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JEAN ROUCH, 54 anos sem tripé concedida Jean-Paul Colleyn! Jean Rouch é incontestavelmente um dos mestres, senao o grande mestre (ou nao seria o grande bruxo?) do cinema etnografico. Jé contou sua experiéncia varias vezes. Jean-Paul Colleyn o levou, nesta entrevista, a contar passagens de sua vida ainda desconhecidas do grande piiblico Jean Rouch, faz quanto tempo que voce filma sem tripé? Desde que o tripé caiu na correnteza de uum rio do Niger, hd alguns quilémetros da nascente, em 1946. [é faz. um bom tempo: 54 anos sem tripél Mas usei wipé, nio dé para negat! Usei um que logo abandonei: tinha trazido da Austrélia com ‘cabega giratoria" Miller ¢ 0 utilizava com a camera Eclair. Fiz um filme com o amigo Michel Cartry sobre as festas das chefias de um povoado gourmantché, em Yubti, 20 lado de Diapaga.*O resultado ficou esquisito, pois otripé me forcava a um ponto de vista tinico eu zoomava como o diabo! Acabou que nunca mostrei esse filme. Ele esta Hi, € bem bonito mas nunca o montei. Assim, acabei abandonando este pequeno tripé Entio 0 famoso artigo “O Sudirio do chefe*, seria ilustrado com algumas imagens? Evverdade. Coma danga do chefe durante osacrificin de um carneiro. Fra hem bonito, Mas temos 0 inconveniente de um ponto de vista tinico. Para citar um outro clissico, é lum pouco a censura que eu fazia a Timothy Asch em The Ax Fight: ele estava com Napoleon Chagnon, acabavam de chegar e, de repente, ficaram surpresos com 0 conflito; 05 indios Iutavam com machado. Timothy estava com um tripé na cabana que thes haviam cedido: 0 resultado ficou marcado pelos efeitos do zoom de um ponto de vista “nico. O ponto de vista tinico, veja bem, pode ser defendido ¢ pode mesmo ser a qualidade deste filme, mas gostarfamos também de estar mais proximo das pessoas. Ser que ado- taram este ponto de vista inconscientemente, para nao se aproxiniar ¢ evitar tomar partido? "town ptients sense eaigr Nesse caso, com o tripé, mudar a camera de lugar depois que voce faz uma escolha se tora um problema: € pesada ¢ cria-se uma ruptura em pleno evento. E tao irritante para quem esta sendo filmado quanto para quem filma. Manejar a cimera é um modo de penetrar em qualquer coisa. O zoom nao substituird jamais um travelling Um tra- selling no cixo ou lateral, € uma forma de descobrir 0 mundo. Os Lumiére com- preenderam isto desde o inicio, colocando a mera num barquinho de Veneza, num trem na estagao de 1a Ciotat. Esta descoberta do mundo cm movimento, este movimento do aparelho, € um dos elementos essenciais da camera de reportagem. 0 movimento evidentemente traz impli- cacdes quanto 4 montagem. Voce prefere seguir, acompanhar 0 movimento ou corti-lo em tomadas separadas? A gente caiu muito rapidamente naquilo que se chamou de plano-seqiiéncia, que ¢ minutos numa bobina, ¢ temos entio que contar uma histéria em dez minutos, 0 que a0 € nada ficil. Eu s6 consegui isso uma vez, num culto de possessio que se chama Les tambours d'avant, Tourou et Biti. Neste filme, eu estava apressado, pois iria anoitecer, se no fosse isso, nfo teria feito. Meu técnico de som, Moussa Amidou, me disse: “a noite vai chegar, € preciso filmar alguma coisa, pois so tambores que vio desaparecer, nao houve Possessdo mas nao faz mal, vamos registrar a misica assim mesmo”, Eu comecei a filmar neste momento € a possessio aconteceu justo com aquele que estava entrando em transe. Isto me trouxe enormes problemas. Imagine lum cimera que, no espaco da danca, durante ado-temcs quase dez um ritual, segue com uma objetiva de 10mm, ou seja, muito préximo, de alguém que pode ser um "cavalo". HA nisto uma espécie de coreografia inspirada no fato de.que eu sabia s6 er dez minutos, e tentava no tropecar em nenhuma pedra, seno seria necessirio