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Na Espanha, a maioridade penal passou de 16 para 18 anos;

na Alemanha, além de aumentar a idade para 18 anos, está


sendo criada uma Justiça especializada em crimes cometi-
dos por pessoas com idades de 18 a 21 anos. Já nos Estados
Unidos, triplicaram os crimes entre adolescentes depois que
se estipulou a maioridade penal em 7 anos. A dimensão que
Disciplina: “Técnicas de Redação e Interpretação” se pretende dar à violência praticada por crianças aqui não
Turma: 3ª. Série do Ensino Médio corresponde à realidade. No Brasil, 90% dos crimes são pra-
Responsável: Prof. Adriano Tarra Betassa Tovani Cardeal ticados por adultos. Frente Parlamentar pela Criança e pelo
Tema redacional 16: Redução da maioridade penal na con- Adolescente no Congresso e Movimento de Defesa dos Di-
temporaneidade brasileira: progresso ou regresso acerca das reitos da Infância e da Juventude estão dispostos para mais
melhorias correlatas à criminalidade? esse embate. Não sucumbiremos ao retrocesso.

Infância ameaçada (Folha de S. Paulo, “Tendências e debates”, 16.12.2000)

Rita Camata

O parecer relativo à Proposta de Emenda à Constitui-


ção (PEC) que reformula a segurança pública no Brasil caiu
como uma bomba entre os setores preocupados com a situa-
ção de crianças e adolescentes em nosso país. O estrondo é
provocado, principalmente, pela tentativa de reduzir a maio-
ridade penal, fato que, aos olhos de quem busca garantir ci-
dadania plena a todos os brasileiros, representa um equívo-
co jurídico e uma atitude de um grau de perversidade incal-
culável. A Constituição de 1988, em seu artigo 228, deter-
mina que “[...] são, penalmente, inimputáveis os menores de
18 anos”, sujeitos esses a legislação especial. No parecer, a
redação dada ao artigo diz que “[...] a maioridade penal será
fixada nos termos da lei, devendo ser observados os aspec- Desejo da sociedade
tos psicossociais do agente”. Grandes juristas consideram a
garantia constitucional concedida às crianças e aos adoles- Alberto Fraga
centes uma cláusula pétrea de nossa Carta Magna, devendo
figurar entre os direitos e as garantias individuais. E de acor- A pergunta que motiva este artigo é uma que deve-
do com Ives Gandra da Silva Martins, na edição de mos fazer a toda a sociedade, pois são os trabalhadores, as
Comentários à Constituição do Brasil, “[...] os direitos e as donas-de-casa, os estudantes, as crianças e os adolescentes
garantias individuais conformam norma pétrea; não são eles que sofrem diretamente com a impunidade. A função precí-
apenas os que estão no artigo 5º, mas, como determina o pa- pua da Câmara dos Deputados é, concretamente, legislar de
rágrafo 2º do mesmo artigo, incluem outros que se espalham acordo com a vontade social. Muito embora várias teorias
pelo texto constitucional e outros que decorrem de implici- tenham entendimentos contrários acerca das medidas que
tude inequívoca”. A intenção de reduzir-se a idade mínima são propostas pelo Poder Legislativo, é para a sociedade que
para que pessoas mais jovens possam ser responsabilizadas devemos direcionar todos os esforços na confecção de uma
criminalmente é o objeto de 16 PEC em tramitação no Con- legislação coerente com as suas aspirações. Ninguém é ca-
gresso Nacional. Elas parecem encontrar terreno fértil em paz de negar que o problema de segurança é um dos maiores
meio a essa atmosfera de violência em que vivemos. É com- – quiçá o maior – problemas dos que vêm atormentado a vi-
preensível que a sociedade acredite nas soluções “fáceis” da das famílias brasileiras. A criminalidade, fruto do desar-
para aliviar o seu pânico. Mas não podemos permitir que o ranjo de vários fatores, tem efeitos imediatos no seio do lar
sintoma da violência, que tem entre as suas causas o tímido ou da comunidade que vitima. A perda de um ente querido,
investimento governamental na erradicação da pobreza e na quando fruto de uma ação criminosa, além de desagregar to-
melhoria da educação, do lazer e da geração de emprego, da uma família, provoca quadro de difícil reversão. Além de
condene nossos meninos e meninas a um sistema carcerário provocar a perda das expectativas sobre a própria vida, a vi-
falido no qual a possibilidade de recuperação do ser humano são de um Estado impotente e que não consegue realizar a
como cidadão é, comprovadamente, nula. “Inimputabilida- justiça vai operar uma deterioração mais rápida nas relações
de” não significa “irresponsabilidade”; ao contrário, as pes- humanas: Estado, guardião do pacto social, não terá o mes-
soas com menos de 18 anos autoras de atos infracionais res- mo respeito de seus cidadãos, que, por sua vez, deixarão de
pondem por suas práticas segundo um ordenamento jurídico buscar a intervenção estatal para a resolução de seus confli-
especial, o ECA (Estatuto da criança e do adolescente). Es- tos, procurando agir de acordo com suas consciências pes-
sa lei, considerada pela ONU (Organização das Nações Uni- soais de certo ou errado, de bem ou mal. Antes que a socie-
das) a mais avançada do mundo no que diz respeito à prote- dade volte ao estado de natureza da era hobbesiana – em que
ção da infância e da juventude, prevê medidas socioeducati- cada um fazia a sua própria lei por não mais acreditar em
vas que vão da advertência à privação de liberdade por, no seu governo –, é necessário que o Estado saiba atender aos
máximo, três anos, passando também pela prestação de ser- anseios dessa sociedade e, por meio de seu poder e de seu
viços comunitários e reparação do dano. Também não pode- dever de agir, adote as verdadeiras medidas capazes de paci-
mos caminhar na contramão dos estudos que vêm sendo fei- ficar os conflitos. Diante do quadro de instabilidade social
tos no mundo inteiro para resolver o problema da violência. pelo qual passa o país, quadro causado principalmente pelo

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aumento vertical da violência, um dos fatores que não pode- fensora dos direitos humanos, e um pai cuja filha adolescen-
mos negar é o da delinquência juvenil. Já se passaram tem- te foi assassinada por outro adolescente. O tema? Se a maio-
pos em que as crianças e os adolescentes viviam exclusiva- ridade penal deveria ser reduzida de 18 anos para, por exem-
mente ligados aos valores familiares, com a preservação da plo, 16. Supostamente, éramos especialistas de opiniões di-
obediência aos pais, com o respeito ao próximo, com educa- vergentes: três a favor, dois contra a redução. Ao longo do
ção e com o culto aos direitos da pessoa. Aliado à evolução debate, no entanto, chegamos à conclusão de que éramos to-
natural por que passa a sociedade, é inegável também que o dos a favor das mesmas coisas: a punição de assassinos, in-
jovem de hoje também avançou em relação à percepção do dependentemente da idade, e o fim da atual tabula rasa con-
mundo que o cerca e em relação aos fatos que o envolvem. cedida a menores delinquentes ao completarem 18 anos. Pa-
Não podemos conceber que um jovem de 17 anos possa pra- ra a neurociência, é fantasia supor que, ao completar um cer-
ticar um crime dos mais bárbaros e, como verdadeiro algoz, to número de anos de vida, o cérebro, literalmente da noite
esquivar-se sob a evasiva de ser menor de idade, de não ter para o dia, se torne capaz de raciocínio consequente, e, por-
a capacidade de compreender o que cometeu. Ao propormos tanto criminalmente imputável – e ainda esqueça todo o mal
uma modificação acerca da capacidade penal, pretendemos causado anteriormente. A adolescência é processo de trans-
ajustar os fatos de acordo com a sanção devida, adequar o formações biológicas guiadas pela experiência. Por ser um
momento à realidade. Não queremos ficar eternamente iner- processo, e não um evento com data marcada, não há como
tes diante dum quadro que, sem acréscimos, podemos clas- definir quando exatamente o cérebro vira adulto. A capaci-
sificar qual “injusto” e “demagógico”. Ao prevermos uma dade de raciocínio abstrato, por exemplo, já está bem esta-
sanção contra o adolescente que tenha entendimento sufici- belecida aos 13 ou 14 anos; o raciocínio consequente, base
ente do que pratica – e somente sob essa condição –, não es- da imputabilidade, termina de amadurecer lá pelos 16 ou 18.
tamos fazendo nada mais do que aquilo que a sociedade pe- Mas a mielinização das conexões pré-frontais, por exemplo,
de há muito tempo. Retirar um adolescente do convívio nor- o que permite decisões sensatas e maduras, só termina lá pe-
mal, impedindo-o de praticar atrocidades, não é uma medida los 30 anos de idade. Qualquer idade, portanto, é arbitrária
radical ou descabida. É perfeitamente justa, principalmente para marcar o fim da adolescência: a neurociência não for-
na visão dos jovens e adolescentes filhos de pais assassina- nece um “número mágico” que sustente a maioridade penal
dos por outros jovens que ceifam a felicidade e o futuro de aos 16, 18 anos, ou qualquer outra idade. E lançar ex-meno-
muitos, isso sob o manto da inimputabilidade e da impuni- res infratores de volta à sociedade com ficha limpa e “sem”
dade. Atualmente, vivemos em um estado de insegurança antecedentes criminais, mesmo que tenham matado, esfola-
no qual os inimputáveis são responsáveis por uma conside- do e trucidado, é fantasia que beira o delírio. A qualquer ida-
rável parcela de crimes. Não é novidade que muitos crimes de, e ao longo de toda a vida, o cérebro é a soma cumulativa
cometidos por adultos têm autoria assumida por menores. da sua biologia e de todas as experiências vividas. A “borra-
Para isso, esses jovens têm revelado bastante compreensão. cha” que o sistema judiciário passa, atualmente, nos ex-me-
Tal fato constitui uma arma extra, potencialmente utilizada nores infratores infelizmente não se aplica ao cérebro. Não
como recrutamento dos jovens para o cometimento e a auto- se recomeça do zero; mas pode-se ter segunda chance, sim,
ria de delitos. Tem o objetivo de arquivar a justiça e perpetu- e sempre por cima de tudo o que aconteceu antes. O consen-
ar a impunidade. A proposta de redução da maioridade pe- so, portanto, foi que consultar o público sobre uma redução
nal tem o fim de aprimorar o dispositivo constitucional (arti- da maioridade penal é fazer a pergunta errada – pois não há
go 228) que trata do assunto e colaborar com uma sociedade resposta certa, nem ela resolve o que de fato se busca: um
mais justa e com um Estado forte e respeitado, esvaziando sistema mais justo de punição, prevenção e proteção.
a descrença que ora reina na população com relação aos po-
deres constituídos. (Folha de S. Paulo, “Cotidiano”, 22.07.2014)

(Folha de S. Paulo, “Tendências e debates”, 16.12.2000)

Maioridade penal?

“Queremos reduzir a maioridade Contardo Calligaris


penal?” é a questão errada
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Suzana Herculano-Houzel Deputados aprovou a constitucionalidade da proposta de di-
minuição da maioridade penal de 18 para 16 anos. Ela ainda
Participei recentemente, na qualidade de neurocien- será discutida em outra comissão especial antes de chegar
tista, dum debate com um delegado, um promotor, uma de- ao plenário, mas já agita os espíritos. Se você conta com es-

