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PENSAMENTOS DE MILLOR
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LIVROS DE MILLÔR FERNANDES NA COLEÇÃO L&PM POCKET
Hai-Kais
Millôr Definitivo – A bíblia do caos
Poemas
O livro vermelho dos pensamentos de Millôr
Teatro
Flávia, cabeça, tronco e membros
O homem do princípio ao fim
Liberdade, liberdade (com Flávio Rangel)
Traduções e adaptações teatrais
As alegres matronas de Windsor (Shakespeare)
Don Juan, o convidado de pedra (Molière)
Fedra (Racine)
Hamlet (Shakespeare)
Lisístrata (Aristófanes)
A megera domada (Shakespeare)
Pigmaleão (Bernard Shaw)
Rei Lear (Shakespeare)
2
Millor
^ Fernandes
www.lpm.com.br
L&PM POCKET
3
Coleção L&PM Pocket, vol. 464
Primeira edição na Coleção L&PM POCKET: setembro de 2005
Esta reimpressão: maio de 2007
ISBN: 978-85-254-0784-9
4
Sumario
´
5
6
Nota dos coordenadores
7
Comunista de Marx e Engels, Mein Kampft de
Adolf Hitler e Citações do presidente Mao Tsé-tung
do próprio, obras cujo traço comum é o de terem
servido para inspirar, persuadir, excitar e conduzir
grandes massas da humanidade.
Para Millôr, entretanto, não há sabedoria,
conceito (ou preconceito), definição ou verdade,
por mais popular, estabelecida e definitiva que seja,
que não admita reexame e uma nova interpreta-
ção. É por esse prisma que Millôr consegue des-
cobrir novas perspectivas para verdades consu-
madas (– Diz-me com quem andas e dir-te-ei
quem és – Mas Cristo andou com Judas!).
Assim, este documento que revoluciona todo
o pensamento ocidental (e oriental), é de uma
atualidade permanente e extraordinária, é uma
fonte na qual todos deverão embeber-se, é uma
leitura recomendada para pessoas inteligentes,
conscienciosas, ponderadas e descomplexadas, é
um verdadeiro orgasmo filosófico que fará estre-
mecer o mundo nas suas bases.
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Objetivos
9
S obreviver não é apenas um direito, é uma obri-
gação. Dentro dos mais estritos limites, sob
todas as pressões, até mesmo em face das mais hu-
milhantes concessões, é fundamental sobreviver.
Amanhã é um dia novo, ninguém sabe o que a his-
tória nos reserva, a felicidade pode estar na esquina,
a solução a um passo e, quando você pensa que
não pode mais, ainda pode muito. E é melhor ter
mau hálito do que não ter hálito nenhum.
CONVERSA COM WALTER GONÇALVES, ODONTOLOGISTA. 1970
10
N o jogo financeiro, onde está, afinal, mais do
que no jogo econômico, a grande fonte de lu-
cro dos capitalistas, o conhecimento de detalhes
técnicos minuciosos e de uma rapidez e segurança
de informação, são fatores definitivos de sucesso.
Mas uma inescrupulosidade hábil e bem orientada
é mais eficiente para auferir lucros do que quais-
quer outros fatores, pois, inclusive, prevê, orienta
e participa desses fatores.
CONVERSA COM MAURÍCIO CIBULARES, EX-ASSESSOR DO GEN.
JUAREZ TÁVORA, ÀS VÉSPERAS DO CRACK DE 1971
11
O homem atingirá a sabedoria total no dia em
que for completamente marxista – 40% de
Groucho, 30% de Chico, 20% de Harpo e 10%
de Karl.
CONVERSA COM IVAN LESSA, JORNALISTA, ESCRITOR. 1971
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que as impede de serem ocupadas por algumas
pessoas de nossa melhor sociedade.
CONVERSA COM DIDU DE SOUZA CAMPOS (HOMEM DO SOCIETY
QUE, COM TEREZA DE SOUZA CAMPOS, FORMOU O CASAL 20).
1959
13
N ão respeito nenhum movimento feminino
brasileiro que não cuide, em primeiro lugar,
das desgraçadas empregadas domésticas, ainda
hoje tratadas como caso de polícia. Mas acho natu-
ral que dêem a elas um quarto sem banheiro. Pois,
como sabe qualquer sociólogo brasileiro, no Brasil
só as granfinas têm xoxota.
CONVERSA COM HERBERTO SALLES, ROMANCISTA. IMORTAL. 1960
14
nem de competição quanto aos outros. Minha vida
não passa pela competição. Sou um dos inventores
do frescobol – o único esporte com espírito espor-
tivo. Até hoje ninguém inventou nesse jogo aposta
ou ganhadores. Em volta de mim, amados amigos,
também ninguém ganha ou perde. Vive.
DECLARAÇÃO A CHICO-FIM-DE-NOITE, COMPOSITOR DA BOSSA
NOVA. NUM FIM DE NOITE EM COPACABANA. 1989
15
Educacao~ e
´
deseducacao
~
´
16
A Academia Brasileira de Letras, com aqueles
velhinhos metidos em mil gramatiquices, é
um lugar em que se acredita que as pessoas têm
gênero, mas não têm sexo.
CONVERSA COM AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE, ESCRITOR. IMORTAL.
1973
17
P ara que só sejam editados livros úteis e os
editores não sofram pressões indevidas, de
vaidades menores, os direitos autorais serão pagos
pelo autor ao editor, na proporção das vendas ou
não-vendas. O dinheiro assim apurado deverá ser
entregue a uma instituição de deseducação, encar-
regada de tirar da cabeça de pessoas, formadas em
várias especialidades, as noções erradas de tudo
que aprenderam.
ACERTO COM ZUENIR VENTURA, JORNALISTA, AGITADOR SOCIAL.
1979
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cultura se transmite apenas de maneira oral. Con-
vém não esquecer que quem inventou o alfabeto
foi um analfabeto.
MODOS DE EXPRESSÃO. CONVERSA COM ANTÔNIO HOUAISS. 1972
19
cional vigente é apenas uma maneira de levar a
ignorância às suas extremas conseqüências.
CONVERSA COM JOÃO UCHOA CAVALCANTI NETTO, JUIZ,
PROFESSOR, ARTISTA PLÁSTICO. 1970
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estar alerta por um momento, penetram lá, como
parasitas difíceis de erradicar, “idéias” vindas da
imprensa, do rádio, da televisão, da propaganda
geral, dos produtos em série, do consumo dege-
nerado, dos doutores em lei, arte, literatura, ciência,
política, sociologia. Essa massa de desinformação,
não só inútil como nociva, nos é, aliás, imposta
de maneira criminosa nos primeiros anos de nossa
vida. E se, algum dia, chegamos a pensar no ver-
dadeiro sentido do termo, todo o restante esforço
da existência é para nos livrarmos de uma lamen-
tável herança cultural. Pois, infelizmente, o cére-
bro humano é um dos poucos órgãos do corpo
que não têm uma válvula excretora. E as fezes
culturais ficam lá, nos envenenando pelo resto da
vida, transformando o mais complexo e mais
nobre órgão do corpo numa imensa fossa, imunda
e fedorenta. Um lamentável erro da Criação.
CONVERSA COM OTÁVIO MORAIS, ARQUITETO E CRAQUE DO
BOTAFOGO. 1967
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T entar “formar” o caráter de uma criança é a
única violência que não tem perdão e merece
a pena de morte.
CONVERSA COM SEIXAS DÓRIA, POLÍTICO SERGIPANO. 1970
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E studando a Ilíada, concluímos que a famosa
guerra contra o imperialismo dos “gregos”
decadentes teria tido um resultado bem diferente
se Enéias fosse mais duro com os subversivos de
então. Sabe-se que, a essa altura, Tróia estava já
dividida em Tróia do Norte e Tróia do Sul (esta
recebendo forte auxílio dos persas em forma de
arcabuzes, bestas, arcos de setas múltiplas e aríetes
de longo alcance, sem falar de infantes adestrados).
Enquanto isso, a Tróia do Norte era completamente
dominada pelos Tróia-Congs, que desciam e ata-
cavam pela trilha de A-Gha-Menon. Foram os
Tróia-Congs que permitiram e facilitaram a entrada,
em Tróia, do famoso elefante (está provado que um
cavalo, mesmo agigantado, daria apenas para meia
divisão e o número de homens que penetrou na
cidade compunha uma divisão inteira) que liquidou
com a cidadela de Príamo. Recomendamos o in-
tenso estudo crítico dessa história.
CONVERSA COM TÔNIA CARRERO, ATRIZ. 1957
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E mesmo se admitindo que nesses banquetes se
comia de tudo e de todos, o fato é que isso resultou,
historicamente, no brilho maior de potes e poterias
– todas as louças ainda hoje existentes são gravadas
com motivos familiares. Isto é, familiares aos que
freqüentavam as bacanais.