recomegar tudo novamente € eu nao poderia. Nao seria um pouco um exercicio de estilo? Um povco, talvez porque introduzi uma narraglo subjetiva. Fiz isso para assinalar um onto importante: o papel da cimera num ritual como este. Quem sabe a cimera tenha desempenhado um papel de catalisador, acelerando uma erise que era latente? Desempenhando de alguma forma um papel compardvel ao do tambor? E De repente a orquestra para de tocar. Geralmente, num caso como este, a gente conta e muda de angule, mas eu continuci Ora, as pessoas de Simiri, que tinham visto varios de meus filmes sobre possessio, pensavam que de dentro da cimera eu podia ver os espititos. Eles acreditavam que era um aparelho que detectava o invisi Assim, para cles, se eu continuav> no personagem que dancava, era espitito estava chegando. E isto “ac Qual era o efeito da cimera? Talv=2 mui mas tinha, quem sabe, também, 0 mesmo feito que um tambor bem cadenciado langa, no bom momento, esta sa: singular da mudanca de personalis [UARARGES SGSRSARARPRSRAASHRKRESHSEARAAKAAKQEG Se a gente elimina os cortes méveis na tentativa de seguir um movimento, de seguir a progressao de um evento, cortar nao € um sofrimento? £ Isto me acontece todo o tempo porque eu temo algumas vezes, ow porque alguem me toca, ou qualquer coisa desse género. © problema € que a gente nao sabe como vai montar depois. Assim, € preciso ter imaginagac-Toco sempre no mesmo ponto: E preciso ter a imaginacio que tinhamos com aquelas cimeras em que precisévamos retomar a tomada, quando 2 gente filmava com esta cimera, com planos que nao duravam mais de vinte ¢ cinco segundos, como no caso de Les matires fous, 2 gente refletia sobre qual seria 0 proximo plano. & gente mudava de angulo e construia 2 mis en-scéne pouco a pouco, com um corte que era automitico, pois no. tinhamos auto-nomia superior a vinte € cinco segundos. Quando a gente para por acidente, tem que guardar na cabeca 0 valor do plano que estava no visor, evitar movimentos pra li e pra cé e continuar 0 plano, ou mudar de angulo descendo até os pés. E preciso saber qual era a posi¢io do horizonte Entdo, vocé monta durante as tomadas? Eu continuo tentando montar durante as tomadas mesmo nestes casos, pois reparci que a busca de planos-seqiiencia feita de qualquer maneira € uma besteira. E um pouco, efetivamente, um exercicio de estilo Mas € um exercicio valido na medida em que € um filme em tempo real: mostramos como isso se passa realmente. E muito importante. E preciso entender que a possesséo nao € dada de imediato; algumas =A" veves ela acontece em vinte minutos, outras 5 em dois dias. Ainda mais porque ele é sustentado por um fundo musical e, com plano- seqiéncia, a gente nfo pode trapacear com 0 som, no € Este é, de fato, 0 ponto fundamental, 2 gente nao pode montar o som. Ora, 0 travelling apresenta uma grande vantagem, foi alias a grande descoberta de Fred Astaire Veja s6: quando vocé tem duas cimeras, em geral tem uma com objetiva normal ou ‘uma pequena teleobjetiva e outra com Angulo mais aberto, acontece que a mudanca de objetiva produz subjetivamente uma mudanca no tempo. Isto se deve 2 uma ilusio de peispectiva que aprendemos no cinema antigamente, no cinema mudo. Quando 2 gente filma, por exemplo, uma ceramista em close ¢ num plano distante, no plano distante a mao do ceramista na tela tem, talvez, um ‘metro por segundo, enquanto que em ciose ela tem trés metros por segundo. E, entao, um movimento muito rapido. Recomen- davam, assim, desacclerar os clases. Fred Astaize, a0 inventar 2 comédia musical, percebeu — ele filmava com varias cimeras — que assim nao dava. A montagem era impossivel, pois no se podia desacclerar a mésica, nao se podia alongar algumas imagens para operar esta transi¢io. A Gnica solucao era ter um movimento