direitos constitucionais pactuados pela
redemocratização e a classe media louva isso tudo com despudor e vingança (a ideia
geral é despetenizar/deslulizar o país a qualquer custo).
Em artigo sobre a temática em questão Andre Calixtre diz que “o fascismo nutre-se
do sentimento de pureza das pessoas de bem ao seu redor, em suas camisas negras ou
verdes-amarelas, convictas de que contribuem para a ampliação da democracia, quando
fazem o inverso”.
A fatídica passeata dos verdes-amarelos na data de 31 de março de 2016 é
sintomática da noção de história que os cabeças daquele movimento possuem; fascista!
Em panfletagem pelas avenidas centrais do país pediam o retorno de uma ditadura
militar. Deprimentemente sua noção de história é torpe, vil e mal intencionada. Como
ensinou Hobsbawm logo acima; que o passado é outro país e que mal sabiam os
passeateadores que quem pedia uma intervenção militar em 1964 não sabia bem o que
aquele regime seria capaz em relação à brutal violência contra seus opositores, ainda
que de início tenham sido seu lacaio; igrejas, OAB, partidos, jornais, etc.

Reverbera ainda nosso autor acima supracitado “Enquanto a turba ocupa as ruas
exigindo candidamente o verde-amarelo do fim da corrupção (de toda a corrupção!), o
fascismo corrompe o sistema democrático ao turvar as garantias individuais em nome
do jogo de poder. Juízes transformam-se em justiceiros e assumem as feições sobre-
humanas do fascismo. Heróis acima da lei capazes de guiar o destino dos homens
comuns. O fascismo é uma epopeia peculiar, pois se mobiliza nos heróis-ninguéns, em
pessoas esquecidas pelas elites sociais, culturais ou intelectuais que, repentinamente,
são alçadas à condição de semideuses. Não é por menos que, nos períodos em que o
fascismo impera como sistema, a produção artística rebaixa-se em quantidade e,
principalmente, em qualidade. E a Escola Sem Partido bate à porta, (sem partido para
quem? Pois os fascistas têm partido! O do ódio e da violência).

A classe media brasileira foi obrigada a conviver com os pobres que foram
promovidos pelo resgate das políticas públicas de estado nos anos 2000. A classe
merdia brasileira ressentida da ditadura civil-militar e da sua alta concentração de renda
promovida pelos ditadores arregaçam suas mangas e vão as passeatas verde-amarelos
com seus patos de borracha.

Para essa classe que acredita na meritocracia quantas saudades dos tempos da
ditadura em que o pobre (trabalhador) era um semiescravo, o professor e o intelectual
calados, o artista exilado, o gay dentro do armário, o negro na senzala, o índio na
cova!!! A mesma regra do índio vale para o sem terra, mendigo, dependente químico e
obviamente o comunista (nesse caso eles não sabem bem o que estão falando).

Diante das constatações histórico-social acima levantadas vemos as tensões entre a


classe média e as novas classes trabalhadoras em ascensão. Nos espaços públicos, nas
universidades, nos lares, tudo parecia em disputa. A intensidade do crescimento
econômico favorecia muito mais as rendas baixas que as médias-altas. Em termos
geracionais, os filhos da classe média pós-ditadura sentem-se em desvantagem diante
dos filhos das classes trabalhadoras. Esta é a principal origem do ódio de classes hoje no
Brasil. Mas o fascismo não vive apenas de ódio, ele precisa de algo mais: deve-se
justificar na ideia de pureza dos cidadãos de bem. É preciso que este ódio vista a
máscara dos símbolos da classe média; cujo centro é a sempre meritocracia.
A promessa do fascismo é de um caminho mais curto de retrocessos sociais,
amplificando o desespero social em medidas que ignoram as regras do jogo
democrático. O objetivo último, a volta dos novos atores a seus lugares do passado, é o
que importa. Mas o passado não volta simplesmente, aqui pela terceira vez invoco
Hobsbawm para lembrar que quem pediu uma ditadura militar em 2016 não são os
mesmo atores que pediram um tipo de regime militar em 1964. Quem pediu uma
intervenção em 64 o fez não porque seus filhos tinham que compartilhar bancos das
universidades com os pobres, mas pelo medo comunista (o que não se justificava,
obviamente).
O fascismo do século XXI representa este atalho no retrocesso social, e a classe
média pode-se transformar em sua vanguarda contra revolucionária. Por fim basta
dobrar a esquina que daremos de cara com o fascismo, agora de um tipo diferente, foi
Hegel quem disse que a história se acontece duas vezes; a primeira como farsa e
segunda como tragédia. Nesse caso agora a perseguição não é mais contra judeus
(nazismo), ou comunistas (ditadura civil-militar) o algoz desta vez é todo trabalhador
que viverá uma semiescravidão e o campo de concentração é a moderna fábrica/loja de
departamento. “Não pense em crise trabalhe”. Concluo parafraseando os dizeres do
Campo de Concentração nazista de Auschwitz.
(P.S) Na noite do dia 25 de outubro de 2017, durante a Conferência de
encerramento do seminário 100 anos de Revolução Bolchevique: História e Memória,
um grupo de inspiração fascista invadiu o espaço acadêmico de debates, no auditório da
Pós-Graduação em História Política da Uerj, para fazer culto à ditadura e hostilizar os
presentes.

(P.P.S) tais fascistas foram expulsos pelos intelectuais que resistiram.

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