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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Conselho Episcopal de Pastoral – 15º Reunião


Brasília - DF, 20 a 22 de agosto de 2013

Análise de Conjuntura – Agosto de 2013

A análise de conjuntura de agosto tem como um de seus destaques, no cenário internacional, a


crescente liderança do Papa Francisco que, pelos gestos e pela palavra, ganha cada vez mais o respeito
da comunidade política internacional. Em seguida, o olhar se volta para os conflitos entre os países
árabes, revelando que, pouco a pouco, murcham as flores da esperançosa “Primavera Árabe”. A tensa
relação Israel-Palestina também é objeto desta análise que apresenta os temas centrais considerados
essenciais para uma retomada de diálogo. Já dos Estados Unidos a comunidade internacional cobra
convincentes explicações pelas ações de espionagens denunciadas pelo ex-consultor de inteligência da
Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, Edward Snowden.
Da América Latina a análise sublinha as eleições em vários de seus países ao longo de 2013,
tanto as que já ocorreram – Equador, Venezuela, Paraguai – como as que virão – Chile, Argentina.
Chama a atenção, ainda, para a política de liberação da maconha no Uruguai e para o XIX Encontro
do Foro de São Paulo, que reuniu representantes de cem partidos de esquerda e movimentos sociais da
América Latina e do Caribe no início deste mês.
O cenário nacional traz, em primeiro lugar, uma leitura sobre a economia brasileira com ênfase
sobre o anúncio alarmista para a volta da inflação e o que está na base da resistência de algumas
medidas do governo como a de baixar juros. São objeto desta análise também as várias iniciativas para
a reforma política e a saúde pública a partir do programa Mais Médico, lançado pelo governo, bem
como do Movimento Nacional Saúde +10 que entregou mais de dois milhões de assinatura à Câmara
dos Deputados em apoio ao projeto de lei de iniciativa popular propondo a aplicação de 10% da renda
bruta da união na saúde pública. A conjuntura nacional se encerra com a leitura das manifestações de
junho.
A última parte desta análise é dedicada aos movimentos sociais e analisa as perspectivas do
Grito dos Excluídos deste ano que traz o tema “Juventude que ousa lutar constrói projeto popular”. É
encerrada com a Plenária Nacional de Movimentos Sociais Brasileiros, realizada no último dia 5 de
agosto.
As Notícias do Congresso traz apenas quatros informações: o projeto de lei que propõe o
Carnaval como feriado e fixa sua data na primeira terça-feira de março; os projetos de lei que pedem
modificações na lei 12.485, que dispõe sobre atendimento a pessoas vítimas de violência sexual; a
reforma do código penal e a discussão sobre a demarcação das terras indígenas tendo como centro a
PEC 215 e o PL 227/2012.

Internacional
O Papa Francisco fala à sociedade
O Papa Francisco vem se tornando um grande referencial para a humanidade – pela
transparência das atitudes e pela apresentação dos valores em prol da dignidade humana. Vivemos
tempos de grandes mudanças, mas com lacunas de lideranças internacionais. Muitas crises se
encontram em cruzamentos, por vezes sem clareza de saídas promissoras. Por exemplo, que a política
está em crise, é uma verdade aceita mundialmente. Cada dia as pesquisas demonstram um crescente
desprestígio dos políticos, os cidadãos perderam a confiança que a política ajudará suas vidas.

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Não existem hoje no mundo líderes, referências políticas, ideológicas ou morais de certa
importância. Um se apresenta, outro finda sua missão. Francisco e Nelson Mandela são duas
personalidades que se destacam.
As melhores mensagens do papa têm sido seus discursos e suas declarações à imprensa. Mas
não só, porque o faz de maneira contundente em sua vida cotidiana e em seus contatos permanentes
com o mundo, em suas missas e homilias, já denominadas como “encíclicas não oficiais”.
Essa combinação de sua vida pessoal, de seus gestos, de sua renúncia ao luxo e aos símbolos do
poder, com seu discurso constante e permanente a favor dos mais débeis, dos pobres, dos que
protestam e não se resignam à injustiça, tornou-se uma mensagem muito forte em um mundo de
realismo feroz.
Milhões de jovens e outros (não tão jovens assim) receberam nos dias da Jornada Mundial da
Juventude uma catarata de mensagens papais em várias dimensões para grupos específicos. Aqui se
compilam algumas das suas reflexões questionadoras em busca de uma sociedade mais justa e
democrática. O mundo dos políticos, dos que detêm o poder, dos que temem as multidões quando se
agitam devem ter ficado incomodados.
Aos políticos que maculam a atividade política com suas máquinas de comprar votos, o Papa
lembrou “a tarefa de reabilitar a política, que é uma das formas mais altas de caridade”, destacando
que “os jovens possuem sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem
com notícias de corrupção”. Aos que subordinam a função pública ao jogo bruto dos interesses
econômicos, desde as eleições, o Papa contrapôs “uma visão humanista da economia e da política, que
realize cada vez mais a participação das pessoas, evitando elitismo e erradicando a pobreza,
asseguradas a todas dignidade, fraternidade e solidariedade”.
Ao falar à classe dirigente do país o Papa Francisco mostrou a necessidade de olhar para o
futuro com o olhar da verdade. “Todos aqueles que possuem um papel de responsabilidade, em uma
Nação, são chamados a enfrentar o futuro ‘com os olhos calmos de quem sabe ver a verdade’, como
dizia o pensador brasileiro Alceu Amoroso Lima(...)”. E acrescentou: “É impossível imaginar um
futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que
permaneça fechada na pura lógica ou no mero equilíbrio de representação de interesses constituídos”.
Francisco apontou o diálogo como caminho para a democracia e sublinhou o papel das religiões
no Estado laico. “Considero também fundamental neste diálogo a contribuição das grandes tradições
religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da
democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem
assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão
religiosa na sociedade, favorecendo as suas expressões mais concretas”.
Finalmente, ressaltou a necessidade dos dirigentes favorecerem a cultura do encontro. “A única
maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a
vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e
todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que
saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude
aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como ‘humildade social’ que é o que favorece o
diálogo...”
As flores da primavera árabe murcharam
Síria, Tunísia e Egito. A primavera não floresceu... No final de 2010, quando o ditador Ben Ali
deixava o país depois de 23 anos no poder, era difícil prever o que ia acontecer. Uma nota de
otimismo acompanhava as subversões em busca de mais liberdade e participação política. Hoje, em
quanto a crise atinge todos os países ao redor do “mar interno”, é ainda mais difícil levantar
prognósticos verossímeis. Tensões internas se exacerbam em cada país. A desestabilização política
inquieta a região europeia: pode criar fluxos migratórios crescentes.