continuo com a mesma objetiva, muito préximo ou muito distante. Ele regulava, desse modo, a mise- en-scine de sua camera. Era remarcivel; foi que Gene Kelly nao conseguiu fazer anos mais tarde, pois nao tinha esta virude e este sentido que a imagem dé. eae au seanrde enone £ na mesa de monthgem que a gente percebe... E na mesa de montagem que a gente percebe. Eu filmei uma comédia musical em Dakar, Le bac ou le mariage. com Constantin Ele tinha uma objetiva de 16 mm: nossos planos no combinavam. Se fosse um texto, tudo bem, tém 2 mesma historia, a gente no muda a velocidade, mas pode-se alongar na ligacio para habituar o olho a esta mudanca; mas, querer se sair bem na insergio de um close num plano médio nio € nada evidente quando se tem misica. A vantagem do travelling & que permite filmar estas coisas € parar. 0 melhor partir de um ponto, chegar 4 outro e parar para retomar numa montagem normal. Mas isto nem sempre € faci Houve muito debate sobre a nogio de cinema-verdade. Quando a gente filma, a gente vive com a cimera um momento que se tenta 20 maximo nao cortar. f isto 9 cinema-verdade: 2 interacdo entre a c4mera participante ¢ as pessoas que a recebem? Desde o inicio, quando realizamos Chronique d'un 616, que Edgar Morin e eu dedicamos a Diga Verto, para falar de uma experiéncia de cinema- verdade, sabfamos perfeitamente que no era erdade, pois tinhamos onze horas de filme. Era preciso fazer uma montagem, mesmo no interior das seqiiéncias Algumas vezes era dada resposta a uma questo que nio estava no filme, pois tinhamos pulado uma passagem importante ‘A gente comegou2 montar o filme a partir da transcrigéo dos didlogos eliminamos as coisas que no nos pareciam importantes. Foi Jean Ravel quem criou os procedimentos uutlizados hoje em dia por todo mundo: por exemplo cortar num mesmo eixo, num mesmo personagem, desde que a cadéncia da frase funcione. Entio o que é a montage? E uma trucagem da verdade. Quando vocé dizia “cinema-verdade” isto no significava “pretensio em restituir integralmente 0 real”. Foi ai que houve um mal-entendido? Claro! Temos exemplos desde 0 inicio, pois as pessoas que haviamos filmado, elas mesmas diziam que era falso! (risos) Sa- oul, muito tocado com tudo isso, encontrou 6 texto do Vertov que nos dava a chave: a expressio cinema-verdade vinha de um jogo de palavras para traduzir 0 nome do suplemento cinematogrifico do Pravda, o jornal A verdade. E um pouco como hoje o Tele Libération. Mas ele entrou no jogo € fez uma frase para nds, se transformou na resposta desta questo: “o cinema-verdade nio € a verdade no cinema, é a verdade do cinema", Verdade panicular! Chronique d'un été é um filme que, por seu estilo, suporta bem a desordem das seqiiéncias, mas quando vocé faz um filme no Niger, tenho a impressio de que isto 0 deixatia doente, colocer uma sequncia antes, daoutra, invertendo a ordem do tempo seal. De fato isso incomoda. As vezes sou forcado a fazer, como se fosse uma marcha a ré, um play-back. Veja um exemplo: eu apresentei no Bilan do filme etnografico um filme que Dubosc fez sobre a montagem de SOSTEOHDISEECOKECDCSES meu primeiro filme Au pays des Mages Noirs —comigo ¢ trés africanos —, remontado por Acutilais Frangisses ¢ que me chocou terrivelmente, a comesar pelo titulo. Yocé nio era dono do produto final? Nao, de jeito nenhum! Eu cheguei do Niger completamente duro € 0 diretor da ‘Actualités Francaises — cvjo filho, pianista, 1s tinhamos encontrado numa casa noturna — nos propés: “eu fico com o filme, ele est hosrivel mas podemos fazer duas bobinas de dez minutos. Somos os mestres da montagem, da narragio da misica’. Quando eu vi 0 filme que fizeram, que cxaltava exotismo © com uma miisica de mercado persa, ou algo parecido, tive um sentimento de revolta Neste filme havia uma caga