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José o carpinteiro (CC)

1 – Introdução

Com esta designação de “José o carpinteiro”, referimo-nos a José, marido de Maria,


a mãe de Jesus Cristo.

Parece à primeira vista, que temos muita informação sobre este personagem. Ele
aparece logo no início dos evangelhos de Mateus e de Lucas, na descrição do
nascimento de Jesus com uma completa genealogia.

Mas, depois desta imponente introdução, fica-se com uma certa desilusão, porque
além destas passagens relacionadas com o nascimento de Jesus, José só volta a
aparecer uma segunda vez quando Jesus tinha doze anos de idade e nunca mais é
mencionado, pelo menos nos textos canónicos da Bíblia.

A maior parte das informações encontra-se nos textos apócrifos, mas parecem-me
pouco credíveis e fruto da piedade dos seus autores.

Entre os textos apócrifos, a “História de José Carpinteiro” é o principal “livro” que


pretende colmatar esta falta de informação, mas mencionamos este texto só a título
informativo, pois no nosso estudo sobre José só nos iremos basear nos evangelhos
canónicos e no que pode ser comprovado pela arqueologia e pela geografia da
Palestina que certamente não mudou.

2 – Origens de José

Se acreditarmos nos textos de Mateus 1:1/17, onde temos a genealogia desde


Abraão até José e em Lucas 3:23/38, onde temos a mesma genealogia, mas em
sentido contrário, desde José até Adão, podemos afirmar que é bem conhecida a
origem de José. Mas, parece-me difícil acreditar a 100% nas duas genealogias
quando há algumas diferenças na parte em que seria de esperar uma perfeita
sobreposição de informação. Julgo no entanto, que duma maneira geral, as duas
informações, de Mateus e de Lucas, são praticamente coincidentes.

Também Lucas 2:4, confirma que José era da tribo de Judá, a mesma do Rei
David, pois teve de ir da Nazaré na Galileia a Belém na Judeia, cidade dos seus
antepassados, para o recenseamento ordenado pelas autoridades romanas.

3 – Porque emigrou José para a Galileia


Se José era da tribo de Judá, porque emigrou da Judeia, terra dos seus
antepassados, onde poderia ter terrenos, para a Galileia, território de outra tribo,
onde ele não poderia possuir propriedades?

Penso que a resposta está na sua profissão. Um carpinteiro necessita de madeira


para trabalhar. Nos nossos dias, basta ir a algum fornecedor de material e comprar
a madeira ou telefonar a uma serração que umas horas depois está na sua oficina
um camião (caminhão) com o carregamento da madeira indicada, já serrada em
tábuas, seca na estufa e pronta a ser trabalhada. Mas José viveu numa época bem
diferente. Ele tinha de montar a sua oficina não muito longe duma floresta onde
houvesse árvores que pudessem fornecer boa madeira.

Penso que as características geológicas e climatéricas dos nossos dias, serão as


mesmas da época de José, bem como a vegetação de crescimento espontâneo.

Na Judeia, terra dos seus antepassados, a precipitação média anual não vai além
dos 100 milímetros por ano, enquanto na Galileia, esse valor é de 700 a 1000
milímetros por ano. Nazaré fica na baixa Galileia, região predominantemente
agrícola, enquanto as árvores que poderiam fornecer matéria-prima para a pequena
indústria de José, cresciam na alta Galileia e deve ter sido bem árduo o trabalho de
levar os troncos para a sua oficina

4 – Profissão de José

De acordo com Mateus 13:55 e Marcos 6:3, podemos concluir que José era
carpinteiro e como era natural nessa cultura, em que os filhos geralmente seguiam
a profissão dos pais, José ensinou essa profissão a Jesus.

Mas o que é um carpinteiro?

Mesmo na nossa cultura, tanto é carpinteiro o que ainda trabalha manualmente,


com o martelo, serrote, plainas etc, como a maioria nos nossos dias que utiliza
ferramentas eléctricas, como ainda o que se senta em frente do computador, marca
as dimensões da peça de madeira que pretende, e o computador comanda as
máquinas que lhe preparam a peça desejada com precisão de milímetro, já
aplainada e até envernizada se o equipamento for programado para isso.

Mas, temos também os vários tipos de carpinteiros dos nossos dias, desde o
carpinteiro de cofragem da Construção Civil, ao carpinteiro especializado em
móveis vulgarmente conhecido por marceneiro, até ao carpinteiro de Construção
Naval, talvez o mais especializado dos carpinteiros.

Muito mais difícil é saber o que era, e o que fazia o carpinteiro na época em que
José viveu.
Julgo que esta informação da profissão de José, é a mais importante para este
estudo.

