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Informativo do mandato É Tempo de Resistência - Dep.

Renato Roseno (PSOL) | Dezembro de 2017 - Ceará | Foto de capa: EBC

DIREITOS
HUMANOS:
uma trincheira
contra a barbárie
Ataques conservadores miram os direitos
fundamentais para fazer avançar sua
agenda antidemocrática de ódio,
intolerância e destruição de
conquistas sociais

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Foto: Lucas Moreira Victor

RENATO DURANTE DEBATE NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ: setores


conservadores estão muito articulados nas mídias sociais.

EDITORIAL

DIREITOS HUMANOS,
DEMOCRACIA E O
SENTIDO DE HUMANIDADE
O momento é grave e nos pede ação e criatividade; ação para romper o medo e a inércia e criatividade
para encontrarmos formas de ação e de disputa.

O crescimento dos setores conservadores O golpe parlamentar representou não sentidos da história, do mundo e da huma-
e do populismo autoritário acontece em um só a consolidação das oligarquias e gru- nidade. Precisamos, frente ao retrocesso, re-
momento de crise, tanto no Brasil quanto no pos neoliberais no poder, como também foi afirmar nossos compromissos com uma so-
mundo. Crise do capitalismo, do globalismo elemento necessário para a cristalização das ciedade mais igual, justa e democrática e pra
liberal, da social-democracia. Há uma infini- subjetividades antidemocráticas: interven- isso é preciso conhecer os ataques, conhecer
dade de nomes para essa crise. No Brasil, a ção militar, licença para matar, censura e tra- os discursos que se apresentam, e, principal-
escalada conservadora se acirra com a crise balho escravo compõem o cenário do golpe mente, produzir informações e disputar a for-
política. Não é sua causa, mas foi ingredien- e disseminam-se entre a população em um ma como as pessoas atribuem sentido aos
te no bolo que sustentou o impeachment e o perverso arranjo ideológico de captura das direitos humanos no mundo.
tornou possível. formas de pensar e da ação política. A disputa de sentidos não é uma tarefa
A conjuntura é de retrocessos e de ataques, simples, setores conservadores articulam-se
não apenas aos direitos de mulheres, LGBTs, ATAQUES nas redes sociais de forma eficiente e com
negros e negras, da juventude e tantos outros O momento é grave e nos pede ação e cria- grande alcance, pautando o debate públi-
povos e populações oprimidos, mas de ataque tividade; ação para romper o medo e a inér- co e acirrando conflitos em torno de pautas
à própria ideia de “Direitos Humanos” e à própria cia e criatividade para encontrarmos formas morais, as chamadas guerras culturais, a fim
noção de humanidade. Expressões como “ban- de ação e de disputa. Os ataques, frequentes de construir uma cortina de fumaça para nos
dido bom é bandido morto” e “direitos humanos e simultâneos, nos deixam muitas vezes sem distanciar dos debates centrais: aumento da
para humanos direitos” revelam que não é o fôlego e espantados. Não vivemos há anos pobreza, da fome, reforma trabalhista, su-
direito à vida que se questiona, mas o direito à um conjunto tão vil de ataques. Contudo, pressão de direitos e retrocessos que atin-
humanidade por parte de determinados corpos, nossa tarefa histórica se impõe e é preciso gem, sobretudo, a população mais pobre e
identidades, sujeitos e formas de ser. que a tomemos com seriedade: a disputa de vulnerabilizada da sociedade brasileira.

