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BOM E VELHO NEON

David Foster Wallace

Minha vida inteira eu fui uma fraude. Não estou exagerando. Praticamente tudo que
eu fiz o tempo todo foi tentar criar uma certa impressão de mim nas outras pessoas.
Sobretudo para ser apreciado ou admirado. É um pouco mais complicado que isso,
talvez. Mas quando você vai direto ao ponto é ser apreciado, amado. Admirado, apro-
vado, aplaudido, tanto faz. Você pegou a ideia. Eu fui bem na escola, mas lá no fundo
o motivo da coisa toda não era aprender ou melhorar a mim mesmo mas apenas ir
bem, tirar boas notas e formar times de esporte e ter um bom desempenho. Ter uma
boa transcrição e cartas do time do colégio para mostrar às pessoas. Eu não aprovei-
tei muito disso porque eu estava sempre assustado achando que eu não ia me sair
bem o suficiente. O medo me fez me dedicar pra valer, de forma que eu iria sempre
me sair bem e conseguir o que eu queria. Mas então, uma vez que eu tivesse tirado a
melhor nota ou garantido All City ou levado Angela Mead a me deixar pôr minha
mão no peito dela, eu não sentia muita coisa exceto talvez o medo de que eu não seria
capaz de conseguir isso de novo. Da próxima vez ou próxima coisa que eu quisesse.
Eu me lembro de estar lá embaixo na sala de jogos no porão da Angela Mead no sofá
e ela tendo me deixado colocar minha mão debaixo da blusa dela e nem sequer real-
mente sentindo o macio vívido ou seja-o-que-for do peito dela porque tudo que eu
estava fazendo era pensar, ‘Agora eu sou o cara que a Mead deixa chegar a um se-
gundo nível com ela.’ Mais tarde isso pareceu tão triste. Isso foi na escola secundária.
Ela era uma garota de grande coração, calma, auto-contida, pensativa — ela é vete-
rinária agora, com sua própria prática — e eu nunca sequer a vi realmente, eu não
podia ver nada exceto quem eu poderia ser nos olhos dela, essa líder de torcida e
provavelmente a número dois ou três entre as garotas mais desejadas na escola se-
cundária naquele ano. Ela era muito mais do que isso, ela estava além de todo esse
ranking adolescente e essas porcarias de popularidade, mas eu nunca realmente a
deixei ser ou a vi como mais, embora eu tenha montado uma fachada muito boa
como alguém que pode ter conversas profundas e realmente querer saber e entender
quem ela era por dentro.
Depois eu fiz análise, eu tentei análise assim como quase todos os outros em seus
vinte e poucos que haviam feito algum dinheiro ou constituído família ou seja lá o
que for que eles pensaram que eles queriam e que continuaram não sentindo que
eram felizes. Um monte de gente que eu conhecia tentou isso. Não deu muito certo,
embora tenha feito todo mundo soar mais ciente de seus próprios problemas e adi-
cionado algum vocabulário e conceitos úteis para a maneira como todos nós tínha-
mos que falar uns com os outros para encaixar isso e soar de uma certa maneira.
Você sabe o que eu quero dizer. Eu estava envolvido com publicidade regional em
Chicago no momento, tendo feito o pulo de uma compradora média para uma grande
firma consultora, e com apenas vinte-nove eu fiz uma associação criativa, e verda-
deiramente como eles diziam eu era um garoto laureado e na marcha rápida, mas
não era nem um pouco feliz, seja lá o que feliz signifique, mas é claro que eu não
disse isso para ninguém porque seria um tamanho clichê — ‘Lágrimas de um Pa-
lhaço,’ ‘Richard Cory,’ etc. — e o círculo de pessoas que pareciam importantes para
mim pareciam muito mais secas, oblíquas e desdenhosas com clichês como esse, e
então é claro que eu gastei todo meu tempo tentando fazer com que elas pensassem
que eu era tão seco e entediado quanto, fazendo coisas como bocejar e olhar para as
minhas unhas e dizer coisas como, ‘Eu sou feliz? é uma daquelas perguntas que, se
precisam ser feitas, meio que já ditam a própria resposta,’ etc. Colocando em tudo
isso tempo e esforço parar criar uma certa impressão para conseguir aprovação ou
aceitação de tal forma que então eu não sentia nada a respeito porque não tinha nada
a ver com quem eu realmente era por dentro, e eu estava tão aborrecido comigo
mesmo por ter sido sempre tamanha fraude, mas parecia que eu não conseguia me
ajudar nisso. Aqui estão algumas das várias coisas que eu tentei: EST, pilotar uma
bicicleta de dez marchas na ida a Nova Scotia e na volta, hipnose, cocaína, quiropra-
xia sacro-cervical, fazer parte de uma igreja carismática, fazer cooper, trabalhos pú-
blicos para o conselho de anúncios, aulas de meditação, os Maçons, análise, o Fórum
Landmark, o Curso em Milagres, um workshop de desenho com o lado direito do
cérebro, celibato, colecionar e restaurar Corvettes clássicos, e tentar dormir com uma
garota diferente todas as noites por dois meses inteiros (eu acumulei um total de
trinta-e-seis para sessenta-e-um e também peguei chlamydia, o que eu contei para
amigos a respeito, agindo como se eu estivesse embaraçado mas secretamente espe-
rando que a maioria deles ficassem impressionados — o que, sob a capa de estarem
fazendo um monte de piadas às minhas custas, eu acho que eles estavam — mas a
maior parte desses dois meses fez apenas com que eu me sentisse superficial e pre-
datório, além disso eu perdi uma grande quantidade de sono e fiquei como um nau-
frago no trabalho — esse foi também o período em que eu tentei a cocaína). Eu sei
que essa parte é chata e provavelmente está chateando você, a propósito, mas fica
muito mais interessante quando eu chego na parte na qual eu me mato e descubro o
que acontece imediatamente após uma pessoa morrer. Em termos de lista, psicaná-
lise foi praticamente a última coisa que eu tentei.

O analista que eu frequentei era OK, um cara grande e agradável com um bigode
comprido e ruivo e uma pessoa simpática, com uma espécie de jeito informal. Eu não
tenho certeza se eu me lembro dele vivo muito bem. Ele era um ouvinte bastante
bom, e parecia interessado e compreensivo em uma maneira levemente distante. De
início eu suspeitei que ele não gostasse de mim ou estivesse inquieto com a minha
presença. Eu não acho que ele estivesse acostumado com pacientes que já estavam
conscientes de qual era o problema real deles. Ele também era um pouco empurrador
de pílulas. Eu recusei em tomar antidepressivos, eu simplesmente não conseguia me
ver tomando pílulas para tentar ser menos fraudulento. Eu disse que mesmo que elas
funcionassem, como eu poderia saber se era eu ou apenas as pílulas? Naquele tempo
eu já sabia que eu era uma fraude. Eu sabia qual era o meu problema. Eu simples-
mente não conseguia parar. Eu me lembro que eu gastei talvez as vinte primeiras
vezes ou mais na análise atuando como se fosse todo aberto e cândido mas na reali-
dade meio que duelando com ele ou levando ele pelo nariz, basicamente mostrando
a ele que eu não era apenas mais um desses pacientes cambaleando sem a menor
ideia de qual seria o seu problema real ou desses que estão totalmente fora de contato
com a verdade sobre si próprios. Quando você vai direto ao ponto, eu estava tentando
mostrar para ele que eu era pelo menos tão inteligente quanto ele era e que não tinha
muita coisa que ele viria a ver sobre mim que eu já não tivesse visto ou descoberto.
No entanto eu queria ajuda e realmente estava lá para conseguir alguma ajuda. Eu
nem ao menos contei para ele o quão infeliz eu era até uns cinco ou seis meses de
análise, principalmente porque eu não queria parecer como sendo apenas mais um
desses vencedores, yuppies auto-absorvidos, apesar de pensar que mesmo então eu
já estava consciente em algum nível que isso era o que eu realmente era, lá no
fundo.