BACANAIS E SATURNAIS. ALMOÇANDO COM JAIME LERNER,
ARQUITETO, POLÍTICO. 1967
24
da unificação pura e simples. Compreende-se a
impossibilidade de alguém se ofender seriamente
sendo chamado de a-ideogramático ou de seu
cuneiforme. O novo sistema de símbolos permitiu
que, pela primeira vez na história, se pudesse
gritar para o inimigo esta suprema ofensa: “An-
al-fa-be-to!”
DOCUMENTO SECRETO: A GRÉCIA. 1972
25
Religiao
~ e
misticismo
26
D o que li, meditei e aprendi em Gensaku, muita
coisa foi transformada com o passar do tem-
po de minha própria vida, e os ventos terrais de
minha existência ocidental. Assim, do que Gen-
saku me ensinou e do que experimentei, posso
transmitir estes itens que continuam ratificados
pela sabedoria dos séculos:
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o Oeste. Jamais, em nenhuma circunstância, dor-
mir com a cabeça voltada para o Norte.
13. Só tirar os fios brancos do cabelo ou da barba
em dias determinados. Esses cabelos devem ser
guardados para serem queimados sigilosamente
no Dia do Tigre (de doze em doze anos).
14. Jamais cantar na cama, por melhor que seja a
mulher.
PAPO COM TÉCIO LINS E SILVA, CAUSÍDICO. 1970
28
E´ necessário rever toda a história e tentar uma
reavaliação dos seus heróis, mesmo os mais
santos e místicos. Uma coisa para mim é certa:
Cristo só expulsou os vendilhões do templo por-
que eles não tinham licença e estavam prejudi-
cando o comércio estabelecido. Eram camelôs.
CONVERSA COM DOM JEREMIAS BARBOSA. 1967
29
Comunicacao
~
´
e meios
30
patrocinado por enlatadores de banha, fabricantes
de chouriço e vendedores de desodorante, de modo
que toda a pretensa graça da vida se dirigia apenas
à barriga dos gordos, à tripa dos porcos, ou, no
máximo de finura e elegância, às axilas das damas.
PREFÁCIO PARA UM ELEFANTE NO CAOS, PEÇA DO AUTOR. 1962
31
aos poderosos. Gutemberg, em verdade, não inven-
tou a imprensa. Inventou a imprensa marrom.
O PAPEL DA DIVULGAÇÃO A SERVIÇO DO POVO. 1954
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também assustadoras, a respeito da explosão de-
mográfica em todo o mundo.
ENCONTRO COM O DR. PAULO ALBUQUERQUE,
ENDOCRINOLOGISTA. 1970
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parte e fundamento do folclore. Com o passar dos
tempos, mais e mais anos sedimentarão a mentira
e ela será transformada em fantasia, em canto,
em criação geral, em história cíclica, em ode, em
épico, em conceito geral de eternidade filosófica.
DISCURSO SÓ PARA CRISTINA DE LUCCA, JORNALISTA,
TELEVISIONISTA. 1972
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poderíamos responder com muito espírito: “C’est
le ton que fait la chanson”. E, entusiasmados,
poderíamos continuar: “Loin des yeux, loin du
couer”, “Loups ne se mangent pas entre eux”, “Mieux
vaut tard que jamais”, o que nos faria passar por
absolutos idiotas.
CONVERSA COM FREDERICO CHATEAUBRIAND, EXTRAORDINÁRIO
JORNALISTA. 1973
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H iroshima e Nagasaki. Dois holocaustos, exata-
mente idênticos, no mesmo país, na mesma
época, praticados nas mesmas odiosas circuns-
tâncias. No entanto, Nagasaki não tem metade do
charme publicitário de Hiroshima, que é a pri-
meira palavra de revolta que nos vem quando nos
lembramos da tragédia atômica. A sonoridade de
um nome, possibilitando ser cantado em verso e
filme por escritores e poetas, deu a Hiroshima o
status de um símbolo. É uma questão para os assim
ditos técnicos em comunicação: se Cristo fosse
enforcado, a forca teria a mesma força simbólica
da cruz?
O ABSOLUTO E O RELATIVO. OBRAS INCOMPLETAS. 1970
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U´ nico meio de comunicação do ser humano (a
matemática é especializada, a música é emo-
cional, a imagem é incompleta, a expressão corpo-
ral é apenas auxiliar), a palavra se torna, ao fim e
ao cabo, um elemento reacionário. Se nova, serve
apenas de comunicação elitista e, quando muito
usada, se desgasta e confunde.
CONVERSA COM AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA, ETIMOLOGISTA,
ESCRITOR. 1960
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S e cada país tem que ter a sua imagem nacional,
a efígie brasileira deveria ser a do jogador de
porrinha, posto em todas as praças vestindo a
camisa do Flamengo, o braço estendido, a mão
fechada. Uma figura mais estranha do que a Es-
finge porque, feita de mármore do Paraná, jamais
abriria a mão. Ninguém jamais saberia quantos
pauzinhos teria o herói nacional.
SUGESTÃO PARA JOÃO UBALDO RIBEIRO, JORNALISTA, ROMANCISTA.
1962
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óbvia, mas que escapa a todo mundo é que Capa-
dócio, inventor do alfabeto aos 45 anos de idade,
era, claro, um analfabeto. Entre todos os gregos
era o único que não podia ocultar isso.
CONVERSA COM INÊS OZELA, ARGENTINA, PROPRIETÁRIA DA LOJA
MUJER, NO CENTRO DA PIAZZA DELA SIGNORIA, FLORENÇA. 1973
39
Metodos
´ de acao.
~
Trabalho ´
40
P ela primeira vez vejo um país, o Chile, experi-
mentando na prática uma velha proposta
minha, que considero a melhor possibilidade de
solução dos problemas sociais: um capitalismo
dirigido por socialistas. Ou vice-versa.
MÉTODOS. 1967
A
` s vezes você busca soluções complexas e téc-
nicas para problemas que podem ser resol-
vidos de maneira bem simples. Por exemplo: se
você aperta a barriga à altura do fígado e sente
dor, em vez de procurar médicos e se submeter a
tratamentos complicadíssimos, o mais sábio é, sim-
plesmente, deixar de apertar.
SOLUCIONÁTICAS. CONVERSA COM MÔNICA SILVEIRA. EMPRESÁRIA,
ARTICULADORA SOCIAL, BELA MULHER CARIOCA. 1969
41
C andidate-se. Por mais idiota que você seja
sempre haverá um número suficiente de
idiotas maiores do que você para acreditar que
você não o é.
CONSELHO A UM CANDIDATO. 1958
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confiança trazido pela proximidade. O colabora-
dor íntimo nos trai menos por traiçoeiro do que
por íntimo. Na luta social a intimidade já traz em
si o germe da traição.
DISCURSO NA ÁREA LIBERADA PARA O TRÁFEGO DO TÚNEL DO
PASMADO. 1963
NILO. 1961
A
` s vezes a argumentação do adversário equivale
a um ato de violência. Mas, se você não pode
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com a dialética dele, tem sempre o recurso de lhe
atirar com uma pedra na cabeça.
CONCLUSÃO MORAL E DIALÉTICA ENUNCIADA NA REDAÇÃO DE
O CRUZEIRO, DEPOIS DE REIVINDICAÇÕES SALARIAIS. 1961
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C inqüenta séculos de civilização baseados no
mito do herói, no primado da macheza, cul-
minaram na cunhagem da frase: “Dou um boi
para não entrar numa briga; dou uma boiada para
não sair”. É a glória da jactância, o blasonar desvai-
rado do pavão doido, a mais autêntica expressão
de assobio no escuro. Pois na verdade o homem já
não é mais tão másculo assim. Criado a puericul-
tura e a estrôncio 90, cheio de sopas Knorr nas
veias e banhado com Coca-Cola, o homem já não
topa paradas com o mesmo prazer com que o fazia
em Ur ou Neandertal. Na verdade, com exceção
dos profissionais (e esses não vale contar pois se
realizam exatamente na briga) o homem atual
prefere mesmo – se não houver terríveis imposi-
ções “morais” à volta – levar seus desaforos para
casa, escovar os dentes três vezes por dia e visitar
o psicanalista duas vezes por ano. Instado, insti-
gado, empurrado para uma briga, ainda assim ele
cumpre a primeira parte do provérbio e oferece
seu boi para não participar do entrevero, tentando
se evadir ao apelo marcial. Porém, se já está
apanhando, sua mais sagrada vontade, entre um
soco e outro, é entregar a boiada toda ao primeiro
que se interessar por ela e ir para casa logo, dei-
tar-se, e gemer nos mais efeminados coxins que
encontrar. Hagia Sophia!