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sa mudança para que a repressão e a prevenção da delin- nossa sobrevivência, também as odiamos por serem fadadas
quência juvenil sejam mais eficientes, melhor esquecer. a sobreviver à gente. Esse ódio se expressa nas condutas que
Neste caso, concordo com a Presidente da República: “Re- as condenam a viver numa infância sem fim, sem nunca se
duzir a maioridade penal não vai resolver o problema da de- tornarem adultas. A leniência com os “menores” é uma des-
linquência juvenil”. Em suma, a proposta é inócua. E é pos- sas condutas.
sível que ela seja nociva: como lembrou Drauzio Varella (na
Folha de 4 de abril), adolescentes encarcerados com adultos (Folha de S. Paulo, “Cotidiano”, 16.04.2015)
se tornarão rapidamente profissionais do crime, e serão arre-
gimentados nas organizações que mandam na cadeia. Hélio
Schwartsman (na Folha de 8 de abril) também é contra a di-
minuição da maioridade penal e observa que a proposta a-
provada é justificada por citações bíblicas. Penso como ele:
vamos deixar ao Estado Islâmico a iniciativa de políticas
públicas decididas com base em textos sagrados. No fim de
sua coluna, Schwartsman escreve que gostaria de ouvir “bo-
as” argumentações a favor da diminuição da maioridade pe-
nal. Vou tentar. Antes disso: alguns opositores da proposta
acham que a única (e verdadeira) razão para a redução da
maioridade penal seria a vontade de punir os adolescentes
infratores e de se vingar deles. Não vejo o problema: em ge-
ral, não acho que essa vontade seja necessariamente um sen-
timento vergonhoso. Enfim, sou contra a redução da maiori-
dade penal ou a favor dela? E redução de 18 para que idade?
Meu sentimento, desta vez, é radical: sou contra a existência
de maioridades e menoridades penais, seja qual for a idade
fixada. Aqui, um parêntese: claro, para que alguém seja im- Questão difícil
putável, é preciso que seja capaz de fazer uma diferença en-
tre o certo e o errado. Também é lícito pedir que o amadure- Ferreira Gullar
cimento cerebral (por exemplo, o desenvolvimento do cór-
tex pré-frontal) garanta mínimo de autocontrole. Mas, mes- A questão da maioridade penal está em pauta, trazida
mo esse requisito básico mereceria longo debate, que talvez à discussão pela proposta, em apreciação no Congresso, de
só seja possível resolver caso a caso. Volto ao que me im- reduzi-la de 18 para 16 anos. O tema é polêmico e, nalguns
porta. A própria ideia de uma maioridade penal é um corolá- casos, passional, uma vez que envolve desde valores jurídi-
rio da ideia de que a infância seja uma época diferenciada e cos até posições ideológicas e religiosas. Isso sem falar da
merecedora de tratamento especial, de modo que seja “mais confusão que ultimamente se armou em volta do tema, sus-
feliz” do que a vida adulta. As duas ideias, aliás, são coevas: citando os argumentos mais descabidos e contraditórios. De
prosperam desde o século XIX. No fim do XVIII, quando minha parte, dado o modo como costumo focalizar os pro-
se perdeu a convicção absoluta de que a vida de nossa alma blemas, tento ir ao mais simples da questão e me pergunto:
seria eterna, começamos a proteger e venerar as crianças, na será mesmo verdade que uma pessoa de 16 ou 17 anos de i-
esperança de que elas nos continuariam, seriam o remédio dade, se roubar ou matar, não tem noção do que está fazen-
contra nossa mortalidade. Logo, descobrimos o prazer de do? Duvido muito. Li recentemente a declaração de um mi-
vê-las sempre saltitantes e despreocupadas, e decidimos que nistro do Supremo Tribunal Federal, contrário à redução da
não seriam imputáveis juridicamente: seu sorriso, por mais maioridade penal, afirmando que “[...] cadeia não conserta
que fosse um pouco besta, seria imagem da “felicidade” de ninguém”. Ou seja, na opinião dele, não adianta prender um
nosso futuro. Essa mudança cultural poderia ter apenas me- jovem que cometeu um crime, porque isso não vai melhorá-
lhorado a vida dos pequenos na nossa cultura. Mas não pa- -lo; ao contrário, vai piorá-lo, já que sairá de prisão mais cri-
rou por aí: a partir da metade do século passado, a idealiza- minoso do que entrou. Confesso que essa afirmação me dei-
ção da infância se tornou um desastre – para as próprias cri- xou surpreso, sobretudo por vir de alguém que deve ser mes-
anças, que não conseguem mais crescer, e para os adultos, tre na questão penal. Minha surpresa decorre do fato de que
que não param de regredir. B., 10, indigna-se por ter que fa- melhorar, educar os jovens não é a função da cadeia e, sim,
zer seu dever de casa (que é irrisório, como é habitual, para da escola. Se a cadeia conseguir educar, tanto melhor, mas
não comprometer o sagrado jogo infantil). Ele esperneia e, sua finalidade precípua não é essa e, sim, a de afastar o cri-
já chorando de raiva, grita: “Eu sou uma criança!”. B. esco- minoso do convívio social para preservar a segurança e a
lheu bem seu trunfo final. Sabe que os adultos não querem tranquilidade dos demais cidadãos. Do contrário, a punibili-
que ele cresça, mas desejam que continue brincando, numa dade das leis será desqualificada por não cumprir com um
caricatura repetitiva da infância encantada. Ou seja, desco- objetivo que não é o seu. Cabe ainda observar que, se o cri-
briu que os adultos idealizam a vida na idade dele, não a a- minoso só é preso depois que comete crime, não é a cadeia
dulta. O problema de B. (duvido de que ele se importe com que o torna criminoso. É generalizada a opinião de que pri-
isso) é que, por esse caminho, ele não tem como querer ama- são, além de não educar o condenado, o piora, isto é, de que
durecer. As crianças ganharam uma relevância incrível por ele sai de lá mais criminoso do que entrou, particularmente
carregarem nosso futuro e resistirem contra nossa finitude. se for jovem. Não duvido, mas não vejo aí razão suficiente
Por serem tudo que nos sobra da nossa imortalidade (da qual para que se deixe de prender quem assalta ou mata. No meu
duvidamos), as amamos como nunca na história foram ama- precário entendimento, a punição do ato delituoso é o recur-
das. Mas é bom desconfiar dos amores excessivos. No caso, so de que dispõe a sociedade para fazer justiça, porque, se
se amamos as crianças como ectoplasmas que garantiriam a ela não pune quem transgride as normas sociais, está sendo

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injusta com quem as respeita. Demais, estaria estimulando que impede sua intimação para o julgamento no qual o Mi-
a transgressão daquelas normas, sem as quais a sociedade se nistério Público propõe anular todo o processo. A história
torna inviável. Um argumento muito usado para mostrar que de A.M.P. é ilustrativa duma epidemia que tomou conta do
a prisão do criminoso é inútil estaria no aumento da reinci- Brasil nos últimos anos. O País ficou viciado em prender e
dência dos delitos, ou seja, a cada dia, é maior o número de faz pouco caso de outras soluções, talvez mais produtivas e
ex-prisioneiros que voltam a cometer infrações e retornam inteligentes, situação que já causa desconforto em autorida-
às cadeias. Vamos nos deter no exame desse argumento. To- des. Entre delegacias e presídios, os cárceres brasileiros a-
dos sabemos que as prisões brasileiras são verdadeiros “in- montoavam 581 mil detentos em dezembro de 2013, último
fernos”, superlotadas e, consequentemente, o pior lugar on- dado oficial disponível. Segundo estimativas extraoficiais,
de qualquer ser humano gostaria de viver. Pois bem, apesar no fim de 2014, esse total já havia ultrapassado os 600 mil,
disso, o criminoso, que experimentou esse inferno, insiste entre condenados e réus à espera de julgamento. É a quarta
em cometer novos crimes, sabendo que, cedo ou tarde, ter- maior população prisional do planeta, atrás de Estados Uni-
minará voltando para lá. Pergunto a você: tem lógica isso? dos, China e Rússia. E cresce em ritmo alucinante. De 1995
Mais lógico seria o infrator ganhar tanto horror à prisão que, a 2010, subiu 136%, porcentual abaixo apenas daquele re-
uma vez livre dela, evitasse fazer qualquer coisa que o de- gistrado na Indonésia (145%). No ritmo atual, o Brasil che-
volvesse para lá. Mas não é isso o que ocorre. Como de- gará ao bicentenário de sua independência com 1 milhão de
monstram as estatísticas, ele volta a transgredir e volta para reclusos. O que para alguns parece boa notícia não justifica
o inferno da cadeia. Qual a conclusão a tirar disso, senão de festejos. O fantasma da cadeia como punição não tem con-
que a prática do crime é inerente à personalidade do delituo- seguido conter os assassinatos, o crime mais danoso que se
so? Ele sabe que erra ao assaltar ou matar e sabe também pode cometer. O País é recordista mundial em homicídios,
que, provavelmente, retornará à prisão, mas evitá-lo parece cerca de 60 mil por ano. O número só aumenta, apesar do
estar acima de suas forças. Seja por que razão for, prefere encarceramento massivo. Foram 37 mil mortes em 1995, 45
correr o risco de retornar ao inferno do cárcere a se submeter mil em 2000 e 56 mil em 2012, último dado conhecido. “Es-
às normas que regem o convívio social. Esse é, sem dúvida, tamos naturalizando o superencarceramento no Brasil e isso
um assunto muito complexo, não apenas para ser destrin- é preocupante. Prendemos muito e erradamente. O sistema
chado numa crônica de jornal como para ser resolvido. Uma não consegue se concentrar nos crimes contra a vida”, diz o
medida que reduziria a superpopulação das cadeias seria, no diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Renato de
caso dos delitos menores, em vez de prender o culpado, con- Vitto. Uma parcela ínfima, 12%, está presa por assassinato.
dená-lo à prestação de serviços sociais. E outra medida im- O índice de resolução desse tipo de crime é ridículo, entre
prescindível é criar, em número suficiente, colônias agríco- 5% e 8% dos casos. O latrocínio, roubo com morte, repre-
las e oficinas onde o prisioneiro passe as horas de seu dia o- senta 3%. O grosso da massa carcerária é formado por cri-
cupado e ganhando pelo trabalho que realize. Esse tipo de minosos menos agressivos. Roubo e tráfico de drogas repre-
prisão, como se sabe, atende a duas questões básicas da con- sentam cada um 26%. Há ainda 14% por furtos (roubo sem
dição prisional: o criminoso é mantido à parte do convívio violência) e 20% de casos considerados leves. O sistema é
social e, ao mesmo tempo, produtivamente ocupado. um sumidouro de verbas. Entre presídios e unidades socioe-
ducativas, em 2013 foram gastos 4,9 bilhões de reais, segun-
(Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 12.04.2015) do último Anuário brasileiro de segurança pública. A des-
pesa média com cada preso, informa o DEPEN, situa-se en-
tre 2,5 mil e 3 mil reais por mês (valor aproximado do inves-
timento anual com alunos da rede pública). Os gastos não
dão conta, porém, da sanha encarceradora. São necessárias
216 mil vagas novas para acomodar em condições decentes
a massa hoje presa. Sem isso, assiste-se à superlotação das
cadeias e a um ciclo vicioso. Do jeito que as cadeias brasile-
iras estão – lotadas, sem controle do poder público e entre-
gues ao domínio do crime organizado –, não resta dúvida,
dali ninguém sai melhor, só pior. “Presídio é ambiente cri-
minógeno. Prender deveria ser exceção, não regra”, defende
o juiz Luís Geraldo Sant’ana Lanfredi, coordenador do De-
partamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário do Conselho Nacional de Justiça. “O sistema é
medieval. Nele não existe possibilidade de ressocialização”,
Se cadeia resolvesse, o Brasil seria exemplar afirma Maria Laura Canineu, diretora no Brasil da Human
Rights Watch, entidade que há um mês divulgou um relato-
O mineiro A.M.P. foi preso em flagrante em 2013 ao rio sobre a caótica situação no País. O complexo penitenciá-
tentar furtar uma moto no Rio de Janeiro. Dois anos antes, rio de Curado, no Recife, é o exemplo mais recente do risco
entrara em vigor uma lei que estimula os juízes a aplicar pe- de o encarceramento lotar as cadeias e estas se transforma-
nas alternativas, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica rem em “escolas de crime”. O governo de Pernambuco en-
ou o pagamento de fiança. A ordem de prisão, supunha-se, frenta uma rebelião desde o início do ano, motivada pela su-
deveria ficar reservada a situações graves. Para A.M.P., não perlotação. O local tem capacidade para 2 mil detentos, mas
adiantou. Por ser réu primário e não ter antecedentes, a pro- abriga quase 7 mil. Na fúria intramuros, não faltaram foices,
motoria sugeriu punição inicial branda, mas a juíza conde- facões e barbárie. O preso Marco Antonio da Silva, de 52 a-
nou-o a 12 meses de prisão preventiva, sob o argumento de nos, foi decapitado pelos colegas. É sintomático que a crise
evitar ameaças à sociedade, até a decisão final sobre o caso. tenha eclodido em Pernambuco. Aquele estado apostou nas
O rapaz foi solto em 2014 e, hoje, mora em local incerto, o prisões em massa no combate ao crime. Sob o comando do