Desde o começo, o que eu mais gostava no analista era que o escritório dele era
uma bagunça. Havia livros e papéis por toda parte, e geralmente ele tinha que tirar
coisas do assento para que eu pudesse sentar. Não tinha sofá, eu sentava em uma
poltrona e ele sentava de frente para mim em sua surrada cadeira de escritório cuja
parte de trás tinha um desses grandes retângulos ou capas de bolinhas de massagem
para as costas fixo da mesma maneira que os taxistas frequentemente colocavam em
seus assentos no taxi. Isso era outra coisa que eu gostava, a cadeira de escritório e o
fato de que ela era um pouco pequena demais para ele (ele não era um cara pequeno)
de forma que ele tinha que se sentar meio que quase arqueado com seus pés planos
no chão, ou então às vezes ele colocava suas mãos atrás da cabeça e recostava-se na
cadeira de uma maneira que fazia a parte traseira guinchar terrivelmente quando ela
se inclinava para trás. Sempre parece haver algo de padronizador ou um pouco con-
descendente com alguém que cruza as pernas enquanto fala com você, e a cadeira de
escritório não permitia que ele fizesse isso — se ele alguma vez cruzasse as pernas
seu joelho ficaria lá perto do queixo. No entanto ele aparentemente nunca tinha sa-
ído para adquirir uma cadeira de escritório maior ou melhor para ele, ou até mesmo
se incomodado de olear as articulações médias da mola para deixar a parte traseira
sem os guinchos, um barulho que eu sei que teria me conduzido contra uma parede
se essa fosse a minha cadeira e eu tivesse que passar o dia inteiro nela. Eu notei tudo
isso quase de uma vez. O pequeno escritório também exalava a tabaco de cachimbo,
o qual é um cheiro agradável, além de que o Dr. Gustafson nunca tomava notas ou
respondia tudo com perguntas ou qualquer outro dos clichês e coisas de analista que
teriam tornado a coisa toda demasiadamente horrível para continuar voltando quer
isso estivesse ajudando ou não. O efeito completo era de um tipo simpático, desor-
ganizado e descontraído de cara, e as coisas lá na verdade ficaram melhores depois
que eu percebi que ele não ia fazer nada para me impedir de duelar com ele e ante-
cipar todas suas perguntas de forma que eu pudesse mostrar que eu já sabia a res-
posta — ele iria ganhar seus $65 de qualquer maneira — e finalmente saiu e contei
para ele sobre ser uma fraude e me sentir alienado (eu tive que usar a palavra da
parte alta da cidade, é claro, mas ainda era a verdade) e começando a me ver termi-
nando por viver dessa maneira pelo resto da minha vida e sendo completamente in-
feliz. Eu disse para ele que eu não estava culpando ninguém por eu ser uma fraude.
Eu tinha sido adotado, mas isso foi quando bebê, e os pais adotivos que me criaram
eram melhores e mais agradáveis que a maioria dos pais biológicos que eu sabia al-
guma coisa a respeito, e eu nunca fui agredido ou abusado ou pressionado para atin-
gir .400 na Legion ball ou qualquer coisa assim, e eles fizeram uma segunda hipoteca
para poderem me mandar para uma faculdade de elite quando eu poderia ter conse-
guido uma bolsa de estudos na U.W.-Eau Claire, etc. Ninguém nunca fez nada de
errado comigo, cada problema que eu alguma vez tive eu fui a causa. Eu era uma
fraude, e o fato de que eu estava sozinho era minha própria culpa (é claro que os
ouvidos dele se apuraram para culpa, que é um termo carregado) porque eu parecia
estar tão totalmente auto-centrado e fraudulento que eu experienciava tudo em ter-
mos de como afetaria a visão das pessoas de mim e o que eu precisaria fazer para
criar a impressão de mim que eu queria que elas tivessem. Eu disse que eu sabia qual
era o meu problema, o que eu não podia fazer era pará-lo. Eu também admiti para o
Dr. Gustafson algumas das maneiras com que eu tinha tentado fazer ele de idiota
anteriormente e tentado garantir que ele me veria como inteligente e autoconsciente,
e disse que eu sabia mesmo então que ficar jogando assim e me mostrando na análise
era uma perda de tempo e de dinheiro mas que eu parecia não conseguir ajudar a
mim mesmo, apenas acontecia automaticamente. Ele sorriu para tudo isso, nessa
que foi a primeira vez que eu me lembro de tê-lo visto sorrindo. Eu não quero dizer
que ele era azedo ou sem humor, ele tinha um rosto amigavelmente grande e verme-
lho e um estilo agradável o suficiente, mas essa foi a primeira vez que ele sorriu como
um ser humano tendo uma conversa real. No entanto eu vi na mesma hora a lacuna
que eu tinha deixado aberta contra mim — e com certeza ele diria. ‘Se eu te entendi
bem,’ ele diz, ‘você está dizendo que você é basicamente uma pessoa calculista e ma-
nipulativa que sempre diz o que você pensa que vai levar alguém a aprovar você ou
formar alguma impressão de você que você pensa que você quer.’ Eu disse para ele
que isso era talvez um pouco simplista mas basicamente acurado, e ele disse mais
adiante que se ele tinha entendido bem eu estava dizendo que era como se eu esti-
vesse preso nesse falso modo de ser e incapaz de alguma vez ser totalmente aberto e
dizer a verdade independentemente de se isso me faria parecer bem aos olhos dos
outros ou não. E eu meio que resignadamente disse sim, e que eu parecia sempre ter
tido essa parte fraudulenta, calculista do meu cérebro disparando o tempo todo,
como se eu estivesse constantemente jogando xadrez com todo mundo e descobrindo
que se eu quisesse que eles se movessem de uma certa maneira eu teria que mover
em tal maneira para induzir eles a se moverem dessa maneira. Ele perguntou se eu
já tinha jogado xadrez, e eu disse a ele que eu costumava quando estava na escola
secundária mas parei porque eu não conseguia ser tão bom quanto eu eventualmente
queria ser, quão frustrante é se tornar bom o suficiente para saber o que se tornar
realmente bom nisso seria mas não estar apto a alcançar esse bom, etc. Eu estava
colocando isso de forma um tanto densa na esperança de distraí-lo do grande insight
e questão que eu percebi que tinha deixado aberta contra mim. Mas não funcionou.
Ele se reclinou em sua cadeira ruidosa e fez uma pausa como se ele estivesse pen-
sando para valer, para efeito — ele estava pensando que ele ia começar a sentir como
se tivesse realmente merecido seus $65 hoje. Parte da pausa sempre envolvia afagar
seu bigode em uma maneira inconsciente. Eu estava razoavelmente convicto que ele
iria dizer alguma coisa como, ‘Então como você foi capaz de fazer o que você acabou
de fazer apenas um momento atrás?,’ em outras palavras significando que ele pensou
que me pegaria em algum tipo de contradição lógica ou paradoxo. E eu fui em frente
e me fiz um pouco de pateta, provavelmente, para levá-lo a ir em frente e dizê-lo, em
parte porque eu continuava mantendo alguma esperança de que o que ele iria dizer
poderia ser mais discernível ou incisivo do que o que eu tinha previsto. Mas foi em
parte também porque eu gostava dele, e eu gostava da maneira como ele parecia ge-
nuinamente satisfeito e excitado com a ideia de ser prestativo mas estava tentando
exercer controle profissional sobre sua expressão facial no intuito de fazer a excita-
ção parecer mais como simples amenidade e interesse clínico no meu caso ou seja lá
o que for. Ele era difícil de não gostar, ele tinha o que é conhecido como um jeito
cativante. Por meio de decoração, a parede do escritório atrás da cadeira dele tinha
duas pinturas emolduradas, uma sendo aquela do Wyeth de uma garotinha no
campo de trigo subindo uma colina em direção à fazenda, e a outra uma natureza
morta de duas maçãs em uma tigela sobre a mesa do Cézanne. (Para ser sincero, eu
só sabia que era do Cézanne porque era um pôster de um Instituto de Arte e tinha
um banner com informações sobre o Cézanne à mostra debaixo da pintura, que era
uma natureza morta, a qual era estranhamente desconforme porque tinha algo leve-
mente fora do lugar no que se refere à perspectiva ou estilo que fazia com que a mesa
parecesse torta e as maçãs quase quadradas.) As pinturas estavam ali obviamente
para dar aos pacientes do analista algo para olhar, já que muitas pessoas gostam de
olhar ao redor ou olhar para coisas nas paredes enquanto falam. Eu não tinha ne-
nhum problema em olhar direto para ele na maior parte do tempo em que eu estava
lá, no entanto. Ele tinha um talento para te deixar tranquilo, não há dúvida sobre
isso. Mas eu não tinha nenhuma ilusão de que isso não era nada mais do que ter o
insight ou poder de fogo o suficiente para tentar achar alguma maneira de realmente
me ajudar, no entanto.

Tinha um paradoxo lógico que eu chamava de ‘paradoxo da fraudulência’ que eu


tinha descoberto mais ou menos por minha conta enquanto assistia um curso de ló-
gica matemática na escola. Eu me lembro disso como sendo uma enorme palestra de
graduação cuja reunião acontecia duas vezes por semana em um auditório com o
professor em cima do palco e nas sextas em seções menores de discussão lideradas
por um assistente graduado cuja vida inteira parecia ser lógica matemática. (Além
de que tudo que você tinha que fazer para ser um ás na classe era sentar com o livro
atribuído que o professor era o editor e memorizar os diferentes modos de argu-
mento e formas normais e axiomas de qualificação de primeira ordem, o que signi-
fica que o curso era claro e mecânico assim como a própria lógica em que se você
colocar tempo e esforço, eis que estoura em uma boa nota na outra extremidade. Nós
só chegamos a paradoxos como os paradoxos de Berry e Russel e no teorema da in-
completude bem no final do prazo, e eles não caíram na prova final.) O paradoxo da
fraudulência era que quanto mais tempo e esforço você colocava em tentar parecer
impressionante ou atraente para as outras pessoas, menos impressionante ou atra-
ente você se sentia por dentro — você era uma fraude. E quanto mais você se sentia
uma fraude, mais ainda você tentava transmitir uma imagem impressionante e amá-
vel de você mesmo de forma que as pessoas não descobrissem o quão vazio e frau-
dulento você realmente era como pessoa. Logicamente, você pensaria que no mo-
mento em que o garoto-de-dezenove-anos-de-idade supostamente inteligente se
torna ciente desse paradoxo, ele iria parar de ser uma fraude e apenas resolver que
seria ele mesmo (seja lá o que isso for) porque ele descobriu que ser uma fraude é
uma regressão infinitamente viciosa que em última análise resulta em se sentir ame-
drontado, sozinho, alienado, etc. Mas aqui estava o outro, o paradoxo de ordem su-
perior, que nem sequer tem uma forma ou nome — eu não fiz, eu não poderia. Des-
cobrir o primeiro paradoxo aos dezenove anos de idade apenas trouxe em espadas
para a casa e para mim o quão vazio e fraudulento tipo de pessoa eu basicamente fui
desde pelo menos quando eu tinha quatro anos e menti para o meu padrasto porque
eu percebi de alguma forma bem no meio de quando ele estava perguntando se eu
tinha quebrado o vaso que se eu dissesse que eu tinha mas ‘confessasse’ isso de uma
forma um tanto quanto desajeitada, implausível, então ele não iria acreditar em mim
e iria em vez disso acreditar que minha irmã Fern, que é a filha biológica dos meus
pais adotivos, era quem tinha na verdade quebrado o antigo vaso de vidro que minha
madrasta tinha herdado de sua avó biológica e amava totalmente, além de que leva-
ria ou induziria ele a me ver como um bom e gentil irmão adotivo que estava tão
ansioso para manter Fern (de quem eu realmente gostava) sem se meter em proble-
mas que eu estaria disposto até a mentir e ser punido por isso no lugar dela. Eu não
estou explicando isso muito bem. Eu tinha apenas quatro anos, em primeiro lugar, e
a percepção não me atingiu com palavras da maneira como eu estou colocando agora,
mas sim em termos de sentimentos e associações e certos flashes mentais dos rostos
dos meus pais adotivos com várias expressões faciais neles. Mas aconteceu nessa ra-
pidez, com apenas quatro anos, que eu descobri como criar uma certa impressão por
saber que efeito eu iria produzir no meu padrasto com a minha ‘confissão’ implausí-
vel de que eu tinha socado Fern no braço e roubado o bambolê dela e corrido por
todo o caminho no andar de baixo com ele e começado a bambolear na sala de jantar
bem ao lado do guarda-louça com todos os antigos objetos de vidro e enfeites da
minha madrasta ali, enquanto Fern, esquecendo tudo sobre o seu braço e bambolê
por causa de toda sua preocupação com o vaso e os outros objetos de vidro, veio
correndo escada abaixo gritando comigo, me lembrando do quão importante era a
regra de que nós não deveríamos brincar na sala de jantar… Significando que por
mentir em uma maneira tão deliberadamente inconvincente eu poderia na realidade
conseguir tudo que uma mentira direta poderia supostamente me oferecer, e além
disso ainda parecer nobre e abnegado, e ainda fazer com que meus pais adotivos se
sentissem bem porque eles sempre tendiam a se sentir bem quando uma de suas
crianças fazia algo que mostrava caráter, porque era o tipo de coisa que eles não po-
deriam realmente ajudar mas viam como um reflexo favorável deles como moldado-
res do caráter de suas crianças. Eu estou colocando tudo isso dessa maneira tão
longa, apressada e desajeitada para tentar transmitir a maneira que eu me lembro
disso ter me atingido de repente, olhando para cima pro rosto grande e gentil do meu
padrasto enquanto ele segurava dois dos pedaços maiores do vaso de vidro e tentava
parecer mais bravo do que ele realmente estava. (Ele tinha sempre pensado que as
peças mais caras deveriam ser mantidas em segurança armazenadas em algum lugar,
enquanto que a visão da minha madrasta era mais pro lado de qual é o ponto de ter
coisas boas se você não tiver-las onde as pessoas podem apreciá-las.) Como parecer
de certa maneira e levá-lo a pensar uma certa coisa me atingiu assim nessa rapidez.
Tenha em mente que eu tinha por volta de só quatro anos. E eu não posso fingir que
me senti mal, descobrindo isso — a verdade é que eu me senti ótimo. Eu me senti
poderoso, esperto. A sensação era um pouco como se estivesse olhando para parte
de um quebra-cabeça que você está montando e você tem uma peça em sua mão e
você não consegue ver onde no esquema maior do quebra-cabeça ela deveria ir ou
como fazê-la encaixar, sem nenhum motivo então que você possa apontar ou explicar
para alguém, ocorre que se você colocar a peça dessa maneira específica ela vai en-
caixar, e isso acontece, e talvez a melhor maneira de colocar isso seja que naquele
minúsculo instante você se sentiu subitamente conectado a algo maior e muito mais
do que a figura completa da mesma maneira que a peça era. A única parte que eu
negligenciei em antecipar foi a reação da Fern ao vir a ser culpada pelo vaso, e pu-
nida, e depois punida ainda mais severamente quando ela continuou negando que
tinha sido ela quem estava brincando ao redor da sala de jantar, e a posição dos meus
pais adotivos foi que eles ficaram ainda mais chateados e desapontados com ela por
mentir do que pelo que estavam pelo vaso, que eles disseram que era apenas um
objeto material e não era em última análise importante no esquema maior das coisas.
(Meus pais adotivos falaram dessa maneira, eles eram pessoas de altos ideais e valo-
res, humanistas. O grande ideal deles era honestidade total em todas as relações fa-
miliares, e mentir era a pior, mais desapontadora infração que você poderia cometer,
na visão deles como pais. Eles tendiam a disciplinar a Fern um pouco mais rigida-
mente do que faziam comigo, a propósito, mas isso também era uma extensão dos
valores deles. Eles estavam preocupados em serem justos e me fazerem capaz de sen-
tir que eu era um filho tão real para eles quanto a Fern era, de forma que eu me
sentisse o mais seguro e amado possível, e algumas vezes essa preocupação com jus-
tiça fazia com que eles fossem um pouco longe demais lá atrás quando se tratava de
disciplina.) Eis que a Fern, então, foi tida como sendo uma mentirosa quando ela
não era, e isso deve ter machucado-a muito mais do que a punição de fato machucou.
Ela tinha apenas cinco anos nessa época. É horrível ser tido como uma fraude ou
acreditar que as pessoas pensam que você é uma fraude ou um mentiroso. É possi-
velmente um dos piores sentimentos do mundo. E mesmo que eu nunca tenha tido
realmente nenhuma experiência direta com isso, eu estou convicto de que deve ser
duplamente horrível quando você está realmente dizendo a verdade e eles não acre-
ditam em você. Eu não acho que a Fern tenha superado suficientemente esse episó-
dio, embora nós dois nunca tenhamos conversado a respeito disso depois exceto por
uma espécie de observação misteriosa que ela fez por cima do ombro dela uma vez
quando ambos estávamos no colégio e tendo uma discussão sobre algo e a Fern saiu
de casa trovejando. Ela era meio que uma adolescente classicamente problemática
— fumo, maquiagem, notas medíocres, sair com caras mais velhos, etc.— enquanto
que eu era o garoto-orgulho e tinha um G.P.A. matador e jogava basebol no time do
colégio, etc. Uma maneira de colocá-lo é que eu atuava muito melhor na superfície
do que a Fern, embora ela tenha eventualmente se estabelecido e terminado por en-
trar para uma faculdade e está agora indo OK. Ela é também uma das pessoas mais
engraçadas da terra, com um senso de humor muito seco, sutil — eu gosto muito
dela. O ponto foi que esse foi o começo para mim de ser uma fraude, embora não seja
como se o episódio do vaso quebrado fosse de alguma forma a origem ou causa da
minha fraudulência ou algum tipo de trauma de infância que eu nunca superei e que
tive que ir para a análise para tentar trabalhá-lo. A minha parte fraude sempre esteve
lá, assim com a peça do quebra-cabeça, objetivamente falando, é uma peça verda-
deira do quebra-cabeça antes mesmo de você ver como ela encaixa. Por um tempo
eu pensei que possivelmente um ou outro dos meus pais biológicos tinham sido frau-
des ou tinham carregado algum tipo de gene de fraude ou alguma coisa e que eu tinha
herdado isso, mas era um beco sem saída, não tinha jeito de saber. E mesmo que
tivesse, que diferença ia fazer? Eu continuava uma fraude, e continuava sendo a mi-
nha própria infelicidade com que eu tinha que lidar.

