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Isabel Chagas
Centro de Investigação em Educação
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
A literatura sobre literacia científica e suas implicações no ensino formal das ciências
comum que se traduzem, invariavelmente, em práticas que, de uma maneira geral, não se
coadunam com as práticas lectivas em ciências mais seguidas nas nossas escolas. É este o
grande desafio que se oferece à Escola. Como contribuir para a divulgação e aplicação de
científica; (iii) evidenciar o papel da Escola como fundamental para a consecução de qualquer
programa educacional para os níveis básico e secundário; (iv) discutir factores da Escola com
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Comunicação apresentada no 1º Encontro Nacional de Investigação e Formação, Globalização e
Desenvolvimento Profissional do Professor. Escola Superior de Educação de Lisboa.
Aprender o Quê?
significado, Pella, O’Hearn e Gale (1963), tentaram clarificar ao analisar mais de 100
documentos publicados nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos da América do Norte. Segundo
estes autores, o termo surgiu publicado pela primeira vez num periódico em 1957 (Bailey,
1957) e, um ano mais tarde, Hurd (1958), discutia o seu significado para as escolas
americanas. Como resultado da análise efectuada, Pella, O’Hearn e Gale concluíram que um
do cientista e por ser capaz de discutir as inter-relações existentes entre a ciência, a sociedade
aquelas perspectivas porque colocavam a ênfase não apenas nos conteúdos da ciência mas
também nos processos próprios da actividade científica, nas questões de ordem ética que essa
mesma actividade levanta e nas relações que se estabelecem entre a ciência e as outras áreas
A dimensão “ciência para todos” começou a ser discutida durante os anos 70 como
aqueles alunos com aptidões e motivação específica para a ciência, e à má imagem que esta
tinha granjeado entre o público. Se alguns autores, críticos às propostas curriculares de 60,
problemas sociais suscitados pelo impacto crescente da tecnologia (Yager, 1982). Referências
década de 70, tal como se infere da análise comparativa realizada por Trowbridge e Bybee
(1996). A este movimento de “ciência para todos” associaram-se agências de ensino não
formal das ciências tais como certos canais de televisão e os museus e centros de ciência
(Chagas, 1993) que, no seu conjunto, pretendiam tornar a ciência mais interessante a um
público de todas as idades e evidenciar o impacto que a ciência tem exercido sobre as nossas
vidas.
as relações existentes entre aqueles três domínios. O projecto da American Association for the
individuais e sociais.
significativo em muitos países e que está na origem das abordagens mais recentes
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Respectivamente civic science literacy e cultural science literacy.
concretas para a reformulação curricular, assim como conjuntos de recomendações,
padrões e os marcos2 que se pretendiam como uma definição explícita e coerente de literacia
científica. Os Padrões Nacionais para a Educação em Ciência3, descrevem aquilo que todos os
cidadãos devem compreender e ser capazes de fazer como resultado das suas experiências de
programa educativo da escola. De acordo com estes padrões uma pessoa literata em ciência é
− avalia a qualidade de informação científica com base nas fontes utilizadas e nas
metodologias seguidas;
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Respectivamente standards e benchmarks.
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National science education satandards.
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Disponível na sua totalidade em http://books.nap.edu/books/0309053269/html/19.html
Autores afectos ao programa curricular Biological Sciences Curriculum Study
propuseram que não se considerasse a literacia científica como um objectivo que pode ser
atingido ou não mas antes como um continuum entre a ausência e a presença de competências
avançadas de literacia (BSCS, 1995; Trowbridge e Bybee, 1996). Diferentes estádios podem
ser considerados nesse continuum correspondendo ao nível actual de literacia que cada
indivíduo possui numa determinada altura da sua vida. Assim, cada um progride nesse
continuum em direcção ao estádio mais avançado, o que poderá ser alcançado muito depois
das aprendizagens formais na escola. De acordo com este modelo consideram-se quatro
Face à quantidade de literatura sobre o assunto, Hodson (1998) assume uma atitude
diferentes consoante os autores. Considera que as propostas curriculares sobre o tema são
limitadas pois não contemplam situações que permitam ao aluno tomar decisões e agir de
acordo com elas. O autor propõe uma abordagem personalizada e crítica da ciência,
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Nominal, funcional, conceptual/de processo, multidimensional
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Critical scientific literacy
− aprender acerca de ciência, compreendendo a natureza, a história e os métodos
problemas.