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falecido Eduardo Campos, criou-se o programa “Pacto Pela política de “tolerância zero”. Venceu a “linha-dura”, defen-
Vida”, para coibir assassinatos. De lá para cá, a população sora da segregação de quem comete um delito. Para Salo de
carcerária triplicou. Soma hoje 31 mil. Suas cadeias aguen- Carvalho, professor de Direito Penal da Universidade Fede-
tam, porém, não mais que 11 mil detentos. A situação ficou ral do Rio de Janeiro e especialista em criminologia, apesar
tão crítica que o governo tem repensado sua estratégia. “É de seguir uma tendência mundial, o encarceramento massi-
importante adotarmos mais as penas alternativas, para os jo- vo no Brasil tem suas peculiaridades, a começar pelo foco
vens não serem capturados por quadrilhas nos presídios”, em crimes contra o patrimônio (furtos, roubos) e drogas. “O
especula Pedro Eurico, secretário estadual de Justiça. A tor- aumento do encarceramento aumenta a violência; todos os
nozeleira eletrônica, de monitoramento por GPS, é uma op- estudos mostram isso.” Segundo o acadêmico, uma medida
ção. Segundo estimativas, 21 mil estão em funcionamento e imediata de desafogo das prisões deveria ser a descriminali-
outras 30 mil, prontas para uso. É uma opção mais econômi- zação da posse de drogas, como acontece em Portugal há a-
ca também. Custa 10% das despesas com encarcerados. Pri- nos, no estado norte-americano do Colorado desde 2014, e
são domiciliar é outro caminho, percorrido por 147 mil pre- no Uruguai desde este ano. A lei em vigor, de 2006, foi um
sos. Uma lei de 2011 tentou estimular a aplicação de medi- dos principais combustíveis do abarrotamento das cadeias.
das alternativas. Em vão, pelo que indicam as estatísticas. A Desde sua edição, somaram 100 mil as prisões por tráfico.
explicação talvez esteja na “cultura do encarceramento”, a- A lei atual criminaliza o uso, embora não chegue a prescre-
pontada recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal ver punição com cadeia nestes casos. Determina advertênci-
Federal, Ricardo Lewandowski, como dos “problemas mais as sobre os malefícios, prestação de serviços comunitários e
sérios” do Judiciário. Nunca um chefe da mais alta Corte do a participação em cursos educativos. O problema é existir a
País havia se pronunciado assim sobre o tema, nem perante linha tênue de interpretação entre quem é usuário e quem é
colegas de toga. A manifestação pública deu-se no lança- traficante, riscada pelo policial primeiro, e pelo juiz, depois.
mento de programa-piloto que tentará “quebrar” essa “cul- É bem mais comum o enquadramento como traficante, cri-
tura”. Desde a terça-feira 24, o Fórum Criminal da Barra me para o qual a pena é a de reclusão. A história do publici-
Funda, em São Paulo, o maior da América Latina, passou a tário gaúcho Alexandre Thomaz é um exemplo desse rigor
fazer as chamadas “audiências de custódia”. Presos em fla- excessivo. Em 2002, ele descobriu um câncer na garganta.
grante têm de ser levados pela Polícia Civil a um juiz em até Deixou de sentir sabores, perdeu a fome e peso. Por conse-
24 horas após a detenção. Normalmente, o suspeito espera lho médico descobriu na internet que a maconha estimula o
em uma delegacia de 100 a 120 dias, antes do tête-à-tête em apetite. Plantou pés de cannabis em um sítio. Em 2009, gra-
São Paulo. Nas audiências, uma equipe de nove juízes faz ças a uma denúncia anônima, foi preso como traficante. Está
uma primeira triagem. Com base nos antecedentes do acusa- em liberdade, mas responde a um processo por tráfico e po-
do, no relato da polícia e na versão do preso, decidem se há de receber de 5 a 15 anos. “Os cidadãos não sabem o que é
razões para uma prisão até o processo ser julgado ou se po- tráfico. Têm uma imagem a respeito, mas não sabem o que
de haver alternativas. O procedimento está previsto em tra- se encarcera como tráfico no Brasil”, explica Carvalho. Essa
tados internacionais e busca prevenir, sobretudo, a tortura. mistura da imagem entre usuário e traficante tem alguns res-
Um efeito colateral positivo poderia ser dum desestímulo ao ponsáveis, entre eles a mídia, que estimula o clima de medo
encarceramento. Ao menos na expectativa de Lewandows- alimentador das políticas públicas de encarceramento em
ki, pois a decisão não será tomada só com base em papéis. massa. O papel de jornalistas no tratamento da criminalida-
Uma experiência pioneira no Maranhão levada adiante após de dispensado por governos, tribunais e parlamentares
a crise em Pedrinhas, no verão passado, sugere que a inicia- mereceu um estudo em 2012 na Fundação Escola do Minis-
tiva pode dar algum resultado. Relatório concluído em ja- tério Público do Paraná. O trabalho intitula-se “A influência
neiro contém um balanço de 84 audiências realizadas entre da mídia no processo penal brasileiro e seus reflexos no jul-
outubro e dezembro. Desse total, 48,8% terminaram sem or- gamento dos crimes” e deixa os meios de comunicação em
dem de prisão. Para o juiz autor do relatório, Fernando Men- maus lençóis, especialmente aqueles programas “pseudojor-
donça, o resultado foi positivo. Como as prisões maranhen- nalísticos” na linha Ratinho, Datena e congêneres. O autor
ses estão dominadas pelo crime organizado, é benéfica a se- do estudo, Fernando Michalizen, analisou uma série de leis
letividade no encarceramento e a separação entre quem é aprovadas no Congresso e identificou, quase sempre, algum
perigoso e quem praticou um crime ocasional ou episódico. escândalo midiático por trás. Dois casos relatados: a Lei de
Se as audiências forem adotadas como regra no País, escre- Crimes Hediondos surgiu em 1990 após onda de sequestros
veu Mendonça, “[...] ficará para trás tal estigma das prisões de figurões, incluídos aqueles dos empresários Roberto Me-
abundantes, inúteis e de qualidade técnica duvidosa”. Nem dina e Abílio Diniz, noticiados sem trégua dia e noite. Qua-
tudo é otimismo. Responsável por implantar o projeto em tro anos depois, o Congresso incluiu na lista de crimes hedi-
São Paulo, a juíza Márcia Helena Bosch, da Corregedoria ondos o homicídio qualificado resultante da intenção de ma-
do Tribunal de Justiça, vê um “equívoco” na ideia de que a tar. Motivo? O assassinato, em 1992, da atriz global Daniela
audiência de custódia vá agir para esvaziar cadeia, pois há Perez por um colega de novela. A tentativa de mudar a Lei
“[...] um problema muito grave de criminalidade”. “A audi- de Crimes Hediondos para moderar a onda encarceradora
ência de custódia tem sido vendida qual panaceia para o en- caiu, ela mesma, na armadilha midiática, segundo o estudo.
carceramento mas isso não é verdade”, concorda Paulo Mal- Em 2004, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bas-
vezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária. Ele aponta, tos, defendeu a revisão da lei, que lista uma série de crimes
porém, outra razão: conservadorismo de toga. “Os mesmos que podem ser chamados de “os piores” para os brasileiros:
juízes que hoje prendem provisoriamente e condenam por homicídio doloso, latrocínio, estupro e extorsão mediante
motivos absurdos são os mesmos que estarão na audiência.” sequestro ou seguida de morte, entre outros. Para estes, a lei
A opção por prisões em massa remonta a anos 1980 e 1990, de 1990 não admitia nem redução da pena após certo tempo
em linha com uma tendência mundial. A ideia de recupera- de cadeia. Bastos defendia o combate à cultura do encarce-
ção de criminosos enfraqueceu-se, em boa medida, por cau- ramento e o desafogo dos presídios. Foi alvejado pela mídia,
sa de iniciativas surgidas nos Estados Unidos, a exemplo da segundo Michalizen, que enxergou no noticiário uma predi-

5
leção por mostrar o ministro como alguém disposto a soltar ro de menores em penitenciárias aumentou 230%, segundo
milhares de criminosos. A “cultura do medo”, disseminada Center for Diseases Control and Prevention (Centro de Con-
pelos meios de comunicação, é só um dos obstáculos ao de- trole e Prevenção de Doenças). A probabilidade de um ado-
bate do encarceramento massivo. E não só no Brasil. Minis- lescente condenado a cumprir pena com os adultos voltar a
tro da Corte Suprema da Argentina e vice-presidente da As- delinquir é cerca de 35% maior do que aqueles que são jul-
sociação Internacional de Direito Penal, Eugenio Raúl Zaf- gados pelas leis específicas para infratores jovens. Do ponto
faroni acredita que o mundo moderno no fundo gosta da si- de vista pessoal, não tenho a menor simpatia por criminosos
tuação. As sociedades atuais são excludentes e precisam se de qualquer idade, mas frequento cadeias como médico há
livrar dos indesejados. Sistema prisional que não recupera 26 anos. Não é preciso ser grande criminalista para saber
ninguém e parece “matadouro” ou “universidade do crime” que é mais fácil recuperar ao convívio social infratores mais
seria o bueiro perfeito. As elites políticas e econômicas não jovens. Marginais de longas carreiras têm a vida tão estrutu-
sujam as mãos. “Quanto mais se matem os pobres, melhor. rada no mundo do crime que eles dificilmente se adaptam
Esse é o programa de sociedades excludentes”, resume Zaf- ao convívio na sociedade que os rejeita. Para agravar-lhes a
faroni. desesperança, ficaram tantos anos enjaulados em condições
desumanas nos presídios brasileiros que o aprisionamento
(Carta Capital, “Sociedade”, 02.03.2015) só serviu para castigá-los e torná-los ainda mais revoltados
e antissociais. Trancar adolescentes em celas apinhadas de
criminosos profissionais pode atender desejos de vingança
da população assaltada por eles nas esquinas, mas é uma te-
meridade. Se houvesse prisão perpétua ou pena de morte no
Brasil, como defendem os radicais, poderíamos ficar livres
deles para sempre. Não sendo esse o caso, dia mais, dia me-
nos, voltarão às ruas. Estarão recuperados, dispostos ao res-
peito a seus concidadãos, ou mais agressivos? Um rapaz de
16 anos chega a uma penitenciária de homens mais velhos,
com medo de ser estuprado, abusado e de perder a vida nas
mãos dos desafetos. Será presa fácil das facções que domi-
nam os presídios. Contará com a proteção do grupo e com
as vantagens da cesta básica para a mãe e o transporte gratu-
ito para a família visitá-lo nas cadeias espalhadas pelo inte-
rior. Quando for libertado, entretanto, será forçado a pagar
uma mensalidade de cerca de R$700, cobrada a pretexto de
retribuir aos irmãos presos a ajuda que recebeu enquanto es-
teve na mesma situação. Para saldar essa dívida eterna, não
Maioridade penal poderá mais abandonar o crime, a menos que se arrisque a
perder a vida. Se a sociedade julga suave a condenação má-
Drauzio Varella xima de três anos na Fundação Casa, no caso de menores de
idade autores de crimes hediondos, nada impede haja a cria-
Eu acho errado internar menores em penitenciárias ção de leis que lhes imponham penas mais longas. Mas que
de adultos. É evidente que adolescente de 16 ou 17 anos, ca- sejam cumpridas em presídios especiais, distantes da convi-
paz de assaltar à mão armada e atirar naqueles que se nega- vência com marginais perigosos. Violência urbana é doença
rem a obedecer-lhe tem consciência plena de que comete ato contagiosa que precisa ser tratada com racionalidade técni-
abominável. Reputá-lo uma criança imatura para compreen- ca, baseada em evidências. Adotar medidas drásticas ao sa-
der a enormidade do crime praticado é paternalismo ridícu- bor das emoções quase sempre provoca efeitos opostos aos
lo. Também acho frouxa a legislação atual que recolhe um desejados.
assassino dessa idade à Fundação Casa, para ser submetido
à privação da liberdade e a medidas socioeducativas, por um (Folha de S. Paulo, “Cotidiano”, 04.04.2015)
período máximo de três anos. Por coincidência, nesta sema-
na a revista The economist publicou uma matéria em que a-
nalisa a experiência americana com a prisão de menores nas
penitenciárias do país. A Constituição americana garante a
cada estado a liberdade para julgar menores da forma que
considerar mais justa. Em Nova Iorque, maiores de 16 anos
são enquadrados nas leis que regem os adultos, independen-
temente da natureza do crime. No Mississipi, a partir dos 13
anos, autores de crimes graves recebem condenações iguais
às dos adultos; em Wisconsin, a partir dos 10 anos, em casos
de assassinato. Apenas em 2005, a Suprema Corte dos Esta-
dos Unidos proibiu que menores de 18 anos fossem conde-
nados à morte. Em 2010, foi vetada a prisão perpétua para
menores que não tivessem cometido assassinatos. De acor-
do com a Anistia Internacional, hoje há no país 2500 prisio-
neiros condenados à prisão perpétua por crimes cometidos
antes da maioridade. Quais as consequências de leis tão se-
veras? Paradoxalmente, no período de 1990 a 2010, o núme-

6
O debate sobre a maioridade penal e suas falácias

Luiz Flávio Gomes

Uma primeira falácia, bastante difundida em tempos


de desespero coletivo, desespero real (a sociedade vive com
medo – Folha de S. Paulo de 01.05.2013) e, ao mesmo tem-
po, imaginária (pela influência midiática), é a seguinte: dife-
rentemente do que muitos vêm noticiando (equivocadamen-
te), a maioria absoluta dos países preveem a responsabilida-
de penal do adulto a partir dos 18 anos. No que diz respeito
à responsabilidade penal do jovem a maioria de países adota
a idade de 12, 13 ou 14 anos. A falácia de que a repressão é
a solução continua em voga. Mas, enquanto não aprender-
mos a aproveitar os bons momentos econômicos (como este
em que estamos vivendo – 7ª economia mundial) para lutar-
mos por educação de qualidade nas escolas, nenhuma evo-
lução significativa (do país como um todo) podemos espe-
rar. Enquanto não buscarmos educação nas escolas, efetiva
e intensa, para as crianças e adolescentes, os jovens irão, nas
ruas, “treinar” para o crime assim como para a boa produção
da nossa fábrica de carnes e ossos regados a sangue. A res-
ponsabilidade “penal” do jovem, no Brasil, começa aos 12
anos. Reduzir a idade da maioridade penal (18 anos) para
16 anos significa equiparar um jovem ao adulto. A irracio-
nalidade da proposta só não é superior ao desespero da soci-
edade brasileira, que está exausta de tanta delinquência e de
tanta violência. Seu sentimento de impotência é altíssimo.
O desequilíbrio emocional é patente. Não vendo perspectiva
para adotar uma decisão racional (todas as crianças e adoles-
centes dentro da escola, dos 6 aos 17 anos, das 8 às 18h),
parte-se para o irracional. A sociedade, em regra, “[...] pre-
fere uma atuação irreflexiva a uma espera sensata” (Dobel-
li). Estamos acostumados a chorar tragédias e a lutar muito
pelo óbvio, que consiste em tirar todas as crianças e adoles-
centes das ruas, colocando-os nas escolas. Se você prefere
usar o hoje para desfrutar do consumismo, use o amanhã pa-
ra refletir e agir para que possamos construir um Brasil forte
e maduro. Se já contássemos com maioridade social, cultu-
ral, emocional e racional, seguramente não estaríamos dis-
cutindo a menoridade penal. Não caia no erro lógico da o-
missão, consolidado pelo Movimento de Maio de 1968 (na
França) numa belíssima frase que dizia: “Se você não forma
parte da solução, é parte do problema”. Se você não voltar
seus olhos à solução correta de nossos problemas, você qua-
se automaticamente (por ação ou omissão) será parte deles.