Mais uma vez, eu estou ciente que é desajeitado colocar isso tudo dessa maneira,
mas o ponto é que tudo isso e mais estava lampejando pela minha cabeça apenas no
intervalo da pequena, dramática pausa que o Dr. Gustafson permitiu-se antes de en-
tregar seu grande argumento reductio ad absurdum de que eu não poderia ser uma
fraude total se eu tinha justamente acabado de admitir minha fraudulência para ele
agora mesmo. Eu sei que você sabe tão bem quanto eu o quão rápido os pensamentos
e associações podem voar pela sua cabeça. Você pode estar no meio de uma reunião
criativa no seu trabalho ou algo assim, e material o suficiente pode lançar-se através
da sua cabeça precisamente nos pequenos silêncios quando as pessoas estão olhando
baixo para seus cadernos e esperando pela próxima apresentação que tomaria expo-
nencialmente mais tempo que o da reunião inteira para apenas tentar colocar em
palavras essa inundação de uns poucos segundos de silêncio. Esse é outro paradoxo,
que a maioria das impressões e pensamentos mais importantes na vida de uma pes-
soa são aqueles que passam pela cabeça tão rápido que rápido não é nem a palavra
certa, eles parecem tão totalmente diferentes ou fora do tempo regular e sequencial
do relógio que todos nós vivemos seguindo, e eles têm tão pouca relação com o Inglês
meio linear de uma-palavra-depois-da-outra com o qual nós todos nos comunicamos
uns com os outros que poderia levar facilmente uma vida inteira só para tentar des-
crever o conteúdo de um clarão de uma fração de segundo de pensamentos e cone-
xões, etc. — e ainda assim parece que nós todos continuamos tentando usar o Inglês
por aí (ou seja lá qual for a língua nativa usada no nosso país, nem precisa dizer) para
tentar transmitir para as outras pessoas o que nós estamos pensando e descobrir o
que eles estão pensando, quando na verdade lá no fundo todo mundo sabe que é uma
farsa e apenas passamos por uma encenação. O que se passa por dentro é justamente
rápido e imenso e interconectado demais para que as palavras possam fazer mais do
que esboçar escassamente os contornos de no máximo uma parte minúscula disso
em um dado instante. A velocidade interna da cabeça ou seja lá o que for dessas
ideias, memórias, descobertas, emoções e por aí vai é ainda mais rápida, a propósito
— exponencialmente mais rápida, inimaginavelmente mais rápida — quando você
está morrendo, o que significa durante o desaparecentemente minúsculo nanose-
gundo entre quando você está tecnicamente morto e quando a próxima coisa acon-
tece, de modo que o clichê sobre a vida inteira de uma pessoa passar diante dos olhos
dela quando ela está morrendo não é de tudo tão distante assim — embora a vida
inteira aqui não seja realmente uma coisa sequencial onde primeiro você nasce e de-
pois você está no berço e depois em um momento em cima da base na Legion ball,
etc., o que se vê é que é isso que as pessoas geralmente querem dizer quando elas
dizem ‘minha vida inteira,’ querendo dizer uma discreta e cronológica série de mo-
mentos que elas somaram e chamaram de vida delas. A melhor maneira que eu con-
sigo pensar de tentar dizê-lo é que tudo acontece de uma vez só, mas esse de uma
vez só não significa realmente que seja um momento finito no tempo sequencial da
maneira como nós pensamos no tempo enquanto estamos vivos, além de que o que
vem a ser o significado do termo minha vida não passa nem perto do que nós pen-
samos que estamos falando quando nós dizemos ‘minha vida.’ Palavras e tempo cro-
nológico criam todos esses mal-entendidos totais quando se trata do que está real-
mente acontecendo no nível mais básico de todos. E ainda assim ao mesmo tempo
esse Inglês é tudo que nós temos para tentar entender isso e tentar formar qualquer
coisa maior ou mais significativa e verdadeira com qualquer um, o que é ainda outro
paradoxo. Dr. Gustafson — quem eu iria encontrar novamente mais tarde e descobrir
que ele não tinha quase nada a ver com o cara grande e pastoso e reprimido sentado
contra as bolinhas de sua cadeira em seu escritório de River Forest com câncer de
cólon nele já naquele tempo e ele ainda não sabendo nada exceto que ele não se sen-
tia muito bem lá embaixo nesses últimos tempos quando ia ao banheiro e que se isso
continuasse assim ele teria que fazer uma consulta e pedir sua licença para isso —
Dr. G. iria mais tarde dizer que todo esse fenômeno de toda minha vida passou di-
ante de mim no final é mais como ser a crista de uma onda na superfície do oceano,
o que significa que é apenas no momento que você baixa e começa a deslizar para
trás que você realmente está mesmo ciente de que há um oceano absoluto. Quando
você está lá em cima e lá fora como a crista de uma onda você pode falar e agir como
se você soubesse que é apenas a crista de uma onda no oceano, mas bem no fundo
você não pensa que há realmente um oceano absoluto. É quase impossível fazê-lo.
Ou como uma folha que não acredita na árvore da qual faz parte, etc. Há todos os
tipos de formas de tentar expressá-lo.