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Algumas importantes mudanças em processo.
Síria. Dois anos depois do levante contra Bachar Al-Assad, o país está de joelhos, em queda
livre, um campo de batalha. Há 4,5 milhões de deslocados dentro do país, 1,8 milhões de refugiados
no exterior, a infraestrutura (escolas, hospitais, estradas) está em ruína, já se contam mais de 100 mil
mortos. Na ausência de uma ação decisiva de parte da comunidade internacional, a população há de se
acostumar a viver numa violência inimaginável que não para de crescer. O comissário da ONU Paulo
Sergio Pinheiro não acredita na solução militar.
A situação do Egito degradou-se dramaticamente. Tornou-se insuportável. No final de junho
houve em todo o país uma gigantesca manifestação (15 milhões ocuparam as ruas) exigindo a
demissão do presidente Mohamed Morsi, (membro da irmandade muçulmana), eleito em junho/2012,
acusado de querer islamizar a sociedade. No dia 8 de julho, no primeiro choque entre os “pro-Morsi”
e o exército, houve pelo menos cem mortos. São os primeiros “mártires” da irmandade. O ciclo da
violência já estava aceso. O dia 15 de julho foi o mais violento da história recente do país,
protagonizando um novo confronto armado com mais de 600 mortos. É difícil imaginar que tudo vá se
acalmar. Com a irmandade muçulmana, o exército esmagou também a democracia nascente.
Os confrontos no Cairo provocaram uma onda de choques em todo o mundo árabe e no Irã e
na Turquia. Toda a região está ameaçada de instabilidade política e social. Esse “massacre inumano”
constitui um ponto de não retorno ao confronto entre a irmandade e o exército e a polícia. O risco de
novos confrontos é real. No dia 15 de agosto foram mais de 600 mortos. Infelizmente a Igreja copta
(mais ou menos 6% da população) é o alvo frequente - bode expiatório – das tensões internas do
país.
Boa nova inesperada. No Irã, Hassan Rohani cria uma surpresa. O Novo presidente eleito em
junho quer tirar o país do isolamento. Os eleitores rejeitaram a intransigência do regime sobre a
questão nuclear que levou o país à beira da falência. O balanço negativo do presidente Ahmadinejad
no final de mandato teve um papel importante durante o escrutínio.
Palestina – Israel: negociar o quê?
O que tem de novo no Oriente Próximo para que Israel e a Palestina retomem as negociações
suspendidas há três anos? Por quais razões os dois protagonistas aceitam sentar ao redor de uma mesa
de diálogo? Um objetivo importante é o de redourar a imagem do presidente Obama, visto como
alguém quem tem feito pouco pela paz no Oriente Médio e que ficou submisso aos interesses de
Israel.
Outra razão é que para dar resultados, as negociações devem ser justas. No caso do Oriente
Médio, as condições do diálogo são totalmente desiguais. Israel se beneficia do apoio sem limites dos
EUA e dos países europeus nos campos militar, político, diplomático e econômico. Falta um mínimo
de igualdade para que as negociações sejam viáveis e deem frutos.
Há vários temas centrais, sobre os quais o diálogo está bloqueado há três anos. Entre outros,
destacam-se: 1) os assentamentos em Jerusalém-Leste e na Cisjordânia ocupada; 2) o Estatuto de
Jerusalém; 3) o recuo do território israelense para as fronteiras anteriores à guerra dos seis dias (1967);
4) o reconhecimento da Palestina como Estado constituído politicamente, com representação completa
na ONU, e não apenas como observador não-membro; 5) os refugiados palestinos da guerra de 1948;
6) a segurança de Israel; 7) os recursos hídricos.
Sobre os assentamentos na Cisjordânia ocupada desde a guerra dos seis dias (1967) e na parte
oriental de Jerusalém lembre-se que, atualmente, 59% da Cisjordânia estão oficialmente sob o
controle civil e de segurança israelenses. Leis recentes aprovadas antes do começo das negociações
autorizam a construção de mais 2.129 casas em 60 colônias. Mesmo que instâncias internacionais
declarem que a ocupação dos territórios é ilegal, o governo israelense não tem nenhuma intenção de
renunciar à sua política expansionista: “as construções decididas em Jerusalém e nas colônias estão
situadas em territórios que permanecerão israelenses”, disse o porta-voz do primeiro ministro.