(Portal JusBrasil, 2014)

7
A maioria e a maioridade penal e críticos momentos exigem, na verdade, maior ponderação,
porque de medidas “salvadoras” e pouco eficazes (como é a
Luiz Flávio Gomes “Lei dos crimes hediondos”, por exemplo) todos já estamos
Alice Bianchini exaustos. Uma nova alteração legislativa seria mais um en-
gano e mais uma fraude que promete solução para todos os
A tese da redução da maioridade penal (hoje fixada males decorrentes da violência endêmica, mas que, na ver-
em dezoito anos), embora conte com apoio da maioria da dade, nunca resolve praticamente nada. Com o advento da
população (pesquisa Datafolha de 2006 indicava que 84% “Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança” [nota 2]
da população defendiam a redução da maioridade penal), é que foi subscrita por mais de 180 países (incluindo o Brasil),
incorreta, insensata e inconsequente. Mas também é certo não há dúvida de que se transformou em consenso mundial
que o Estatuto da criança e do adolescente (ECA) não é ra- a idade de 18 anos para imputabilidade penal. Mas isso não
zoável quando fixa um único limite de internação (três anos) pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no senti-
como regra geral (e inflexível), válida em todas as situações. do de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus
Tais posturas extremadas (diminuição da maioridade versus atos infracionais. No imaginário brasileiro difundiu-se equi-
inflexibilidade do ECA) devem-se evitar. Embora tenha for- vocadamente a ideia de que o menor não se sujeita a pratica-
te aclamação popular, a proposta de redução da maioridade mente nenhuma medida repressiva. Isso não está correto. O
penal para 16 anos ou menos deve ser refutada, em razão, ECA prevê várias providências socioeducativas contra o in-
sobretudo, do seguinte: a) da sua ineficácia e insensibilida- frator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade etc.).
de; b) da sua impossibilidade jurídica, (c) do fato de que são Até mesmo a internação é possível (“internação” nada mais
poucos os delitos violentos que envolvem os menores. Veja- significa que “prisão”), embora regida (corretamente) pelos
mos: a) se os presídios são, reconhecidamente, “faculdades princípios da brevidade e da ultima ratio (última medida a
do crime”, a colocação dos adolescentes neles (em compa- ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberda-
nhia dos criminosos adultos) teria como consequência ine- de do menor quando se apresenta absolutamente necessária.
vitável a sua mais rápida integração nas organizações crime- Não é preciso, evidentemente, chegar à solução do Direito
nosas. Recorde-se que os dois grupos que mais amedrontam Penal italiano, que admite a imputabilidade penal acima dos
Rio de Janeiro e São Paulo (“Comando Vermelho” e PCC) 14 anos, conforme se constate concretamente (em cada ca-
nasceram justamente dentro dos presídios. Sobre b), do pon- so) que o menor tinha capacidade de querer e de entender
to de vista jurídico, é muito questionável que se possa alterar (Código Penal italiano, art. 97) [nota 3]. Não parece aceita-
a Constituição Federal (CF) brasileira para o fim de reduzir vel, de outro lado, remeter o menor ao Código Penal; muito
a maioridade penal. A inimputabilidade do menor de dezoi- menos transferi-lo aos cárceres destinados aos adultos quan-
to anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão do completa dezoito anos. Não basta, ademais, para se ado-
sobre tratar-se ou não de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º). tar medidas mais contundentes, a mera grave ameaça à pes-
Pensamos positivamente, tendo em vista o disposto no art. soa (que faz parte da essência do roubo). Para isso o ECA já
5.º, § 2.º, da CF, arts. 60, § 4.º e 228. O art. 60, § 4º, antes prevê a internação. Moderação e equilíbrio é o que se espera
citado, veda a deliberação de qualquer emenda constitucio- de toda medida legislativa. Mas, ao menor com grave desvio
nal tendente a abolir direito ou garantia individual. Recorde- de personalidade e que tenha causado a morte intencional e
-se, de outro lado, que os direitos e garantias individuais não violenta de alguma pessoa não parece haver outro caminho
se encontram exclusivamente no art. 5º da CF. Na ação dire- senão o do tratamento adequado, nos termos dos § 4º e 5º a-
ta de inconstitucionalidade 939, de 1993, o STF admitiu a baixo sugeridos, que deveriam ser agregados ao art. 112 do
existência de “[...] princípios e normas imutáveis” fora do ECA. Com isso se conclui que, quando absolutamente ne-
art. 5º da CF. Conclusão: nem por emenda constitucional é- cessário e razoável, devem ser extrapolados os limites de
-se possível alterar a idade da imputabilidade penal, porque três anos de internação ou dos 21 anos de idade. A proposta
se trata de direito individual fundamental relacionado com de alteração legislativa no ECA que estamos formulando,
o desenvolvimento da personalidade humana. Acerca de c), de qualquer maneira, embora possa ser tida como razoável,
temos dados da Secretaria de Segurança Pública de São Pau- não é de modo algum suficiente, para solucionar a violência
lo, que revelam que de janeiro a outubro de 2003 os menores que se expande pelo país. Faltam investimentos e decisões
participaram de apenas 1% de homicídios dolosos, 1,5% do políticas e sociais que possam proporcionar ao jovem pautas
total dos roubos e 2,6% dos latrocínios [nota 1]. de valores aceitáveis. Resta sempre saber até quando esta-
mos dispostos a pagar com nossa vida a negligência de toda
ECA e menoridade a sociedade brasileira para com o problema do “menor”.

Mas uma coisa é a prática de um furto, um roubo de- Proposta de alteração legislativa no ECA
sarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolo-
sa), causada por um menor, especialmente quando ostenta O ECA, no seu art. 112, cuida da enumeração de me-
requintes de perversidade. Para o ECA, todavia, tudo conta didas socioeducativas cabíveis ao adolescente que pratica a-
com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a in- to infracional. No seu § 3º, diz: “Os adolescentes portadores
ternação do infrator (que é medida socioeducativa voltada de doença ou deficiência mental receberão tratamento indi-
para sua proteção e também da sociedade) pode ultrapassar vidual e especializado em local adequado a suas condições”.
três anos (ou sobrepor a idade de 21 anos). Casos chocantes Esse dispositivo legal não conta com clareza suficiente para
e aberrantes como os que vêm ocorrendo nos últimos tem- alcançar situações em que o adolescente, cometendo crime
pos no nosso país não deveriam nunca conduzir, de qualquer violento e intencional, revele total insensibilidade frente à
modo, a um perigoso e eletrizante clamor popular e (ou) mi- vida humana. Dois novos parágrafos deveriam ser agrega-
diático, que emocional e desesperadamente propugna pela dos ao citado art. 112, para melhor disciplina do assunto: “§
adoção de medidas radicais e emergenciais, como se fosse 4º: os adolescentes que venham a ser responsabilizados pela
imprevisível e inesperada a violência juvenil. Esses agudos morte intencional consumada ou tentada de alguma pessoa

8
e que revelarem grave desvio de personalidade, constatado ral de massa, gerando, para se falar de efeitos já aparentes,
em laudo pericial fundamentado, estarão sujeitos a trata- a sua banalização e a da violência. Para citar exemplo de
mento individual, especializado e multidisciplinar”; “§ 5º: o emprego eleitoreiro do Direito Penal, recorde-se que o le-
tratamento previsto no parágrafo anterior terá duração má- gislador brasileiro, sob os efeitos do “escândalo dos remédi-
xima de dez anos ou terminará antes desse prazo quando o os falsos”, não teve dúvida em reagir imediatamente: elabo-
laudo médico, psicológico ou psiquiátrico, que deve ser re- rou primeiro a Lei 9677/98, para alterar o marco penal de
novado de ano em ano, ou quando houver determinação ju- diversas condutas relacionadas ao tema (a falsificação de re-
dicial, atestar a cessação do grave desvio de personalidade”. médio agora é sancionada com pena mínima de dez anos de
reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condu-
Direito Penal emergencial e simbólico tas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar
o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, pu-
A alteração da legislação penal em momentos de a- blicou-se a Lei 9695/98, para transformar diversos desses
guda crise popular (e midiática) tende a não atender os fins delitos em “hediondos” (o que, desde aquela outra lei, já se
legítimos do Direito Penal (proteção fragmentária e subsidi- almejava, mas que, por defeito de técnica legislativa, não se
ária de bens jurídicos relevantes). Ao contrário, sempre re- conseguiu). Em lugar de providências administrativas efica-
trata uma legislação penal simbólica e de emergência. Con- zes, para a prevenção da falsificação, privilegiou-se a edição
ceber a norma e a aplicação do Direito Penal sob a égide de de uma nova lei penal (considere-se que, na ocasião, estava-
uma função puramente simbólica significa inegavelmente a- -se na iminência de eleições presidenciais). Impressiona o
tribuir-lhe um papel “pervertido”, porque um Direito Penal fato de a lei ter sido proposta e aprovada em 48 horas.
simbólico relega a eficaz proteção de bens jurídicos em prol
de outros fins psicossociais que lhe são alheios. Não visa ao Conclusão
infrator potencial, para dissuadi-lo, senão ao cidadão que já
cumpre as leis, para tranquilizá-lo, para acalmar a opinião Se todos os dados da Coordenadoria de Análise e
pública. Um Direito Penal com tais características carece de Planejamento da Secretaria da Segurança Pública de São
legitimidade, pois manipula o medo do delito e a inseguran- Paulo revelam, desde 2001, uma diminuta participação dos
ça, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e menores nos crimes violentos, sabe-se, desde logo, que a re-
se preocupa exclusivamente com certos delitos e determina- dução da maioridade penal não viria a diminuir nossos índi-
dos infratores. Introduz um exagerado número de disposi- ces de violência, que são protagonizados pelos agentes mai-
ções excepcionais, sabendo-se já de seu inútil ou impossível ores de dezoito anos. Eventual mudança na legislação brasi-
cumprimento e, a médio prazo, traz o descrédito ao próprio leira, se fosse possível constitucionalmente, no que diz res-
ordenamento, minando o poder intimidativo de suas proibi- peito à idade da imputabilidade penal, só teria mesmo o ca-
ções. Exigir ou supor que esse meio de controle social (o ráter de um Direito penal emergencial e simbólico. Pouca
Direito Penal) possa cumprir funções para além do que sua ou nenhuma eficácia prática apresentaria. Daí nosso posici-
atribuição social permite, pode significar a exacerbação do onamento contrário à diminuição da maioridade penal. Mas
seu papel simbólico, com o grave risco de perda de suas re- isso não significa que crimes violentos cometidos por meno-
ais possibilidades. Como corretamente advertem Hassemer res – com requintes às vezes de crueldade inusitada – sejam
e Muñoz Conde, “[...] a explosiva mescla de grandes ‘neces- regidos inflexivelmente pela atual legislação do ECA. Nós
sidades de atuação’ social, de fé quase cega na eficácia dos somos favoráveis a uma ampliação do tempo de permanên-
meios jurídico-penais e de déficits enormes que logo têm es- cia desse infrator nos estabelecimentos adequados à sua fai-
ses instrumentos quando se aplicam, na realidade pode fazer xa etária. Alterar os limites do ECA (três anos de internação
surgir o perigo de que o Direito Penal viva da ilusão de solu- e vinte e um anos de idade) é a providência legislativa mais
cionar realmente seus problemas, o que a curto prazo pode sensata neste momento. Dessarte, estaria o legislador brasi-
ser gratificante, mas que a largo prazo é destrutivo” [no- leiro respeitando os acordos internacionais assumidos pelo
ta 4]. Particularmente quando a política assume a forma de Brasil no sentido de manter a idade da imputabilidade penal
“espetáculo” (a expressão é de Zaffaroni), “[...] as decisões em dezoito anos, tendência que se consolida no mundo de-
orientam-se não tanto no sentido de modificar a realidade, mocrático. Nosso maior problema, como concluiu Gilberto
senão no de modificar imagem da realidade nos espectado- Dimenstein (Folha de S. Paulo, 25.02.2007), “[...] não é de
res: não tanto a satisfazer as reais necessidades e a vontade maioridade penal, mas de menoridade dos adultos” [nota 6].
política dos cidadãos, senão a seguir a corrente da chamada
‘opinião pública’ [...]. O déficit da tutela real de bens jurídi- Notas do texto
cos é compensado pela criação, no público, de uma ilusão
de segurança e de um sentimento de confiança no ordena- 1. PENTEADO, Gilmar. “Menor participa de 1% de homi-
mento e nas instituições, o que tem uma base real cada vez cídios em SP”, Folha de S. Paulo, 01.01.2004, pág. C3.
mais escassa: com efeito, normas continuam sendo viola- 2. “Convenção Sobre os Direitos da Criança”, adotada pela
das, e a cifra negra das infrações permanece altíssima en- Resolução I.44 (XLIV), da Assembléia Geral das Nações
quanto as agências de controle penal continuam [iludindo] Unidas, em 20.11.1989. Aprovada pelo Decreto Legislativo
com tarefas instrumentais de impossível realização” [no- 28, de 14.09.1990, e promulgada pelo Decreto 99710, de
ta 5]. O uso desvirtuado do Direito Penal vem se acentuando 21.11.1990. Ratificada pelo Brasil em 24.09.1990.
nos últimos anos. A mídia retrata a violência como “produto 3. Este mesmo texto pode ser encontrado na internet com u-
espetacular” e mercadeja sua representação. Criminalidade ma redação diferente, no início deste parágrafo, de forma
(e persecução penal), assim, não somente possui valor para mais genérica: “Não é preciso, evidentemente, chegar à so-
uso político (e, especialmente, para uso “do” político), se- lução dada por alguns países no sentido de punir o menor
não que é também objeto de autênticos melodramas cotidia- como se fosse um maior”.
nos que são comercializados com textos e ilustrações nos 4. HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco.
meios de comunicação. São mercadorias da indústria cultu- La responsabilidad por el producto en Derecho Penal, Va-