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MOVIMENTOS SOCIAIS

Lutar não é crime


Riscos para a atuação dos defensores dos direitos humanos se agravaram diante da fragilização política,
econômica e institucional do País. Perigos no Norte e Nordeste são ainda maiores
Lutar não é crime. Não deveria ser. Apoiar a
luta social também não deveria ser um crime.
No entanto, no Brasil, nos últimos anos, isso tem
representado risco real de (morte) vida. Lutar ou
estar ao lado de quem luta. Em 2016, foram as-
sassinadas 66 pessoas que atuavam na promo-
ção e proteção dos direitos básicos individuais
ou coletivos. Outros 64 defensores dos direitos
humanos foram ameaçados ou se tornaram
alvo de ações que visavam a criminalizar suas
atuações. Esse é o resultado de pesquisa rea-
lizada pelo Comitê Brasileiro de Defensores e
Defensoras de Direitos Humanos.
O mais preocupante neste levantamento é
nos revelar o agravamento do quadro de retro-
cesso político, o aprofundamento de realida-
des de conflitos, especialmente no campo, e o
crescimento do conservadorismo que pode ser
elemento que contribua ainda mais para essa
realidade de criminalização e ataques na qual REPRESSÃO A MANIFESTAÇÃO DE RUA: golpe acentuou ataques à
liberdade de expressão
as vidas dos militantes sociais se encontram.
Para o Comitê Brasileiro de Defensores e De-
é resultado de uma construção histórica com LICENÇA PARA MATAR
fensoras de Direitos Humanos, os riscos para a
base em relações de opressão em relação às Diante desse quadro preocupante, soma-se o
atuação dos defensores dos direitos humanos
classes menos favorecidas, com herança da último movimento do congresso que aprovou o
têm se agravado em meio “ao quadro de fra-
escravização; e por outro lado, apoia a sus- PL que praticamente concede licença para ma-
gilização política, econômica e institucional”.A
tentação do desequilíbrio econômico entre as tar aos representantes das Forças Armadas, que
prova, segundo o comitê, seria o fato de que,
classes sociais. Tal contexto se aprofunda nes- passarão a ser julgados por tribunais majoritaria-
no primeiro semestre de 2017, 37 defensores fo-
ta conjuntura pós golpe. Os ataques aos direi- mente compostos por oficiais da ativa, que não
ram mortos - o dobro dos óbitos registrados no
tos e às liberdades foram ampliados de uma precisam ter formação jurídica. Além de incons-
mesmo período de 2016.
maneira absolutamente marcante no (des) titucional, o PL Licença para Matar abre brecha
Segundo dados da Comissão Pastoral da Ter-
governo Temer tornando essa realidade ainda para impunidade e corporativismo, já que milita-
ra, no ano de 2015, foram 50 mortes, 144 pes-
res que praticarem crimes contra a vida de civis
soas ameaçadas e 59 tentativas de homicídios
em conflitos no campo no Brasil. Um destaque "É preciso resistir e vão ser julgados por seus pares. A Licença para
Matar tem um forte apoio de grupos conserva-
para as regiões Norte e Nordeste, que viraram
as mais perigosas para a atuação das defenso- construir alternativas dores e do governo Temer.
Em relação aos comunicadores e comunica-
ras e defensores de direitos humanos de espaços de doras e midiativistas, levantamento feito pela
LIBERDADE DE EXPRESSÃO respeito, fraternidade ONG ARTIGO 19, entre 2012 e 2015, ocorreram 152
casos de graves violações. “Desde 2012, ao me-
O reconhecimento do direito de expressão,
como direito à liberdade, o direito de reunião e solidariedade neste nos 24 comunicadores e comunicadoras foram
assassinados, fazendo com que o Brasil ocupas-
e organização, a luta pela democracia são
partes fundamentais da luta por justiça e por
momento de defesa se, em 2015, o terceiro lugar no ranking dos paí-
ses mais perigosos para a atividade jornalística.
um outro projeto de sociedade. Não podemos da democracia e da O processo de criminalização das lutas sociais
conceber um projeto de mundo justo onde
não seja possível que cada pessoa possa se liberdade." por parte dos poderes constituídos é preocupan-
te. Além dos diversos tipos de penas utilizadas
expressar e organizar-se de acordo com seu
mais grave, pois fortalece o ambiente de ins- nos processos de criminalização, como desobe-
pensamento, sua crença, seu modo de vida
tabilidade, com o crescimento da intolerância, diência, desacato e resistência, o Sistema de Jus-
e a visão de mundo. Temos que lutar por um
do preconceito, do conservadorismo e do fun- tiça Penal tem lançado mão de enquadramento
mundo onde a arte possa ser manifestada
damentalismo. indevido nas legislações de Organizações Crimi-
sem medo ou censura. Onde as expressões de
A ampliação da representação parlamentar nosas ou na Lei de Segurança Nacional contra
amar não sejam ordenadas a partir de norma-
pautada pelos interesses do agronegócio es- movimentos sociais e manifestantes.
tização baseada na perspectiva de quem tem
treita cada vez mais o espaço democrático, e Um outro elemento dessa discussão, que re-
ou está no poder ou um mundo onde não se
como consequência, ganham mais força os se- força esse ambiente de criminalização e perse-
possa gritar contra as desigualdades e injus-
tores que atuam na contramão desses preceitos guição de defensores de direitos humanos e que
tiças.
de democracia e justiça social. Aprofundam-se não podemos deixar passar sem atenção, diz
Esta realidade de criminalização e ataque às
dessa forma os conflitos sociais, e, sem o forta- respeito ao acirramento dos discursos de ódio e
lutadoras e aos lutadores sociais ganha ainda
lecimento das instituições, serão os militantes intolerância. É preciso resistir e construir alterna-
mais força no contexto de uma sociedade pro-
sociais e os defensores de direitos humanos as tivas de espaços de respeito, fraternidade e soli-
fundamente desigual, em que o Estado não
maiores vítimas desse processo de retrocesso dariedade neste momento de defesa da demo-
garante qualidade de vida à população, pois
politico que vai se aprofundando em nosso país. cracia e da liberdade.