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O estatuto de Jerusalém. “Devido a seu valor histórico e religioso, Israel reivindica toda a cidade
para si, o que não é reconhecido pela comunidade internacional. A parte oriental de Jerusalém,
território palestino ocupado por Israel desde 1967, é reivindicada pelos palestinos para ali estabelecer
sua capital”.
A 29 de novembro de 2012, a Palestina foi eleita como “observador não-membro” da ONU.
Depois de muitos anos de luta para ser reconhecida, essa eleição representa uma importante vitória
diplomática para a Autoridade Palestina e seu presidente Mahmoud Abbas. Houve 9 votos contra, 41
abstenção e 139 a favor. Desafortunadamente tamanho avanço não foi aceito por Israel como
oportunidade de negociar. Naquele dia, Netanyahou, primeiro-ministro israelense declarou que o
discurso de Abbas era “difamador, venenoso, e que a decisão da ONU não mudaria nada no terreno”.
A gestão da água é outra forte fonte de conflitos. Israel se reserva aproximadamente 80% dos
lençóis freáticos no subsolo da Cisjordânia. Os palestinos não podem cavar poços e têm que comprar
sua água da companhia israelense de águas. Os palestinos querem uma repartição mais equitativa.
Há muitos outros temas a negociar. Os negociadores têm oito meses para fazer propostas
concretas e as negociações são secretas.
Estados Unidos: grande irmão ou “xerife do mundo”? Uma nova fonte de riqueza...
Quando em 1949, George Orwell escreveu o romance “1984”, uma assustadora imaginação de
como seria o futuro, talvez não soubesse que a obra seria considerada em pouco tempo um dos
maiores clássicos da literatura mundial. O romance foi lido como uma crítica devastadora aos
totalitarismos, de cujos terríveis crimes o mundo ainda tentava se recuperar quando o livro veio a
lume.
Passados 64 anos da publicação do romance, a humanidade vive um formidável avanço
científico-tecnológico com o advento da internet. As distâncias diminuem, o tempo se acelera, as
ideias e pensamentos circulam numa velocidade pensável apenas na literatura e na ficção. As
modernas tecnologias, entretanto, têm sido em grande medida instrumento de controle e arma de
modernas estruturas econômicas e políticas.
É nesse contexto que se inscrevem as revelações de Edward Snowden, ex-consultor de
inteligência da NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos), sobre os programas do
governo americano para espionar globalmente a telefonia e a internet. Antes dele, mas na mesma
direção, soma-se o fundador do WikiLeaks, Julian Assange.
Sem perder de vista a tentativa de monitoramento de milhões de pessoas, independente de
nacionalidade e posição política, o sistema é parte de objetivos mais ambiciosos: obtenção de
informações estratégicas para os interesses econômicos de grandes grupos e a serviço da geopolítica
mundial dos EUA.
Outro aspecto da análise é que o que está em jogo, neste confronto entre um ex-espião e os
Estados, a livre circulação da informação sob o nome de ideias, dados, saberes. Esse recurso imaterial
é uma das maiores riquezas da humanidade. Abundantes e inesgotáveis, esses recursos foram
escasseados pela sociedade capitalista para serem valorados em dólares. Sobre essa “propriedade
intelectual” é edificada uma economia que representa bilhões e bilhões de dólares. Os “militantes”,
por suas ações, estão ameaçando a promessa de novos ganhos.
A livre circulação da informação põe em dificuldade a essência do poder: a detenção
monopolística do saber. As técnicas de comunicação e informações tornam obsoleto um paradigma
essencial da democracia: a mentira ou razão do Estado em nome da incapacidade dos cidadãos para
gerir a coisa pública. Hoje, o acesso dos cidadãos aos documentos e aos procedimentos dos governos
permite controle e participação nas decisões políticas. Talvez esse modo mais aberto de governo seja
uma resposta à crise da representatividade das democracias. A livre circulação das informações e das
ideias põe em questão não somente as democracias e os dirigentes eleitos, mas também interesses
econômicos consideráveis.
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As fortes denúncias mobilizaram a imprensa internacional, os governos nacionais e a opinião
pública de muitos países. Não obstante, foram recebidas com certa letargia por alguns governos, às
vezes espantosamente se comportando como submissos a Washington. Governos de países europeus
impediram que a aeronave, onde estava o Presidente da Bolívia Evo Morales pousasse para abastecer,
por acreditar que nela também viajasse Edward Snowden. Este procedimento revelou arrogância com
o mandatário boliviano e bajulação com os EUA.
As denúncias de Edward Snowden, ironicamente, colocam os EUA numa situação
desconfortável perante a opinião pública internacional, visto que o denunciante encontra-se exilado na
Rússia, nação em que, frequentemente, ocorre violação aos direitos humanos e histórica questionadora
da hegemonia norte-americana.
Alguns analistas internacionais têm se mostrado perplexos com a atitude resignada, captada em
pesquisas de opinião pública, da maioria dos norte-americanos. Para estes, o combate ao terrorismo e
a segurança do território são mais importantes que o direito à privacidade. Entende-se essa posição
inserindo-a na cultura seguida aos ataques de 11 de Setembro de 2001.
Desde então os valores e direitos civis, que se tornaram referência para o mundo, são
gradativamente vilipendiados por uma suposta ameaça terrorista. Esse verdadeiro pânico de alguma
maneira tem sido manipulado por setores da elite da maior potência do planeta.
Em visita ao Brasil, o Secretário de Estado John Kerry disse que ações evitaram atentados
terroristas pelo mundo. O ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, por sua vez, cobrou dos
Estados Unidos respostas sobre as denúncias de espionagem no Brasil para evitar que se forme uma
“sombra na relação bilateral”.
A situação em tela abriu espaço para levar ao conhecimento mundial do imenso poder
tecnológico de que dispõem os EUA e a total ausência de uma legislação supranacional que imponha
limites ao Google e ao Facebook. Para o Brasil, o recado urgente é o de desenvolver políticas públicas
de software e telecomunicações independentes para garantir a privacidade de seus cidadãos e os
interesses nacionais em tempos de “guerras cibernéticas”.