9
lença: Tirant lo Blanch, 1995, p. 33. Maioridade penal e discernimento
5. BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales y
simbólicas del Derecho penal: una discusión en la perspec- Rogério Gandra Martins
tiva de la Criminología Crítica. Barcelona: Promociones y
Publicaciones Universitarias, n. 1, p. 53, 1991. O ponto de partida dos debates sobre a redução da
6. Gilberto Dimenstein evocou a história pessoal de Expedi- maioridade penal é o Direito. Nossa Constituição consagrou
to Resende, um cearense, professor de Engenharia Química no artigo 14 que “[...] a soberania popular será exercida pelo
da Universidade Federal do Ceará, que descobriu o biodie- sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor i-
sel, desenvolveu o “bioquerosene” (novo combustível para gual para todos [...] sendo o direito ao voto facultativo aos
avião, extraído do óleo de babaçu), criou a “vaca mecânica” maiores de 16 anos e menores de 18”. Por outro prisma, a
(para produção do leite de soja) etc. e que é filho de José Pa- Constituição estabeleceu em seu artigo 228 que “[...] são pe-
rente que, com doze anos de idade, deixou sua Sobral, rumo nalmente inimputáveis menores de 18 anos, sujeitos às nor-
à Fortaleza, para ganhar a vida e ensinar que “[...] o gosto mas da legislação especial”. A legislação especial a que faz
pelo conhecimento é a melhor herança que posso deixar”. menção o artigo veio a ser promulgada pouco após a Consti-
tuição: O Estatuto da criança e do adolescente (lei nº 8069/
(Ministério Público do Estado do Paraná, 03.07.2009) 1990), que tratou no campo específico do menor infrator o
estabelecimento de “medidas socioeducativas” qual formas
de “penas” pelos atos praticados. Comparando o tratamento
conferido ao menor caso cometa algum ato contra a lei e a
gama de direitos àquele conferidos, noto uma verdadeira es-
quizofrenia legislativa. O Código civil de 2002, por exem-
plo, estabelece que o menor pode dispor sobre seu patrimô-
nio por testamento, ser mandatário em atos jurídicos, entre
outras conquistas. Quando se verifica que o menor pode por
si só entender as complexidades de um contrato de compra
e venda, mas não consegue “discernir plenamente” o que é
um homicídio ou não, e, caso o pratique, será totalmente i-
nimputável, conclui-se que há uma profunda discrepância
entre como os outros campos de direito cada vez mais veem
o “menor” qual apto a conhecer a realidade de direitos e de-
veres e a legislação penal, datada de 1940, que ainda o vê
com ares de total falta de discernimento, tratando-o como u-
ma criança de 2 anos! Ainda do ponto de vista jurídico, não
compartilho do entendimento segundo o qual a inimputabi-
lidade penal ao menor de 18 anos seja uma cláusula pétrea
da Constituição e, logo, imodificável. O Direito deve ser re-
visto de forma urgente; caso contrário, continuará letra mor-
ta na questão da maioridade penal. O tema quebrou as bar-
reiras de questionamentos acerca de classes sociais. Barbá-
ries são perpetradas hoje por jovens de todas as classes e a
todos é necessária imperiosa repreensão estatal. Reconheço
que a diminuição da maioridade penal não resolverá em ab-
soluto os problemas da criminalidade. Mas, uma vez apro-
vada, grande parte dos “menores sem discernimento” parará
para pensar antes de cometer atrocidades. Não podemos ser
ingênuos a ponto de imaginar que um menor que pratica um
ilícito não sabe de todo o aparato de benesses que o espera.
No máximo, uma condução a um estabelecimento especial,
com a aplicação de uma medida socioeducativa, prazo de
permanência ínfimo, assim como o período de prescrição da
conduta mínimo. Se adotada a medida, as técnicas do crime
organizado de usar a infantaria dos “menores inimputáveis”
na primeira linha do front de guerra, para que os “de maior”
sejam poupados para operações de grande vulto, seriam ra-
zoavelmente diminuídas. O problema da criminalidade no
país só será realmente analisado caso se pratiquem contun-
dentes medidas interdisciplinares. Um elevadíssimo investi-
mento em educação de altíssima qualidade, aparelhamento
e condições efetivas para que as polícias possam, factual-
mente, prestar segurança à população, uma verdadeira revo-
lução em termos de políticas públicas, a fim de retirar as po-
pulações menos abastadas dos níveis de miséria e não as al-
gemas eleitorais de parcas bolsas-família e tantas outras bol-
sas. Se 93% da população brasileira são favoráveis a tal re-
dução, o mínimo que a ela se pode ofertar é a possibilidade

10
de exercer sua cidadania por um plebiscito. Ou se toma uma
atitude condizente com a realidade brasileira, ou que se po-
derá falar amanhã ao pai ou mãe de um filho vítima inocente
de um homicídio com requintes de crueldade? Será que eles
aceitarão as palavras “Tenham pena do garoto; não sabe ain-
da o que faz”?

Pela ampliação da maioridade moral

Eliane Brum

Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que


vêm a vontade de construir um mundo que faça mais senti-
do, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso,
diante de um assassinato consumado em São Paulo por um
adolescente a três dias de completar 18 anos, minha propôs-
ta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor
da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao
exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem
aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo
que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade
penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha nes-
te momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança
essa proporção porque o Estado falha e a sociedade se indig-
Presidente do STF diz que país vive na pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime
'cultura do encarceramento' acontece. Se vivemos com essa violência é porque convive-
mos com pouco espanto e ainda menos indignação com a
Márcio Falcão violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e
adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Ri- princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes
cardo Lewandowski afirmou nesta terça-feira (14) que exis- que queremos encarcerar com mais rigor e por mais tempo
te em nosso país “[...] uma verdadeira cultura do encarcera- exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos go-
mento”. Segundo ministro, o Supremo tem atuado em várias vernam pelo voto – maioridade moral. Se é de crime que se
frentes para defender a aplicação de penas alternativas, co- trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um
mo o uso de tornozeleiras, prestação de serviços, compare- documento da Fundação Abrinq bastante completo, que re-
cimento periódico à autoridade judicial, entre outros. O foco úne estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8600 crian-
da reclamação do ministro é a chamada “prisão cautelar” ou ças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010,
“provisória”. Conforme Lewandowski, hoje o país tem 600 segundo o “Mapa da Violência”. Vou repetir: mais de 8600.
mil presos, sendo 40% desse número referentes a prisões de Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99
caráter provisório. “Mais de 240 mil brasileiros encontram- países com as maiores taxas de homicídio de crianças e ado-
-se sob custódia do Estado brasileiro de forma cautelar, pro- lescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças
visória, sem ter contato com juiz e sem terem sido condena- e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões se-
dos definitivamente, numa afronta evidente ao “princípio da gundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Desse
não culpabilidade”, um dos maiores valores da Carta Mag- total de casos, 68% sofreram negligência; 49,20%, violência
na”, disse o ministro durante evento de uma revista especia- psicológica; 46,70%, violência física; 29,20%, violência se-
lizada na área jurídica. “Nós prendemos muito e mal. Existe xual e 8,60%, exploração do trabalho infantil. Menos de 3%
em nosso país uma verdadeira cultura do encarceramento. dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e
O que estamos fazendo para alterar? Incentivando os magis- adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, confor-
trados para que usem também formas alternativas, sem que me levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem
haja necessidade de privar o cidadão da liberdade”, comple- comete violência contra crianças e adolescentes são os adul-
tou. O ministro disse que uma das modificações defendida tos. Será que o assassinato de mais de 8600 crianças e ado-
é para que o juiz, antes de decretar prisão preventiva em fla- lescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a
grante, deve justificar por que não aplica alternativas. nossa indignação? Diante desse massacre persistente e coti-
diano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência
(Folha de S. Paulo, “Cotidiano”, 14.04.2015) por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maio-

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ria da população, talvez os mesmos que clamam por redução cas dos funcionários. Sem contar que, em 11 estados, as ins-
da maioridade penal, é de que há muitos adolescentes assas- tituições operam acima da sua capacidade. Será que a perpe-
sinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo tuação da violência juvenil decorre da falta de rigor da lei
Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total ou do fato de que parte das instituições de adolescentes fun-
de adolescentes em conflitos com a lei em 2011, no Brasil, ciona, na prática, como um campo de concentração? Antes
8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, de tentar mudar a lei, não seria mais racional cumpri-la? É
seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes o que o bom senso parece apontar. Mas é previsível que,
infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os 15 num ano pré-eleitoral e com 93% dos paulistanos a favor da
e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional redução da maioridade penal, segundo pesquisa do Datafo-
de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola lha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prefira enviar
(ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a quinta e a ao Congresso um projeto para alterar o ECA, passando o pe-
sexta séries. E quase 90% não completaram o Ensino Fun- ríodo máximo de internação dos atuais 3 anos para 8 anos
damental. Será que não há algo para pensar aí, uma relação em casos de crimes hediondos. Uma medida tida como enér-
explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbóli- gica e rápida, num momento em que o estado de São Paulo
co – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimen- sofre com o que o próprio vice-governador, Afif Domingos
to, a um desejo que vá além do consumo e também a formas (PSD), definiu como “epidemia de insegurança” – situação
não violentas de se relacionar com o outro – principais espa- que não tem colaborado para aumentar a popularidade do a-
ços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e tual governo. Vale a pena registrar ainda que o número de
na adolescência? É demagogia fazer relação entre educação crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu
e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer. Se-
a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de gundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos,
São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maiorida- entre 2002 e 2011, os casos de homicídio apresentaram uma
de penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo segui-
– a cumprir sua obrigação constitucional de garantir educa- do de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3%
ção de qualidade? Não encontro argumentos que me con- para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do pro-
vençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a blema: da população total dos adolescentes brasileiros, ape-
violência. E encontro muitos argumentos que me conven- nas 0,09% cumpre medidas socioeducativas como infrato-
cem de que a violência está relacionada ao que acontece à res. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles cometeram crim-
escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças es contra o patrimônio. É claro que, se alguém acredita que
e adolescentes quando os professores são pagos com um sa- os crimes cometidos pelos adolescentes não têm nenhuma
lário indigno. Aqueles que escolhem (e são cada vez menos) relação com as condições concretas em que vivem esses a-
uma das profissões mais importantes e estratégicas para o dolescentes, assim como nenhuma relação com as condi-
país se tornam, de imediato, desvalorizados, ensinando (ou ções concretas em que cumprem as medidas socioeducati-
não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violên- vas, faz sentido acreditar que se trata apenas de “vocação
cia – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação para o mal”. Entre os muitos problemas desse raciocínio que
com a outra que tanto nos indigna? Teríamos mais esperan- parece afetar o senso comum, está o fato de que a maioria
ça de mudança real se, diante de um crime bárbaro, pratica- dos adolescentes infratores é formada por pretos, pardos e
do por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o pobres. São também os que mais morrem e sofrem todo tipo
povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educa- de violência no Brasil. Essa espécie de “marca da maldade”
dos – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou teria então cor e estrato social? Nesse caso, em vez de me-
com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos. Vale lhorar a educação e as condições concretas de vida, a única
a pena pensar, e com bastante atenção: a quem isso serve? É medida preventiva possível para quem defende tal crença
uma mentira dizer que os adolescentes não são responsabili- seria enjaular ao nascer – ou nem deixar nascer. Alguém se
zados pelos atos que cometem. O tão atacado Estatuto da lembra de ter visto esse tipo de tese em algum momento his-
criança e do adolescente (ECA) prevê a responsabilização, tórico? Percebe para onde isso leva? Há que ter muito cuida-
sim, inclusive com a privação de liberdade, algo tremendo do com o que se deseja – e com o que se defende, assim co-
nessa faixa etária. Mas, de novo, o Estado não cumpre a lei. mo muito cuidado em não permitir que manipulem nossa in-
Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase dignação e nossa aspiração por um mundo em que se possa
15 mil processos de adolescentes infratores havia informa- viver sem matar ou morrer. Se eu estivesse no lugar dos pais
ções sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que de Victor Hugo Deppman, talvez, neste momento de dor im-
permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possível, eu defendesse o aumento do número de anos de in-
possibilidade de mudança e desenvolvimento. Alguém pen- ternação, assim como a redução da maioridade penal. Não
sa em se indignar contra isso? Se você se alinha àqueles que há como alcançar a dor de perder um filho – e perdê-lo com
querem que os adolescentes sejam encarcerados, torturados tal brutalidade. Diante de um crime bárbaro, qualquer crime
e sexualmente violados para pagar pelos seus crimes, pode bárbaro e não apenas o que motivou o atual debate, os pa-
se alegrar. É o que acontece na prática numa parcela signifi- rentes da vítima podem até desejar vingança. É uma prerro-
cativa das instituições que deveriam dar exemplo de cum- gativa do indivíduo, daqueles que sofrem o martírio e estão
primento da lei e oferecer as condições para que esses ado- sob impacto dele. Mas o Estado não tem essa prerrogativa.
lescentes mudassem o curso da sua história, como mostrou O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo; o Estado
uma reportagem do Fantástico feita por Marcelo Canellas, não pode ser vingativo nos seus atos. Do Estado se espera
Wálter Nunes e Luiz Quilião. Segundo a pesquisa do CNJ que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de
já citada, em 34 instituições brasileiras, pelo menos um ado- direitos humanos tão duramente conquistadas. E, como so-
lescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses; em ciedade, nossa maturidade se mostra pelo conteúdo que da-
19, há registros de mortes de jovens sob a tutela do Estado, mos à nossa indignação. É nas horas críticas que mostramos
e 28% dos entrevistados disseram ter sofrido agressões físi- se estamos ou não à altura da nossa época – e de nossas me-