CONVERSA COM O CONDE DE KAROL NOWINA, ELEGANTÍSSIMO
PROFESSOR DE LUTA LIVRE E GINÁSTICA, MESTRE DO AUTOR. 1968
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P ois, para ser livre, é preciso sacudir os grilhões,
desprender as algemas, cavar túneis por baixo
das donzelas, desbridar os corcéis da aventura
amarrados à burocracia e gritar: “Laços fora!”
Imitar D. Pedro I na medida do possível, isto é:
usar fósforos Ipiranga e ser marginal.
CONVERSA COM REDI, EXTRAORDINÁRIO CARICATURISTA. 1975
46
Metodos
´ de pensamento.
Dialetica
´
47
E´ necessário não apenas contestar. É mais
importante contestar também pelo direito
inalienável de contestação. Isso não exclui, é claro,
antes inclui, como coisa definitiva, o direito de
contestar a contestação dos outros.
DISCURSO DE ENCERRAMENTO (FALÊNCIA) DA FACULDADE DE
ENGENHO NOVO. 1949
48
existiram e existem no mundo, conclui-se que a
suprema aspiração popular é a liberdade de não
ter que decidir coisa nenhuma.
MÉTODOS DE TRABALHO. 1955
49
S ó há uma coisa que a vida ensina: a vida nada
ensina. Alguém precisa aprender mais do que
isso no ato de viver?
CONVERSA COM MARCO AURÉLIO DE MOURA MATOS, JORNALISTA
E ESCRITOR MINEIRO. 1969
50
A s paralelas quase sempre se encontram. A uma
certa distância, é claro, mas que se encontram,
se encontram. Pois, se ficam muito distanciadas,
perdem até mesmo a condição de paralelas.
CONVERSA COM FLÁVIO RANGEL, JORNALISTA, TEATRÓLOGO. 1970
51
em dezembro deveria findar o ano de 1969, coisa
que ninguém pode negar agora que já estamos em
janeiro de 1970.
RIDÍCULO DOS ORADORES RETÓRICOS. TESE PARA ANTÔNIO HOUAISS.
1970
52
S anto Agostinho disse que todos os pecados que
ele cometeu foram imediatamente punidos
por Deus, na medida em que “toda perturbação
da alma é sua própria punição”. Mas Agostinho
também disse, e com mais sabedoria prática: “É
preciso um mínimo de bens materiais para exercer
as virtudes do espírito”. Socialismo? Parece. Isso
antes, muito antes de Proudhon dizer que “toda
propriedade é um roubo” e Shaw acrescentar que
“todo lucro é um roubo”, gritando ainda “Horace
Halger morreu chorando pelo pobre. Eu morrerei
denunciando a pobreza”.
PAPO COM CHICO CARUSO, JORNALISTA, DESENHISTA, SHOW-MAN.
1990
53
se deve unicamente à descrença, ao ceticismo.
Desconfiar é progredir.
CONVERSA COM JOSÉ MEDEIROS, FOTÓGRAFO DO PERÍODO ÁUREO
DA REVISTA O CRUZEIRO. 1960
54
Etica
´ e
disciplina
55
estão assentados os nossos princípios de povo e
de nação assim como nossos usos e costumes –,
pode exteriorizar toda sua convicção e dizer tudo
o que pensa, contar tudo o que sabe, com coragem
e destemor, doa a quem doer. Você deve apenas
tomar o cuidado, que acreditamos perfeitamente
válido, de declarar, antes de mais nada, a fim de
não ferir susceptibilidades, que qualquer seme-
lhança com pessoas vivas ou mortas é mera coinci-
dência e que tudo, é evidente, se passa em outra
época e num país imaginário.
ORAÇÃO AOS JOVENS. CONVERSA COM O FOTÓGRAFO FRANCÊS JEAN
MANZON, MUITO JOVEM ENTÃO. 1969
56
S e os seus princípios são rígidos e inabaláveis,
você, pessoalmente, já não precisa ser tanto.
CONVERSA COM JARDS MACALÉ, MÚSICO, COMPOSITOR, CANTOR,
HERDEIRO DE MOREIRA DA SILVA. 1959
57
Profissoes:
~
limitacoes
~ e deveres
´
58
M al baseada num juramento (hipocrático) que
na verdade é apenas uma lei de proteção ao
clã médico, a medicina é pretensiosa e se arroga
uma infalibilidade papal, que lhe dá margens de
escapar com uma porcentagem de erros assusta-
dora. Morre mais gente de medicina do que de
doença. É um ato de extrema insensatez procurar
o médico à menor dor de cabeça. A medicina não
perdoa nem se arrepende.
DECLARAÇÃO DEPOIS DE PROTESTAR CONTRA O MAU ATENDIMENTO
NUM HOSPITAL DO INPS. 1969
59
como arregimentá-los e entrar em contato com
eles. O “picareta”, dada sua disponibilidade, tinha
contatos com uns e outros, e passou a se beneficiar
desse conhecimento arranjando encontros entre
os prestadores de serviços e os usuários desses ser-
viços. Os encontros se realizavam quase sempre
em almoços longos e fartos, única compensação
do marginal que os promovia. Daí a instituciona-
lização dessa atividade com o nome de Relações
Públicas”, foi só uma questão de tempo. Toda
atividade social nova tem um ar de impostura.
FALA COM MONIQUE DUVERNOIS, DECORADORA. 1985
60
quando competente. Por isso a maior causa da
mortalidade no mundo inteiro continua sendo esse
mal terrível chamado diagnóstico.
CONVERSA COM O DR. CARLOS GIESTA, ORTOPEDISTA. 1970
61
A maior parte da humanidade tem absoluta
necessidade de se punir com o trabalho. E
nisso acaba adorando o ato de trabalhar e viciada
nele. A totalidade dos trabalhadores é absoluta-
mente irrecuperável.
RECADO PARA BEATRIZ RÓNAI HOFMEYER (BIA). 1996
62
E conomia definitiva para a indústria do livro e
conseqüente valorização do poeta verdadeiro é
publicar tudo quanto é verso em linhas corridas,
a poesia só surgindo quando for mesmo verdadeira
e não forçada através de truques gráficos. Alguns
poetas, para valorização definitiva poderiam ser
publicados clandestina e disfarçadamente, como
tratados de economia.
CONVERSA COM ELIANA CARUSO. 1984
63
engraçada da cidade mais engraçada do país mais
engraçado do mundo.
TRINTA ANOS DE MIM MESMO. 1972
64
enriquecem. O sistema só estará depurado no dia
em que se firmar, definitivamente, que um rato
não pode ser juiz na partilha de um queijo.
CONVERSA COM O JUIZ TEÓDULO MIRANDA. 1972
65
F icarão abolidas quaisquer passagens descri-
tivas que tenham mais que 10 linhas (para des-
crição de uma cidade) ou três para descrição de
uma sala. Será usada a técnica cinematográfica,
amplamente vitoriosa, de limitar a determinado
tempo (no caso da literatura, número de folhas)
para contar uma história ou tratar de um proble-
ma. Para filmes de uma hora e 40 corresponderão
livros de 30 páginas e, correspondendo, digamos,
ao “...E o vento levou” teremos romances fleuve de
50 páginas. Dessa forma os autores não perderão
tempo descrevendo seus personagens discando
telefones (já “cortam” para o meio do diálogo) nem
atravessando a rua (já abrem a porta para sair e
aparecem, do outro lado, entrando no palácio do
arquiduque). Descrições maiores só em livros de
geografia.
ECONOMIA LITERÁRIA. 1960
66
muitos acham engraçado e há até os que o lou-
vam e endeusam. Mas um dos defeitos que não
pode ser tolerado pelo humorista é a própria
vaidade. A vaidade vai bem ao comediante, por
natureza extrovertido. O humorista, por natureza
introvertido, sabe que bastará facilitar um pouco
que o transformarão em estátua e mito. Mas acei-
tar isso será perder a substância fundamental do
humorista.
DECÁLOGO DO HUMORISTA. 1955
67
Como lidar com as
contradicoes
~
´
68
A necessária materialização de certos estímulos
orgânicos leva à frustração, à decepção e à
depressão. O sexo seria uma coisa ainda mais ma-
ravilhosa se não houvesse contato físico.
CONVERSA COM ISABEL PANE, PSICANALISTA. 1967
69
O que, desde logo, me torna um homem extraor-
dinário.
CONVERSA COM JAIME LERNER, ARQUITETO, POLÍTICO. 1978
72
o encaram. A verdade é que se você conseguiu fama
de que levanta cedo, pode dormir o dia inteiro.
FALANDO COM SÉRGIO CABRAL, JORNALISTA, HISTORIADOR DE
MÚSICA POPULAR. 1969
73
O Amazonas seria bem menor do que Mato
Grosso se não fosse maior do que Sergipe.
CONVERSA COM FLÁVIO MIGLIACIO, DESENHISTA, COMEDIANTE.