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PARTE INTERNA DE UMA PENITENCIÁRIA: encarceramento em massa não resolve a
complexidade do problema

SEGURANÇA PÚBLICA

A APOSTA NA TRAGÉDIA
Populismo e demagogia marcam o tratamento dado ao tema da segurança pública, com instrumenta-
lização do medo e da dor da população para a promoção de medidas que geram ainda mais violência

O tema da segurança pública é um do mais duzir mais violências, para ampliar os conflitos fáceis para o sério problema da segurança.
relevantes e que atrai, atualmente, maior preo- e a letalidade, ou mesmo para a ampliação da Propagandeiam um populismo irresponsável
cupação da sociedade brasileira. Isto pode ser força dos mercados ilegais e das organizações que pede, entre outras medidas, mais polícia
percebido através da percepção de que 35% criminosas. Os discursos de ampliação da for- na rua (jogando, de forma injusta, sobre estes
dos brasileiros já tiveram amigos ou parentes ça, a defesa do autoritarismo e da violência profissionais a responsabilidade e o desafio
assassinados, ou mesmo, quando, em outro de, sozinhos, resolver esse sério problema),
levantamento, constatou-se que 49% da po- mais prisão, a desregulamentação do contro-
pulação percebe na sua vizinhança a presença "O medo e a dor das le de armas, a redução da maioridade penal e
do crime organizado – pesquisas realizas pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
pessoas têm sido a incitação direta à violência - quando relati-
vizam os casos de linchamento ou mesmo a
De modo geral, os especialistas apontam instrumentalizados para letalidade policial, que, ao mesmo tempo, vê
que falta ao Brasil e a grande parte dos esta- crescer a vitimização desses trabalhadores.
dos, bem como aos municípios, estratégias de a promoção de medidas Estudo realizado pela organização da so-
segurança pública e políticas públicas con- que servem para ciedade civil Sou da Paz, analisando as pro-
seqüentes. Defende-se uma política de se- posições legislativas da Câmara e do Sena-
gurança ancorada na inteligência policial, na produzir mais violências, do Federal, revela que grande parte dessa
ostensividade qualificada, na centralidade da produção continua apostando em respostas
investigação dos crimes contra a vida, no con-
para ampliar os conflitos repetidas que vem demonstrando incapa-
trole de armas e na prevenção, sobretudo, do e a letalidade." cidade de enfrentar a violência. Outra parte
envolvimento de adolescentes e jovens nos dos projetos defende o endurecimento pe-
círculos de conflito e criminalidade, o que sig- nal, abrindo caminhando para criar novos ti-
nifica amplo aporte de proteção social nos ter- por parte dos agentes da lei, a restrição de di- pos penais ou buscando aumento de pena
ritórios mais vulneráveis. reitos contra a população, sobretudo os mais (foram 147 projetos nessa linha apresentados
A complexidade do tema, porém, tem sido pobres, e a ampliação do encarceramento são em 2016). Por fim, há também os projetos que
tratada com simplicidade e populismo por falsas soluções. tratam das polícias, abordando as pautas
parte do poder público. O medo e a dor das Os governos federal e estadual, bem como corporativas, dado o crescimento da repre-
pessoas têm sido instrumentalizados para a as assembleias e o Congresso Nacional, es- sentação dos segmentos dos profissionais da
promoção de medidas que servem para pro- tão tomados de porta vozes das medidas segurança.