E é claro que todo esse tempo você provavelmente já deve ter notado o que parece
ser o paradoxo realmente central e abrangente, que é que essa coisa toda que eu es-
tou falando as palavras não podem realmente fazer e que o tempo não vai realmente
em uma linha reta é algo que você está ouvindo como palavras que você tem que
começar ouvindo a primeira palavra e depois cada palavra sucessiva depois disso em
tempo cronológico para entender, então se eu estou dizendo que palavras e tempo
sequencial não têm nada a ver com isso você está imaginando por quê que nós esta-
mos sentados aqui nesse carro usando palavras e tomando um tempo cada vez mais
precioso, o que significa será que eu não estou contradizendo logicamente a mim
mesmo desde o começo. Sem mencionar que eu talvez esteja cheio de M. sobre saber
o que acontece — se eu realmente me matei, como você pode sequer estar ouvindo
isso? Significando que eu sou uma fraude. Tá OK, o que você está pensando não im-
porta realmente. Digo, provavelmente importa para você, ou você pensa que importa
— isso não foi o que eu quis dizer com não importa. O que eu quis dizer é que não
importa realmente o que você pensa sobre mim, porque apesar da aparência isso
aqui não é realmente sobre mim. Tudo que estou tentando fazer é esboçar uma pe-
quena parte de como foi depois que eu morri e por que eu pelo menos pensei em
fazer isso, de forma que você tenha pelo menos uma ideia de por quê que o que acon-
teceu mais tarde aconteceu e por quê que isso teve o impacto que teve em quem isso
aqui é realmente sobre. O que significa que é como uma abstração ou espécie de in-
trodução, que deveria ser muito breve e esboçada… ainda que claro olhe só quanto
tempo e Inglês está parecendo tomar até mesmo para dizer isso. É interessante se
você realmente pensar a respeito, quão desajeitado e laborioso parece ser transmitir
até mesmo as menores coisas. Quanto tempo você diria que passou, até agora?
Uma razão pela qual o Dr. Gustafson teria dado em um péssimo jogador de pôquer
ou fraude era que sempre que ele pensava que era um grande momento na análise
ele iria sempre fazer uma produção de recostamentos em sua cadeira de escritório, a
qual fazia aquele som alto quando a parte traseira era inclinada para trás e seus pés
se levantavam sobre os calcanhares de forma que as solas apareciam, embora ele
fosse bom em fazer a posição parecer confortável e muito familiar para o seu corpo,
como se ele se sentisse bem fazendo isso quando tinha que pensar. A coisa toda era
não só levemente dramática em exagero assim como também se mantinha apreciável
por alguma razão. Fern, a propósito, tinha cabelos avermelhados e olhos verdes le-
vemente assimétricos — o tipo de verde que as pessoas compram lentes de contato
coloridas para conseguir — e atrativos de uma certa maneira meio de feiticeira. Eu a
acho atraente, de qualquer maneira. Ela cresceu para se tornar uma pessoa muito
equilibrada, espirituosa, auto-suficiente, com talvez apenas o mais leve borrifo do
perfume da solidão que paira em torno de mulheres solteiras por volta dos trinta
anos. O fato é que nós somos todos solitários, é claro. Todo mundo sabe disso, é
quase um clichê. Então mais uma camada essencial da minha fraudulência é que eu
fingia para mim mesmo que a minha solidão era especial, que era unicamente minha
culpa porque eu era de alguma forma especialmente fraudulento e vazio. Não é nem
um pouco especial, nós todos já entendemos isso. Em espadas. Morto ou não, Dr.
Gustafson sabia mais sobre tudo isso do que eu, tanto que ele falou com o que veio a
ser uma genuína autoridade e prazer quando disse (talvez um pouco altivamente,
dado o quão óbvio isso era), ‘Mas se você é constitucionalmente falso e manipulativo
e incapaz de ser honesto sobre quem você realmente é, Neal’ (Neal sendo o meu
nome atribuído, estava na minha certidão de nascimento quando eu fui adotado),
‘como foi que você foi capaz de baixar a defesa e a manipulação e ser honesto comigo
um momento atrás’ (para isso que tudo aconteceu, apesar de todo o Inglês que foi
gasto em apenas conteúdos parciais da minha cabeça em um minúsculo intervalo
entre antes e agora) ‘sobre quem você realmente é?’ Então saiu bem como eu tinha
previsto que seria o grande insight lógico dele. E embora eu tenha enrolado ele por
um tempo para não furar sua bolha, por dentro eu me senti desolado na verdade,
porque agora eu sabia que ele iria ser tão flexível e crédulo quanto todos os outros,
ele não parecia ter nada que chegasse perto do poder de fogo que eu precisaria para
ter alguma esperança de ser resgatado da armadilha da fraudulência e infelicidade
que eu tinha construído para mim mesmo. Porque a verdade real era que a minha
confissão sobre ser uma fraude e ter perdido tempo duelando defensivamente com
ele nas semanas anteriores no intuito de manipulá-lo para que ele me visse como
excepcional e perspicaz tinha ela própria sido um tanto quanto manipulativa. Estava
bem claro que o Dr. Gustafson, a fim de sobreviver em sua prática privada, não podia
ser totalmente estúpido ou obtuso a respeito das pessoas, então parecia razoável as-
sumir que ele tinha percebido a quantidade massiva de desvios e de amostrações em
geral que eu fiz durante as primeiras semanas de análise, e, portanto, chegou a algu-
mas conclusões sobre minha necessidade aparentemente desesperada de construir
algum tipo de impressão nele, e embora isso não fosse totalmente garantido havia
ainda pelo menos uma possibilidade decente de que ele iria me avaliar como sendo
basicamente uma pessoa vazia e insegura cuja vida inteira envolveu tentar impressi-
onar as pessoas e manipular a visão delas de mim no intuito de compensar o vácuo
interior. Não é como se isso fosse um tipo incrivelmente raro ou obscuro de perso-
nalidade, no final das contas. Então o fato de que eu tenha escolhido ser suposta-
mente ‘honesto’ e me diagnosticar em voz alta foi na verdade apenas mais um movi-
mento na minha campanha para certificar que o Dr. Gustafson tinha entendido que
como paciente eu era singularmente perspicaz e autoconsciente, e que havia uma
chance muito pequena dele ver ou diagnosticar qualquer coisa sobre mim que eu já
não estivesse ciente e apto a transformar para a minha própria vantagem tática em
termos de criação de qualquer imagem ou impressão de mim que eu quisesse que ele
visse naquele momento. Seu insight supostamente grande, então — que tinha como
ponto ostensivo, de primeira-ordem, que a minha fraudulência não poderia ser pos-
sivelmente tão completa e sem esperança quanto eu afirmava ser, uma vez que mi-
nha capacidade de ter sido honesto com ele sobre isso contradizia logicamente a mi-
nha afirmação de ser incapaz de ser honesto — na verdade tinha como seu ponto
maior, não-dito, a alegação de que ele poderia discernir coisas sobre o meu caráter
básico que eu próprio não podia ver ou interpretar corretamente, e, portanto, que ele
poderia me ajudar me tirando da armadilha ao apontar inconsistências na minha
visão sobre mim como sendo totalmente fraudulento. O fato de que esse insight que
pareceu tê-lo deixado tão timidamente satisfeito e excitado era não apenas óbvio e
superficial mas também errado — isso era deprimente, muito do descobrir que al-
guém é fácil de ser manipulado é sempre um pouco deprimente. Um corolário do
paradoxo da fraudulência é que você simultaneamente quer enganar todo mundo
que você conhece e ainda de alguma maneira espera que você vá encontrar alguém
que é o seu par ou igual e que não pode ser enganado. Mas isso foi meio que a última
gota, eu já mencionei que eu tentei todo um número de coisas diferentes que não
funcionaram. É tão deprimente uma atenuação grosseira, mesmo. Além é claro do
fato óbvio de que eu estava pagando esse cara para me ajudar a sair da armadilha e
ele tinha agora me mostrado que não tinha poder de fogo mental o suficiente para
fazer isso. Então eu estava agora pensando sobre o prospecto de gastar tempo e di-
nheiro dirigindo para River Forest duas vezes por semana apenas para ficar levando
o analista em um monte de voltas de maneira que ele não pudesse ver e de forma que
ele pensasse que eu era na realidade menos fraudulento do que eu pensava que eu
era e que fazer análise com ele estava gradualmente me ajudando a ver isso. O que
significa que ele provavelmente iria tirar mais disso do que eu, para mim isso seria
apenas tão fraudulento quanto o usual.

Por mais tedioso e esboçado que isso seja, você está pelo menos tendo uma ideia,
eu acho, de como era dentro da minha cabeça. Se nada mais, você está vendo o quão
exaustivo e solipsista é ser assim. E eu tenho sido assim minha vida inteira, pelo
menos dos quatro anos em diante, desde quando eu consigo me recordar. É claro, é
também uma maneira realmente estúpida e egoísta de ser, é claro que você consegue
ver isso. É por isso que o último e mais profundamente implícito ponto do insight do
analista — a saber, aquele quem e que eu acreditava que eu era não era quem eu
realmente era de fato — o qual eu pensei que era falso, era na verdade verdadeiro,
embora não pelas razões que o Dr. Gustafson, que estava recostado em sua cadeira e
alisando seu grande bigode com seu polegar e o indicador enquanto eu bancava o
pateta e deixava ele sentir como se estivesse explicando para mim uma contradição
que eu não pudesse entender sem sua ajuda, acredite.