1962
74
N ão é possível acreditar em reformadores
pragmáticos, o tempo todo seguros a seus
racionalismos, tentando conduzir a história pelo
cabresto curto da dignidade de comportamento,
do acordo sereno, do compromisso tático de não
quebrar a louça nem ferir direitos. A revaloriza-
ção constante do ser humano dentro da sociedade
presume excessos, iras, tremendas injustiças. A Re-
volta não pode dar a festa sem convidar a Indig-
nação.
A TEORIA NA PRÁTICA. OBRAS COMPLETAS. 1970
75
uma resistência enorme do ar e para marcar um
quilo na balança tem que ter mais do que um quilo
de chumbo”. Fiquem tranqüilos, irmãos: sempre
se pode provar o contrário.
OS DOIS LADOS DA QUESTÃO. MONOGRAFIA. 1971
76
R epito e repito sempre: é preciso rever constan-
temente nossas posições. Com relação aos
gregos lembro que Sófocles escreveu um mara-
vilhoso poema dramático sobre a mãe (de Édipo)
grega. Esse monumento literário foi posterior-
mente deturpado por um grupo de judeus aus-
tríacos comandados por Sigmund Freud.
CONVERSA COM RAUL BELÉM, POLÍTICO MINEIRO. 1970
77
justamente, deveria ser interditado ao turista,
como vergonha nacional.
TURISMO É PROSTITUIÇÃO. 1973
78
também não consegue porque acaba limitando
toda sua imaginação com uma abóboda, aliás a
mesma. E porque tem o cérebro limitado como o
de qualquer outro animal, o homem se apavora
diante da morte, sem saber que esta é apenas uma
promoção intelectual saudada com uma garga-
lhada. Ao morrer, o homem, subitamente untado
com uma inteligência superior (matéria pura), bate
na testa (inexistente), percebe que o pesadelo era
aqui e não lá, que, na verdade, agora é que ele está
vivo, e exclama às gargalhadas: “Mas, era isso?”
CONVERSA COM ALÇADA BAPTISTA, ROMANCISTA PORTUGUÊS. 1968
79
Economia.
Sistemas
80
E´ sabido que, no trato do dinheiro, um golpe de
audácia pode fazer uma fortuna. Mas, na
média, os muito ricos fizeram sua riqueza des-
prezando tentações, querendo garantias, empre-
gando certo, exigindo mais no momento em que
o cliente tem menos e menos quando o cliente é
poderoso e pode negociar. O gênio dos grandes
banqueiros é evitar mais os riscos do que aprovei-
tar as oportunidades.
APARTE NA ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO BANCO DO
BRASIL. 1971
81
O dinheiro, na mão de pessoas não adestradas
para usá-lo, é a fonte de todo o mal do mundo.
Por isso o dinheiro deve ser conservado cada vez
mais na mão de um número bem pequeno de
pessoas especializadas, aquelas que, por tradição
familiar ou vocação de berço, têm o tino e a sabe-
doria de como usá-lo. Os pobres geralmente são
muito incompetentes quando investidos no papel
de milionários. Deve-se evitar para eles a maldição
implícita no excesso de pecúnia.
CONVERSA COM JÂNIO DE FREITAS, JORNALISTA. 1978
82
U m falsário não tem muita dificuldade em fazer
dinheiro. Sua dificuldade é gastá-lo.
TELEFONEMA PARA JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, POLÍTICO
MINEIRO. 1985
83
milionário. Basta para isso dormir e acordar só
pensando em dinheiro. Não abrir mão de qualquer
possibilidade de ganhar dinheiro, mesmo que o
contrário lhe dê imenso prazer. Ser frio e racional
na hora de dar ou emprestar a seu melhor amigo,
parente e até irmão, cobrando os juros e as taxas
exatas, embora seu coração lhe diga que desta vez
você devia ser generoso. Não ter qualquer escrú-
pulo, em qualquer ocasião. Pensar sempre no
melhor partido que você pode tirar de uma situa-
ção desastrosa em que se encontram seus compa-
nheiros de negócio. Não temer o castigo de Deus,
a opinião pública, a perseguição legal. Pensar que
um lucro grande é melhor do que um pequeno
mas que um lucro pequeno, repetido muitas vezes,
pode vir a ser melhor do que um lucro grande. Se
você, em suma, usar da subserviência exata no
momento em que esta for necessária, a audácia e
a grosseria precisas nos momentos em que a ca-
nalhice e a violência forem os melhores caminhos,
se não tiver nenhum problema de consciência,
nenhuma dúvida moral, nenhuma ambição de
cultura, nenhuma preocupação quanto aos outros
o acharem indecente, pérfido ou criminoso, o
caminho da fortuna está facilmente aberto para
você, como para qualquer um.
O PRIMEIRO MILHÃO. OBRAS COMPLETAS. 1970
84
capitalista o único valor é o do dinheiro acumu-
lado por todos os meios e imantado de todas as
virtudes. “Meu amigo é milionário: que admi-
rável, que honrado, que inteligente, que capaz é
o meu amigo!”
MEDITAÇÃO NA FURNA DA TIJUCA. 1967
A
economia capitalista, com sua concentração
egoísta e mesquinha de riquezas, tem como
resultado natural a imoralidade e a degradação
humana e em vão tenta nos convencer de que essa
corrupção desenfreada é um planejamento perfei-
tamente racional.
AFERINDO PREÇOS PARA CONTRIBUIR EM FAVOR DA CAMPANHA DIGA
NÃO À INFLAÇÃO. 1973
85
J á concordei: “O dinheiro não é tudo”. Já dis-
cordei: “Tudo é a falta de dinheiro”. E duvido: é
fundamental mesmo muito dinheiro? São funda-
mentais essas quantias imensas que, em vez de
servirem a nossa vida, nos obrigam a trabalhar por
elas? Quais são os bens materiais mínimos que
Santo Agostinho apregoava como fundamentais
para exercer as virtudes do espírito? O miserável,
é evidente, não pode colocar um calção de banho,
como eu faço, e caminhar na praia diariamente,
feliz como uma criança. Mas o milionário igual-
mente não pode. No balanço da felicidade humana
quanto vale uma amizade? Uma fé? Uma repu-
tação? Aqui entre nós, Judas, 30 dinheiros foi mes-
mo um bom preço?
DISCURSO PARA AS CRIANCINHAS DO BERÇÁRIO ACALANTO. 1973
86
um jovem que passou tempo indeterminado aban-
donado no deserto, uma linda mulher e um magní-
fico prato de comida e ele só será atraído pela mu-
lher depois de encher o estômago. Pode-se dar uma
colher de chá a Freud apenas afirmando que quando
um homem tem fome não há nada mais sensual
do que a nudez de um franguinho no espeto.
OBRAS COMPLETAS, P. 6.1970
87
arrisca dois cruzeiros por semana, ao fim de um
ano pagou Cr$ 67,60 de contribuição aos cofres
públicos.
RECADO A DELFIM NETTO. 1973
88
Subdesenvolvimento
89
dez árvores frondosas, belas, fortes, amigas e aco-
lhedoras. A coisa mais civilizada do mundo é uma
bela árvore.
CONVERSA COM ROSINHA FERNANDES. PIRASSUNUNGA. 1964
90
E´ verdade que o voto não enche barriga. Mas
chega aquele momento em que o povo já
comeu o suficiente.
RECADO A FILINTO MÜLLER, CHEFE DE POLÍCIA DA DITADURA
VARGAS. 1951
91
prestígio político, prometa aos seus contribuintes
que vai fazer tudo para acabar com a poluição em
Teresina.
CONVERSA COM CARLOS CASTELO BRANCO, JORNALISTA. 1968
92
exemplo do alto germinar. A alguém o círculo de
ferro vai atingir. Não há fuga.
CONVERSA COM RODRIGO ARGOLO, DECORADOR E ARTISTA
PLÁSTICO. 1972
93
Tecnologia:
Utilidades e perigos
94
uma medida saneadora, uma forma drástica de se
livrar do ser humano.
CONVERSA COM CHAVES FERREIRA, EDITOR PORTUGUÊS. 1973
95
os técnicos que fazem esse tipo de pesquisa são
mandados à &’ = + ! +?/!**! 72% vezes mais do
que a média das pessoas.
CIBERNÉTICA, HERE I AM! 1965
96
F abricar-se-ão livros didáticos comestíveis,
aproveitando o avanço da tecnologia e a
superprodução da soja. Os livros poderão ser fa-
bricados com sabores variados: sabor matemá-
tica, sabor geografia, sabor logaritmos, etc....
Uma forma real de acabar com a fome de saber.
No Nordeste, esses livros, distribuídos aos milhões,
acabariam ao mesmo tempo com o analfabetismo
e a subnutrição.
IDEM
97
ninguém repara, e, mais importante e quase sem-
pre discreta: a luz elétrica.
PROGRESSO CIENTÍFICO. ATÉ ONDE? 1971
98
auto-afirmação de uma elite de cientistas, a tecno-
logia floresce e progride atirando foguetes à Lua e
mísseis no Vietnã. Que adianta o vidro do pára-
brisas ser inquebrável se a nossa cabeça não é?