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PRISÃO RESOLVE?
> 622 mil é a população carcerária brasileira, Infopem,
com dados de 2014

> 26.624 mil é a população carcerária cearense, em 2017, segundo boletim


de setembro da Sejus, desses, 3962 em regime aberto, sendo 47,8% provisórios;

> O Ceará, em 2005, tinha 10.116 presos e, em 2017, 26.624, o que representa
variação na na ordem de 163%;

ENQUANTO ISSO, NO CEARÁ... EM TRAMITAÇÃO


O Ceará teve uma variação de 145% Falta de investigação dos crimes PEC 33/2012
no número de homicídios entre 2005 contra a vida Projeto de Emenda à Constituição (PEC)
e 2015, segundo o Atlas da Violência – 2017; Enquanto o efetivo da Polícia Militar cresce, o efe-
os homicídios cometidos por armas de fogo que tramita na Comissão de Constitui-
tivo da Polícia Civil só diminui. Há vinte anos, o
cresceram na 204,9% no mesmo período. ção e Justiça do Senado Federal e que
efetivo era o dobro do atual, em números absolu-
tos. Isso faz com que a ação de segurança públi- reduz a maioridade penal.
ca não esteja baseada na inteligência, para atuar
O homicídio de jovens, de 15 a 29, de modo estrutural, a exemplo do enfrentamento
teve uma variação de crescimento efetivo a organizações criminosas que tomaram PROJETO DE LEI (PL) 3722/2012
de 109%, enquanto que no Brasil foi 16,7%; comunidades e presídios; e também faz com que Sobre o controle de armas, o PL
não consiga responsabilizar os crimes contra a
3722/2012 já foi apreciado em comis-
vida, pela pouca capacidade de investigação. A
Em 2016 foram 3.407 crimes violen- impunidade estimula e amplia os índices de ho-
são especial, que aprovou alterações
tos letais intencionais. Em 2017, até se- micídios. Segundo o Comitê Cearense pela Pre- no Estatuto do Desarmamento. Atual-
tembro, já são 3.695. venção de Homicídios na Adolescência, em cinco mente, o poder de armas é conferido
anos, de 1500 casos de homicídios de adolescen- aos profissionais de segurança e outras
tes, apenas 2,8% chegaram a julgamento. autoridades. Pela proposta, poderá ser
A desistência do Ceará Pacífico
conferido a qualquer pessoa com a fle-
O Governo Camilo Santana começou anuncian-
do o Programa Ceará Pacífico, uma ação de co- xibilização dos requisitos mínimos, so-
ordenação de diversas políticas públicas e reo- bretudo com a facilidade para o porte
rientação da política de segurança, com atuação rural, o que contribuirá parar acirrar ain-
em territórios prioritários, como forma de reduzir da mais os conflitos fundiários que vi-
os índices de violência, reunindo ações de re- mos explodir nos últimos anos.
pressão qualificada e de oferta de políticas pú-
blicas de prevenção à violência. O programa foi Controle de armas no orçamento
esquecido pelo governo. Está sem orçamento e 0 (zero!) reais foi o investido pelo governo do
sua escala de atuação no Ceará encontra muito PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR
Ceará para um plano estadual de controle de
reduzida. armas.
(PLC) 44/2016
Altera o Código Penal Militar para dis-
por sobre a competência para o julga-
mento dos crimes dolosos contra a vida
cometidos por militares. A proposta re-
tira do tribunal do júri a competência e
O Raio pode reduzir os homicídios? passa para os tribunais militares (tam-
O Raio é a principal propaganda e aposta do go- bém composto de militares).
verno do estado para enfrentar a violência, que
é o modelo de polícia ostensiva especializada, PEC 33/2012:
com capacidade e aparato de enfrentamento. Proteção dos profissionais A medida, além de inconstitucional, vai
Mesmo ampliando os efetivos, interiorizando da segurança piorar o problema da violência urbana
equipes, os índices de 2017 são os piores da his- O governo Camilo também investiu 0 (zero!) re-
no Brasil. Em especial, porque não en-
tória. E isso confirma o óbvio, só o investimento ais para ações de proteção aos policias vítimas
na polícia não reduz a violência. Não é justo nem frenta o problema central que é a au-
de violência e seus familiares, bem como para
adequado com os profissionais da segurança, ações de atenção psicossocial aos profissionais sência de equipamentos, instrumentos
muito menos com a população. envolvidos em ações de alto risco. e investimentos para aplicação da lei.