5 - O que era o carpinteiro nessa época

5.1 – No aspecto social

Temos várias referências ao carpinteiro no Velho Testamento. Podemos ler em 2º


Samuel 5:11, 2º Reis 12:11, 2º Reis 22:4/6.

Em todas estas referências o carpinteiro aparece em primeiro lugar na lista dos


profissionais de Construção Civil e não há qualquer referência aos Arquitectos nem
Engenheiros. Somente em II Reis que citamos, há essa referência “.. aos que têm o
cargo da obra..” como está em Almeida e que alguns tradutores se precipitaram em
traduzir por empreiteiros certamente sem o significado técnico que esta palavra tem
nos nossos dias.

Isto significa simplesmente que nessa época as profissões não tinham equivalência
às dos nossos dias. Ainda não tinham surgido as profissões de Arquitecto nem de
Engenheiro de Construção Civil e quem exercia estas funções era o carpinteiro ou o
pedreiro mais experiente e especializado.

Noutras referências bíblicas que encontramos, como 1º Crónicas 14:1, fala-se em


pedreiros e carpinteiros, e em 1º Crónicas 22:15 encontramos canteiros, pedreiros
e carpinteiros. Quando nos nossos dias se fala em canteiros e cantaria, só nos
lembramos dos materiais de revestimento e rochas ornamentais, que também se
usavam nessa cultura em que José viveu. Mas nessa época, havia ainda, uma
outra grande responsabilidade do canteiro, pois era o profissional que escolhia e
talhava a pedra, que nesse tipo de construção mantinha a solidez do edifício, numa
época em que ainda não havia betão armado (concreto armado). Nos nossos dias,
podemos ver em cada uma das pedras dos antigos edifícios históricos em Portugal,
como o Mosteiro da Batalha ou o dos Jerónimos, a marca do responsável por cada
uma dessas pedras, pois nalgumas zonas do edifício, nomeadamente nas
abóbadas, se alguma dessas pedras não resistir ao esforço, pode colocar em risco
todas as outras.

Penso podermos concluir que o carpinteiro, assim como o canteiro e o pedreiro,


nessa cultura, era pessoa prestigiada e com nível económico e social acima da
média.

5.2 – O que fazia o carpinteiro


Podemos ainda colocar a seguinte questão: Mas, se não há uma perfeita
equivalência entre as profissões nessa cultura e nos nossos dias, então o que fazia
o carpinteiro?

Penso que o carpinteiro dessa época engloba várias profissões dos nossos dias,
pois nós vivemos numa cultura altamente especializada, em que cada profissão se
desdobra em várias especializações. Agora, já ninguém fala nos sábios que
antigamente pretendiam saber tudo. Há cerca de 50 anos havia os Engenheiros
que pretendiam saber tudo de engenharia, o que é impensável nos nossos dias em
que há engenheiros das mais diversas especializações.

Podemos imaginar o que seria o trabalho de José.

Primeiro, pegava no machado e procurava uma boa árvore, para obter a madeira
para o seu trabalho, numa época em que ainda não havia os madeireiros dos
nossos dias. Para isso, teria de trepar às montanhas, pois na maior parte do
território de Israel só havia pequenos arbustos.

Este pormenor, como já dissemos, pode explicar porque é que José, sendo
descendente de David, da tribo de Judá, foi viver na Nazaré, que ficava na Galileia,
onde não podia possuir terrenos de acordo com a lei judaica, embora nessa época
já estivessem dominados pelos romanos e não sabemos se essa velha lei que
dividia o território pelas várias tribos, ainda seria cumprida a rigor. Mas penso que
José terá sido bem recebido pelos nazarenos, não só por ser pessoa simpática e
pacífica, como pela sua profissão, pois vinha implantar mais uma indústria e
arranjar postos de trabalho na pacata cidade de Nazaré.

Já vimos que o carpinteiro pegava no machado para derrubar a árvore. Mas, e


depois, numa época em que não havia máquinas para transportar os troncos?

Certamente que os troncos das árvores seriam arrastados até à sua oficina na
Nazaré, possivelmente com a ajuda de bois para esse trabalho. Mesmo admitindo
que as árvores maiores cresciam no alto dos montes, sendo este trabalho de certa
maneira facilitado pelo declive do terreno, certamente que essa seria uma fase bem
difícil da sua profissão.

Podemos imaginar a casa de José com um grande quintal cheio de troncos de


árvores.

Mas, continuamos com as nossas dúvidas. Que fazia ele com esses grandes e
pesados troncos de árvore? Nessa época ainda não havia serrações com serras
eléctricas, muito menos estufas para secar a madeira.