América Latina
Eleições na América Latina
Ano de importantes eleições na América Latina, 2013 começou com a reeleição de Correa, no
Equador, e a eleição de Maduro, na Venezuela. Essas eleições marcaram um viés de continuidade
política, mesmo sem a presença do venezuelano Chávez, morto em março.
No Paraguai tomou posse o novo presidente eleito em abril passado. Apesar dos esforços de
alguns dirigentes de países como Brasil e Argentina, a decisão temporária do Paraguai é não voltar ao
Mercosul, sobretudo, em função da presidência do bloco estar com a Venezuela. O Ex-presidente
Lugo, deposto em 2012 por um golpe com nome de impeachment, foi eleito e tomou posse em julho
como senador.
As eleições presidenciais no Chile previstas para ocorrer em dois turnos, em 17 de novembro e
15 de dezembro, deverão contar com duas mulheres como importantes candidatas. São elas a Ministra
do Trabalho do Governo Piñera, Evelyn Matthei, e a ex-presidente Michelle Bachelet que atualmente
conta com mais de 60% de apoio, conforme pesquisas de intenção de voto. O Chile vive um ano de
intensa mobilização popular, marcado, sobretudo, pelas manifestações estudantis e sindicais. A pauta
das mobilizações abarca tanto a reestatização do Ensino Superior como a nacionalização da produção
do cobre. Em 11 de setembro, a memória dos 40 anos do golpe que derrubou Salvador Allende poderá
suscitar novas mobilizações em interação com o processo eleitoral.
Na Argentina ocorreram, neste mês de agosto, as eleições primárias dos partidos, que indicaram
os candidatos habilitados às eleições parlamentares que ocorrerão em 27 de outubro deste ano. Lá, as
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eleições parlamentares são proporcionais e por meio de lista fechada. O governo Kirchner obteve
votações expressivas, mas perdeu no principal distrito eleitoral – Buenos Aires. As Eleições para o
parlamento poderão definir o futuro político da Argentina nas eleições presidenciais de 2015.
O Foro de São Paulo
Ocorreu na capital paulista, de 31 de julho a 4 de agosto, o XIX Encontro do Foro de São Paulo.
O encontro reuniu representantes de cem partidos de esquerda e movimentos sociais da América
Latina e do Caribe. O Foro de São Paulo aprovou na plenária final uma resolução de apoio à
presidente Dilma Rousseff e aos movimentos responsáveis pelos protestos que sacudiram o país em
junho.
"Avançou e pode avançar mais, foi a reivindicação das manifestações no Brasil, cujas vozes
determinam um relançamento das lutas sociais no país", diz a resolução aprovada. O documento
afirma que "os próprios partidos de esquerda no governo (no Brasil) e os movimentos sociais"
sustentam que os protestos por melhores serviços públicos e transparência na política "comprovam os
avanços democráticos conquistados pelo povo brasileiro".
Uruguai e a legalização da maconha
Na Câmara dos Deputados do Uruguai, com pequena margem de vantagem, foi aprovado o
polêmico projeto que legaliza a produção e comercialização da maconha no país. Destarte, o Uruguai
sinaliza uma nova linha de tratamento do tema. Avaliando que em nenhum lugar houve avanços com
iniciativas de repressão ao tráfico de drogas, o presidente Mujica acredita que assim estará lutando
contra os cartéis do tráfico. Grande parte da população é contrária à medida. Se aprovada no Senado,
cada cidadão uruguaio poderá comprar até 40 gramas por mês e para evitar que o consumo atraia
turistas, apenas uruguaios poderão comprar a maconha.

Nacional
Os impactos na economia brasileira da retomada do crescimento nos EUA
Há nove trimestres que a economia dos Estados unidos está crescendo, mesmo que o nível do
emprego ainda não tenha voltado aos 5 % de 2007, ficando com 7,5 %. Pivô da crise em 2008, o setor
de construção lidera a retomada do crescimento. Desde 2012, o preço das casas sobe 15 %.
Consumidor e empresário começam a ganhar confiança e gastar mais. Com essa perspectiva
promissora, os Estados Unidos começam a absorver capitais de países emergentes, como o Brasil,
provocando uma alta do dólar no país. Sinais de que a economia americana está se recuperando são as
especulações sobre a retirada de estímulos injetados na economia com o programa de recompra de
títulos da dívida. A expectativa é de uma alta na taxa de juros da moeda norte-americana que valoriza
o dólar frente ao Real.
Faz tempo que os analistas denunciavam a sobrevalorização do Real que, entre outros efeitos,
complicava a vida dos exportadores e contribuía para certa desindustrialização. A imprensa elabora
manchetes para assustar o leitor e alimentar a especulação no mercado. Há de fato uma queda de braço
entre a autoridade monetária e o mercado torcendo pela alta do dólar que, nesta semana, voltou ao
patamar de março de 2009 atingindo o patamar de R$ 2,40. A postura do Banco Central é de só
intervir na baixa do dólar e não atuar demais na alta da moeda norte-americana para não municiar os
movimentos especulativos. O futuro fica nebuloso, pois depende das atuações da Federal Reserve
(FED) e do crescimento ou estabilidade da economia brasileira. A valorização do dólar tem impacto
sobre a economia nos preços de produtos importados.
Alguns especialistas avaliam que uma valorização de 10% no dólar aumenta em 0,5% a inflação
anual. Segundo alguns comentaristas, com a valorização do dólar, o Índice de Preços ao Consumidor
Amplo – IPCA- ficará superior ao de 2012, que foi de 5,84%. A imprensa tem um discurso alarmista
com a colaboração de alguns economistas de instituições financeiras apontando e apostando para a
volta da inflação. Cria-se assim um clima de desconfiança que pode provocar aumento dos preços. Na
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verdade, houve no segundo semestre do ano passado um aumento da inflação mensal, passando de
0,43% em julho a 0,79% em dezembro. Com a inflação de 0,86% em janeiro de 2013, parecia que a
inflação aumentava ainda mais. Entretanto, a inflação baixou de mês a mês para 0,03% em julho.
O discurso alarmista sobre a volta da inflação e o fraco empenho da economia brasileira têm sua
razão de ser na queda de braço entre o governo e o mundo empresarial e financeiro. O governo Dilma
baixou a taxa básica de juros da economia (Selic) contra a vontade dos bancos privados e outras
corporações da economia. Daí uma pressão forte da livre iniciativa para fazer aumentar a taxa de
juros. Empresas seguraram os seus recursos para não investir apesar de incentivos fiscais do governo,
contribuindo assim para o empenho mais fraco da economia, se colocando em favor de uma economia
rentista. Nos fatos, a desaceleração da economia brasileira nos três primeiros anos do governo Dilma
resultou não somente da crise global, mas também da pouca vontade política das elites financeiras em
contribuir ao crescimento da economia, invocando indefinições nas políticas econômicas do governo.
Ainda existem caminhos para a Reforma Política?
A unanimidade sobre a necessidade e urgência da reforma política é proporcional à descrença de
que ela venha do Congresso Nacional que, há quase 20 anos, discute a matéria sem jamais ter chegado
a consensos mínimos sobre os pontos essenciais que precisam ser revistos no sistema político
brasileiro. Todos os projetos que tratam desse tema são engavetados, a exemplo do que ocorreu no
último mês de abril, frustrando a população que anseia por reformas consistentes nesse campo.
As manifestações que tomaram as ruas do país no mês de junho recolocaram a reforma política
na ordem do dia. A resposta do Executivo veio com o envio ao Congresso de uma proposta sugerindo
a realização de um plebiscito a fim de saber da população os pontos que devem constar na Reforma.
Para a presidente, havia tempo suficiente para ouvir o povo e aprovar uma reforma que valesse já para
as próximas eleições.
Acuada com a proposta do Executivo, a Câmara contra-atacou. Disse não à proposta do
plebiscito, formou uma Comissão para elaborar um texto em 90 dias e aprovar a reforma que poderia
ser submetida a um referendum. O desentendimento começou já na formação do grupo de trabalho.
Que esperar, então, dos conteúdos de difícil consenso em tema tão complexo como a reforma política?
Para dar uma ideia de participação popular, a Comissão da reforma criou um espaço virtual e já
recebeu quase duas mil sugestões. A informação é de que estão sendo discutidos, pelo menos, 200
pontos da reforma, como fim do voto obrigatório; fim da reeleição ou limitação de eleições para
qualquer cargo; fim do voto secreto na Câmara e no Senado; redução do número de parlamentares;
fim da imunidade parlamentar; voto distrital; redução dos subsídios de deputados e senadores;
transformação da corrupção em crime hediondo; fim dos auxílios a deputados e senadores; fim das
coligações partidárias; financiamento público de campanha; fim do foro privilegiado; e adoção do
sistema unicameral. O coordenador do grupo, deputado Cândido Vacarezza, garante que todas as
sugestões serão avaliadas.
Entidades da sociedade civil organizada, no entanto, não botam fé nos trabalhos da Comissão.
Empenham-se, por isso, na mobilização da sociedade para acompanhar e pressionar o Congresso pela
aprovação da reforma política. Organizações como MCCE e OAB fazem uma verdadeira maratona na
busca de apoio para o projeto de lei de iniciativa popular que colocaram nas ruas propondo a reforma
política. A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política aposta na mesma estratégia e
também faz esforço hercúleo para coletar assinaturas que viabilizem projeto de lei de iniciativa
popular. São dois projetos desejando a mesma coisa. Um não nega o outro, porém, concebem de
maneira diferente alguns pontos.
A Plenária dos Movimentos Sociais Brasileiros, por sua vez, reunida no último dia 5 de agosto,
decidiu pela consulta popular por meio de plebiscito pela convocação de uma Constituinte Exclusiva
que faça a reforma do sistema político. Esta proposta, que chegou a ser sugerida pela presidente e
retirada em seguida, divide opinião de juristas e muitos temem que uma Constituinte exclusiva para a