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MULHERES

DIREITO AO CORPO E
À AUTODETERMINAÇÃO
Na contramão da realidade, tramitam no Congresso Nacional propostas que visam ampliar a criminalização
do aborto, com sua proibição em qualquer circunstância, mesmo nos casos permitidos pelo código penal
No dia 20 de agosto deste ano (2017), o jor- para a realidade que a população enfrenta. Já
nal Folha de S. Paulo divulgou dados do Mi- a legislação sobre violência contra as mulhe-
EM TRAMITAÇÃO
nistério da Saúde que apontam que no Brasil res avançou, principalmente sobre violência
PL 5069 DE 2013
ocorrem 10 estupros coletivos por dia. Já o 10º sexual, mas ao mesmo tempo os discursos Tem como autor o ex-deputado, atualmente
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, pro- na mídia, nas instituições e nas ruas é arcaico. preso por corrupção, Eduardo Cunha (PMDB/
duzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Não enfrentam o problema e, quando culpam RJ). O projeto propõe ampliar a tipificação do
Pública (FBSP), revela que a cada 11 minutos as mulheres e não o estuprador, as violentam crime de aborto e acrescenta um artigo ao
uma mulher é estuprada em nosso país. 70% novamente, reforçando a cultura do estupro. Código Penal de 1940, estipulando pena de de-
das vítimas desse crime são crianças e adoles- tenção para qualquer pessoa, inclusive profis-
sional de saúde, que informe, oriente ou preste
centes segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa ABORTO
qualquer auxílio para a realização do aborto.
Econômica Aplicada). A Pesquisa Nacional do É importante destacar que não há quem
Aborto de 2016 (PNA 2016), realizada pelo Ins- defenda o aborto ou quem seja entusiasta de
tituto ANIS, revela que 1 em cada 5 mulheres, um procedimento doloroso para as mulheres,
PEC 58 DE 2011
aos 40 anos, já realizou pelo menos 1 aborto, o desde a decisão até a realização, sobretudo Uma emenda a esta PEC acrescenta que a
que significa que este procedimento é muito quando há uma gravidez fruto de um estu- vida se inicia desde a concepção, o que, assim
presente na vida reprodutiva das brasileiras. pro. A grande questão está em tratar o abor- como os demais projetos já mencionados, faria
São dados alarmantes, mas poderiam ser to apenas no campo das ideias, como mera com que o aborto fosse crime em qualquer
ainda piores não fosse a subnotificação desses questão de opinião e de moral; ou tratar o circunstância.
casos. Muitas mulheres e meninas não denun- aborto como um fato, como realidade con-
ciam o estupro por medo ou vergonha, e tantas creta e cotidiana que merece atenção nas
outras que já realizaram um aborto guardam discussões sobre políticas públicas, onde é PEC 164 DE 2012
Também de autoria de Eduardo Cunha, esta
esse segredo a sete chaves por medo de serem preciso reconhecer que a legislação atrasa- proposta de emenda à Constituição altera a
criminalizadas. Quanto mais dados pegamos da que criminaliza as mulheres que decidem redação do caput do art 5° da Constituição
relacionados aos direitos sexuais e reproduti- por interromper a gestação não funciona. O Federal que trata, dentre outras coisas, da
vos das mulheres, como violência obstétrica, aborto deve ser enfrentado nos parlamentos inviolabilidade do direito à vida, acrescentando
por exemplo, mais perversidade encontramos. como questão de saúde pública e a legaliza- expressão “desde a concepção”. Se esta nova
O cenário atual sobre violência sexual e ção deste procedimento deve ser considera- redação for aprovada, iremos retroceder no