a0 hipopdtamo € um ritual no qual pediam ao espirito da gua que Ihes desse um hipopétamo. As Actualités Frangaises acharam que esse ritual, um culto de possessio, era mais ftico que 2 caga e a colocaram no final do filme como se eles agradecessem a0 espirito da gua, coisa que no jamais aconteceria. No Niger, quando se dava de ‘comer, nao se agradecia, isto era um insulto, Devo admitir que este artificio tornava 0 filme, incontestavelmente, mais dramatico. Mais tarde eu o revi e reconhego que ele foi tmuitissimo bem montada! Do ponto de vista da dramaturgia do documentirio, as Actualités tiveram raza0 ao inverter a mon- tagem. Eles 20'menos me ensinaram algo que €U nao sabia. Eu estava chocado, nao queria admitir, mas depois de tudo, essa gente conhecia seu trabalho, eles faziam dois filmes como este por semana! E talvez a embalagem “exotizante” que => resistiu mal 20 tempo? Exatamente. Fiz a experiéncia de apresenté-lo em Marselha‘, cortando 0 som refazendo o comentario, Pois o comentario tinha sido confiado, pela Actualités Fran- caises, a um comentarista esportivo que dava ‘a entonacio da maratona Teis* do France: ‘seanit meron! “e agora o hipopétamol..."Era angustiante! aaa Mas, cortando 0 som, retirando a misica ¢ este comentirio, apenas contando 0 que ens tacens am acontecia, o filme retomou sua verdadeira vote taco te dimensao. Ee Ha uma coisa que sempre me espantou. Compreendo por que vocé sempre cita Flaherty mas, a0 mesmo tempo, quando a gente olha o trabalho deles € a sua concepsao do cinema, vé que é bastante diferente. A gente sabe que Flaherty no se incomodava com a encenacio, em recortar seus planos, em colocar em cena, em utilizar atores} @ Vertov... } Escuta: Nanoob foi o primeiro filme que cu vi na minha vida! Eu o revi ha pouco tempo em Manosque, numa c6pia de 16 mm que nfo estava nada mi, mas pedi que cortassem 0 som. Na sala, as criangas tiveram a mesma reacdo que tive nos anos 1920, em. Brest,° quando vio filme pela primeira vez. Entao, funciona! wo Que o filme é excelente, € incontestével, mas ¢ em relacio & etnografia? Sabemos que 0 iglu no qual Flaherty filmou era aberto para deixar passar a luz, que Nanook no se chamava Nanook, que as mulheres de Nanook nao eram suas mulheres, somente uma delas. Bem, houve uma série de criticas a este respeito, mas seri que muda alguma coisa? Mas voce lanca mio desse tipo de pratica? Nio, e veja por que: cu sempre filmo com as mesmas pessoas, Damouré ¢ seus companheiros sio velhos cimplices de todas as aventuras € eles nao compreenderiam se ‘eu mudasse sua identidade, etc. Flaherty viveu cinco ou seis anos na baia de Hudson, ele conhecia perfeitamente essas pessoas, ele comparilhava de suas vidas e trouxe Nanook. Ele me faz pensar um pouco em Robert Gardner. Flaherty fazia um filme sobre uma regiio mas se ligava a certas temiticas: depois de rodar Nanook, 2 luta do homem contra a natureza hostil, flmou Moana, a luta do homem numa natureza bastante benevolent. E cle nunca voltou aos lugares, a mesma coisa com Man of Aran. Ele passava o tempo que fosse necessério no lugar. Fazia seu trabalho ‘endo voltava mais. A diferenca, exemplar para 4 €poca e ainda hoje, € que ele mesmo fazia 0 trabalho de laboratério ¢ apresentava 0 filme is pessoas do lugar. O ponto onde me encontre com Flaherty € esta camera participante. A cimera esté dentro. Ele construiu su histéria com Nanook, projetando 6 filme a Nanook e sua familia, mesmo que ele no se chamasse Nanook, mesmo que a mulher de Nanook no filme, seja a0 mesmo tempoa mulher que esquentava as noites frias de Flaherty ¢ que — s6 soubemos disso anos mais tarde com certa emocao — Ihe deu um filho. Mas era alguém que tinha esta qualidade de utilizar 0 cinema sem guarda- lo para si ou para salas futuras, que 0 compartilhava