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reforma política extrapole a função para a qual seria constituída, embora pareça o caminho mais
seguro para se fazer a reforma.
Esse cenário múltiplo das organizações da sociedade civil revela, por um lado, convergência em
pontos importantes e nevrálgicos da reforma política. Por outro lado, mostra também divergência de
metodologia, dispersão de forças com a consequente falta de unidade que leve ao objetivo comum que
é a reforma política. Tal cenário só favorece o Congresso que fica “livre” para aprovar uma reforma à
sua imagem e semelhança.
A CNBB, mirando esse cenário, tomou a iniciativa de convidar as entidades para uma roda de
conversa e propor-lhes a busca da unidade que as capacitará a mobilizar a sociedade, pressionar o
Congresso e influenciar numa proposta de reforma política que responda à necessidade do país. Foram
15 entidades extremamente representativas que assumiram, no dia 14 de agosto, o compromisso de
buscar a convergência de forças na pluralidade que as caracteriza.
Essa unidade será costurada em torno de cinco pontos que não podem faltar na reforma política:
1. Afastar o poder econômico das eleições; 2. Mudança do sistema eleitoral; 3. Aperfeiçoar a
Democracia Direta; 4. Melhorar a representação da sociedade na política;5. Melhorar o sistema
partidário.
O próximo passo é detalhar como cada um desses pontos se concretiza. Desafio nada fácil e só
superável pelo compromisso de todos com o fortalecimento da democracia e o fim da corrupção.

O tripé em que se encontra a saúde pública


Ao ser apontada como primeira na ordem de prioridades para 56% dos entrevistados pelo Ibope
em pesquisa encomendada pela OAB, a saúde pública se apresenta como desafio que os sucessivos
governos não têm conseguido resolver. No ano passado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) chamou a atenção do país para esta realidade e conclamou governo e sociedade a buscarem
caminhos que ponham fim ao drama da falta de acesso de milhões de brasileiros ao direito humano à
saúde.
Há pelo menos três problemas graves que precisam ser sanados na área da saúde. O primeiro é a
falta de médicos no interior e nas periferias das grandes cidades. O segundo é a falta de infraestrutura
nesses mesmos locais. O terceiro é o subfinanciamento da saúde, agravado com a falta de
transparência e de controle no gasto com a saúde.
O programa “Mais Médico” lançado pelo Governo pretende responder a alguns desses desafios.
Dados do IPEA de 2011 indicam que 58,1% da população apontaram a falta de médicos como o
principal problema do SUS. O Brasil possui apenas 1,8 médicos por mil habitantes (o Conselho
Federal de Medicina diz que são 2/mil). Esse índice é menor do que a Venezuela (1,9), México e
Canadá (2), Argentina (3,2), Uruguai (3,7) Portugal e Espanha (4), Cuba (6,7). Para agravar esse
quadro, há uma distribuição desigual de médicos no país fazendo com que 22 estados fiquem abaixo
da média nacional.
Com dados tão evidentes, por que a classe médica se colocou fortemente contrária ao programa
“Mais Médico”? A inusitada cena de ruas tomadas por homens e mulheres de jaleco branco com
faixas e cartazes contra a proposta do governo causou estranheza na maior parte da população.
Resistem especialmente à contratação de médicos estrangeiros. “O ingresso de médicos estrangeiros
no território brasileiro para serem 'jogados' nos mais longínquos rincões ou mesmo nas periferias das
regiões metropolitanas sem nenhum controle de sua capacidade técnica é uma atitude, no mínimo,
temerária, para não dizer criminosa", dizem os Conselhos Regionais de Medicina. Eles pretendem
ingressar com ações na Justiça Federal dos Estados reivindicando que não sejam obrigados a fazer o
registro provisório dos médicos estrangeiros que aderirem ao Programa sem a comprovação
documental da revalidação dos diplomas e da certificação de proficiência em língua portuguesa.