Uma das minhas outras formas de bancar o pateta nas próximas várias sessões que
se seguiram foi protestando contra seu diagnóstico otimista (irrelevantemente, uma
vez que a essa altura eu praticamente já tinha desistido do Dr. Gustafson e estava
começando a pensar em várias maneiras de me matar sem causar dor ou fazer uma
bagunça que desse desgosto a quem quer que me encontrasse) por meio da listagem
de várias maneiras com que eu tinha sido fraudulento até mesmo na minha busca
por caminhos para alcançar genuína e espontânea integridade. Eu vou poupá-lo do
relato da lista inteira novamente. Eu basicamente percorri todo o caminho de volta
à minha infância (o que os analistas sempre gostam que você faça) e deixei pra lá.
Em parte eu estava curioso para ver o quanto ele poderia aturar. Por exemplo, eu
falei para ele sobre ir genuinamente amando beisebol, amando o cheiro da grama e
dos aspersores distantes, ou a sensação de ficar batendo meu punho dentro da luva
repetidas vezes e gritando ‘Ei, batedorbatedor,’ e o grande e baixo sol vermelho in-
tumescido no começo do jogo versus os arcos de luz chegando com um estrépito no
crepúsculo incandescente das entradas tardias, e do vapor e da pureza queimada do
cheiro ao passar o meu uniforme da Legion, ou a sensação de deslizar e observar toda
a poeira que se levantou e se estabeleceu ao meu redor, ou todos os pais de shorts e
sandálias de borracha armando cadeiras de quintal com coolers de isopor, crianças
pequenas enganchando seus dedos em volta da cerca do recuo ou correndo após as
faltas. O cheiro de pós-barba e suor dos árbitros, a pequena escova de cabo curto com
a qual ele se curvaria e limparia a base. Principalmente a sensação de estar dando
passos em direção à base sabendo que tudo era possível, um sentimento como de um
sol cintilando em algum lugar no alto do meu peito. E sobre como com talvez apenas
quatorze anos tudo isso desapareceu e se transformou em preocupação com médias
e se eu poderia garantir All City de novo, ou ficando tão preocupado em não estragar
tudo que eu nem gostava mais de passar o uniforme antes dos jogos porque isso me
dava muito tempo para pensar, ali em pé tão nervoso acerca de ir bem aquela noite
que eu já nem conseguia mais notar os pequenos sinais em estalidos que o ferro fazia
ou o cheiro singular do vapor quando eu apertava o pequeno botão pro vapor. Como
eu basicamente arruinei todas as melhores partes de tudo assim como isso. Como
algumas vezes parecia que eu estava realmente adormecido e nada disso era sequer
real e algum dia do nada eu iria talvez acordar de repente no meio de um tranco. Isso
foi parte da ideia por trás de coisas como integrar uma igreja carismática em Naper-
ville, para tentar acordar espiritualmente em vez de viver nesse nevoeiro de fraudu-
lência. ‘A verdade vos tornará livres’ — a Bíblia. Isso era o que a Beverly-Elizabeth
Slane gostava de chamar de minha fase sagrada de rolo compressor. E a igreja caris-
mática realmente pareceu ter ajudado muitos dos paroquianos e congregantes que
eu conhecia. Eles eram humildes e devotos e caridosos, e se doavam incansavelmente
sem pensamento de recompensa pessoal em serviços ativos para a igreja e doando
recursos e tempo para a campanha da igreja de construir um novo altar com uma
cruz enorme de vidro espesso cuja viga seria iluminada e preenchida com água ga-
seificada onde era para ter vários tipos de peixes bonitos nadando dentro. (Sendo o
peixe um proeminente símbolo de Cristo. Na verdade, a maioria de nós que éramos
os mais devotos e ativos na igreja tínhamos adesivos nos pára-choques dos nossos
carros sem palavras ou qualquer outra coisa exceto uma linha simples desenhando
o contorno de um peixe — essa falta de ostentação tinha me impressionado como
sendo elegante e genuína.) Mas com a verdade real aqui sendo o quão rapidamente
eu fui de alguém que estava lá porque queria acordar e parar de ser uma fraude para
alguém que estava tão ansioso para impressionar a congregação com o quão devoto
e ativo eu era que fui até voluntário para ajudar a receber a coleta, e nunca perdi um
grupo de estudo o tempo inteiro, e estava em dois diferentes comitês para coordena-
ção do levantamento de fundos para o novo altar aquarial e decidindo precisamente
que tipos de equipamentos e peixes seriam usados para a viga. Além de frequente-
mente ser quem ficava na fila da frente cujas respostas eram mais altas e aquele que
erguia ambas as mãos no ar mais entusiasmadamente para mostrar que o Espírito
tinha entrado em mim, falando em dom de línguas — consistindo principalmente
em d’s e g’s — exceto que não realmente, é claro, porque na verdade eu estava real-
mente só fingindo falar em dom de línguas porque todos os paroquianos ao meu re-
dor estavam falando em dom de línguas e tinham o Espírito, e então em uma espécie
de febre de excitação eu era capaz de ludibriar até a mim mesmo no pensamento de
que eu realmente estava com o Espírito se movendo através de mim e falando em
dom de línguas quando na verdade eu estava apenas gritando ‘Dugga muggle ergle
dergle’ repetidas vezes. (Em outras palavras, tão ansioso para ver a mim mesmo
como alguém verdadeiramente renascido que eu realmente convenci a mim mesmo
que o balbuciar da língua era uma linguagem real e de alguma forma menos falsa
que o Inglês simples em expressar o sentimento do Espírito Santo rolando como um
juggernaut bem através de mim.) Isso durou uns quatro meses. Sem mencionar cair
para trás sempre que o Pastor Steve descia dentre as filas estalando as pessoas e me
estalou na testa com a palma da mão dele, mas caindo para trás de propósito, não
sendo genuinamente derrubado pelo Espírito como as outras pessoas aos meus dois
lados (um dos quais desmaiou de verdade e teve que ser trazido de volta com sal).
Foi só então quando eu estava saindo do estacionamento uma noite depois da Noite
de Louvor de quarta que eu experienciei subitamente um lampejo de autoconsciência
ou clareza ou seja lá o que for em que eu subitamente parei de enganar a mim mesmo
e me dei conta que eu tinha sido uma fraude todos esses meses na igreja, também, e
estava realmente só dizendo e fazendo essas coisas porque todos os paroquianos ver-
dadeiros estavam fazendo e eu queria que todo mundo pensasse que eu era sincero.
Isso foi como um nocaute para mim, isso foi o quão vívido eu vi o quanto eu tinha
enganado a mim mesmo. A verdade revelada foi que eu era uma fraude ainda maior
na igreja no que se refere a ser uma pessoa recentemente renascida e autêntica do
que eu tinha sido antes do Diácono e a Sra. Halberstadt tocarem minha campainha
pela primeira vez vindo do nada como parte do serviço missionário deles e falando
comigo sobre dar a isso uma chance. Porque pelo menos antes da coisa da igreja eu
não estava enganando a mim mesmo — eu sabia que eu era uma fraude desde pelo
menos os dezenove anos de idade, mas pelo menos eu tinha sido capaz de admitir e
encarar a fraudulência diretamente em vez de ficar me enchendo de M. sobre ser
alguma coisa que eu não era.

Tudo isso foi apresentado no contexto de um pseudo-argumento muito longo sobre


fraudulência com o Dr. Gustafson que tomaria tempo demais para relatar para você
em detalhes, então eu estou apenas te contando a respeito de alguns dos exemplos
mais berrantes. Com o Dr. G. isso ia mais para o lado de um prolongado e multi-
sessívo vai-e-volta sobre eu ser ou não uma fraude total, durante o qual eu fui ficando
cada vez mais e mais com desgosto de mim mesmo por ficar jogando desse jeito.
Nesse ponto da análise eu tinha praticamente decidido que ele era um idiota, ou pelo
menos muito limitado em seus insights sobre o que realmente estava acontecendo
com as pessoas. (Havia também a questão flagrante do bigode e dele estar sempre
brincando com ele.) Essencialmente ele via o que ele queria ver, o que era apenas o
tipo de pessoa que eu poderia praticamente comer no lanche em termos de criar seja
que ideias ou impressões de mim que eu quisesse. Por exemplo, eu contei para ele
sobre o período em que tentei fazer cooper, durante o qual eu parecia nunca falhar
em aumentar o meu passo e latejar os meus braços mais vigorosamente sempre que
alguém passava dirigindo por mim ou olhava de seu quintal, de forma que eu termi-
nava tendo esporões ósseos e eventualmente tinha que parar completamente. Ou
gastando pelo menos duas ou três sessões recordando o exemplo da aula introdutó-
ria de meditação no Centro Comunitário Downers Grove que Melissa Betts de Set-
tleman, Dorn me fez assistir, na qual através de pura força de vontade eu sempre
forçava a mim mesmo a permanecer totalmente imóvel com minhas pernas cruzadas
e as costas perfeitamente retas bem depois que os outros estudantes todos já tinham
desistido e caído para trás em suas esteiras estremecendo e segurando suas cabeças.
Desde o encontro da primeira aula, apesar do instrutor pequeno e moreno ter nos
dito para ficar de início por apenas dez minutos em imobilidade porque a maioria
das mentes Ocidentais não consegue manter mais do que alguns minutos de quie-
tude e concentração atenta sem se sentirem tão inquietas e pouco à vontade que elas
não podiam suportar, eu sempre permanecia absolutamente imóvel e focado na res-
piração do meu prana com a face inferior do diafragma mais expandida do que a de
todos eles, algumas vezes por até trinta minutos, mesmo que meus joelhos e parte
inferior das costas estivessem queimando e eu sentisse como se enxames de insetos
estivessem rastejando por todo o meu braço e disparando para fora do topo da minha
cabeça — e o Mestre Gurpreet, embora ele sempre mantivesse sua expressão facial
inescrutável, me fez uma profunda e aparentemente respeitosa reverencia e disse
que eu me sentei quase como uma estátua viva em um atento repouso, e que ele es-
tava impressionado. O problema era que nós todos deveríamos continuar praticando
nossa meditação entre as aulas por nossa própria conta em nossas casas, e quando
eu tentava fazer isso sozinho eu não parecia conseguir sentar imóvel e acompanhar
minha respiração por mais do que alguns poucos minutos antes de me sentir como
se estivesse formigando por toda minha pele e tivesse que parar. Eu só podia sentar
e parecer quieto e atento e resistir à inacreditável inquietude e os sentimentos hor-
ríveis quando todos nós estávamos fazendo isso na aula — o que significa que só
quando tinham outras pessoas para ser impressionadas. E mesmo na aula, a verdade
era que eu estava frequentemente me concentrando não tanto em acompanhar o
meu prana mas sim em me manter totalmente imóvel e na postura correta e pas-
sando uma profunda, pacífica e meditativa expressão facial para o caso de alguém
estar trapaceando e estar com os olhos abertos olhando ao redor, além também de
garantir que o Mestre Gurpreet continuaria me vendo como excepcional e continua-
ria me abordando com o que veio a ser o meu apelido dado por ele na aula, o qual
era ‘a estátua.’