diretamente com as pessoas gue filmava Sera que a diferenca nfo esta no fato de Flaherty ter 0 cuidado de embelezar a realidade enquanto para voc? a realidade é bela como tal, ou, em todo caso, muito forte? Bela? Vamos devager! Quando filmamos es mafires fous — um filme bastante duro de fazer, um filme sanguinaro, reeitado por todo mundo, censurado em todo canto — a noite, depois desse ritual de possessio, ouxemos Damouré, Lam, Tallow ¢ algumas das pessoas que haviam panicipado em nosso ‘arto, principalmente aquela que se chamava A locomotiva. Ap6s 0 ritual agitado, ela cheirava 2 suor ¢ Bue, cachorro ¢ aos perfumes que tinha be- bido(era uma mistura muito horrorosa). O-caraestava muito, mas muito cansado: este “cavalo de espititos” estava_literalmente morto! Nés 0 levamos, 0 colocamos em casa Foi ai que Damouré me disse: “Nos fizemos tum filme horrivel hoje”. Era a impressio que tinhamos, ¢ nesta mesma noite decidimos que irfamos ver as pessoas no dia seguinte Fizemos entio este dltimo plano, onde 2 gente os revé. Na montagem, nao hesitamos em mostrar Guetba coberto de baba e sangue, alucinado , no dia seguinte, sorsidente, purificado, a cabega raspada. Entio, no € um “final feliz", € uma atitude’que significa: “veja, € assim que se passa...” pOddREGS re ECCECEOEEEEEESEE Bom, digamos que nao € uma bela realidade mas uma realidade forte. Mas vocé nao chega a vestir alguém com outra roupagem s6 por achar que os brancos iriam apreciar muito mais. Nao, claro, da mesma maneira que nao vou despir os negros. Isto me faz lembrar 0 que disse Gardner quando viu La chasse a lion @ Parc. *mas cles esta0 com coturnos nilitares!”. E a? Nio vou fazé-Jos andar de és descalgos nos espinhos. A gente mostra as pessoas tal como sio: elas sio assim! Mas desde Nanook, em 1922, tinha-se a dia de fazer filmes a partir daquilo que as pessoas solicitavam. E. Razio pela qual vemos Nanook com. caleas de pele de urso quando nesta época rio havia mais. Mas Flaherty tentou fazer uma caga aos ursos, pois cra algo de muito importante. A caga 8s morsas também cra um exemplo interessante. Fra praticada em has onde Nanook nunca tinha ido, mas representava a tradig20 de sua familia Flaherty organizou, entio, com ele, uma caca as moysas. E 0 fez de forma dramitica: 2 cimera no tripé estava entre 0 caador € 2 presa. E estranho que André Bazin tenha escrito: “é um plano-sequéncia’, quando havia cinco planos! Nosso amigo JeanDominique Lajoux viv um fuzil num piano e este no esava mais no plano seguinte. Ele considera que houve trapliga. O que se pode fazer, se no havia muitos arpdes ou coisas do genero ¢ Flaheny mata o animal para que possamos velo sair? Reconheco que desse jeito a gente brinca com fogo. Mas se eu, ainda crianga, como todos 0s espectadores, fiquei seduzido pelo sorriso de Nanook — ndo podemos esquecer que 0 “sorvete de chocolate ¥ Esquimé” surgiu com Nanook —, isto justifica 0 sucesso mundial deste filme, o que € muito importante. Os _espectadores no viram todas 2s trucagens, isto € certol E é verdade que elas continuam existindo. Vejamos 2 seqiéncia da caca a foca Soubemos depois que foi feita com uma corda, que passava de um buraco a outro: de um lado, Nanook puxava e, de outro, as pessoas puxavam também, £ uma sequéncia aque funciona ¢ é extremamente cémica! Voce ja teve idéia de fazer coisas parecidas? Nao, nunca, Sua fascinacao é outra? E, mesmo se percoa cena. Por exemplo, a caca a0 hipopétamo foi perdida, o hipopotamo fugiu: para mim, estava ter- minado! A caca perdida, eu a tomava como tal. Nos estivamos trstes. Passamos quatro ‘ou cinco meses no rio € voltamos vencidos: no matamos 0 hipop6tamo. Os pescadores fizeram um gesto simbélico de colocar suas roupas pelo avesso € nés voltamos para 0 rio. Utilizei minhas tltimas bobinas para filmar este