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Oposta à maioria da população que, segundo pesquisa Datafolha, aprova a vinda de médicos
estrangeiros (54%), a resistência da classe médica ao “Mais Médicos” pode ter, entre suas causas, a
inconformidade com os vetos à lei do chamado Ato Médico, sancionada pela presidente em julho. A
lei estabelece as atividades privativas dos médicos e as que poderão ser executadas por outros
profissionais de saúde. Entre os itens vetados estão os que restringiam aos médicos funções como a de
aplicar injeções e indicar o uso de órteses e próteses. A presidente vetou ainda, como era desejo de
diversas categorias, como fisioterapeutas, enfermeiros e psicólogos, o Inciso I do Artigo 4º, que
atribuía exclusivamente aos médicos a formulação de diagnóstico de doenças. "Nós [médicos]
estamos sendo agredidos, o Congresso desautorizado e a população está desprotegida”, reagiu o
presidente do Conselho Federal de Medicina.
O programa “Mais Médicos” promete investir também na infraestrutura. De acordo com o
Ministério da Saúde, para 2014, serão R$ 15 bi para melhorar os hospitais e as unidades básicas de
saúde (UBS). Além disso, serão destinados R$ 5,5 bi para construção de mais UBS e UPAs e R$ 2 bi
para hospitais universitários. Quem aplaudiu o programa foi a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) que
lidera a campanha “Cadê o Médico?” que goza, inclusive, do apoio da CNBB.
A julgar, no entanto, a adesão à primeira etapa do programa, os prefeitos terão que conter sua
euforia. A adesão pode ser qualificada de decepcionante. Para uma demanda de 15.460 vagas
apresentadas por 3.511 municípios, apareceram apenas 1.618 candidatos que atenderão apenas 579
municípios e 18 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Desse grupo, que representa
somente 10,5% da demanda, 358 são estrangeiros e 164 são brasileiros formados no exterior. Para
atingir sua meta, o Governo terá que convencer a médicos brasileiros e estrangeiros que o programa
dá certo. Sua melhor propaganda será o êxito destes pioneiros que começarão o trabalho em outubro.
Por mais que dê certo, o Mais Médico não é suficiente para resolver o problema da saúde no
Brasil. O Congresso e o Governo terão que abrir os ouvidos e o bolso para atender aos anseios da
população que está convencida da necessidade de mais recursos para a saúde pública. Convocada pelo
Movimento Nacional Saúde+10, a população respaldou de forma espetacular, com 2.246 milhões de
assinaturas, o projeto de lei de iniciativa popular que propõe a aplicação de 10% da arrecadação bruta
na saúde, além de exigir transparência e controle nos gastos. Só a Igreja Católica recolheu 865 mil. A
proposta colocou o Governo e Congresso numa saia justa. O Movimento Saúde+10 garante que não
dará trégua até que o projeto seja aprovado e sancionado. Está disposto a colocar o povo na rua se
perceber demora do Congresso em relação ao projeto.
“Mais Médico”, “Ato Médico”, “Saúde + 10”, eis um tripé que, ajustado, pode dar o equilíbrio
que se busca para a saúde pública no país. Se prevalecerem, no entanto, interesses políticos e
corporativistas, mais que o direito humano de todos à saúde com qualidade, o povo é quem pagará a
conta e, infelizmente, com a própria vida, como já vem acontecendo em várias regiões do Brasil.
As manifestações populares de junho e as respostas conquistadas
Foram dois meses de inéditas manifestações de rua e igualmente incomuns coberturas da grande
mídia sobre manifestações. Nos últimos tempos, assistimos a inúmeras mobilizações de diferentes
setores sociais como grito dos excluídos, marcha das margaridas, marcha das vadias, trabalhadores
rurais sem terra, indígenas e quilombolas, atingidos por barragens, contra a reforma do código
florestal e muitas outras sobre as quais a maioria da população pouco tomou conhecimento – dado o
pouco interesse dos grupos econômicos que dominam os principais meios de comunicação. Todavia
as manifestações que tomaram conta de dezenas de cidades por todo o Brasil no mês de junho
mobilizaram muitas pessoas que não tinham por prática o engajamento social mais orgânico ou
mesmo a participação em manifestações de rua.
O que diversos relatos e análises mostram é que o estopim em junho foi aceso com as
manifestações do Movimento Passe Livre e MTST pela redução das passagens de ônibus seguidas de
forte repressão policial. Forças de segurança de diferentes estados ainda tratam manifestações e
movimentos sociais como caso de polícia e não como caso de política, sobretudo de políticas sociais.