direito ao aborto já garantidos por lei.
aborto no Brasil nos coloca o desafio de formu- da como uma alternativa de política pública
lar políticas que enfrentem a situação de forma que pode trazer impactos positivos sobre a
a alterar essa realidade. Infelizmente, nossa le- realidade. As experiências de países que ado- PL 478 DE 2007
gislação e atuação da imensa maioria que ocu- taram a legalização revelam que foi possível Pretende criar um Estatuto do Nascituro. É o
pa as cadeiras do nosso parlamento caminham zerar a mortalidade materna em consequên- mais absurdo de todos, pois dá cidadania a
no sentido contrário. cia de aborto e, até mesmo, reduzir o número um embrião, que passa a ter direitos iguais
de procedimentos abortivos. aos de pessoas já nascidas. O projeto reduz
as mulheres a meras incubadoras. Além disso,
Na contramão da realidade, tramitam na Câ-
"Os discursos mara Federal e no Senado propostas que visam
trata dos casos de aborto em decorrência de
estupro, criando incentivos para que a mu-
conservadores não ampliar a criminalização do aborto, proibindo a
realização deste em qualquer circunstância, in-
lher violentada, caso engravide, mantenha a
gestação. Dentre estes mecanismos, está uma
enfrentam o problema cluindo os casos que hoje são permitidos pelo bolsa concedida pelo Estado caso o “genitor”
não seja identificado. Se o “genitor” for identifi-
código penal - em caso de gestação de risco,
e, quando culpam para salvar a vida da mulher ou em caso de
cado este assumirá financeiramente os custos
da gestação e da criança nascida. Ou seja,
gravidez resultante de um estupro. Um desses
as mulheres e não projetos, o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007),
além de a mulher passar pelo trauma de uma
violência sexual, caso ela engravide ela poderá
o estuprador, as inclusive, cria o “bolsa estupro”, se refere ao
estuprador como genitor, inclusive colocando
ser obrigada a levar a gestação adiante e ter
vínculos com o seu algoz.
violentam novamente, a possibilidade de que este assuma responsa-
bilidades financeiras com a criança, ou seja, a
reforçando a cultura mulher, além de violentada, pode vir a manter PEC 181 DE 2015
Da mesma forma que a PEC 58 de 2011, esta
do estupro." vínculo com o agressor. Este projeto minimiza a
gravidade e o horror de um estupro, querendo
PEC tinha como objetivo a ampliação da licença
maternidade para as mulheres que tivessem
nos fazer acreditar que interromper uma gesta- bebês prematuros. Mas também recebeu uma
A legislação sobre aborto no País é de 1940. ção seria mais grave do que violar o corpo de emenda para incluir ao texto que o início da
São 77 anos de uma legislação que se de- uma mulher. vida se dá desde a concepção. Foi intitulado
pelos movimentos de mulheres como PEC
monstra incapaz de alterar o cenário do pro- Precisamos monitorar esses projetos que re-
Cavalo de Tróia, pois a ampliação da licença
blema no país. As mulheres continuam a fazer, presentam ataques à autodeterminação repro- maternidade é uma bandeira defendida pelos
o aborto continua sendo uma das principais dutiva das mulheres e um ataque aos direitos movimentos, mas ao receber esta emenda, o
causas de morte materna, e, ao mesmo tempo, humanos delas. Precisamos nos posicionar e que seria um avanço para as mulheres pode
o que cresce é um discurso conservador, pro- lutar para avançar e resistir para não retroceder. virar um grande retrocesso.
pondo mais atraso e nenhum impacto positivo