É principalmente neste pormenor que podemos obter uma “fotografia”, mesmo que
desfocada de José.
Todos esses troncos de árvore, tinham de ser serrados manualmente para depois
serem secos ao ar quente e seco da Nazaré.

Não sabemos bem como era o machado e a serra de José. Nessa época, cerca do
ano zero da nossa era, o bronze já tinha sido substituído pelo novo metal, o ferro,
que iria mudar o mundo, mas não podemos confundir o ferro fundido com o aço dos
nossos dias. Era certamente uma pesada serra de ferro fundido, manobrada por
dois homens, um em cada extremidade. Trabalho muito violento, para transformar
os troncos em tábuas que pudessem ser utilizadas na sua carpintaria.

É impensável que José fosse o velhinho que andava agarrado ao seu cajado, como
nos mostram muitas imagens, fruto da “devoção” dos crentes, com a intenção de
“comprovar” a virgindade perpétua de Maria, pois esse respeitável velhinho dessas
imagens, nunca poderia ser o verdadeiro José, o carpinteiro dessa época.

Pelo contrário, a profissão de carpinteiro leva-nos a imaginar um homem jovem ou


de meia-idade, de grande estatura, músculos poderosos, mas também capacidade
intelectual, pois ele era também o arquitecto e o engenheiro dos seus trabalhos.

Se Jesus era o Filho de Deus, também não o consigo imaginar um jovem pequeno
e magro. Aliás Lucas 1:80 informa-nos que ..o menino crescia e se robustecia em
espírito... dando a entender que foi um jovem à altura do seu pai adoptivo, pois se
não fosse assim, não poderia ser também carpinteiro como José. Marcos 6:3

5.3 Que tipo de carpinteiro foi José?

A construção civil da época era geralmente de pedra. Segundo o investigador e


historiador Joaquim Jeremias, havia em Jerusalém alguns edifícios com três pisos,
que certamente necessitariam de vigamento de madeira para os pavimentos, mas
na Nazaré, penso que todas ou quase todas as habitações teriam só um piso.
Mesmo assim, só alguns ramos seriam suficientes para a cobertura das habitações
mais humildes da Nazaré e isso não exigiria a intervenção dum carpinteiro como o
relato bíblico nos apresenta. Nessa época, estava em construção a cidade de
Séforis onde o Império Romano colocara a capital da Galileia e onde certamente
haveria edifícios de habitação e edifícios públicos mais luxuosos onde as
coberturas seriam com asnas de madeira e não os simples ramos das pobres
habitações da Nazaré. Séforis ficava somente a seis quilómetros a noroeste da
Nazaré e aí haveria certamente trabalho para os bons profissionais de carpintaria. É
bem possível que José tivesse trabalhado nesses edifícios ajudado pelo jovem
Jesus.
Não é possível saber que tipo de carpinteiro era José, mas olhando para o mapa de
Israel da época, e para a localização da Nazaré, pelo menos suspeito que fosse
carpinteiro de Construção Naval.

Nós os portugueses, por influência da nossa Nazaré que é vila piscatória, somos
tentados a imaginar a Nazaré bíblica ao pé do Mar da Galileia, o que não é
verdade, pois estava a uma distância de 25 quilómetros. Isto parece à primeira vista
afastar a possibilidade de José ser carpinteiro de construção naval.

Mas não podemos raciocinar com base na realidade dos nossos dias, em que todos
os estaleiros se construção naval estão ao pé do mar.

Para um hábil carpinteiro como José, arrastar o barco por esses 25 quilómetros,
talvez fosse mais fácil do que arrastar os pesados troncos necessários à sua
construção. Aliás, sabemos que em Corinto já havia a técnica de levar barcos pelas
estradas. Esses eram barcos de mercadorias e passageiros, que navegavam no
Mediterrâneo, certamente muito maiores do que os barcos de pesca, do lago a que
chamamos o Mar da Galileia.

Noto também uma forte ligação de Jesus aos homens do mar, nomeadamente os
pescadores, que pode ser o indício do que terá sido a sua vida desde os 12 até aos
30 anos. Grande percentagem dos apóstolos eram pescadores, muitas das
parábolas estavam relacionadas com o mar e a pesca, além de Jesus mostrar que
estava perfeitamente identificado com o ambiente do Mar da Galileia, embora esse
pormenor possa ser atribuído à sua natureza divina.