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Com o desenrolar dos fatos, esclareceu-se que o problema não eram apenas “os vinte centavos”, mas a
situação caótica da mobilidade urbana nas médias e grandes cidades brasileiras. As manifestações
tiveram, dentre outros méritos, o de recolocar a discussão sobre a qualidade e os custos dos transportes
urbanos de passageiros, bem como o de discutir a possibilidade de implantação do passe livre.
Paralelamente, movimentos como os Comitês Populares da Copa que acompanhavam e
denunciavam os custos financeiros e sociais da construção dos estádios de futebol nas cidades sede da
Copa do mundo de 2014, também perceberam, na realização da Copa das Confederações, o momento
ideal para dar visibilidade a algumas contradições do país. Ao mesmo tempo em que se conseguiam
inaugurar arenas de futebol com “padrão FIFA” (com o uso direto ou indireto de recursos públicos), a
população, sobretudo a mais pobre, que não teria condições financeiras de frequentar os estádios,
continua tendo que conviver com escolas com baixíssimo IDEB (Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica) e péssimo atendimento médico-hospitalar.
Essa conjuntura, que por si só já seria suficiente para mobilizar grupos expressivos, foi
potencializada por outras pautas. A campanha contra a PEC 37 que conseguiu popularizar a ideia que
sua aprovação significaria um grande retrocesso na capacidade investigativa do Ministério Público fez
muita gente se mobilizar. A campanha genérica contra a corrupção, mesmo não tendo obtido
perspectivas para sua superação, mostrou um descontentamento com os status quo da política
institucional e com a falência do sistema de democracia representativa. Essa crítica se dirigia aos três
níveis de representação: municipal, estadual e federal.
Assistiu-se também a uma disputa pela pauta das manifestações e conflito de versões sobre elas.
A grande mídia que inicialmente desdenhava e desqualificava as manifestações, encontrou nelas uma
excelente oportunidade de potencializar desgastes nos políticos e governos conforme seus interesses.
É verdade que nessas manifestações, as redes sociais ocuparam o centro de convocação, divulgação e
mobilização, denunciando, inclusive, as coberturas jornalísticas das grandes empresas de comunicação
que deturpavam ou evidenciavam aspectos parciais das mobilizações. As grandes empresas de
comunicação também foram alvo dos protestos nas ruas em várias cidades, sobretudo, nas capitais dos
estados. Emergiram possibilidades alternativas e acessíveis de comunicação como os coletivos da
mídia NINJA (Notícia Independente, Jornalismo e Ação).
Os governos, como boa parte da sociedade brasileira, ficaram atônitos diante das manifestações,
dado o ineditismo, magnitude, pauta diversificada, falta de interlocutores ao modo dos movimentos
sociais tradicionais e dificuldade de cunhar respostas rápidas. Em nível municipal e estadual, o que
parecia num primeiro momento impossível, tornou-se a primeira medida para acalmar as
manifestações. Prefeituras de norte a sul do país anunciaram cancelamento de reajustes previstos e
redução nos preços das passagens. Como as pautas já haviam se ampliado, pouco efeito tiveram na
quantidade de pessoas mobilizadas nas manifestações.
Em nível federal, assistiu-se a um desconjuntado anúncio de programas, políticas e outras
medidas. Ficou clara a desarticulação entre a presidente e seus interlocutores mais próximos. Fez-se o
anúncio de uma radical proposta para a reforma política com a Constituinte exclusiva e, nem bem a
sociedade começava a reagir, os mais próximos interlocutores da presidente saíram declarando à
imprensa que houve erros na redação do discurso ou que a presidente foi mal interpretada, pois não
teria sido sua intenção propor a convocação de uma constituinte específica para a reforma política,
mas sim algum processo legislativo de reforma política. Em seguida, anunciava-se que a proposta do
governo era a realização de um plebiscito para aprovação da reforma. De qualquer forma, não houve
força política com capacidade de mobilizar o Congresso Nacional na perspectiva de se aprovar ou de
anunciar alguma reforma que pudesse valer ainda para as eleições de 2014.
Na mesma ocasião do anúncio sobre a constituinte exclusiva, a presidente anunciou o que
chamou de pactos nacionais. Entre outros, um deles foi o anúncio de investimentos de mais de 50
bilhões de recursos para investimentos em mobilidade urbana. Neste contexto, foi proposto também o
programa “Mais médicos”.

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Nota triste das manifestações, repudiada por todos que prezam pela paz, foram os atos de
violência protagonizados por grupos que se aproveitaram das manifestações para deixar seu rastro
destruidor. Pesquisas revelaram o que todos sabiam: apoio maciço da população às manifestações
pacíficas e rejeição aos atos de violência contra as pessoas e o patrimônio público e privado.

Movimentos Sociais
Grito dos(as) Excluídos(as) 2013
Em sua 19ª edição, o Grito dos(as) Excluídos(as) deste ano propõe como temática “Juventude
que ousa lutar constrói o Projeto Popular”. Dois contextos se fazem presentes. De um lado, as recentes
manifestações que se estenderam por várias cidades do Brasil contradizem a versão tão difundida de
que os jovens de hoje constituem uma geração alienada que “não quer nada com nada”. Pelo contrário,
eles são capazes de descer das arquibancadas, entrar em campo e participar do jogo. E mais, mostram
a importância atual das redes sociais.
Se é verdade que as manifestaçõse possuem determinados limites quanto ao confronto pessoal e
direto, também é certo que podem se tornar potencialmente relevantes na organização popular. Vários
cartazes indicavam esse ato de deixar a Internet, o facebook, para ocupar as ruas e praças. Se o mundo
virtual tem reflexos do real, este pode se enriquecer com a linguagem e as imagens, a rapidez e a
instantaneidade sedutora daquele.
Por outro lado, o Grito deste ano insere-se nos debates da 5ª Semana Social Brasileira, quem
tem como tema “Estado para que e para quem?”, retomando o fio condutor do processo de discussão
das SSB anteriores, especialmente em relação ao “Brasil que queremos”. Trata-se de refletir
sobre “Um novo Estado: caminho para a sociedade do Bem Viver”. Também aqui, e sempre em
sintonia com a Campanha da Fraternidade de 2013 – Fraternidade e Juventude – tem sido
preponderante a participação dos jovens de ambos os sexos.
É no bojo desse processo que se engendra o chamado Projeto Popular para o Brasil. Projeto que
não nasce em laboratório e nem pela ação de alguns iluminados. Na verdade, ele já está em curso, nas
inúmeras de iniciativas de lutas sociais pacíficas por uma sociedade justa, solidária, social e
ecologicamente sustentável.
Plenária Nacional de Movimentos Sociais Brasileiros
No dia 5 de agosto último estiveram reunidos representantes de mais de 45 movimentos sociais
de 15 estados, com o objetivo de realizar uma análise da conjuntura atual do país e definir passos
conjuntos, numa perspectiva de fortalecimento das lutas populares e de transformação da sociedade.
Segundo os participantes, está aberta uma nova conjuntura no país e está colocada na pauta a luta por
mudanças estruturais.
Foi avaliado que, em termos institucionais, a forma de se avançar agora seria pela via da luta por
uma Constituinte Exclusiva sobre o sistema político brasileiro. Para se criar uma correlação de forças
favorável, seria preciso que o povo brasileiro exigisse esta Constituinte, por isso a proposta aprovada
pela Plenária Nacional foi a da realização de um Plebiscito Popular para convocar uma Constituinte
Exclusiva, que leve o povo a participar de todo este processo de debates.
Este Plebiscito deverá ser realizado até o próximo ano. Até lá a proposta deve ser amplamente
divulgada, aprofundada e debatida pelo conjunto dos movimentos sociais do Brasil. Para se dar um
novo passo organizativo, foi definida a realização de uma nova Plenária Nacional dos Movimentos
Sociais, mais ampla e com representantes de todos os movimentos sociais, pastorais sociais, centrais
sindicais e partidos que quiserem aderir a esse processo, num bloco popular de luta por reformas
estruturais.
Participaram desta Plenária Nacional movimentos sociais rurais e urbanos; pastorais sociais;
centrais sindicais; movimento da juventude, indígena e estudantil; Jubileu Sul; Grito dos Excluídos,
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entre outras organizações. Um novo encontro está agendado para São Paulo, nos dias 14 e 15 de
setembro, e será dedicado a preparar um plano de trabalho para viabilizar o Plebiscito Popular de
consulta sobre a Constituinte Exclusiva.