retorno, mas nao filmei a chegada no povoado quando as mulheres vicram insulté-los! Foi uma pena! O que é engracado é que este filme se tornou classico no Niger. Engracada € também esta anedota, tum dia levei alguns amigos franceses numa canoa para ver os hipopétamos. De repen- te 0 barqueiro de’ trés disse em francés: gains anaes | JE © grande macho de Tamoulés some na bruma 4 noite, levando todos os ampées dos O barqueito da frente se volta e Pescadores”, Perguata: Por que voce diz isso? Endo, v0c8 ndo 0 reconece? “Quem? ~O branco que eta, wsct nio 0 reconbece? ‘Nao. ‘Mas 6 0 Jean-Jacques Rocheau! El citava.o meu comentitio do filme, que em tempos, Um Passa na televisio de tempos classico, como the dizia Pendurava os planos em pr 38 imagens necessirias pa uma narrativa onde os p Praticamente como letras de um texto. ra verdade, mas ele fazi mudo. Eu pude utiliz Sravadores Portateis, 0 som ainda nao era Sincronizado, mas era real. Ora, desde que a Bente tem acesso ao som, 2 gente fica cativado. Nio alo apenas no plano musical, mas também no do ambiente, etc. Desde que vocé tenha n Som real, fea muito dif colocaalguma cols Tans 00 depois. Veja como fiz com Io, am Fa beira,da lagoa de Abidjan, depois que Eddie Constantine esteve na Prisdo, Oumarou Ganda-Robinson discute com Petit Jules, olhando a lagoa, e diz: “isto Ihe faz Petsar em qué? Nao te faz pensar no Niger? Efile’ a lagoae, passando no Niger unr més 80s e tirava Ta construir lanes eram 3 ‘coria de Vertov sobre a montagem, ia isso com o filme ar rapidamente os depois, filmei uma sequéncia em Tourmi Bougné, um lugar que ié desapareceu, ume ilha do rio no meio de Niamey, onde os jovens sesencontavam todas as notes, era 6 lugar bendito da juventude. Filmei este ugar ¢ 9 nuoduzi no filme como uma das lembrancas que ele evocava. Eu o introduzi entre dois Planos filmados no mesmo momento em que cle diz: “Venha, nao estamos no Ni ger!” ¢ Conta guerra da Indochina, Neste momento, nao estamos longe de uma montagem “Vertoviana’. com uma citagao, E verdade, mas é bastante raro no teu trabalho. Hé também a montagem ternada em La Goumbé des jeunes "oceurs, onde o regulameato da Sociedade, recortado, gyserve de comentirio a0 filme. sim, & Yerdade, estas montagens sio bastante rarg ‘mas eu as utilo quando elas funcionam Quando a gente otha para a sua carreira de etndgrafo, vocé esta um pouco acima das querelas entre as “estatisticas” ¢ as “Mindmicas”, pois vocé tem uma grande admiragao pela sociedade tal qual ela era Ro pasado, como a etnologia de Marcel Griauli. Mas, 20 mesmo tempo, tudo que muda na Africa 0 apaixona do mesmo modo. Aquilo que se conversa num téxi Ihe interessa tanto quanto uma prece aos ancestrais, no € isso? Tive algumas querelas com Griaule Guando comesamos a estudar as migragses que nos conduziriam 2 Accra. Ele tinha ondenado violentamente tes matires fous, : : : : pois, para ele, sua imagem era um pouco a imagem inrisoria do branco mostrada pelas pessoas em transe, ele compreendeu isso imediatamente. Nao era a imagem dos/africanos que 0 incomodava? De jeito nenhum!. Ere, principalmente 0 retrato horrivel do branco} era, antes de tudo, uma imagem bem proxima da realida-de! (ris0) Mas além disso, me parece que vocé sempre se interessou muito mais pelos iugares que mudaram, testemunhos do passado, do que por um bar num subirbio de Abidjan. Claro! Moi, um noir ficou censurado pelo governo da Costa do Marfim desde 1959. pois nfo podiam admitir que mostrissemos a violéncia, a pobreza. Levei uma cépia do filme (35 mm) para Niamey, no décimo aniversirio da morte de Oumarou Ganda, que trabalhava no filme, descobri algo de impressionante que havia esquecido: estas pessoas, ainda que vivendo numa incrivel miséria,tinham uma grande alegria de viver, tum apetite, uma