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lhores aspirações. De minha parte, sempre me surpreendi nova geração de brasileiros. Educa-se também pelo exem-
não com a violência cometida por adolescentes – mas que plo. Nesse caso, governantes e parlamentares poderiam de-
não seja maior do que é, dado o nível de violência em que monstrar que têm maioridade moral, cumprindo e fazendo
vive uma parcela da juventude brasileira, a parcela que mor- cumprir a lei cujo rigor (alguns) querem aumentar.
re bem mais do que mata. E só testemunhei a sociedade bra-
sileira olhar de verdade – olhar para ver essa realidade – u- (Época, “Eliane Brum”, 22.04.2013)
ma única vez: quando o Brasil assistiu, em horário nobre do
domingo, ao documentário Falcão: meninos do tráfico. É
um bom momento para revê-lo. Sabe por que a violência
praticada por adolescentes não é maior do que é? Por causa
de seus pais – e especialmente de suas mães. A maioria de-
las trabalha dura e honestamente, muitas como empregadas
domésticas, cuidando da casa e dos filhos das outras. Contra
tudo e contra todos, numa luta solitária e sem apoio, elas se
viram do avesso para garantir um futuro para seus filhos. O
extraordinário é que, apesar de sua enorme solidão, sem am-
paro e com falta de tudo, a maioria consegue. Àquelas que
fracassam cabe a dor que não tem nome, a mesma dor im-
possível que vive a mãe de Victor Hugo Deppman: enterrar
um filho. Em 2006, espantada com uma geração de brasilei-
ros, a maioria negros e pobres, cuja expectativa de vida era
20 anos, andei pelo país atrás dessas mulheres. Elas respira- Os jovens criminosos e a maioridade penal
vam, mas não sei se estavam vivas. Lembro especialmente
uma, a lavadeira Enilda, de Fortaleza. Quando o primeiro fi- Suzana Borin
lho foi assassinado pela polícia, ela estava com prestações
do caixão atrasadas. O pai do menino tinha ganhado dinhei- Desde 1940, quando a legislação brasileira estipulou
ro fazendo pão, e, em meio à enormidade da sua dor, corre- a maioridade penal, qualquer jovem com idade inferior a 18
ram para regularizar o pagamento. Quando conversei com anos é considerado “incapaz”. Em outras palavras, o Estado
ela, Enilda pagava as prestações do caixão do segundo filho. entende que aquele não tem condições de fazer as próprias
O garoto ainda estava vivo, mas em absoluta impotência, es- escolhas nem de assumir as consequências de seus atos. É
sa mãe tinha certeza de que o filho morreria em breve. Dian- esse o conceito que tem praticamente assegurado a impuni-
te da minha perplexidade, Enilda me explicou que se preca- dade a adolescentes criminosos que cometem atos bárbaros
via porque testemunhava muitas mães nas redondezas pe- e que estimula o crime organizado a recrutar cada vez mais
dindo esmola para enterrar os filhos – e ela não queria essa crianças para suas fileiras. Mas será que um jovem de 16 a-
humilhação. Ela dizia: “Meu filho vai morrer honestamen- nos em 2013 tem o mesmo amadurecimento e acesso à in-
te”. Nunca alcancei essa dor, que era não apenas de enterrar formação que tinha o adolescente da mesma idade em 1940?
um filho, mas também de comprar caixão para filho vivo, o Será que o rapaz de 17 anos, 11 meses e 27 dias que, covar-
único ato de potência de uma mulher que perdera tudo. Enil- demente, atirou na cabeça de Victor Hugo Deppman, de 19
da vivia numa situação de precariedade quase absoluta, ten- anos, depois de lhe roubar o celular, não sabia das conse-
tando trancar nas peças apertadas da casa os filhos que resta- quências de seus atos? Victor foi morto por um criminoso
vam, num calor infernal, para que não fossem às ruas e se que já tinha passagem pela Fundação Casa, onde havia cum-
viciassem em crack. É claro que perdia todas as suas bata- prido apenas 45 dias por outro roubo. Estava na rua, armado,
lhas. A certeza de ser honesta era, para ela, toda a sanidade porque não pode receber uma pena maior. Situações como
possível. O que podemos dizer a mulheres como Enilda: que essa vêm se repetindo em todo o País, e a sociedade clama
agora podem ficar tranquilas porque o país voltou a discutir por mudanças. Pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha
a redução da maioridade penal e o aumento do período de mostra que 93% dos brasileiros são favoráveis à redução da
internação? Que é por falta de cadeia logo cedo que seus fi- maioridade penal para 16 anos. Querem que o adolescente
lhos vendiam e consumiam drogas, roubavam e foram as- capaz de cometer atos hediondos seja tratado como adulto.
sassinados? Que, ao saberem que podem ir presos aos 16 em “Precisamos responder com urgência ao desespero da socie-
vez de aos 18 anos, seus filhos ainda vivos aceitarão as pés- dade brasileira”, diz o presidente da Câmara dos Deputados,
simas condições de vida e levarão uma existência em que Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Na terça-feira 23, a
não trafiquem, roubem nem sejam mortos? Que é disso que Câmara criou uma comissão especial para enfrentar um ta-
se trata? Quando o primeiro filho de Enilda foi executado, bu: propor alterações no Estatuto da criança e do adoles-
ele tinha 20 anos – e já tinha passado por instituições para cente (ECA), um conjunto de normas aprovadas em 1990
adolescentes e pela prisão. Antes de tornar-se algoz, a maio- para proteger a infância, elogiado internacionalmente como
ria das crianças e adolescentes que infringiram a lei foi víti- uma das legislações mais modernas do mundo. O objetivo
ma. E ninguém responde por isso. Não há educação sem res- dos deputados é endurecer as punições aplicadas aos meno-
ponsabilização. É por compreender isso que o ECA prevê res infratores. No caso de reincidência e crimes hediondos,
medidas socioeducativas. Mas, quando a solução apresenta- como homicídio e estupro, o prazo máximo de internação
da é aumentar o rigor da lei – e (ou) reduzir a maioridade saltaria dos atuais três anos para oito. O problema é que des-
penal –, pretende-se dar a impressão à sociedade de que os de 2000 já foram criados 12 projetos de lei para alterar o Es-
adolescentes não são responsabilizados ao cometer um cri- tatuto, mas nada sai do papel. Enquanto isso, a situação só
me. Essa, me parece, é a falsa questão, que só empurra o se agrava. Nos últimos dez anos, o número de jovens infra-
problema para a frente. A questão, de fato, é que nem o Esta- tores aumentou 138%. Se em 1990 o ECA era exemplo, hoje
do, nem a sociedade, se responsabilizam o suficiente pela está desatualizado. Apenas para contextualizar, no início da

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década de 1990 o crack não existia na maior parte do País. sidente. No Brasil, eles também podem trabalhar com car-
“Passou da hora de fazermos reformulações”, afirma o de- teira registrada e, com autorização dos pais, casar e se eman-
putado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que vai comandar a co- cipar. Internacionalmente, não há um consenso jurídico ou
missão da Câmara. Ele defende o aumento do tempo de per- científico que determine em qual idade uma pessoa deixa de
manência na Fundação Casa, onde ficam os menores deti- ser criança e está apta a responder como um ser maduro. Na
dos, de três para oito anos nos casos hediondos. Assim, o Inglaterra, é possível prender um infrator de dez anos. Nos
infrator poderia ficar preso até os 26 anos – e não mais até Estados Unidos, é permitido obter licença de motorista aos
os 21. A partir dos 18 anos, ele seria encaminhado para uma 16, mas fica proibido de consumir bebidas alcoólicas antes
área específica, isolada dos menores. No Senado, uma e- dos 21. Com tantas incertezas, cabe à neurociência dar algu-
menda constitucional de Aloysio Nunes (PSDB-SP) propõe mas pistas sobre comportamentos característicos dessa faixa
reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. A aplicação etária, como a impulsividade. Diversas pesquisas apontam
da medida seria restrita aos crimes hediondos, não às infra- que o cérebro humano demora até os 25 anos para se formar
ções médias ou leves (furtos e roubo simples). Se medidas por completo. O córtex pré-frontal é última parte desse pro-
como essa estivessem em vigor, o universitário Victor não cesso, mas responde por toda a nossa cognição: tomada de
teria cruzado com o jovem criminoso que o matou na porta decisão, capacidade de avaliar riscos, planejamento de es-
de casa. Ainda segundo a proposta apreciada pelos deputa- tratégias, etc. Só ao longo do desenvolvimento biológico ele
dos, quando fosse diagnosticada doença mental, o juiz pode- aprende até que ponto é possível empurrar limites e ignorar
ria indicar tratamento ambulatorial ou internação compulsó- regras. Por isso, um adolescente tende a fazer escolhas base-
ria por prazo indeterminado, com reavaliações a cada seis ado mais na intensidade das emoções do que em análises ra-
meses. A medida tornaria legal, por exemplo, a situação de cionais. “Eles são mais reativos, levam menos em conta as
Roberto Aparecido Alves Cardoso, o “Champinha”. Ele vi- consequências de seus atos”, afirma o neurocientista André
ve em um limbo jurídico desde 2003, quando liderou o gru- Frazão Helene, do Laboratório de Ciências da Cognição da
po responsável por assassinar o casal Liana Friedenbach e Universidade de São Paulo (USP). “Mas, aos 16 anos, o cé-
Felipe Caffé, em São Paulo – adolescente Liana também foi rebro já sabe diferenciar o certo do errado, tanto no sentido
vítima de estupro coletivo, num crime que horrorizou o Pa- do que é moral quanto legalmente aceito.” O amadureci-
ís. Na época, Champinha tinha 16 anos, mesma idade da es- mento biológico, porém, varia de pessoa para pessoa – as-
tudante que matou. Há dez anos, o criminoso está internado sim como algumas meninas menstruam aos 10 e outras, aos
na Unidade Experimental de Saúde, alvo de uma investiga- 15. O córtex pré-frontal também está ligado às relações in-
ção do Ministério Público Federal por oferecer tratamento terpessoais, à capacidade de se colocar no lugar do outro.
“medieval” aos detentos. O equipamento do governo esta- Seja para compreender uma opinião divergente, seja para se
dual teria o objetivo de tratar jovens de alta periculosidade identificar com a dor alheia. Segundo a psicóloga Maria Ali-
com graves patologias, mas não chega nem perto disso. Esse ce Fontes – especialista em Neuropsicologia –, o desenvol-
é um problema a ser enfrentado. Especialistas em educação vimento cerebral explica certas atitudes da puberdade, mas
asseguram que não adianta reduzir a maioridade penal nem não justifica todas. “Não dá para usar o cérebro como des-
aumentar as penas se o Estado não é capaz de oferecer con- culpa para dizer que o jovem nessa idade não tem nenhum
dições para que os jovens tenham um futuro digno. “Se um discernimento e, portanto, não pode assumir as responsabi-
jovem falhou, a sociedade, a família e a escola devem ter fa- lidades pelo que faz”, afirma. Além do fator biológico, há a
lhado também”, fala Cosete Ramos, Doutora em educação influência do ambiente e do contexto em que o ser humano
pela Flórida State University. Organizações de defesa dos cresce. Antes, lembremos que muitas transformações histó-
direitos humanos e organismos internacionais de atenção às ricas e culturais separam os adolescentes de hoje dos da dé-
crianças entendem que a diminuição da idade penal não re- cada de 1940, época em que a maioridade foi instituída no
solve o problema da violência juvenil. Argumentam que os País. Mesmo nas metrópoles, um rapaz de 16 anos se diver-
adolescentes ainda não estão totalmente formados e que as tia descendo ladeiras de rolimã, enquanto hoje quer ostentar
mudanças devem acontecer nas razões sociais que levam ao o smartphone da moda. O acesso às drogas ou às informa-
crime. “Reduzir a maioridade penal não resolve. Ou agimos ções em larga escala também era reduzido. Em segundo lu-
nas causas da violência ou, daqui a pouco, veremos o tráfico gar, não há como ignorar as condições socioeconômicas e a
estar recrutando crianças com 14, 12 ou 10 anos”, diz Gil- estrutura familiar de um adolescente que comete um crime.
berto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presi- Se o cérebro é fisiologicamente imaturo, o ambiente deveria
dência da República. O promotor Thales Cezar de Oliveira, oferecer o suporte necessário para o desenvolvimento ideal.
da Vara da Infância e Juventude de São Paulo, discorda. Se- Quanto se pode esperar de um jovem carente, desprovido de
gundo ele, os jovens de 16 anos têm total consciência dos boa educação, com referências de violência doméstica, cer-
delitos que cometem. “Sabem que nada irá acontecer se ma- cado pelo tráfico? “O debate sobre essa questão esquece,
tarem ou roubarem; a ficha estará limpa aos 18 anos, quando bastantes vezes, que o contexto é determinante no compor-
saírem da Fundação Casa”, diz Oliveira. O promotor acres- tamento”, diz Martha de Toledo Machado, professora de Di-
centa que, quando pegos, a primeira coisa dita pelos infrato- reito da criança e do adolescente da Pontifícia Universidade
res à polícia é: ‘sou de menor’. “É inadmissível a quantidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mesmo com tantas ressal-
de pessoas honestas e famílias inteiras sendo destruídas, en- vas, jovens de 16 anos estão conquistando agora um novo e
quanto apenas discutimos a redução da maioridade penal.” polêmico direito. Nos próximos dias, o Ministério da Saúde
O mesmo Estado que patina ao definir uma nova legislação deverá publicar uma portaria que autorizará o tratamento
capaz de punir menores que cometam crimes hediondos gratuito para mudança de sexo a partir dos 16 anos. O órgão
vem, ao longo dos anos, assegurando novos direitos aos jo- considera que, nessa fase, um garoto já se reconhece como
vens de 16 anos. A Justiça Eleitoral, por exemplo, permite garota (ou vice-versa) e sofre com o transtorno de identida-
a obtenção do título de eleitor e a participação nas urnas já de de gênero. Embora não possa ser operado antes dos 18,
nessa idade. Ou seja, o Estado entende que o jovem de 16 o paciente receberá do Estado acompanhamento psicológico
anos é capaz de formar consciência política e votar para pre- e hormonal para iniciar as transformações estéticas. Ou seja,