científica, Hurd (1998) volta a escrever sobre este tema evidenciando mudanças que a ciência
tem sofrido nas últimas décadas. Actualmente caracteriza-se, entre outros aspectos, por ser um
abordagem de um determinado objecto de estudo, e por estabelecer uma relação cada vez
cybermundo);
mundial, Graber e Nentwig (1999) procederam a uma síntese das diferentes propostas e
ao longo de toda a vida. Todas elas se revestem de igual importância e implicam práticas de
Estudos realizados em diferentes países têm revelado uma fraca literacia científica
1993) lastimava a fraca preparação dos jovens europeus por não incluir competências de
sobre literacia científica aplicado em 1995 nos Estados Unidos da América do Norte. Apenas
Inglaterra verificou-se, entre outros aspectos, que os jovens não distinguem ciência de
tecnologia, o que parece ser reflexo do fosso que se mantém entre o conhecimento científico e
limitações da formação dos jovens em ciência são argumento para a reformulação curricular
decréscimo significativo nas inscrições em cursos de ciências, o que parece ser um indicador
Nentwig, 1999).
Diferentes razões podem estar na base destes resultados, entre elas apontam-se, nesta
Numerosos estudos e relatórios têm vindo a confirmar uma tendência generalizada a nível
1994; Hurd, 1998; Millar, Osborne e Nott, 1998; NAP, 2000). Tais práticas não permitem a
Para o conseguir, a ciência tem de ser aprendida de um modo diferente como o tem sido até
aqui!
práticas propostas actualmente neste domínio distinguem-se pela sua flexibilidade, por se
centrarem nas questões geradas pelos próprios alunos e por envolverem a resolução de
um programa de literacia científica não se ensinam directamente mas que estão presentes num
projectos. Neste contexto, o trabalho de laboratório e o trabalho de campo são vistos como
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Scientific inquiry
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Lived curriculum
aluno vive a complexidade dos processos e das implicações da ciência. Segundo Hodson
(1998), estes ambientes devem organizar-se de forma a permitir que os alunos abordem
úteis. Deste modo, o aluno aprende através de um processo que se centra não só no seu
desenvolvimento cognitivo mas também nas suas necessidades emocionais, estéticas, morais e
espirituais.
Graber e Nentwig (1999) defendem que estas novas tendências podem e devem
coexistir com as práticas de transmissão convencionais menos flexíveis em que o aluno tem
menos autonomia. Cabe ao professor decidir, perante o estado de preparação dos alunos e os
recursos disponíveis, a orientação a dar às suas práticas. Contudo, se se pretende que todos os
alunos atinjam algum nível de literacia científica, mais do que um daqueles novos
ingredientes devem ser introduzidos na sala de aula. Isto significa que o professor deve ser
opostos.
nos conteúdos a estudar, deixando tempo livre aos alunos para ... aprender!; na vertente da
objectivos enunciados, o que pode implicar maior ênfase na avaliação formativa; na vertente
vertente de formação de professores tanto inicial como contínua, permitindo uma actualização
científica e pedagógica sistemática e uma abordagem crítica e reflexiva acerca das práticas
educativas; na vertente da Escola, cuja cultura pode facilitar ou impedir qualquer tentativa de
mudança.
tem dado origem a modelos teóricos explicativos daqueles processos (Rogers, 1995; Fullan,
1991; Sarason, 1982). A importância da Escola como entidade com cultura própria que
condiciona qualquer mudança ou inovação tem sido evidenciada por diferentes investigadores
integrado no contexto mais vasto da escola. Almeida (1998) teve de alargar à escola o seu
campo de observação inicialmente focalizado numa turma onde um novo recurso tinha sido
possui uma determinada cultura que reflecte as concepções, perspectivas, atitudes e valores
dos seus membros considerados individualmente ou integrados nos diferentes órgãos que a
e quais as perspectivas evidenciadas pelos órgãos da escola. É importante saber também quais
os rituais que envolvem a abordagem da ciência na escola, assim como o clima geral da escola
relativamente a este assunto. Uma compreensão profunda da própria escola é essencial para
que qualquer processo de mudança ou inovação se inicie como projecto partilhado e
Outra exigência relaciona-se com a primeira e tem a ver com a gestão do tempo, do
espaço, dos recursos físicos e humanos. Havendo um projecto comum é possível, apesar das
daquilo que existe, tornando-o mais adequado às práticas que permitem o acesso à literacia
científica. Torna-se mais fácil, também, identificar aquilo que falta e procurar estratégias e
Conclusão
A resposta à pergunta com que se iniciou esta comunicação não é simples porque
implica muitas outras variáveis que transcendem a Escola. Esta insere-se numa comunidade e
num sistema que se caracterizam pela complexidade, pelo que qualquer questão que se
relacione com ela nunca ficará totalmente respondida se não forem abordados todos os
relevância a duas exigências inerentes à Escola: compreender a sua cultura e actuar na gestão
Bibliografia