Finalmente, nas últimas aulas, quando o Mestre Gurpreet nos falou para sentarmos
imóveis e só focarmos o quanto nós conseguíssemos confortavelmente e então espe-
rou quase uma hora antes de finalmente tocar seu pequeno sino com a pequena coisa
prateada para sinalizar que o período de meditação tinha acabado, só eu e uma ga-
rota extremamente magra e pálida que tinha seu próprio assento de meditação que
ela trouxe para a aula com ela fomos capazes de nos sentar imóveis e focar por uma
hora inteira, embora em vários pontos diferentes eu tenha ficado tão inquieto e com
cãibras, sentindo como se um brilhante fogo azul estivesse subindo minha espinha e
disparando invisivelmente do topo da minha cabeça como bolhas de cor explodindo
de novo e de novo mais uma vez atrás das minhas pálpebras, que eu pensei que iria
saltar gritando e mergulhar de cabeça na janela. E no final do curso, quando havia
também uma oportunidade de se inscrever para a próxima sessão, que era chamada
de Aprofundamento da Prática, Mestre Gurpreet presenteou vários de nós com dife-
rentes certificados honorários, e o meu tinha meu nome e a data e estava inscrito em
caligrafia negra, MEDITADOR CAMPEÃO, ESTUDANTE OCIDENTAL MAIS IM-
PRESSIONANTE, A ESTÁTUA. Foi só depois que eu adormeci aquela noite (eu tinha
finalmente meio que me compromissado e dito a mim mesmo que eu estava prati-
cando a disciplina meditativa em casa à noite ao deitar e focar em acompanhar mi-
nha respiração muito de perto quando eu estava adormecendo, e isso veio a ser uma
ajuda fenomenal para dormir) que enquanto eu estava adormecido eu tive o sonho
sobre uma estátua comunitária e percebi que o Mestre Gurpreet tinha na verdade
toda a probabilidade de ter visto bem através de mim o tempo todo, e que o certifi-
cado era na realidade uma sutil repreensão ou piada às minhas custas. Significando
que ele estava me deixando saber que ele sabia que eu era uma fraude e nem ao me-
nos chegando perto de aquietar a incessante conivência da minha mente sobre como
impressionar pessoas no intuito de alcançar atenção e honrar meu eu interior. (É
claro, o que ele parecia não ter adivinhado era que na realidade eu não parecia real-
mente ter um eu interior, e que quanto mais eu tentava ser genuíno mais vazio e
fraudulento eu terminava me sentindo por dentro, o que eu não contei para ninguém
a respeito até a minha punhalada na análise com o Dr. Gustafson.) No sonho, eu
estava na área comunitária da cidade em Aurora, perto do memorial do tanque Pers-
hing ao lado da torre do relógio, e o que eu estou fazendo no sonho é esculpir uma
enorme estátua de mármore ou granito de mim próprio, usando um gigantesco cin-
zel de ferro e um martelo do tamanho daqueles que eles te dão para tentar acertar o
sino no topo do grande termômetro ou algo do tipo desses brinquedos de parque, e
quando a estátua está finalmente terminada eu a coloco em cima de um grande co-
reto ou plataforma e gasto todo meu tempo polindo-a e impedindo que os pássaros
pousem nela ou façam seus negócios nela, limpando o lixo e mantendo a grama as-
seada ao redor do coreto. E no sonho a minha vida inteira passa em um flash, o sol e
a lua indo e voltando através do céu como um limpador de pára-brisa de novo e de
novo, e eu pareço nunca dormir ou comer ou tomar banho (o sonho toma lugar em
um tempo onírico oposto ao tempo desperto, cronológico), significando que estou
condenado a uma vida inteira sem ser nada além de uma espécie de curador da es-
tátua. Eu não estou dizendo que isso foi sutil ou difícil de descobrir. Todo mundo
desde a Fern, Mestre Gurpreet, a garota anoréxica com seu próprio assento, e Ginger
Manley, até pessoas da firma e alguns dos representantes da mídia de quem nós
compramos tempo (eu ainda sendo um comprador midiático nessa época) todos pas-
saram, algumas várias vezes — teve um ponto em que Melissa Betts e o novo noivo
dela até estenderam uma manta e fizeram uma espécie de pequeno piquenique à
sombra da estátua — mas nenhum deles jamais examinava ou dizia qualquer coisa.
É obviamente outro sonho sobre fraudulência, como no sonho em que eu sou supos-
tamente um grande pop star no palco mas tudo que eu realmente faço é uma sincro-
nização labial com um dos velhos discos que meus pais adotivos tinham do Mamas
and Papas que está num toca-discos fora do palco, e alguém cujo rosto eu não consigo
jamais examinar o suficiente para decifrar fica pondo a mão na área do disco como
se fosse fazê-lo pular ou arranhar, e o sonho inteiro faz a minha pele arrepiar. Esses
sonhos eram óbvios, eles eram avisos do meu subconsciente de que eu era vazio e
uma fraude e que era só uma questão de tempo antes que a farsa inteira desmoro-
nasse. Outra das antiguidades entesouradas da minha madrasta era um relógio de
bolso prateado do avô materno dela escrito em Latim RESPICE FINEM na parte in-
terior da tampa. Foi só depois que ela faleceu e meu padrasto disse que ela queria
que eu ficasse com ele que eu me incomodei de olhar melhor para o termo, depois
que eu já tinha começado a sentir um arrepiamento como tive com o certificado do
Mestre Gurpreet. Muito da qualidade de pesadelo do sonho sobre a estátua era de-
vido à maneira como o sol corria indo e vindo através do céu e a velocidade com a
qual a minha vida inteira soprava assim, na área comunitária. Era obviamente tam-
bém o meu subconsciente esclarecendo-me como o instrutor de meditação tinha
visto através de mim o tempo todo, depois do que eu fiquei muito embaraçado até
para tentar conseguir um reembolso pela aula de Aprofundamento da Prática, a qual
agora não tinha mais jeito de eu sentir que poderia aparecer, ainda que ao mesmo
tempo eu ainda tivesse fantasias em que o Mestre Gurpreet se tornava meu mentor
ou guru e usava todos os tipos inescrutáveis de técnicas orientais para me mostrar o
caminho para meditar a mim mesmo em direção ao meu eu verdadeiro…

…Etc., etc. Eu vou poupá-lo de mais exemplos, vou poupá-lo por exemplo das lite-
ralmente incontáveis exemplificações da minha fraudulência com garotas — com as
damas, como dizem — em tipo todos os relacionamentos que eu já tive, ou a quase
inacreditável quantidade de fraudulência e cálculos envolvidos na minha carreira —
não apenas em termos de manipulação do consumidor e manipulação do cliente para
que acreditassem que as ideias da sua agência são o melhor caminho para manipular
o consumidor, mas nas políticas intra-escritórios da agência em si, como por exem-
plo ao avaliar que tipo de coisas seus superiores querem acreditar (incluindo a crença
de que eles são mais espertos que você e que é por isso que eles são seus superiores)
e depois dando a eles o que eles querem mas fazendo isso apenas de forma sutil o
suficiente para que eles nunca tenham a chance de te ver como um sicofanta ou sim-
senhor (o que eles querem acreditar que não é o que eles querem realmente) mas em
vez disso te verem como um pensador independente e cabeça-dura que de tempos
em tempos se curva ao peso da inteligência superior e do poder de fogo criativo deles,
etc. A agência inteira era um grande balé de fraudulência e manipulação das imagens
das pessoas sobre suas habilidades de manipular imagens, um corredor virtual de
espelhos. E eu era bom nisso, lembra, eu prosperei lá.

Foi a pura quantidade de tempo que o Dr. Gustafson gastou tocando e alisando seu
bigode que indicou que ele não estava ciente de estar fazendo isso e na verdade estava
subconscientemente tranquilizando a si próprio de que ainda estava ali. O que não é
um hábito especialmente sutil, em termos de insegurança, uma vez que, apesar de
tudo, pêlos faciais são conhecidos como uma característica sexual secundária, o que
significa que o que ele estava realmente fazendo era tranquilizar a si próprio de que
alguma outra coisa ainda estava ali, se é que você me entende. Isso foi um pouco do
motivo pelo qual não foi nenhuma surpresa real quando se descobriu que a direção
total que ele queria que a análise prosseguisse envolvia questões de masculinidade e
como eu entendia minha masculinidade (minha ‘virilidade’ em outras palavras). Isso
também ajudou a explicar tudo sobre a fêmea-perdida-subindo e os objetos-em-
forma-de-dois-testículos-que-pareciam-deformados nas pinturas na parede que
dava para os pequenos tambores Africanos ou Indianos e pequenos figurinos com
(por vezes) características sexuais exageradas que ficavam na prateleira acima da
mesa, além do cachimbo, e do tamanho desnecessário de sua aliança, e até mesmo o
aspecto um tanto quanto exagerado de desordem de moleque intrínseco no escritório
em si. Estava bem claro que havia algumas maiores inseguranças sexuais e talvez até
mesmo ambiguidades de tipo-homossexual que o Dr. Gustafson estaria subconsci-
entemente tentando esconder dele próprio e tranquilizar-se a respeito, e uma ma-
neira óbvia com que ele fazia isso era meio que projetando suas inseguranças em
seus pacientes e fazendo-os acreditar que a cultura da America tinha uma maneira
excepcionalmente brutal e alienadora de fazer lavagem cerebral em seus homens
desde tenra idade em todos os tipos de crenças prejudiciais e superstições sobre o
que ser tido como o assim-chamado ‘homem de verdade’ seria, tal como a competi-
tividade no lugar da união, ganhar a todos os custos, dominando os outros através
da inteligência ou força de vontade, sendo forte, não mostrando suas emoções ver-
dadeiras, dependendo dos outros te verem como um homem de verdade no intuito
de tranquilizar a si mesmo no que se refere à sua própria virilidade, vendo o seu
próprio valor somente em termos de realizações, ficando obcecado pela sua carreira
ou renda, se sentindo como se você estivesse sendo constantemente julgado ou em
exibição, etc. Isso foi mais tarde na análise, depois do período aparentemente inter-
minável no qual após todos os exemplos de fraudulência que eu dava a ele ele fazia
um show me congratulando por ter sido capaz de revelar o que eu sentia que eram
vergonhosos exemplos de fraudulência, e disse que isso era prova de que eu tinha
muito mais habilidade de ser genuíno do que eu (aparentemente por causa das mi-
nhas inseguranças ou medos masculinos) parecia estar apto a me dar os créditos.
Além de que não parecia ser exatamente uma coincidência que o câncer que ele já
abrigava estava em seu cólon — esse lugar vergonhoso, sujo e secreto bem lá perto
do reto — com a ideia sendo que usar o seu reto ou o seu cólon para secreta-
mente abrigar o crescimento de um alien seria um símbolo flagrante tanto de ho-
mossexualidade quanto da crença repressiva de que seu reconhecimento aberto se
igualaria à doença e morte. Tanto o Dr. Gustafson quanto eu demos boas risadas
sobre isso depois que nós dois morremos e estávamos fora do tempo linear e no pro-
cesso de mudança dramática, pode apostar. (Fora do tempo não é só uma expressão
ou maneira de falar, a propósito.) A essa altura da análise eu estava brincando com
ele da maneira como um gato faz com um pássaro ferido. Se eu tivesse um pingo de
real respeito-próprio eu teria parado e voltado ao Centro Comunitário Downers
Grove e me jogado na misericórdia do Mestre Gurpreet, já que excetuando talvez
uma ou duas garotas com quem saí ele parecia ter sido o único capaz de ver bem
através de mim até o núcleo da minha fraudulência, além de sua maneira obliqua e
muito seca de indicar isso para mim traindo um tipo de serena indiferença para com
se eu tinha mesmo entendido que ele viu bem através de mim que eu tinha achado
incrivelmente impressionante e genuíno — aqui o Mestre Gurpreet era um homem
com, como dizem, nada a provar. Mas eu não fiz, em vez disso eu meio que me enga-
nei ao me meter a continuar indo ver o Dr. G. duas vezes por semana por quase nove
meses (em direção ao final era apenas uma vez por semana porque nessa altura o
câncer tinha sido diagnosticado e ele estava fazendo tratamento com radiação todas
as terças e quintas), dizendo a mim mesmo que pelo menos eu estava tentando en-
contrar algum local em que eu pudesse conseguir ajuda encontrando um jeito de ser
genuíno e parar de manipular todo mundo ao meu redor para que vissem ‘a estátua’
como sendo ereta e impressionante, etc.