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é tido como suficientemente maduro para tomar uma deci-
são com implicações, muitas vezes, irreversíveis. Até agora,
jovens nessa situação viviam numa espécie de submundo no
que diz respeito ao sistema público de saúde. Mesmo depois
de passar por uma extensa triagem, avaliação médica e rece-
ber o diagnóstico do transtorno, não podiam receber acom-
panhamento psicológico e tratamento hormonal gratuito por
meio do SUS. Atravessavam o turbulento período da ado-
lescência em sofrimento porque a aparência não condizia à
sua identidade sexual. Aflitos, muitos recorriam ao mercado
negro da internet para adquirir hormônios sem prescrição.
“O perigo é que eles acabam dando um jeito de se sentir me-
lhores, se sujeitando a efeitos colaterais e arriscando a saú-
de”, diz o psiquiatra Alexandre Sadeeh, da clínica de Trans-
torno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual da USP.
Foi o que fez Alexander Brasil, 16 anos. Ele nasceu mulher
e, aos 4 anos, já chorava quando lhe punham vestidos ou in-
sistiam que frequentasse as aulas de balé. Por conta própria,
começou a tomar testosterona há um ano: os pelos cresce-
ram e a voz engrossou. “Agora me sinto muito mais feliz e
confortável com o meu corpo”, diz Alexandre. Com as mu-
danças físicas, trocou de colégio para livrar-se de vez do
bullying que quase o fez reprovar de ano no Ensino Médio.
A situação irá melhorar para Alexander e outros garotos em
situação parecida com a dele com o tratamento hormonal
gratuito para pessoas acima dos 16 anos – essa é uma das e-
tapas a caminho da cirurgia de mudança de sexo, que só po-
de ser realizada a partir dos 18. A medida reafirma o poder
de decisão desses jovens e mostra que o Estado é, sim, capaz
de tratar o adolescente de hoje como adulto. Exatamente o
que está faltando no âmbito penal.

(Isto É, “Comportamento”, 26.04.2013)

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Maioridade penal e hipocrisia

Contardo Calligaris

Um adolescente de 16 anos fazia parte da quadrilha


que arrastou o corpo de João Hélio, 6 anos, pelas ruas do Ri-
o. A cada vez que um menor comete um crime repugnante
(homicídio, estupro, latrocínio), volta o debate sobre a mai-
oridade penal. Em geral, o essencial é dito e repetido. E não
acontece nada. Aos poucos, o horror do crime é esquecido.
Não é por preguiça, é por hipocrisia. Preferimos deixar para
lá, até a próxima, covardemente, porque custamos a contra-
riar alguns lugares-comuns de nossa maneira de pensar. A
prisão é uma instituição hipócrita desde a sua invenção mo-
derna. Ela protege o cidadão, evitando que os “lobos” circu-
lem pelas ruas, e pune o criminoso, constrangendo seu cor-
po. Mas a nossa alma “generosa” dorme melhor com a ideia
de que a prisão é um empreendimento reeducativo, no qual
a sociedade emenda suas ovelhas desgarradas. A versão na-
cional dessa hipocrisia diz que a reeducação falha porque
nosso sistema carcerário é brutal e inadequado. Essa carac-
terização é exata, mas qualquer pesquisa, pelo mundo afora,
reconhece que mesmo o melhor sistema carcerário só conse-
gue “recuperar” eventualmente criminosos responsáveis por
crimes não-hediondos. Quanto aos outros, a prisão serve pa-
ra punir o réu e proteger a sociedade. Essa constatação frus-
tra as ambições do poder moderno, que (como mostrou Mi-
chel Foucault em Vigiar e punir) aposta na capacidade de e-
ducar e reeducar os espíritos. A idéia de apenas segregar os
criminosos nos repugna porque diz que somos incapazes de
convertê-los. Foucault denunciou (com razão) a instituição
carcerária, mas, na hora de propor alternativas (Conferência
de Montreal, 1975), a sua contribuição foi balbuciante. Em
geral, para evitarmos admitir que a prisão serve para punir
e proteger a sociedade (e não para educar), muda-se o foco
da discussão: “Esqueça a prisão, pense nas causas”. Preferi-
mos, em suma, a má consciência pela desigualdade social à
má consciência por punir e segregar os criminosos. Ora, a
miséria pode ser a causa de crimes leves contra o patrimô-
nio, mas o psicopata, que estupra e mata para roubar, não é
fruto da dureza de sua vida. Por exemplo, no último número
da Revista de Psiquiatria Clínica (vol. 33, 2006), a pesquisa
de Schmitt, Pinto, Gomes, Quevedo e Stein mostra que “[...]
adolescentes infratores graves (autores de homicídio, estu-
pro e latrocínio) possuem personalidade psicopática e risco
aumentado de reincidência criminal, mas não apresentam
maior prevalência de história de abuso na infância do que
outros adolescentes infratores”. A má consciência por punir
e segregar é especialmente ativa quando se trata de menores
criminosos, pois, com crianças e adolescentes, temos uma
ambição ortopédica desmedida: queremos acreditar que po-
demos educá-los e reeducá-los – sempre e rapidamente. No
fim de 2003, outra quadrilha, liderada por um adolescente,
massacrou dois jovens, Liana e Felipe, que passavam o fim
de semana em uma barraca, no Embu-Guaçu. Depois desse
crime, naquela mesma Revista de Psiquiatria Clínica (vol.
31, 2004), Jorge Wohney Ferreira Amaro publicou a crítica
fundamentada e radical do Estatuto da criança e do adoles-
cente. Resumindo suas conclusões: ou o menor é consciente
de seu ato, e, portanto, imputável como um adulto; ou seu
desenvolvimento é incompleto, e, nesse caso, nada garante
que ele se complete num máximo de três anos; ou, então, o
jovem sofre de um Transtorno da Personalidade Antissocial
(psicopatia), cuja cura (quando acontece) exige, raramente,
menos de uma década de esforços. Em suma, a maioridade

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penal poderia ser reduzida para 16 ou 14 anos, mas não é is- lescentes estão cada vez mais no imaginário dos adultos. O
so que, realmente, agora importa. A hipocrisia está no artigo problema é que, quando aqueles olham para nós, essa nossa
121 do Estatuto da criança e do adolescente, segundo o qual idealização fica manifesta, fica evidente que os adultos gos-
para um menor, “[...] em nenhuma hipótese, o período máxi- tariam de ser adolescentes”, afirma o psiquiatra Contardo
mo de internação excederá os três anos”. Ora, a decência, o Calligaris no III Dossiê universo jovem, apresentado no ano
bom senso e a coerência pedem que uma comissão, um juiz passado pela MTV. Nele descobrimos que 55% dos jovens
especializado ou mesmo um júri popular decidam, antes de manifestam desconforto com a ausência da porção “pais” e
mais nada, se o menor acusado deve ser julgado como adul- o excesso do lado “amigo” que assumiram na relação famili-
to ou não. Caso ele seja reconhecido como menor ou como ar. “A juventude virou valor máximo, obsessivamente pre-
portador de um transtorno da personalidade, o jovem só de- servado por quem naturalmente a tem, e arduamente perse-
verá ser devolvido à sociedade uma vez “completado” seu guido por quem está biologicamente se distanciando dela”,
desenvolvimento ou a sua cura – que isso leve três anos, ou afirma a pesquisa. “A vaga de adulto na nossa cultura está
dez, ou cinquenta. desocupada. Ninguém quer estar do lado ‘de lá’, o lado care-
ta do conflito de gerações, de modo que o conflito bem ou
(Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 15.02.2007) mal se dissipou. Podemos entender o aumento da delinquên-
cia juvenil em nosso tempo qual efeito da ‘teenagização’ da
cultura ocidental”, afirma a psicanalista Maria Rita Kehl.
“O adolescente ‘sem lei’, ou à margem da lei, é efeito de u-
ma sociedade em que ninguém quer ocupar o lugar do adul-
to, cuja principal função é ser representante da lei diante das
novas gerações. Quando adultos se espelham em ideais teen,
os adolescentes ficam sem parâmetros para pensar o futuro.
Como e por que ingressar no mundo adulto, onde nenhum
adulto quer viver? O que os espera, então?” O culto ao ado-
lescente (e, ao mesmo tempo, preocupação com eles, o me-
do e a raiva deles, chamados de “aborrescentes”) surgiu da
divinização da infância, observada por Freud em Sobre o
narcisismo (1914), em que o pai da psicanálise fala do amor
extremado dos pais pelas crianças como forma de alimentar
A pedra no meio do caminho o narcisismo paterno. Já que a morte seria o fim de tudo, as
crianças são a esperança de continuidade e até mesmo de i-
Carlos Haag mortalidade. Na corrida da vida, os adultos veem nos filhos
uma extensão que faria a triste existência moderna suportá-
Quando, num programa de entrevistas, perguntaram vel, já que haveria para quem “se passar o bastão”. Por meio
a Nelson Rodrigues que conselho ele daria aos jovens, o es- de “sua majestade, o bebê”, como escreveu Freud, se tenta-
critor, encarando a câmera, disse, quase implorando: “Enve- ria burlar as leis da natureza, o envelhecimento, a doença, a
lheçam. O mais rapidamente possível”. Afinal, ele crescera, morte, ao se recuperar, por uma procuração dada ao filho, o
palavras suas, em um “Brasil que era uma paisagem de ve- período de felicidade irresponsável perdida. Nessa linha, se
lhos” em que “os moços não tinham função, nem destino, u- a criança, assexuada, seria o anjo, o adolescente, para usar
ma época que não suportava a mocidade”. Hoje parece ha- a expressão feliz do psicanalista francês Bernard Nominé,
ver lugar de sobra para eles e são os adultos que “sumiram”. encarnaria o papel do “anjo caído”, invejado e temido. Im-
“A juventude tornou-se um ícone moral do espetáculo, ou possível não concordar com Calligaris em sua separação de
seja, da condição de mudança passou a ser o objetivo de mu- adolescência e puberdade, em que esta última seria uma fase
dança. A cultura somática é marcada pelo empenho encarni- de maturação sexual, enquanto a primeira teria que ser ana-
çado da maioria das pessoas em permanecerem jovens para lisada como fenômeno cultural, uma fase não natural do de-
continuarem sendo e permanecendo jovens”, afirma o psica- senvolvimento humano. “A adolescência, na modernidade,
nalista Jurandir Freire Costa em Adolescentes, estudo re- tem o sentido de uma moratória, período dilatado de espera
cém-lançado e organizado por Marta Rezende Cardoso. Ao pelos que já não são mais crianças, mas ainda não se incor-
mesmo tempo, consternados pela morte do garoto carioca poraram à vida adulta”, analisa Maria Rita. O “anjo caído”
João Hélio, sociedade, mídia e parlamento tentam ressusci- se olha no espelho e nota que perdeu a graça infantil que ca-
tar a antecipação da maioridade penal, ainda que, entre os tivava os adultos. “Essa segurança perdida deveria ser com-
cinco envolvidos no caso, apenas um era adolescente. Como pensada por um novo olhar dos adultos, que reconhecessem
entender essa relação de amor e ódio que a sociedade man- a imagem púbere como a de outro adulto, seu par iminente.
tém com a adolescência, curiosamente uma invenção mo- Mas esse olhar falha, e o adolescente vive a falta do olhar a-
derna, um mito do século XX (tão jovem, aliás, como o ideal paixonado que merecia quando criança e a falta de palavras
da “infância sagrada”), que se consolidou apenas no pós-Se- que o admitam como par na sociedade adulta. A insegurança
gunda Guerra Mundial? “O adolescente é criação da cultura se torna, assim, o traço próprio da adolescência”, escreve
ocidental contemporânea, em que prevalece um culto da in- Calligaris em Adolescência. “‘Como reconquistar o espaço
fância, que acompanha movimento de postergação da entra- perdido?’, ‘O que esperam de mim?’, são as perguntas que
da na fase adulta, seja porque vigora a ideia de aproveitar ao fazem”. Para piorar, desenvolvem-se numa sociedade, nota
máximo um período supostamente isento de preocupações, o psiquiatra, em que o imperativo cultural dominante é o in-
seja porque se tem em vista favorecer um desenvolvimento dividualismo, é “desobedecer”, “provar sua autonomia”. E,
que possibilite o preparo para assunção de tarefas adultas da então, desobedecer pode ser, na cabeça do adolescente, uma
vida”, diz Jacqueline Barus-Michel, da Universidade de Pa- maneira de obedecer. E obedecer, quem sabe, talvez seja o
ris VII, em seu artigo Entre sofrimento e violência. “Os ado- jeito certo de não se conformar”. Como nota Calligaris, que-