NA ASSOCIAÇÃO PARA O CONTROLE DO DESENVOLVIMENTO
CIENTÍFICO E INDUSTRIAL DO PIAUÍ. 1971
99
trabalhistas essenciais até o último direito femi-
nino, usar a saia mais curta, passando pela máqui-
na a vapor, propostas artísticas e avanços morais.
O ridículo do século XX é a pressa com que aceita
qualquer estupidez social, qualquer reivindicação
absurda, qualquer invenção consumística, sem
reflexão nem demora, por medo da pecha de
reacionarismo. A maior transformação do século
XX foi a facilidade com que se passou a aceitar
qualquer transformação.
MENSAGEM DE FELICITAÇÕES NO 96º ANIVERSÁRIO DE PABLO
CASALS. 1972
A
televisão foi um meio inventado pelo ho-
mem medíocre para ser utilizado pela medio-
cridade para a mediocridade. Deveria se chamar
mediovisão.
MÍDIA. 1971
101
ninguém é tão moço que não possa morrer já. Aqui
e agora, aproveita a vida, irmão. Talvez já tenha
passado mais tempo do que você pensa.
CONSELHOS AOS JOVENS TURCOS. OBRAS COMPLETAS. 1970
103
D oentes, miseráveis, velhos, jogados no último
cárcere do estado da mais extrema miséria, só
aí atingimos um definitivo grau de liberdade – nada
temos a perder e nada de pior nos pode acontecer.
MONÓLOGO NO MORRO DOS URUBUS. PILARES, RIO. 1987
104
N ão pense. Se pensar, não fale. Se, por acaso,
for obrigado a falar seu pensamento, evite
escrevê-lo. Se escrever seu pensamento, não deixe
que o publiquem. Se o publicarem, recuse assi-
ná-lo. Se o seu pensamento aparecer assinado em
qualquer lugar, corra para casa imediatamente e
escreva um desmentido.
COMO SOBREVIVER EM REGIME DITATORIAL. 1969
105
gordo na volta do filho pródigo. Pois ir é muito
mais difícil. Largar tudo, ir embora, desvariar pelo
mundo, mesmo apenas para constatar que, ao fim
e ao cabo, o mundo não vale o seu lar, é extre-
mamente difícil. Pode ser que o outro filho seja
mais confiável, pois ficou no arado, na monoto-
nia, garantindo o sustento dos seus. Ótimo. Mas
o pródigo foi lá, viu como é que era e voltou para
contar. Tem o direito de engrandecer tudo o que
viu, e de mentir sem contestação porque, se traz
no alforje o macarrão, o papel e a pólvora, tudo o
mais lhe é permitido.
CONVERSA COM NOELZA GUIMARÃES, FELIZ. 1970
106
T odo homem nasce livre. Naturalmente de-
pendendo do pai, da mãe, da classe social em
que nasceu, sem falar dos acasos genéticos e da
falta de cuidados pré-natais que o podem fazer
raquítico para sempre. Nascido, decora logo a ta-
bela de direitos e deveres de cidadão do seu país,
faz as contas e, se leva vantagem, cai de pau em
cima dos outros. Assim é o homem, e sua liber-
dade, condicionada a um sistema de classes.
CONVERSA COM HAROLDO COSTA, ATOR. 1970
107
Q uem confunde liberdade de pensamento com
liberdade é porque nunca pensou em nada.
CONVERSA COM RENATO BITHENCOURT, JORNALISTA QUE FOI
EMBORA PRO ESTRANGEIRO E NUNCA MAIS VOLTOU. 1969
108
e dezoito salve-rainhas. Ou você acha que basta o
remorso? Dizem que Judas se enforcou numa
figueira. Eu não vi, não sei.
CONVERSA COM EVARISTO DE MORAIS FILHO, ADVOGADO. 1973
109
Relacoes
~ naturais
´
e artificiais
110
O s que falam em desaparecimento do homem
da face da Terra são, eles próprios, homens,
falando do alto de sua presunção homocêntrica.
Na verdade, o Cosmos não toma o menor conheci-
mento dessas lamúrias. O desaparecimento do ser
humano – que corrompe a natureza, fura túneis,
empesta o ar, emporcalha as águas, apodrece tudo
onde pisa – se tiver alguma importância, será
positiva, e apenas para a vida desta diminuta faixa
geográfica chamada Terra. Não fará a menor dife-
rença à economia do Cosmos.
DIÁLOGO COM JOÃO CONDÉ, JORNALISTA, COLECIONADOR. 1964
111
N ada é tudo e tudo não prova nada. Slogans
sobre a família que rezando unida, ou traba-
lhando unida, ou se divertindo unida, permane-
cerá unida, não têm nada a ver com a realidade.
E, mesmo permanecendo unida, que é que isso
quer dizer? Que permanece feliz? É duvidoso.
Apenas porque reza, apenas porque trabalha,
apenas porque come unida? Para mim a família
que permanece unida permanece unida. E só.
REFORMA DE CONSCIÊNCIAS. 1967
112
todas as pessoas todo o tempo” – sinto que minha
colocação (estou mais em) é muito mais entre
algumas pessoas do que entre todas as pessoas.
ENTRE ALTOS E BAIXOS. OBRAS COMPLETAS. 1971
113
insegurança alheia. Todo homem tem seu grau
de incompetência e seu nível de insegurança.
Fique certo: seu complexo de inferioridade não é
inferior ao de ninguém.
CONVERSA COM FERNANDO PESSOA, JORNALISTA. 1952
114
filho há gerações e gerações. Os que se orgulham
muito de sua ascendência, em geral só estão
mostrando é o quanto já decaíram.
O PAPEL DA TRADIÇÃO E DA INOVAÇÃO. OBRAS COMPLETAS. 1970
115
mudança de capitalistas e do nome com que são
chamados.
DISCURSO DE ABERTURA DAS AULAS DA UNIVERSIDADE DO MEYER.
1951
A
mais prezada das relações humanas (pelo
menos no lado de cá do mundo, o que co-
nheço, o ocidental) é a relação homem-mulher,
sentimental, intelectual e sexual, dita amor. Feito
de mil razões sutis, palavras e tons de palavras,
gesto e pressão de gestos, defeitos de visão (psico-
lógica e até mesmo física) buscando o tempo todo,
mas quase sempre chegando sem ser pressentido,
o amor, contudo, não tem a mesma discrição ao
ir embora. Parte sempre fazendo aquele quebra-
quebra.
LAZERES ÍNTIMOS DO POVO. DISCURSO NO MACKENZIE, SÃO
PAULO. 1963
116
A
natureza fez o pescoço com uma mobilidade
que possibilita uma visão de 360 graus. Por-
tanto devemos olhar a coisa de todos os ângulos.
CONVERSA COM GERALDO QUEIROZ, DIRETOR DE TEATRO. 1960
A
final de contas, ser branco não é, em si mesmo,
uma coisa tão maravilhosa assim. Se vocês
vissem os tipos de branco que, em Joanesburgo,
pátria do apartheid, passam os dias sentados nos
bancos em que está escrito “só para europeus”,
certamente cairiam numa razoável depressão a
respeito de nossa decantada superioridade racial.
Mesmo fisicamente.
RACISMO E LIBERALISMO. 1959
117
sacrificarem inicialmente por esses filhos. Infa-
livelmente, cobrarão com juros esse patrimônio
de sacrifícios.
CONVERSA COM SÁBATO MAGALDI, JORNALISTA, CRÍTICO TEATRAL.
1956
118
massa, é o da ostentação lúdica do futebol e do
carnaval, individualmente o carioca é discretís-
simo e sempre meio envergonhado diante do
elogio: “Pera lá, quem sou eu?”.
DEFESA CONTRA OS GRUPOS PREDATÓRIOS. CONVERSA DE PRAIA.
1972
119
Relacoes
~ de poderes
´
120
O plutocrata ambicioso mas sensível e progres-
sista, nem por isso deve andar desprotegido
contra a inveja e a incompreensão ocasionais da
massa. Aconselha-se pois que vista sempre, por
baixo do seu casaco de casimira inglesa, um colete
de malha de aço com pelo menos três polegadas
de espessura. Que, aliás, já existe de fabricação
nacional.
IDEM
121
N ão façamos utopia da Grécia antiga compa-
rando-a com a moderna. A luta tem que ser
constante pois a opressão, a corrupção e a incom-
petência também são constantes. O que se pode
dizer de pior contra a Junta Militar é que, até agora,
ela nem sequer ameaçou produzir uma Ilíada, uma
Antígona, não fez nenhuma ágora. Sua literatura
é ruim, sua arquitetura barata, seu urbanismo
serve apenas, mal, para o escoamento do tráfego.
Pior que tudo – como são feios, os coronéis.