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LGBT

IDENTIDADES, AFETOS
E LIBERDADE
O apoio ou a oposição aos direitos da comunidade LGBT tornaram-se ponto central na separação
simbólica entre esquerda e direita contemporâneas.
Há alguns anos, as questões de gênero e se- nas mídias nacionais e locais, certamente há ameaça aos direitos da população LGBT é o
xualidade compõem o cotidiano dos debates muitas violências que não são denunciadas ou fundamentalismo religioso e suas decorrên-
políticos. Entretanto, nos últimos dois anos, se publicizadas. cias: projeto Escola Sem Partido, combate a
acirraram e ganharam a centralidade destes Recentemente, um conjunto de discursos quaisquer políticas de promoção à diversida-
debates. O apoio ou a oposição aos direitos da que pensava-se superados ressurge: cura gay, de e segurança para a comunidade LGBT. É
comunidade LGBT tornaram-se ponto central censura a professores que falem sobre gê- preciso disputar os espaços na sociedade im-
na separação simbólica entre esquerda e di- nero e sexualidade. Neste momento, a maior pedir o retrocesso.
reita contemporâneas.
Em 2014, elegemos o parlamento mais con-

Foto: EBC
servador da história do Brasil, composto, so-
bretudo, pela famigerada “Bancada da Bíblia”,
o mesmo parlamento que conduziu Michel
Temer à Presidência da República. Contudo,
é importante ressaltar que os ataques aos
direitos da população LGBT é ainda anterior
ao Governo Temer. Durante o Governo Dilma,
enfrentamos a aliança da presidenta com se-
tores fundamentalistas e a intrusão de suas
agendas na feitura das políticas públicas, mar-
cadamente o caso do Brasil Sem Homofobia
nas escolas, conhecido como “ kit gay”, alvo de
ataques pelos setores conservadores, que fez
o governo retroceder à época e encerrar a po-
lítica.
O crescimento das mortes de LGBTs é verti-
ginoso no Brasil. Somente em 2017, até a data
de 20 de Setembro, segundo o Grupo Gay da
Bahia – GGB, foram mortas 277 pessoas LGBTs,
o equivalente a 1,05 pessoas por dia, contra 0,9
no ano passado. A cada ano um novo recorde.
Segundo a ONG Transgender Europe, o Brasil
é o país que mais mata travestis e transexu-
ais no mundo. É bom lembrar que estes são
os dados dizem respeito à pesquisa hemero- MANIFESTANTE COM BANDEIRA DO MOVIMENTO: assassinatos de LGBTs
gráfica, ou seja, apenas os dados que saem cresce assustadoramente

SAÚDE MENTAL

Manicômios nunca mais!


Os desdobramentos da Emenda Constitu- O risco de uma possível alteração da política Psiquiátrica, especialmente nesse contexto
cional 95/2016, resultado da “PEC dos Gastos” de atendimento em saúde mental pode repre- atual de perda de direitos sociais e desmonte
– que reduz gradativamente os investimentos sentar o retorno do modelo manicomial, que das políticas públicas. É de fundamental im-
nas políticas sociais em geral – começa a ter fere frontalmente os direitos humanos. Dian- portância que as instâncias de deliberação e
seus reflexos com a possibilidade de mudan- te deste grave retrocesso, os movimentos em de fiscalização das políticas nacionais de saú-
ça na condução da Política Nacional de Saúde defesa da luta antimanicomial estiveram em de ratifiquem sua posição de defesa intransi-
Mental (PNSM), que foi um dos destaques da mobilização em todo o país denunciado os ris- gente da promoção de uma sociedade sem
297ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional cos e as ameaças desse retrocesso. manicômios, onde a liberdade e a dignidade
de Saúde (CNS), realizada no dia 15 de setem- Nosso mandato se coloca inteiramente à humana sejam valores inalienáveis e inegoci-
bro, na sede do Conselho Nacional de Saúde disposição dos movimentos em defesa da luta áveis.
em Brasília-DF. antimanicomial, dos princípios da Reforma

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Foto: Lucas Moreira Victor

AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE O LAGAMAR DO CAUIPE NA ASSEMBLEIA