Admitindo que José foi carpinteiro de Construção Naval, uma das dificuldades do
seu trabalho seriam os 25 quilómetros que separam Nazaré do Mar da Galileia,
através dum caminho montanhoso. É verdade, que não se sabe por onde passava
a tal estrada, ou simples caminho da Nazaré ao Mar da Galileia, pois não ficaram
vestígios arqueológicos como no caso das vias romanas, mas qualquer engenheiro
civil ou topógrafo ou outro profissional ligado a estradas, em face duma planta
topográfica suficientemente ampliada, não teria dúvidas em “adivinhar” qual a
provável localização dessa estrada ou caminho, pois nessa época não havia
máquinas para grandes trabalhos de escavação ou terraplenagem, muito menos se
podia pensar em túneis, e a conclusão seria sempre uma estrada de montanha com
várias subidas e descidas. Também o relevo obrigaria a muitas curvas e os 25
quilómetros de distância em linha recta, por estrada seriam certamente muitos
mais.

6. Como era José como homem


Encontramos em Mateus 1:19. José, seu esposo, sendo justo, e não querendo
denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo. Aqui refere-se à atitude
de José quando soube que Maria estava grávida antes de se juntarem pelo
casamento. Aconselho a leitura do meu artigo “Maria, mãe de Jesus”, onde este
assunto é tratado com maior desenvolvimento.

Parece um tanto estranha a interpretação de Mateus, que classifica José como


“justo” devido à sua atitude. Nesse contexto cultural veterotestamentário, justo era o
que praticava a justiça de acordo com a Velha Lei. Se José apelasse para a justiça
segundo a Lei de Moisés, Maria seria condenada à morte por lapidação se não
houvesse alguma intervenção das autoridades romanas para impedir tal execução,
pois viviam numa época em que a aplicação da velha Lei tinha algumas limitações
impostas por Roma.

Penso que, mais importante do que a classificação de Mateus, é examinarmos a


atitude de José, antes da intervenção do anjo que lhe falou.

José não quis acusar Maria de infidelidade e resolveu deixá-la em segredo. Nem
sabemos se terá exigido do pai de Maria a devolução do que lhe teria pago, como
era tradição entre os judeus. Penso que esta atitude não nos mostra um homem
justo, muito menos se pensarmos no que era o homem justo nessa cultura. Eu
preferia chamar-lhe de homem pacífico, conciliador, um homem bom, que preferiu
ficar prejudicado a apelar para a justiça a que tinha direito.

Em Mateus 1:20/25 temos a descrição do anjo que em sonhos apareceu a José.

Muito se tem dito de Maria como a mulher escolhida por Deus para a concretização
dos Seus planos, mas penso que o mesmo podemos dizer de José, que também foi
o homem escolhido por Deus.

Apesar de todas as compreensíveis dificuldades, José aceitou prontamente as


instruções do Anjo que lhe apareceu. Atendendo à profissão de José, homem
realista, habituado a raciocinar, penso que não haja aqui qualquer ingenuidade ou
fanatismo religioso. Isto mostra que José era homem de fé, uma fé consciente dum
verdadeiro escolhido do Senhor.

Em Mateus 2:13/14 e Mateus 2:19/21 temos novas aparições do anjo a que José
prontamente obedece.

Nenhum dos evangelistas assistiu pessoalmente a estes acontecimentos e só


Mateus registou esta fuga para o Egipto e o massacre das crianças. Lucas que foi
tão meticuloso ao escrever o seu evangelho, como ele próprio afirma logo no início,
parece ter rejeitado estas informações, assim como muitas outras dos antigos
textos que ficaram conhecidos como os apócrifos do Novo Testamento que tentam
colmatar o silêncio do que terá acontecido antes de Jesus iniciar a sua pregação.
Em Lucas 2:41/50 temos uma referência a José, embora o seu nome não apareça.
Neste acontecimento, tanto José como Maria, têm o comportamento de qualquer
casal que procura o seu filhinho Jesus, nessa altura já um jovenzinho de 12 anos.

Quando encontraram a Jesus, foi Maria que perguntou: Filho, por que nos fizeste
isso? Trata-se duma pergunta que tem um certo tom de repreensão. A atitude de
José e a precipitação de Maria, numa altura em que tal era bem compreensível
devido à sua preocupação, mostram um homem pacífico que não intervinha sem
necessidade, pois se houvesse alguma repreensão a fazer a Jesus, era a ele, como
chefe de família que competia tomar a iniciativa. Mas afinal, nem José nem Maria
compreenderam a resposta de Jesus.

7. Conclusão

Não há mais referências a José em toda a Bíblia. A informação que temos é pouca,
mas já nos basta para “vermos” um homem fisicamente grande e forte, com
qualidades de chefia que se impõe não pelo seu autoritarismo mas pela sua
competência e espírito pacífico e tolerante, além de ser um verdadeiro crente, que
cumpriu a função para que o Senhor o chamou, pois quando Deus o escolheu, bem
sabia quem era José, o escolhido do Senhor.

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