CONVERSA COM MARIA KOUTSIKOS, ROMA. 1973
122
múltiplo e popular. Há os que convivem bem com
o poder profissional, sem ressonância, mas intenso
e concentrado, tipo eminência parda. As duas forças
vivem em tensão permanente.
OBRAS COMPLETAS. 1970
123
O controle dos meios de Comunicação mo-
dernos deu aos poderes constituídos uma
força esmagadora e quase imbatível. Os poderosos
podem não aumentar a própria estatura mas lhes
é muito fácil rebaixar o teto.
PAPO COM ADRIANO, ENGENHEIRO ELETRÔNICO. 1992
124
susto diante da realidade miserável e, como tal,
miserável demais. Nunca foi possível o Nirvana
total dos poderosos, nunca foi perfeito o sibari-
tismo do sultão de Alderaabad: tem sempre alguém
que grita por socorro no melhor da festa.
DISCURSO DE INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DO PASQUIM. 1972
125
para se tentar a escalada suicida. Sobe-se porque a
montanha está lá.
CONVERSA COM SEBASTIÃO LACERDA, EDITOR. 1974
126
diz Berto Fahri: “Graças à sutil degradação da disci-
plina concentracionária, miasmas acumulados por
séculos de Ordem e Justiça, hoje a punição está para
a lei como o camping está para o eremitismo”. Na
prisão de Barrages, no Egito, seção A, célula II, num
friso da Era Vitoriana, em 1935, dez anos antes de
Sartre, um condenado de Direito Comum escre-
veu, em língua árabe: “O homem é um condenado
à Liberdade”. Ao que outro ajuntou: “A Injustiça é
o fundamento da Liberdade”.* A desordem tam-
bém. E a corrupção. Todos os iniciados sabem que
as prisões mais sujas são as mais livres. E a punição
violenta é um ato de desespero.
CARTA A PAULO FRANCIS, ESCRITOR, POLEMISTA. 1963
128
Hipocrisia social
e politica
´
129
funcionar acima da mediocridade do regime em
que vive.
DIÁLOGO COM EMMANUEL VIVEIROS DE CASTRO, MANINHO,
ADVOGADO. 1967
130
O julgamento feito a partir de uma faixa etária
em que um adulto, apenas por ter mais de
dezoito anos, é sempre culpado em relação a uma
menor de dezoito anos, não tem nenhuma base
real, não encerra qualquer justiça. A verdade é que
as menores seduzidas são, em geral, extraordi-
nariamente sedutoras.
IDEM
131
esforço sobre-humano. Os loucos, antigamente
tratados como criminosos, ainda são tratados como
doentes por mero preconceito dos que detêm o
poder dentro da medicina. Basta um indivíduo ter
mania de andar nu para que isso seja considerado
uma loucura. Porém, se algum tempo depois, a
prática se generaliza porque posta em moda por
elementos bem-sucedidos no sistema econômico
e divulgada pela mídia interessada em tirar partido
do fenômeno, aí andar nu passa, no máximo, a ser
uma extravagância erótica. A única diferença entre
a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito
mais comum.
CONVERSA COM JOSÉ AMÁDIO, JORNALISTA. 1948
132
A defesa do status quo chega a seu extremo na
“boa educação” quando são impostos, inclu-
sive, ridículos hábitos de “como sentar à mesa”,
“como falar aos mais velhos”, “como se vestir para
sair” com orientação precisa, inclusive, quanto a
gestos e palavras que devem ou não ser ditas em
determinados lugares e ocasiões. Quaisquer dessas
regras quebradas significa perda de status para o
indivíduo, a família e o clã ao qual o indivíduo per-
tence. Com esse processo se busca defender todo
um sistema no qual, afinal, sobrevivem poucos e
lucram pouquíssimos. A respeitabilidade é o leão-
de-chácara da burguesia.
CONVERSA NA PRAIA COM RAUL RIFF, JORNALISTA. 1971
133
A conceituação tem mais força do que a reali-
dade. Se, repetidamente, fazemos críticas
muito desonestas a respeito de uma pessoa, nunca
mais conseguiremos acreditar nessa pessoa.
QUEM SÃO NOSSOS AMIGOS? 1957
134
a Manchete e um programa para a TV Globo, assim
como quem faz o regime de emagrecimento entre
uma refeição e outra. Na verdade, esses compa-
nheiros desgarrados não são contra o roubo. São
apenas contra serem roubados.
MANEIRA CORRETA DE LIDAR COM OS COLABORADORES. CONVERSA
COM ZIRALDO. 1971
135
econômicos vigentes chegou ao conhecimento do
homem médio, o homem médio, como sói acon-
tecer, adotou a técnica do avestruz: comprou mais
um apartamento e enfiou a cabeça na areia. E pas-
samos a xingar a tecnologia, que não sendo má
em si mesma é também, ela, uma vítima do sis-
tema, que exige uma produção caótica, um afã de
superação, uma ânsia doentia de status e o pensa-
mento dirigido só e unicamente para a renta-
bilidade. Tudo isso colocando o homem nesses
escaninhos sinistros chamados classes (média, alta,
baixa), vivendo à espera da morte ou, se preferi-
rem, morrendo à espera da vida.
CONVERSA COM JACÓ DO BANDOLIM. 1967
136
do samba. Assim, temos o samba sem rebolado,
que é como ter o sal sem o salgado. Isso na televi-
são, que, essa sim, é imoral, porque comercial,
subintelectual, contrária a qualquer tipo de edu-
cação. Tem razão o escritor Abgard Renault “Que
se pode esperar de um país que tem uma Comissão
Executiva da Mandioca?”.
CONTATO COM ALBERTO DINES. 1972
137
D esconfio por princípio daqueles que lucram
com seu ideal.
CONVERSA COM O DR. NOVA MONTEIRO, ORTOPEDISTA. 1971
138
N azistas por nazistas, por que perseguir uns e
homenagear outros, se os crimes variaram
apenas de estilo? Por que, enquanto Borman é
odiado e procurado por cães farejadores em qua-
tro continentes, von Braun é extremamente bem
pago, tem a seu dispor, para suas experiências,
todos os bens da Terra e é bajulado pelos que
desejam seus serviços? Por que é um cientista?
Então a medida é essa? A ciência, por si mesma,
exime o cientista de qualquer responsabilidade?
Ou é apenas porque a V2, de von Braun, estudada,
financiada e patrocinada pelos nazistas, não caiu
na cabeça dos judeus mas dos ingleses?
CONVERSA COM CÉSAR LATTES. 1960
139
moral, pensa no futuro como uma continuidade
deste sórdido presente, então basta conseguir um
pouco de dinheiro para poder ser considerado um
perfeito canalha.
DE TODOS OS HOMENS DO MUNDO. 1953
140
Responsabilidades
141
necessidade. Pois é bem possível que isto seja ape-
nas uma astronave tentando escapar de mundos
ainda piores.
DISCURSO NA PRAÇA. 1968
142
e terra arrasada. Você pode não realizar seus sonhos
mas deve fazer tudo para que outros não realizem
os seus pesadelos.
CONVERSA COM CARLOS HENRIQUE PORTO, ARQUITETO. 1965
143
Não adianta nada você ter as melhores mãos de
pôquer quando está jogando canastra.
CONVERSA COM PEDRO ALVERGA. 1972
144
O s direitos de cada um terminam onde as au-
toridades se sentem impunes.
ENCONTRO COM GUGA FRÓES, PROMOTER. 1985
145
mais elos na corrente que prende todos os ci-
dadãos.
DIÁLOGO COM SÉRGIO LACERDA, EDITOR. 1963
146
a bomba em Hiroshima também dizia que estava
cumprindo ordens.
CONVERSA COM O LÍDER AGRÁRIO NIGERIANO TOMUKO SEILÁS.