Nem tampouco é estritamente verdade que o analista não tinha nada de interes-
sante a dizer ou que ele não fornecia às vezes alguns modelos ou ângulos úteis para
encarar o problema básico. Por exemplo, descobriu-se que uma de suas premissas
operacionais básicas era a alegação de que havia apenas duas orientações básicas e
fundamentais que uma pessoa poderia ter diante do mundo, (1) amor e (2) medo, e
ambos não podiam coexistir (ou, em termos lógicos, que seus domínios eram exaus-
tivos e mutuamente exclusivos, ou que seus dois conjuntos não tinham interseção
mas sua união compreendia todos os elementos possíveis, ou:

‘( x) ((Mx → ~ (Ax)) & (Ax → ~ (Mx))) & ~ ((Ǝx) (~ (Mx) & ~ (Ax))’ ),
significando em outras palavras que cada dia da sua vida foi gasto em servir um ou
outro desses mestres, e ‘Ninguém pode servir a dois senhores’ — a Bíblia de novo —
e que uma das piores coisas sobre o conceito de masculinidade competitiva e orien-
tada pelo sucesso que a America supostamente inseriu em seus homens é que isso
causa um mais ou menos constante estado de medo que faz com que o amor genuíno
beire o impossível. Isto é, que o que se passou por amor para os homens americanos
tem sido geralmente apenas a necessidade de ser considerado de uma certa maneira,
significando que os homens de hoje estão tão constantemente com medo de ‘não
chegar lá’ (frase do Dr. G., evidentemente sem intenções de trocadilhos) que eles têm
que gastar todo seu tempo convencendo os outros de sua ‘validade’ masculina (a qual
ocorre de também ser um termo da lógica formal) no intuito de aliviar a própria in-
segurança, fazendo o amor genuíno beirar o impossível. Embora pareça um pouco
simplista ver esse medo como sendo apenas um problema masculino (tente observar
uma garota em pé sobre uma balança algum dia), ocorre que o Dr. Gustafson estava
muito perto de estar certo nesse conceito dos dois mestres — embora não da maneira
que ele, enquanto vivo e confuso sobre sua própria identidade real, acreditava — e
mesmo enquanto eu jogava fingindo argumentar ou não estar entendendo muito
bem onde ele estava querendo chegar, a ideia que me atingiu foi que talvez a raiz real
do meu problema não fosse a fraudulência mas sim uma incapacidade de amar real-
mente, até para amar genuinamente meus pais adotivos, ou Fern, ou Melissa Betts,
ou Ginger Manley de Aurora West High em 1979, quem eu muitas vezes pensei como
sendo a única garota que eu amei verdadeiramente, embora a platitude do Dr. G.
sobre os homens sofrerem lavagem cerebral para equiparar amor com realização ou
conquista também se aplique aqui. A pura verdade era que Ginger Manley tinha ape-
nas sido a primeira garota com quem eu tinha ido até o fim, e a maior parte dos meus
sentimentos afetuosos por ela eram na verdade apenas nostalgia nutrida pelo senti-
mento de imensa validação cósmica que eu senti quando ela finalmente me deixou
tirar seu jeans inteiramente do caminho e colocar minha assim chamada ‘masculini-
dade’ dentro dela, etc. Não há realmente nenhum clichê maior do que perder sua
virgindade e depois ficar tendo todos os tipos de retrospectivas carinhosas pela ga-
rota envolvida. Ou o que Beverly-Elizabeth Slane, uma técnica em pesquisa que eu
costumava ver ao sair do trabalho quando eu era um comprador da mídia, e com
quem tive muitos conflitos perto do fim, disse, o que eu não acho que eu tenha al-
guma vez comentado com o Dr. G. a respeito, sabedoria da fraudulência, provavel-
mente porque foi algo que cortou um pouco próximo demais do osso. Perto do fim
ela tinha me comparado a alguma peça ultra-cara da nova medicina ou equipamento
de diagnóstico que consegue discernir mais sobre você em um rápido scaneamento
do que você poderia alguma vez saber por si só — mas o equipamento não se importa
com você, você é apenas uma sequência de processos e códigos. O que a máquina
entende sobre você na verdade não significa nada para ela. Mesmo que ela seja
muito boa no que ela faz. Beverly tinha um temperamento ruim combinado com um
sério poder de fogo, ela não era alguém que você iria querer que estivesse puta com
você. Ela disse que nunca tinha sentido o olhar de alguém tão penetrante, discer-
nente, e, porém, tão totalmente vazio de interesse, como se ela fosse algum tipo de
quebra-cabeça ou problema que eu estivesse resolvendo. Ele disse que foi graças a
mim que ela descobriu a diferença entre estar sendo penetrada e realmente sabendo
versus penetrada e apenas violada — desnecessário dizer que esse agradecimento foi
sarcástico. Uma parte disso foi apenas a maquiagem emocional dela — ela achava
impossível realmente terminar um relacionamento ao menos que todas as pontes
estivessem queimadas e coisas fossem ditas de forma tão devastadora que não pu-
desse haver nenhuma possibilidade de reaproximação para assombrá-la ou impedi-
la de se mover adiante. No entanto isso penetrou, e eu nunca esqueci o que ela disse
naquela carta.

Mesmo que ser fraudulento e ser incapaz de amar sejam em última análise a mesma
coisa (uma possibilidade que o Dr. Gustafson nunca pareceu ter levado em conside-
ração não importando quantas vezes eu tenha colocando para que ele visse), ser in-
capaz de amar realmente era ao menos um diferente modelo ou lente através da qual
se podia ver o problema, além de que inicialmente parecia ser uma maneira promis-
sora de atacar o paradoxo da fraudulência em termos de reduzir a parte da auto-
aversão que reforça o medo e o consequente movimento para tentar manipular as
pessoas de modo a fornecer toda a aprovação que eu negava a mim mesmo. (O termo
do Dr. G. para aprovação era validação.) Esse período foi praticamente o zênite da
minha carreira na análise, e por algumas semanas (durante duas das quais eu não
pude ver o Dr. Gustafson de qualquer modo, porque algum tipo de complicação em
sua doença exigiu que ele fosse ao hospital, e quando ele voltou ele parecia ter per-
dido não só peso mas também algum tipo de parte essencial de sua massa total, e
não parecia mais ser grande demais para sua velha cadeira de escritório, que conti-
nuava guinchando mas agora não tão ruidosamente, além de que boa parte da de-
sordem e dos papéis tinham sido arrumados e colocados em várias caixas de carto-
lina marrom contra a parede em baixo das duas pinturas tristes, e quando eu voltei
para vê-lo a ausência de bagunça foi especialmente perturbadora e triste, por alguma
razão) era verdade que eu sentia alguma esperança genuína pela primeira vez desde
a parte auto-enganadora da experiência anterior em Naperville com a Igreja da Es-
pada Flamejante do Redentor. E, no entanto, ao mesmo tempo essas semanas tam-
bém meio que levaram diretamente à minha decisão de me matar, embora eu tenha
que simplificar e linearizar uma grande parte de coisas interiores no intuito de trans-
mitir para você o que realmente aconteceu. Caso contrário levaria uma quase literal
eternidade para recontar, nós já concordamos sobre isso. Não é que as palavras ou a
linguagem humana parem de ter qualquer significado ou relevância depois que você
morre, a propósito. É mais a especificidade e uma-palavra-depois-da-outra da orde-
nação temporal delas que deixa. Ou não. É difícil de explicar. Em termos lógicos, algo
expressado em palavras vai continuar tendo a mesma ‘cardinalidade’ mas não mais
a mesma ‘ordinalidade.’ Todas as palavras diferentes continuam lá, em outras pala-
vras, mas já não é mais uma questão de qual vem primeiro. Ou você pode dizer que
já não são mais as séries de palavras mas agora mais como um limite perante o qual
as séries convergem. É difícil não querer colocar em termos lógicos, uma vez que eles
são os mais abstratos e universais. O que significa que eles não têm conotação, você
não sente nada por eles. Ou talvez imagine que tudo que qualquer um na terra já
disse ou sequer pensou para si próprio tudo entrando em colapso e explodindo em
um enorme, combinado, instantâneo som — embora instantâneo seja um pouco en-
ganoso, uma vez que implica outros instantes antes e depois, e não seja bem assim.
É mais como o súbito lampejo interno de quando você vê ou se dá conta de algo —
um flash súbito ou seja o que for de uma epifania ou insight. Não é apenas que acon-
teça bem mais rápido do que você pode quebrar o processo e arranjá-lo com o Inglês,
mas sim que acontece em uma escala em que nem sequer há tempo para ficar ciente
de qualquer tipo de tempo que for e no qual está acontecendo, o lampejo — tudo que
você sabe é que há um antes e um depois, e depois você está diferente. Eu não sei se
isso faz sentido. Eu estou apenas tentando te fornecer isso de vários ângulos diferen-
tes, é tudo a mesma coisa. Ou você pode pensar nisso mais como sendo uma certa
configuração de luz do que uma soma de palavras ou séries de sons, também, depois.
O que é de fato verdade. Ou como uma prova de um teorema — porque se uma prova
é verdadeira então é verdade em todo lugar e todo o tempo, não apenas quando
ocorre de você dizê-la. O fato é que ocorre que os simbolismos lógicos realmente
seriam a melhor maneira de expressá-lo, porque a lógica é totalmente abstrata e fora
do que nós pensamos como sendo tempo. É a coisa mais próxima do que isso real-
mente é. Esse é o porquê dos paradoxos lógicos serem o que realmente deixam as
pessoas loucas. Muitos dos grandes lógicos da história terminaram se matando, isso
é um fato.
E tenha em mente que esse lampejo pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer
momento.

Aqui entra o paradoxo básico de Berry, a propósito, se você quiser um exemplo do


porquê de lógicos com um incrível poder de fogo poderem dedicar suas vidas inteiras
a resolver essas coisas e ainda assim terminarem por bater suas cabeças contra a
parede. Esse tem a ver com números grandes — o que significa que são realmente
grandes, passando de um trilhão, passando de dez trilhões de trilhões, bem lá em
cima. Quando você chega bem lá em cima, leva um tempo para sequer se descrever
números tão grandes em palavras. ‘A quantidade de um trilhão, quatrocentos e três
bilhões para o poder do trilionésimo’ leva mais de vinte silabas para descrever, por
exemplo. Você pegou a ideia. Agora, quando são ainda mais altos do que essa imen-
sidão, números em escala cósmica, imagine agora o menor número que não pode ser
descrito abaixo de vinte-cinco silabas. O paradoxo é que o menor número que não
pode ser descrito abaixo de vinte-cinco silabas, o que, é claro, é em si a descrição
desse número, é constituído por apenas vinte-quatro silabas, o que, é claro, está
abaixo de vinte-cinco silabas. Então o que você deve fazer agora?