Notícias do Congresso
1. Carnaval: feriado em data fixa
Aguarda Parecer na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio o Projeto
de Lei 1503/2011, do Deputado Stepan Nercessian (PPS-RJ), que propõe o Carnaval como feriado
fixando sua data “na primeira terça-feira do mês de março de cada ano, independentemente do
calendário religioso”. A justificativa do deputado para incluir a data no rol dos feriados nacionais é de
ordem cultural. Já a fixação de sua data na primeira terça-feira de março tem, na economia, sua
argumentação mais forte após mostrar que esta data varia em várias cidades do mundo. O deputado
destaca, ainda, que a festa não tem caráter religioso e não altera o cálculo da data da Páscoa. “Fixamos
apenas o período de realização do Carnaval, que, em vez de ocorrer 46 dias antes do domingo de
Páscoa, passará a acontecer sempre na primeira semana de março”. A Associação Brasileira da
Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (ABICAB) não concorda com o projeto
sob a alegação de que ficaria muito próxima da páscoa, pesando economicamente para as famílias.
“Com essa alteração que está sendo proposta, ocorrerá em algum momento, uma proximidade muito
grande entre um ‘feriado fixo de carnaval’ e a data religiosa, orientada pela Igreja Católica. Isso seria
muito prejudicial no que tange aos custos que as famílias normalmente têm com essas datas festivas”.
2. Reforma do Código Penal

O relator da Comissão Temporária do Senado encarregada da Reforma do Código Penal Brasileiro,


senador Pedro Taques, apresentou, nesta terça-feira (20/8), uma prévia do relatório sobre as mais de
600 emendas apresentadas até o final de 2012 ao PLS 236/2012. A Comissão definiu novo calendário
para apresentação de emendas ao projeto. O prazo vai de 2 a 13 de setembro. Depois, o relator
apresentará novo parecer e a matéria poderá ir à votação na comissão especial a partir de 30 de
setembro. Em seguida, irá para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado e para o plenário da
Casa, antes de seguir para a Câmara dos Deputados. A Comissão da CNBB faz a síntese das emendas
que elabora para serem entregues à Comissão do Senado. Há, no entanto, um movimento de inúmeras
entidades pedindo a extinção da atual proposta do PLS 236/2012, considerando que não atende ao que
se quer de um novo Código Penal para o país. A sugestão desse grupo é que o trabalho comece do
zero.

3. Alteração na nova lei 12.845/2013


Dois projetos de lei foram apresentados à Câmara dos Deputados propondo alteração à Lei
nº12.845, promulgada no dia 1º de agosto de 2013. A lei dispõe sobre o atendimento obrigatório e
integral de pessoas em situação de violência sexual. O primeiro PL (6022/2013) é de autoria do
Executivo e altera o artigo 2º da 12.845 para definir o que seja violência sexual, considerada muito
elástica na lei aprovada. Pela nova proposta, violência sexual é definida como “todas as formas de
estupro, sem prejuízo de outras condutas previstas em legislação específica”. Modifica também o
inciso IV do artigo 3º, trocando a formulação “profilaxia da gravidez” por “medicação com eficiência
precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”. O segundo PL (6061/2013) é assinado pelos
deputados Hugo Leal (PSC-RJ), Salvador Zimbaldi (PDT-SP) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ. O
projeto modica os artigos 1º, 2º e o inciso III do artigo 3º da nova lei. Propõe, ainda, a supressão dos
incisos IV e VII do mesmo artigo 3º. Os dois PLs aguardam despacho do presidente da Câmara dos
Deputados na Seção de Registro e Controle de Análise da Proposição/SGM (SECAP(SGM).

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4. Demarcação de terras indígenas - PEC 215
Foi adiada para setembro a instalação da comissão especial que vai analisar a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere para o Congresso a demarcação de terras
indígenas. A PEC teve a admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania no ano passado, mas a comissão especial destinada a analisar o mérito ainda não foi
instalada. O tema é polêmico e coloca, de um lado, a Frente Parlamentar da Agropecuária, que
defende a imediata instalação da Comissão, e, de outro lado, deputados ligados à questão indígena,
contrários à aprovação da proposta. Além da Comissão Especial, a Comissão Participação Legislativa
da Câmara também constitui um Grupo de Trabalho destinado a debater a questão das terras
indígenas, após a divulgação de um estudo da Embrapa que afirma não haver índios em quatro das 15
áreas indicadas pela Funai como território indígena nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, regiões
valorizadas no Paraná e onde há propriedades agrícolas. O grupo tem promovido várias audiências
públicas para debater o assunto como a do último dia 15/08, que discutiu a suspensão da demarcação
de terras indígenas no Paraná. O grupo tem prazo para encerrar seus trabalhos até o final de agosto.
Mas o presidente da comissão, deputado Lincoln Portela (PR-MG), vai pedir ao presidente da Câmara
a prorrogação dos trabalhos para 15 de setembro. Um dia antes (14/08), a Comissão de Direitos
Humanos promoveu audiência pública sobre o PLP 227/12, que também trata da demarcação de
territórios indígenas. O projeto, de autoria do deputado Homero Pereira (PSD-MT), define quais são
os 'bens de relevante interesse público da União' no que diz respeito às terras dos índios. Adelar
Cupsinski, advogado do Conselho Indigenista Missionário, defendeu a inconstitucionalidade da
proposta porque o projeto permite conceder as terras dos índios para particulares. “As terras indígenas,
a própria Constituição já diz que são da União. Elas já têm uma destinação específica: ela é de
usufruto exclusivo dos povos indígenas", disse Adelar.

Contribuíram para esta análise: Pe. Bernard Lestiene SJ, Pe. Thierry Linard SJ,
Daniel Seidel, Pe. Ernanne Pinheiro, Pe. Geraldo Martins,
Gilberto Sousa, Paulo Maldos e Pedro Gontijo.

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