1948
147
Idealizacoes
~
´
148
degelo no Polo Ártico, da conspiração internacio-
nal homossexual, dos sedutores de menores, do
boom da impotência, dos Panteras Negras, do
Setembro Negro, do Capitalismo Negro, da Lei e
da Ordem, da especulação na bolsa de valores, da
especulação com os trabalhos artísticos, da sodo-
mia, da legalização das drogas, da superpopulação,
dos sinistros movimentos geológicos, das explosões
solares, dos delatores de modo geral, dos tortura-
dores sem pátria, dos mosquitos gigantescos da
África do Sul, dos jigabôs e telêmacos, dos ma-
níacos depressivos, do trabalho forçado, dos ma-
terialistas sem Deus e sem moral, da volta da febre
amarela, do voodoo, da magia negra, da macumba
e da maçonaria, do monossódio e hexacloreto de
coentro, da censura aos meios de comunicação
sem censura, do underground, do establishment, dos
colonialistas negros e dos missionários santimo-
niosos, das virgens profissionais, da prostituição
de menores, das nuvens de barata vindas da Grécia,
da conspiração internacional das agências de pu-
blicidade, da epidemia de tiques nervosos, dos
mulatos liberais, da conspiração internacional dos
psicanalistas, da arteriosclerose, dos caçadores de
cabeças mercenários, dos vôos charters sem iti-
nerário, dos ciganos em desespero, do aumento
espantoso de monstros nazistas, dos cursilhos, dos
autos-de-fé, dos menores delinqüentes, das guar-
das pessoais, dos alcoólatras, dos exploradores do
câncer, das comunas hippies e dos campings da
149
classe média, das bombas atômicas extraviadas,
das touradas e outras selvagerias para a idolização
dos toureiros e outros selvagens, da conspiração
internacional das companhias de seguros, dos soli-
tários maníacos sexuais, dos ditadores analfabetos,
da organização militar das atividades religiosas, da
organização mística das atividades militares, do
rompimento de gigantescos interceptores de
esgotos, de desastres com petroleiros de um milhão
de toneladas, dos terremotos, dos maremotos, das
donas de casa incompetentes, dos ricos totalmente
ociosos, das estradas mal sinalizadas, dos contra-
bandistas, dos navios navegando com bandeiras
piratas, dos bloqueios navais, dos antropólogos
pretensiosos, dos peixes contaminados, dos psico-
logismos e economismos, das construções inse-
guras, do vitiligo, das pelagras e outras doenças de
subnutrição, da violação de correspondência, de
incêndios, de enchentes, de aquecedores a gás defei-
tuosos e da terapia grupal. Aí teremos feito da Terra
um paraíso. Teremos conquistado o Milênio.
SOBRE TAREFAS SOCIAIS. CONVERSA COM PAULO AUTRAN, ATOR.
1965
150
chuva, sol, aborrecimentos familiares e acomoda-
ções nos transportes coletivos.
CONVERSA COM JUAREZ MACHADO, PINTOR. 1969
151
T rês coisas sem fim e sem compensação mas que
são ambicionadas por qualquer ser humano:
a busca da verdade, a luta pela liberdade, a prática
da fraternidade.
TRÍADES. 1973
152
que as horas mais puras que viveram, as mais felizes
e alegres, foram as dos antigos dias da mocidade,
quando não sabiam se teriam ou não a próxima
refeição. É tudo mentira. Ou falta de memória.
ENCONTRO COM JOSÉ CANOSA MIGUEZ, ARQUITETO, ILUMINADOR
DO RIO DE JANEIRO. 1998
153
O homem, da maneira por que vive, não tem do
que rir. Por isso, à frase de Carlyle deve-se acres-
centar: “E é rindo que ele mostra o animal que é”.
NOTA SOBRE OS DEZ DOCUMENTOS BEM ESCRITOS DOS
COMPANHEIROS DE CALABAR. 1971
154
tênis, natação, remo, peteca, voleibol, etecetera,
o mal seria muito menor. Enquanto a repressão
combate a maconha e afins, a hipertrofia do fute-
bol cria dependência, ajuntamentos perigosos de
multidões, motiva violência, causa engarrafamen-
tos sinistros nas grandes cidades e leva inúmeras
pessoas a crimes tais como mentiras, subornos e
agressões. Sem falar em desentendimentos inter-
nacionais. Deve-se combater de maneira enérgica
a implantação do vício a partir dos pequenos cam-
pos do Interior (como se faz com os campos de
maconha) onde experts traficam com a inocência
infantil que começa bem cedo a ser envolvida pela
prática posteriormente incurável.
O ESPORTE BRETÃO. CONFERÊNCIA NA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA
DE TÊNIS. 1966
155
E chega o momento em que é difícil acreditar
que já houve um dia em que pensamos 35
anos ser o máximo da velhice. Mas, compensação,
lembro a frase de Mark Twain, como eu, agora,
terminando um almoço: “Qualquer que seja a
idade de um homem, ele pode ficar facilmente dez
anos mais moço. Basta botar um cravo vermelho
na lapela”. Penso isso não por acaso pois, ao ter-
minar o almoço, me vejo, subitamente, com um
cravo vermelho na mão. Mas, onde, Deus do Céu,
anda a lapela?
OBRAS COMPLETAS. 1970
156
depois de fabricadas pela mídia. Da mesma forma
não se pode acreditar em tudo que não se ouve.
Entre o fabricado e o omitido só pode sobreviver
o absoluto desconfiado.
CONVERSA COM EVANDRO CARLOS DE ANDRADE, JORNALISTA.
1973
157
N ão é que você não tenha o mesmo impulso.
Apenas lhe falta coragem. Pois algumas pes-
soas matam. Outras se satisfazem lendo notícias
sobre o assassinato.
CONVERSA COM RUTH FERNANDES, IRMÃ. 1960
158
O Mundo: construído com material de segun-
da por um arquiteto inexperiente, acabou
produzindo o ser humano.
CONTATO COM CAMILA AMADO, ATRIZ. 1962
159
literalmente, significam, não tenho a menor idéia.
Mas estou disposto a morrer por elas, como tanta
gente morre por outras frases que também não
têm o menor sentido.
DISCURSO DEPOIS DE NADAR OITO QUILÔMETROS CONTRA A
CORRENTE NO RIO SÃO FRANCISCO POR OCASIÃO DO SEU 40º
ANIVERSÁRIO.
160
o rico rural, ultrapassado e pouco ofensivo. O odio-
so, na maior parte dos ricos que conheci, é que,
além de tudo, a vida lhes dá oportunidade de serem
bem educados no sentido do trato social, simpáti-
cos e mesmo generosos.
CONVERSA COM FLÁVIO RANGEL, JORNALISTA, TEATRÓLOGO. 1967
161
Artificios
´ da arte
162
nas atividades subjetivas – a expoentes de sua
atividade, atingiu uma proporção assustadora.
Inúmeros artistas contemporâneos não são ar-
tistas e, examinando melhor, nem são contem-
porâneos.
DECADÊNCIA DAS ARTES PLÁSTICAS. 1961
163
definitivamente para as revolucionárias concep-
ções ótico-acústicas, embora estas tenham voltado
a se basear num realismo sincrético. Na prática
isso serve para elevar artificialmente o preço de
alguns artistas. E aumentou o risco, já enorme,
de um desprevenido colocar seus quadros de
cabeça para baixo.
POR UMA ARTE DE MASSAS. 1955
164
Formas de lideranca
´
165
positivo, eleito ou imposto, sua personalidade
condiciona um estilo tribal, nacional ou mundial.
A falta de liderança é a inação ou o caos. Se Moisés
acreditasse em plebiscito os judeus até hoje ainda
estariam no Egito.
CONVERSA COM SÉRGIO FIGUEIREDO, JORNALISTA. 1962
166
N uma biografia moderna destinada ao sucesso
junto às massas, é necessário você colocar
fatos que indiquem uma vida sacrificada, dificulda-
des de estudo, impossibilidade de alimentação, soli-
dão e abandono. Jamais caia na bazófia e, mesmo
que você seja forte, saudável, e tenha sido cercado
de carinho a vida inteira, não o deixe transparecer.
Qualquer liderança lhe fugiria se descobrissem que
você é um homem extraordinário. Um líder tem
que ser extraordinariamente comum.
CONVERSA COM PAULINHO GARCEZ, FOTÓGRAFO. 1967
167
J usta ou injustamente, não sei por quê, me vem
sempre à cabeça a imagem do desaparecido
Cienfuegos, herói cubano. Mas toda revolução vi-
toriosa paga seu preço de injustiças e até mesmo
crimes contra os que ajudaram a criá-la. Diante do
herói incômodo só resta um recurso – fuzilá-lo e
erguer-lhe uma estátua.
COMO LIDAR COM AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS. CONVERSA COM
ORIANA FALACI, ROMA. 1965
168
S ó existe uma regra definitiva: não há regras
definitivas.
CONVERSA COM RENATO CONSORTE, ATOR. 1963
169
Formas de opressao
~
170
não é tudo”. E como, por mais rico que o homem
seja, não está garantido contra o desastre e o infor-
túnio, contra a doença e contra a morte, foi fácil
convencer a maior parte da humanidade (gastan-
do-se nisso, é verdade, rios de dinheiro) de que “é
mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma
agulha do que um rico entrar no reino dos céus”;
de que “no Juízo Final, os humildes herdarão a
Terra”, de que “a riqueza não traz felicidade”, ete-
cétera. Até o dia em que o Millôr chegou, olhou a
miséria em volta, trazendo como conseqüência o
analfabetismo, a sujeira, o ódio e a opressão, e
concordou tranqüilamente: “Sim, o dinheiro não
é tudo. Tudo é a falta de dinheiro”.