LEGISLATIVA: indígenas cearenses são duramente afetados pela insegurança hídrica

NA LUTA POR
TERRA E TERRITÓRIO
Ao mesmo tempo em que concede um bilionário perdão das dívidas do
agronegócio, o governo Temer faz definhar as políticas públicas de interesse
dos povos indígenas e tradicionais
O governo Temer é uma gestão antiética, negócio acumula dívidas na ordem de 1 trilhão
pautada pelos interesses das corporações de reais com os cofres públicos.
econômicas que patrocinam alianças e ani- Se o povo brasileiro é apenado a partir da
mam crises políticas, como a que vemos em ação do ruralismo e dos sujeitos políticos ar-
EXPEDIENTE
nosso país. A crise em curso impõe medidas quitetos do golpe, os povos tradicionais são Fora Temer - informativo do
de exceção e assegura estratégias que privi- verdadeiramente massacrados com a proje-
mandato É Tempo de Resistência
legiam a sobre-exploração dos trabalhado- ção destes setores ao centro do poder. Dessa
deputado estadual Renato Roseno (PSOL)
res e da natureza, a fim de garantir interesses maneira essa sangria de recursos faz com que
econômicos de uma elite privatista, corrupta, a união definhe o orçamento para as políticas
perdulária e degradadora. O agronegócio e o públicas de interesse dos povos indígenas e Edição especial Direitos Humanos
ruralismo atuam centralmente a partir dessa tradicionais, política agrária e agrícola para a dezembro 2017
elite. agricultura familiar, política para a pesca arte-
O governo Temer premia os interesses do sanal, entre outras. Jornalista responsável:
agronegócio quando em sintonia com a ban- A questão territorial é essencial para indíge- Felipe Araújo (JP - 01174 - CE)
cada ruralista. Às vésperas da Câmara dos nas, quilombolas e comunidades tradicionais,
Deputados proibir o Supremo Tribunal Fede- estes são guardiões dos biomas e ecossiste- Projeto gráfico e diagramação:
ral (STF) de investigar o presidente, aprovou a mas aos quais se vinculam, ou seja, sujeitos Lara Vasconcelos
Medida Provisória (MP) 793/17 que consolidou fundamentais da conservação ambiental em
o maior e mais recente calote do agronegócio nosso país. Mídias Sociais:
contra o povo brasileiro. A violência no campo explode e os requin- Samya Magalhães
A MP promove uma transferência de renda tes de crueldade são reeditados como indica-
de cerca de 12 bilhões de reais do Estado bra- dor do momento político que vivemos. No fi-
Estagiário:
sileiro para o agronegócio. Os grandes latifun- nal do ano passado terminamos o ano com 69
diários e as grandes corporações empresariais assassinatos de pessoas que lutam por terra.
Lucas Moreira Victor
do agronegócio do leite, grãos, carnes e ou- Até setembro de 2017, já ocorreram mais de
tras commodities agrícolas tiveram o perdão 70 assassinatos de pessoas em conflitos no
de juros e multas com o Fundo de Assistência campo. Esse quadro de violência, se susten-
ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) através da ta pelo aparato jurídico. No Ceará os conflitos
MP. Adicionalmente se promoveu uma redu- na zona costeira aumentaram enormemente e
ção da alíquota do Funrural da ordem de 40%, pescadores artesanais, quilombolas e indíge-
com acúmulo de perdas para a União. O agro- nas sentem a violenta manifestação destes.

EM TRAMITAÇÃO
São muitas as ameaças que pairam sobre os povos originários, quilombolas e comunidades tradi-
cionais. Dentre elas destacamos:

• 2800 comunidades quilombolas que com a iminente votação da Ação Direta de Inconstitucionali-
dade (ADI) 3239 a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, sentem em xeque a regulamentação
das terras quilombolas asseguradas pelo decreto 4.887/2003.

• O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) identificou 33 PROPOSIÇÕES ANTI-INDÍGENAS EM


TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO E NO SENADO. Somadas às propostas anexadas por tratarem
de temas semelhantes, ultrapassam uma centena.
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