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rem que o adolescente seja autônomo e lhe recusam essa au- cos desamparados da família”, segundo o pedagogo Imídeo
tonomia. Querem que persiga o sucesso social e amoroso e Nérici, e, mais tarde, associada à idéia de subversão política,
pedem que postergue esses esforços para “se preparar me- passando ainda pelo estigma das drogas, dos “estupefacien-
lhor”. “É justo que o adolescente se pergunte: ‘Querem que tes” usados na “busca insaciável do gozo”. Para a marginali-
eu aceite essa moratória, ou preferem, na verdade, que eu zação urbana atual foi um pulo. “Um jovem pobre e negro
desobedeça e afirme minha independência, realizando, as- é ser socialmente invisível nas ruas brasileiras. Saltando pa-
sim, os ideais deles'”. Se aquele “anjo” recebe toda a carga ra fora do escuro em que o esquecemos, o jovem, armado,
de perfeição e felicidade que não conseguimos cumprir e adquire densidade antropológica, vira um homem de verda-
projetamos sobre nossas crianças, então, os adolescentes re- de. O mundo vira de ponta-cabeça: quem passava sem o ver
cebem o fardo de levar adiante os ideais adultos de liberda- obedece a ele. Celebra-se um pacto fáustico: o jovem troca
de, transgressão e gozo sem limites. “Se a adolescência é u- seu futuro, sua alma, sua vida, por um momento de glória
ma patologia, então ela é a patologia dos desejos de rebeldia fugaz; seu destino pelo acesso à superfície do planeta, onde
reprimidos pelos adultos”, explica Calligaris. Assim, se os se é visível”, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares em Ju-
adultos idolatram e estetizam suas fantasias do que seja uma ventude e violência. “Não parece lógico que jovens invisí-
infância feliz, eles temem e rejeitam obscuros desejos proje- veis, carentes de tudo o que a participação em um grupo po-
tados sobre os jovens. Essa relação delicada se expressa na de oferecer, procurem aderir a grupos cuja identidade se for-
própria etimologia das palavras: “adolescente” vem do par- ja na (e para a) guerra” Junte-se a isso a transformação do
ticípio presente do verbo em latim adolescere, “crescer”. Já jovem, de angustiado perdido, em “nova fatia de mercado”,
o particípio passado adultus deu origem à palavra “adulto”. e a reação é explosiva. “O jovem passou a ser considerado
Em português, as palavras seriam equivalentes a “crescen- cidadão porque virou consumidor em potencial. A associa-
te” e “crescido”. Aumentar de tamanho implica desequilí- ção entre jovem e consumo criou uma cultura adolescente
brio, mudança do status quo, que sempre vem acompanhada altamente hedonista, em que o jovem desfruta liberdades da
pela dor. “Que desgraça! Perdi toda a energia, vejo-me caí- vida adulta sem responsabilidades”, analisa Maria Rita. “Do
do numa inquieta indolência; não posso fazer coisa algu- universitário ao traficante, todos se identificam com o ideal
ma. Já não tenho imaginação nem sensibilidade; a natureza publicitário do jovem livre, belo e sensual. O que favorece,
já não me impressiona, e os livros me entediam”, lamenta o é claro, um aumento exponencial da violência entre os que
patrono dos adolescentes, o Werther, de Goethe, ao se depa- se sentem incluídos pela via da imagem, mas excluídos das
rar com as perdas inerentes à adolescência, como a da liber- possibilidades de consumo.” E não nos esqueçamos: a cul-
dade e a tranquilidade da infância. “A adolescência provoca tura jovem convoca pessoas de todas as idades. O adoles-
uma fragilização identitária. A imagem do corpo no espelho cente também não resiste ao apelo do look da periferia. “Seu
é um teatro de mudanças incontroláveis, e o jovem vive, do filho me imita/ Ele ginga e fala gíria/ Esse não é mais seu,
mesmo modo, pulsões desordenadas. O olhar dos demais se tomei, cê nem viu/ Entrei pelo seu rádio, fiuuu… subiu!”,
modifica, o outro deixa de ser continente e apoio, como foi canta o rapper Mano Brown. “Os jovens estão se identifi-
o pai da infância, para se tornar rival e predador, em meio a cando com os marginalizados, os meninos e meninas da pe-
relações conflitivas de poder”, avalia Barus-Michel. “O a- riferia e das favelas. O preocupante é quando a curiosidade
dolescente se atira em condutas de risco, brinca com a morte e a ousadia em romper com o círculo estreito da vida bur-
para se sentir viver, para provar que é alguém, que vale algo, guesa desembocam na identificação com a estética da crimi-
para driblar um mal-estar aparentado à infelicidade de viver nalidade”, adverte a psicanalista. Mas os pais, talvez, deves-
num universo em que não mais vê sentido. Atacar o corpo sem se preocupar não apenas com o exemplo dos trafican-
com piercings e tatuagens dá ao jovem a sensação de exis- tes, mas dos criminosos da elite. “A transmissão de valores
tência e de valor pessoal, provado por meio de tais provas.” pela família esbarra cada vez mais na fragilidade dos valores
Mais: como nota Calligaris, recusado pela comunidade dos culturais a serem transmitidos. Como sair da adolescência
adultos, indignado pela moratória imposta, ele se afasta dos numa cultura que desvaloriza a própria posição do adulto
adultos e inventa microssociedades, que vão de grupos de a- como aquele que pode renunciar ao gozo da imediatez em
migos a gangues, sempre buscando a ausência da moratória nome de um ideal a ser atingido?”, pergunta-se a psicóloga
ou, ao menos, uma integração mais rápida e com critérios da Universidade Federal do Rio de Janeiro Luciana Cou-
de admissão mais claros e precisos. Anthony Burgess recri- tinho em O adolescente e os ideais. “Os adultos ensinam os
ou genialmente esse gregarismo em Laranja mecânica. “O jovens a julgá-los como pessoas desprovidas de mérito soci-
adulto demoniza o grupo adolescente temido, como uma es- al ou moral. Ao criar filhos arrivistas atiram no próprio pé.
pécie de tribo na tribo. A própria constituição de grupos a- Começam por desvalorizar e ridicularizar os honestos, mos-
dolescentes é, do ponto de vista adulto, uma transgressão”, trados como ‘patos’, e acabam por serem vistos como ‘pa-
observa Calligaris. A contradição é, a cada vez, maior entre tos’ pelos filhos”, avisa Freire Costa. “Paradoxo da relação
discurso e prática dos adultos. No Brasil do século XIX sur- entre gerações: os adolescentes transgridem, até gravemen-
giu, oculta sob o discurso higienista, a relação entre adoles- te, não para burlar a lei, não na esperança de escapar da con-
cência e delinquência juvenil, já que as famílias pobres não sequência de seus atos, mas, ao contrário, para excitá-la, pa-
teriam – era o pensamento da época – condições de criar ci- ra que a repressão corra atrás deles e assim os reconheça co-
dadãos decentes. “No século XX, com o discurso científico, mo pares dos adultos, ou melhor, como a parte escura e es-
a adolescência apresentou-se como uma fase do desenvolvi- quecida dos adultos”, nota Calligaris. “Daí o perigo de dei-
mento humano em que risco de transgressão e, assim, de de- xar a porta aberta para que o tribunal decida se jovens de-
linquência era um dado da natureza, rondando os jovens. A vem ser julgados como menores ou adultos. Se for julgado
vigilância era a arma de combate, e a segregação foi tomada e condenado como adulto, será a demonstração do fato de
como solução”, revela Maria Rita César, psicóloga da Uni- que os adultos só ouvem a linguagem do crime e de que essa
versidade Federal do Paraná, em Da adolescência em peri- linguagem funciona.” A questão da antecipação da maiori-
go à adolescência perigosa. Nasce a “juventude transvia- dade penal é, logo, polêmica, ainda que muitos psicólogos
da”, de início ligada aos “lambretistas” e playboys, “autênti- advirtam para o fato de que existam psicopatas em qualquer

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idade e o artigo 121 do Estatuto da criança e do adolescente eventual redução da maioridade penal. “Meu medo é ir pro
(que estabelece o período máximo de internação de adoles- CDP [Centro de Detenção Provisória – para adultos] e ficar
centes em três anos) não dá tempo para que instituições psi- lá apodrecendo. Aqui, pelo menos, eu posso estudar”, disse
quiátricas possam resolver problemas mentais graves. Seja André (nome fictício), 18 anos recém-completados. Segun-
como for, a mais recente pesquisa Crime Trends, feita pela do Datafolha a maior aprovação à proposta de reduzir a mai-
ONU, revela que são minoria (apenas 17% das 57 nações a- oridade está nas regiões Centro-Oeste (93%) e Norte (91%)
nalisadas) os países que definem o adulto como pessoa me- do país. Já a maior rejeição à mudança está entre os mais es-
nor de 18 anos, e que a maior parte deles é composta por pa- colarizados (23%), que têm Ensino Superior, e entre os mais
íses que não asseguram os direitos básicos de cidadania aos ricos (25%), com renda familiar mensal superior a dez sala-
jovens. Nos países pesquisados, jovens representam 11,6% rios mínimos – a margem de erro da pesquisa é de dois pon-
do total de infratores, enquanto no Brasil a participação ado- tos percentuais para mais ou para menos. O percentual dos
lescente na criminalidade está em torno de 10% (surpreen- favoráveis à redução da maioridade para todos os tipos de
dentemente, no Japão, ela chega a 42%, e a idade penal é de crime também é o maior já registrado pelo Datafolha: 74%.
20 anos). “Nos países desenvolvidos, pode fazer algum sen- Na comissão da Câmara que analisa o tema, 14 dos 27 depu-
tido argumentar que a sociedade deu aos jovens o mínimo tados defendem a mudança somente para jovens de 16 e 17
necessário e, com tal pressuposto, responsabilizar individu- anos que cometam crimes hediondos, como homicídio qua-
almente os que transgridem a lei. Mas em países como Índia lificado, latrocínio, estupro e sequestro. Uma outra proposta
e Brasil isso é falso. É imoral equiparar a legislação penal tem sido encabeçada pelo governador de São Paulo, Geral-
juvenil brasileira à inglesa ou norte-americana, esquecendo- do Alckmin (PSDB). O tucano não quer a redução da maio-
-se da qualidade de vida dos jovens desses países”, diz o ci- ridade penal, mas propõe a ampliação do tempo máximo de
entista político da Universidade de São Paulo Túlio Kahn. internação aos jovens que praticarem crimes hediondos – de
Em artigo recente para Folha de S. Paulo (“Maioridade pe- atuais três para oito anos. A presidente Dilma Rousseff (PT)
nal e hipocrisia”), Calligaris faz uma importante ponderação também já se manifestou contra a redução da idade penal.
sobre o tema, sem paixões exaltadas: “Em suma, a maiorida- Mas, nesta semana, afirmou que o ECA (Estatuto da crian-
de penal poderia ser reduzida para 16 ou 14 anos, mas não ça e do adolescente), de 1990, “[...] sempre pode ser aperfei-
é isso que realmente importa. A hipocrisia está no artigo 121 çoado”. À Folha, o ministro José Eduardo Cardozo (Justi-
do Estatuto da criança e do adolescente. Caso ele seja reco- ça) também disse que o Governo Federal está “aberto” a dis-
nhecido como menor ou como portador de um transtorno da cutir “alternativas polêmicas” à redução da maioridade, co-
personalidade, o jovem só deverá ser devolvido à sociedade mo a proposta paulista. O tema tem dividido estudiosos, po-
uma vez ‘completado’ o seu desenvolvimento ou a sua cura, líticos e entidades da sociedade civil. Em linhas gerais, os
que isso leve três anos, ou dez, ou cinquenta”. Deixando po- contrários à mudança na maioridade dizem que o sistema
lêmicas de lado, qual é, afinal, a moral da história? O dever prisional comum será “escola do crime” para jovens. Os que
dos jovens, como já dizia Nelson Rodrigues, é envelhecer. a defendem dizem que jovens de 16 anos já têm discerni-
“Suma sabedoria. Mas o que acontece quando a aspiração mento para entender o que é crime e estão sendo aliciados
dos adultos é manifestamente a de rejuvenescer?”, pergunta por adultos para praticar delitos, já que sofrem punições
Calligaris. “É tão difícil ficar velho sem um motivo/ Eu não mais brandas.
quero perecer como um cavalo moribundo/ A juventude é
como diamante ao sol/ E diamantes são para sempre”, diz a (Folha de S. Paulo, “Cotidiano”, 15.04.2015)
música, de gosto duvidoso, cujo refrão, no entanto, é um pri-
mor: I want to be forever young. “Eu quero ser jovem para
sempre”.

(Pesquisa FAPESP, março do ano 2007)

87% querem redução da maioridade penal;


número é o maior já registrado

Reynaldo Turollo Jr.

Se houvesse uma consulta nacional à população,


87% dos brasileiros seriam a favor da redução da maiorida-
de penal de 18 para 16 anos, revela pesquisa Datafolha reali-
zada na semana passada. O percentual é o maior já registra-
do pelo instituto desde a primeira pesquisa sobre o tema, em
2003. Naquele ano e também em 2006, quando ocorreu um
segundo levantamento, 84% disseram ser a favor da redução
da idade. Contrários à mudança são 11% (mesmo índice de
2006), indiferentes, 1%, e não souberam responder, 1%. O
tema, objeto de uma PEC (Proposta de Emenda à Constitui-
ção), está em discussão em uma comissão especial na Câ-
mara, que tem cerca de três meses para analisá-la. Em segui-
da, será votado na Casa e, se for aprovado, seguirá para o
Senado. As discussões chegaram ao pátio da Fundação Casa
(antiga FEBEM) de Osasco, Grande São Paulo. Os jovens
internos, na maioria de 16 a 18 anos, estão tensos diante da

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