imaginacio. Tudo isto tinha desaparecido. As condigdes de vida dos estivadores era terrivel, 0 cara jogando cartas para dividir © ganho, era abominavell Mas 29 mesmo tempo, havia estes sonhos ermanentes aspirando por outra coisa, havia esperanga Sera que tudo isso desapareceu por completo? H4 pouco tempo, um amigo meu chegou do Mali surpreso, pois ele 86 conhecia deste pais os comentirios miserabilistas das secas sucessivas. Ora, le ficou impressionado com a vitalidade extraordinaria, a pulsio de vida que havia por todo lad Isto € verdade em relagio 3 luta contra a natureza, mas quanto 4 situacio dos imigrantes, podcrfamos dizer que sio quase refugiados nas cidades. A situacao dos mendigos, das doentes, de todos aqueles que “tabalham” nos sinais de trinsito na tentaiva de obter 0 que comer, piorou tremendamente. A suscetibilidade de certo piblico, mesmo das pessoas filmadas, as vezes entristece voce? Hi, de fato, casos horsiveis. Vejamos, por exemplo, Toubi Boubi de Djibeil Diop, um dos raros filmes barrocos seneg: foi rejeitado no Senegal ¢ nunca obteve 0 sucesso que deveria. Portanto é, sem divida dos filmes senegaleses de vanguarda, 0 mais extraordinario. Muitas vezes as pessoas rejeitam a sua propria imagem. Quando filnci Jaguar, no inicio ev queria documentirio sobre os migrani deixavam seus povoados para tr cidade. Muito rapidamente decidimo um filme de feglo, pois era muito ¢ estar em todo canto. Entio m* que nao era propicio mos imagens documentais ¢¢ pilavam milho no merc vergonhoso. a fico p ‘sem magoar ninguér ls Mesmo que vocé tenha muita ternura pela humanidade, sera que o cinema, por definigio no € uma profissio violenta na medida em que a gente arranca as imagens do seu tempo e lugar? E, de todo modo, um come ao vivo, nao? E particularmente verdade quando as imagens resistem 20 tempo. Hé uns dez anos, Lam viu o inicio de Jaguar na Cinemateca Francesa, em Paris, € comegou a chorar, dizendo: “Nao posso ver esse filme, pois hoje em dia todo esse gado, todas estas arvores desapareceram”. Ele via na imagem 0 atlas do tempo, a erosio, a desertificacio que nao nos damos conta no dia-a-dia. E como um rosto que envelhece: nao vemos os nossos préximos envelhecer, somente quando encontramos alguém cinco anos depois € que dizemos “opal'(risos). Por acaso conheci, do tempo de Jaguar, um Niger onde a cultura do milho ocupava trés meses de trabalho ¢ dava nove meses de férias. Quando nio havia seca, era maravilhoso. E quando os jovens partiam para trabalhar na cidade para comprar coisas, eles muitasvezes em um $6 que tinham ganho em seis meses espécie de jogo. Era uma Yocé falou de idade ¢ de préximos, recentemente vocé quis fazer com que Nathalie, a maravilhosa dancarina de Les Goumbé des jeunes noceurs dancasse novamente, no? Nathatie continua dangando muito bem Agora € uma velha senhora, mas ela guardou seu charme. Ela nio quis dancar. Dois dos heréis do filme cstio mortos, portanto era bastante fiinebre para cla fazer um remake Seria impossivel, pois teria que reviver as a a ala eee ee OE eel oo pessoas desaparecidas. O cinema tem uma memoria impiedosa que € também sua verdadeira grandeza. Ele guarda a vida apesar do tempo. Quando 2 gente reve, hoje. 0 primeiro filme de Marcel Carné. Nogent. Eldorado du dimanche, a gente fica impressionado com as imagens de Nogent, 1s bailes de domingo, os rapazes, as moras Fica-se espantado com a elegancia, a ex- traordindria beleza das opcritias © desses operarios que vinham dancar no domingo ¢ que eram pessoas dignas, gente alegre. E njo era apenas para 2 cimera. Como dizia André Leroi-Gourhan: “um filme, mesmo quando ndo é bom, traz uma imagem insubsttuivel da vida cotidiana, pessoas que foram filmadas na sua €poct € no seu meio”

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