ANÁLISE DAS ESTRATIFICAÇÕES SOCIAIS. TESE DEFENDIDA NA
FACULDADE DE PESQUISAS SOCIAIS DETORONTO. TÓQUIO. 1961
171
O ditador Selassié, o rei dos reis, o mais antigo
rei do mundo, de uma dinastia que vem do
início dos tempos; Mao, o comunitário absolutista,
cuja dinastia começa em si mesmo; Nixon, eleito
pelo povo, e todos os outros, Tito, Fidel, Chiang-
Kai-Chek, Papadopoulos, Marcelo Caetano, acre-
ditam e provam que o homem é o lobo do homem,
tem que ser governado com mão de ferro porque
é perigoso e irredimível. Portanto, em dúvida, não
saia de casa.
CONVERSA COM LAN, DESENHISTA. 1970
172
D entro da faixa de possibilidades sociais que
lhe são dadas, o homem não tem fuga. Em
média, se não for atropelado ficará no desemprego,
se não ficar desempregado vai pegar um enfisema,
será humilhado, abandonado pela mulher, arre-
bentado sentimentalmente pelos filhos, mordido
de cobra, ficará impotente e, mesmo escapando
de tudo, ficará velho, senil, babando num asilo.
O mundo não tem lugar senão para um terço da
humanidade.
DISCURSO NUM JANTAR NO PORTO, PORTUGAL. 1973
173
extraordinária) a imagem da mulher passaria de
mantida (como se o homem fizesse um perma-
nente favor em sustentá-la) para a de uma trabalha-
dora especializada, em pé de igualdade com o
marido que, ao fim e ao cabo, não deve ficar com
muito mais (se fica) de 20% do salário para suas
despesas pessoais. As mulheres de regiões pobres
seriam as mais beneficiadas em sua dignidade pois,
embora a princípio fosse difícil ou impossível
controlar o seu pagamento, com o passar do tempo
isso se tornaria uso e costume, ato de elevação social
e igualização com os homens.
ENTREVISTA COM BETTY FRIEDAN, LÍDER FEMINISTA. PASQUIM. 1970
174
sempre presente, de jogar tudo no chão. Servir à
francesa em país subdesenvolvido, com empregados
sem qualquer especialização e ganhando salários
miseráveis, é uma ostentação ridícula.
ADMINISTRAÇÃO DOMÉSTICA. 1967
175
genialmente bem dotado que seja. As leis rígidas
já trazem dentro de si o germe da insurreição.
DIÁLOGO COM GERALDO DE FREITAS, JORNALISTA. 1968
176
Pois ser governado é ser “guardado à vista, ins-
pecionado o tempo todo, espionado, legislado
absurdamente, regulamentado, condicionado,
doutrinado, estampilhado, censurado, coman-
dado por elementos que não têm títulos para isso,
nem capacidade, nem ciência, nem virtude”. Ser
governado é, a cada operação, a cada transição, a
cada gesto, “ser registrado, tarifado, timbrado,
recenseado, cotizado, patenteado, licenciado,
apostilhado, admoestado, intimado, intimidado
e corrigido”. É, em nome da utilidade pública e do
interesse geral, ser obrigado a contribuir. É ser
explorado, monopolizado, pressionado, mistifi-
cado, roubado. E, à primeira palavra de protesto,
ao primeiro gesto de resistência, ser reprimido,
vilipendiado, envergonhado, difamado, desar-
mado, aprisionado, fuzilado, metralhado, gui-
lhotinado, julgado, condenado, deportado,
sacrificado, vendido, traído. Só um idealista
enlouquecido consegue sobreviver a essa visão
do mundo.
COMO SOBREVIVER. 1956
177
A censura começa por textos escritos e acaba
proibindo os próprios escritores de circula-
rem.
LIBERDADE, LIBERDADE. 1965
178
Individualismo.
Positivo e negativo
179
se faz em seus nomes. Aliás, nem Cristo era cristão
nem Marx marxista. Seria uma megalomania
insuportável.
OBRAS COMPLETAS. 1970
180
ou da piscina já tenho idade suficiente para adotar
um ar de ex-nadador entediado.
CONVERSA COM YLLEN KERR, JORNALISTA, FOTÓGRAFO, ATLETA.
1973
181
acaba, via de regra, se revelando mesmo é um sau-
dável idiota. Quem tem algo a dizer não consegue
se conter durante muito tempo. Mas, cuidado: as
pessoas que falam muito são inclinadas a contar
coisas que ainda não aconteceram.
IDEM, P. 1.089
182
pensam de você ou só o farão em momentos de
exaltação pró ou contra, tornando a crítica não
confiável. Ninguém jamais lhe dirá as coisas
amargamente terríveis que você mesmo inúmeras
vezes se diz, às três horas da manhã, no escuro do
próprio quarto, a cabeça mergulhada no traves-
seiro. Só existe uma crítica: a autocrítica.
CONVERSA COM PAULO GRACINDO, ATOR. 1973
183
O cara que não reage é extremamente desa-
gradável e dá a você a responsabilidade de uma
posterior auto-análise cansativa e cheia de remorso.
CONVERSA COM GONÇALO IVO, PINTOR. 1991
184
N ão há homens puros. Mas todo homem tem
seu núcleo de pureza quase nunca descoberto
e pouco suspeitado.
CONVERSA COM LUCIANA VILLASBOAS, JORNALISTA, EDITORA. 1987
185
Vicios
´ e
abstinencias
^
186
O escritor americano Gore Vidal afirma que se
vamos medir pelo número de vezes, quanti-
tativamente, então o único ato sexual realmente
normal é a masturbação. Eu, por mim, que sou a
favor de alguma mitificação sexual (sem isso o sexo
vira um ato puramente animal) e contra todos os
tabus, tenho que, de todas as taras sexuais, a mais
estranha é, sem dúvida alguma, a abstinência.
ENCONTRO COM CARLOS IMPERIAL, MÚSICO, E JECE VALADÃO,
ATOR. 1969
187
O homem é um animal como outro qualquer,
só que naturalmente muito mais desenvol-
vido, isto é, muito pior. Para sobreviver e manter
o próprio ciclo vital, pouco se importa de deterio-
rar ou destruir o que lhe está em volta. Come carne
(oriunda da morte de outros animais), ou ovos (o
que impede o nascimento de outros animais), ou
sementes (o que destrói inúmeras futuras vidas
vegetais). O único produto da natureza que é pura-
mente alimento, o leite, o homem abandona assim
que começa a engatinhar no mundo.
O PIOR ANIMAL. 1965
188
P or mais hábil que seja, o jogador acaba sem-
pre perdendo, na corrida longa. O jogo está
sempre acima do jogador.
CONVERSA COM LEON ELIACHAR, JORNALISTA, HUMORISTA. 1954
189
Guerra e paz
190
minar todas as pazes”, cinismo realista paralelo à
utopia desvairada que se chama a “guerra para ter-
minar todas as guerras”. A primeira, permanente
desde que a “humanidade” se chamou, errada-
mente, assim, é, na realidade, um acordo cheio
de injustiças e impossibilidades práticas, onde
cada parágrafo torna-se motivo de novas disputas
assim que os combatentes estão refeitos. A “guerra
para terminar todas as guerras” é, porém, a hostili-
dade e as lutas destinadas a estabelecer relações
definitivas entre grupos, regiões e países, “evitando
qualquer guerra futura”. Como se pode facilmente
concluir, uma guerra justa.
DA HIPOCRISIA INTERNACIONAL. 1961
191
Esse tipo de emulação, inevitável até o dia do inter-
nacionalismo final, da ausência total de fronteiras
(que vai chegar mais por influência da tecnologia
do que de uma melhora da humanidade), é a causa
de todos os conflitos e de todas as guerras. E faz
com que um país só tenha autoridade para entrar
numa conferência de paz se estiver muitíssimo
bem armado.
GOVERNOS DE COALIZÃO. 1965
192
feitos às divindades pelos povos primitivos. E, no
entanto, os brancos não fazem nenhuma trans-
missão de poder, nenhuma disputa de mercados,
nenhum domínio territorial, sem imensos sacri-
fícios a seus deuses econômicos que, sanguinários
e insaciáveis, só aceitam as vidas mais jovens dos
países que os protegem.
CONVERSA COM JORGE ZAHAR, EDITOR. 1969
193
A violência no mundo inteiro só tem um fator
positivo – tornou mais apaixonante o estudo
da geografia.
CONVERSA COM CLARICE LISPECTOR, ESCRITORA. 1973
194
A té hoje um mundo irracional só conhece a paz
da redução latina: “si vis pacem para bellum”,
a nenhuma credibilidade da paz, aquela que
aconselha estar sempre armado e preparado, a paz
do respeito, que é o bom, do temor, que é funda-
mental impor ao adversário. Stálin sabia disso
melhor do que ninguém, quando, já bastante
irritado com os protestos “morais” de Pio XII,
exclamava numa reunião do Soviet Supremo:
“Afinal de contas, quantas divisões tem esse papa?”
IDEM. 1973
195