Ao mesmo tempo, o que realmente levou a isso em termos casuais, contudo, ocor-
reu durante talvez a terceira ou quarta semana em que o Dr. G. tinha voltado a ver
seus pacientes após sua hospitalização. Embora eu não vá alegar que o incidente es-
pecífico não atingiria a maioria das pessoas como absurdo ou até mesmo insípido,
como as causas vão. A verdade é que tarde da noite em uma noite de Agosto após o
retorno do Dr. G., quando eu não conseguia dormir (o que aconteceu bastante depois
do período da cocaína) e estava sentado tomando um copo de leite ou algo do tipo e
assistindo televisão, zapeando no controle quase ao acaso pelos canais a cabo da ma-
neira que você faz quando está tarde, eu parei em uma parte de um antigo episódio
de Cheers no final do andamento da série quando o personagem do analista, Frasier
(o qual veio a ter seu próprio programa), e Lilith, sua noiva e também analista, aca-
baram de entrar no palco de uma taverna underground, e Frasier está perguntando
como tinha sido o dia de trabalho dela, e Lilith diz, ‘Se eu tiver que aguentar mais um
desses yuppies aparecendo pra choramingar sobre como ele não consegue amar, eu
vou vomitar.’ Essa fala provoca uma enorme gargalhada na audiência do estúdio do
programa, o que indica que eles — e então por extensão demográfica toda a audiência
nacional em casa também — reconhecem o quão clichê e melodramático é esse tipo
de reclamação envolvendo o conceito de incapacidade de amar. E, sentado ali,
quando eu subitamente percebi que mais uma vez eu tinha me conduzido de forma
a enganar a mim mesmo, dessa vez ao pensar que essa era uma maneira mais verda-
deira ou promissora de conceber o problema da fraudulência — e, por extensão, que
eu tinha de algum modo iludido a mim mesmo ao quase acreditar que o pobre e velho
Dr. Gustafson tinha alguma coisa em seu arsenal mental que poderia realmente me
ajudar, e que a verdade real estava mais para que provavelmente eu só continuava
vendo ele em parte por piedade e em parte para que eu pudesse fingir para mim
mesmo que eu estava dando passos para me tornar mais autentico quando na ver-
dade tudo que eu estava fazendo era tomar por idiota a casca gravemente doente de
um cara e me sentindo superior a ele porque eu estava apto a analisar sua própria
maquiagem psicológica muito mais acuradamente do que ele podia analisar a minha
— o flash de perceber tudo isso no exato momento da enorme gargalhada da audi-
ência mostrou que quase todo mundo nos Estados Unidos provavelmente já tinha
visto através da inautenticidade dessa reclamação há no mínimo desde o tempo em
que o episódio tivesse sido originalmente exibido — tudo isso jorrou pela minha ca-
beça no minúsculo intervalo que levou para me dar conta do que eu estava assistindo
e até mesmo pra me lembrar o que os personagens Frasier e Lilith representavam, o
que significa talvez meio segundo no máximo, e isso meio que me destruiu, essa é a
única forma que consigo descrever, como se o que quer de esperança que eu ainda
tinha de encontrar algum caminho para fora da armadilha que eu tinha feito para
mim mesmo tivesse sido arrancada do ar e humilhada no palco, como se eu fosse um
desses estúpidos personagens cômicos sendo tanto o alvo da piada quanto a única
pessoa a não pegar a piada — e, em suma, eu fui para a cama me sentindo tão frau-
dulento, obscurecido, sem esperança e cheio de auto-desprezo quanto eu jamais ha-
via sentido, e foi na manhã seguinte depois disso que eu acordei decidido que eu ia
me matar e terminar com toda a farsa. (Como você deve se lembrar, Cheers era uma
série incrivelmente popular, e mesmo em syndication seus números eram tão altos
que se um anunciante local quisesse comprar tempo dela os espaços custavam tanto
que você muito provavelmente teria que construir sua estratégia local inteira ao re-
dor desses espaços.) Eu estou comprimindo uma enorme quantidade do que se pas-
sou na minha psique naquela próxima-de-ser-a-última noite, todas as diferentes
compreensões e conclusões que eu atingi enquanto eu estava ali deitado na cama
incapaz de dormir ou até mesmo mexer (nenhuma frase de série ou gargalhada de
audiência vai dentro ou fora de si constituir uma razão para suicídio, é claro) — em-
bora para você eu imagino que provavelmente não esteja parecendo tão comprimido
assim de maneira alguma, você está pensando aqui está esse cara enrolando e enro-
lando e por que ele não chega logo na parte em que ele se mata e explica ou conta
com o fato que ele está sentado aqui perto de mim em um pedaço de maquinaria de
alta potência me contando tudo isso se ele morreu em 1991. O que na realidade eu
sabia que iria desde o primeiro momento que eu acordei. Acabou, eu tinha decidido
dar fim à charada.

Depois do café da manhã eu liguei para o trabalho para falar que estava doente e
fiquei em casa o dia inteiro sozinho. Eu sabia que se eu estivesse ao redor de alguém
eu iria automaticamente cair em fraudulência. Eu tinha decidido tomar uma cartela
inteira de Benadryl e depois assim que estivesse muito sonolento e relaxado eu iria
pegar o carro e atingir a velocidade máxima em uma estrada rural na saída dos su-
búrbios do extremo oeste e colidir de frente contra a pilastra de uma ponte de con-
creto. Benadryl me deixa extremamente nebuloso e sonolento, sempre me deixou.
Eu passei a maior parte da manhã escrevendo cartas para o meu advogado e a C.P.A.,
e notas breves para o diretor criativo e meu sócio gerente que originalmente me
trouxe a bordo da Samiety e Cheyne. Nosso grupo criativo estava no meio de umas
preparações muito delicadas de campanha, e eu queria me desculpar por de alguma
maneira tê-los deixado em desamparo. É claro que eu não me sentia assim tão arre-
pendido — Samiety e Cheyne era um balé de fraudulência, e eu estava por aqui com
isso. A nota era provavelmente apenas para que, em última análise, as pessoas que
realmente importavam na S. & C. estivessem mais aptas a lembrar de mim como um
cara decente e consciente que acabou por talvez ser apenas muito sensitivo e ator-
mentado por seus demônios pessoais — ‘Quase bom demais para esse mundo’ era o
que eu parecia ser incapaz de deixar de fantasiar muitos deles dizendo depois que a
notícia viesse à tona. Eu não escrevi uma nota para o Dr. Gustafson. Ele tinha sua
própria quota de problemas, e eu sabia que na nota eu gastaria um monte de tempo
tentando ver se eu estava sendo honesto mas na realidade apenas dançando ao redor
da verdade, a qual era que ele era um homossexual ou andrógino profundamente
reprimido e não tinha real lugar nesse negócio cobrando os pacientes para deixarem
ele projetar seus próprios desajustes neles, e que a verdade era que ele estaria fa-
zendo um favor a si próprio e a todos os outros se apenas passasse pelo Garfield Park
e chupasse alguém nos arbustos e tentasse honestamente decidir se ele tinha gostado
disso ou não, e que eu era uma fraude total por continuar dirigindo todo o caminho
até River Forest para vê-lo e jogar ao redor dele como se ele fosse um rato de brin-
quedo enquanto me dizia que havia algum possível ponto não-fraudulento nisso.
(Tudo o que, é claro, mesmo se eles não estivessem morrendo de câncer no cólon
bem na sua frente você continuaria sem nunca poder realmente chegar e dizer para
alguém, uma vez que certas verdades podem muito bem destruí-los — e quem tem
esse direito?)

Eu gastei quase duas horas antes de tomar o primeiro Benadryl compondo à mão
uma nota para a minha irmã Fern. Na nota eu me desculpei por qualquer dor que o
meu suicídio e a fraudulência e/ou incapacidade de amar que tinham precipitado-o
pudessem causar nela e no meu padrasto (que continuava vivo e bem e agora morava
no Condado de Marin, Califórnia, onde ele lecionou parte do tempo e fez auxílio co-
munitário aos sem-teto do Condado). Eu também usei a ocasião da carta e toda a
espécie de urgência de último testamento associada a ela para permitir me desculpar
com a Fern sobre ter manipulado meus pais adotivos de forma que eles acreditassem
que ela tinha mentido sobre o antigo vaso de vidro em 1967, bem como por meia-
dúzia de outros incidentes e ações rancorosas e fraudulentas que eu sabia que tinham
a causado dor e que eu havia me sentido mal a respeito desde então, mas nunca tinha
realmente visto nenhuma maneira para abordar com ela ou expressar o meu honesto
arrependimento por isso. (Acontece que existem coisas que você pode discutir em
uma nota de suicídio que iriam ser apenas bizarras demais se expressadas em qual-
quer outro tipo de meio.) Apenas um exemplo de tal incidente foi durante um perí-
odo em meados de ’70, quando Fern, como parte da puberdade, passou por algumas
mudanças físicas que a fizeram parecer robusta por um ano ou dois — não gorda,
mas com os quadris grandes e peituda e meio que muito mais larga do que ela era
quando pré-adolescente — e é claro que ela estava muito, muito sensível a respeito
disso (a puberdade sendo também um tempo de terrível autoconsciência e sensibili-
dade sobre a própria imagem do corpo, obviamente), tanto que meus pais adotivos
fizeram um grande esforço para nunca dizer nada sobre a nova largura da Fern ou
sequer levantar qualquer tópico relacionado a hábitos alimentícios, dieta e exercício,
etc. E eu no que se refere à minha parte também nunca disse nada sobre isso, não
diretamente, mas eu trabalhei em todos os tipos de maneiras muito sutis e indiretas
de atormentar a Fern sobre o tamanho dela de uma tal maneira que os meus pais
adotivos nunca viram nada e eu nunca poderia ser acusado de nada que eu não pu-
desse depois olhar tudo em volta de mim com uma chocada, incrédula expressão
facial como se eu não tivesse nem ideia do que ela estava falando a respeito, tal como
apenas uma rápida levantada de sobrancelha quando os olhos dela encontraram os
meus quando ela estava repetindo de prato no jantar, ou um rápido e discreto, ‘Você
tem certeza que vai caber?’ quando ela veio para casa com uma saia nova. O que me
lembro mais vividamente envolvia o corredor do segundo andar da nossa casa, a qual
era em Aurora e era uma casa de três andares (incluindo o porão) mas não tão espa-
çosa ou larga, o que significa que era magrela em seus três volumes assim como mui-
tas outras que você sempre vê todas abarrotadas juntas ao longo das ruas residenci-
ais em Naperville e Aurora. O corredor do segundo andar, que era entre o quarto da
Fern e o topo da escada de um lado e o meu quarto e o banheiro do segundo andar
do outro, era limitado e de certo modo estreito, mas de forma alguma perto de ser
tão estreito quanto eu fazia parecer sempre que eu e a Fern passávamos um pelo
outro nele, comigo apertando minhas costas contra a parede do corredor e afuni-
lando meus braços e estremecendo como se mal fosse haver espaço o suficiente para
alguém com a inacreditável largura dela passar se espremendo por mim, e ela nunca
diria nada ou sequer olharia para mim quando eu fazia isso mas somente passaria
por mim até chegar ao banheiro e fechar a porta. Mas eu sei que isso deve ter ma-
chucado ela. Um pouco depois, ela entrou em um período adolescente em que ela
dificilmente comia qualquer coisa mais, e fumava cigarros e mascava vários pacotes
de chiclete por dia, e usava muita maquiagem, e por um tempo ela ficou tão magra
que ela parecia angulosa e um pouco como um inseto (apesar de que é claro que eu
nunca disse isso), e eu uma vez, através do buraco da fechadura do quarto deles, ouvi
uma breve conversa em que minha madrasta dizia que ela estava preocupada porque
ela não achava que a Fern estivesse tendo normalmente aqueles dias do mês dela
mais porque tinha ficado tão abaixo do peso, e ela e meu padrasto discutiram a pos-
sibilidade de levá-la para ver algum tipo de especialista. Aquele período passou por
si só, mas na carta eu contei pra Fern que eu sempre me lembrei disso e de certos
outros períodos em que eu fui cruel ou tentei fazê-la se sentir mal, e que eu me arre-
pendia muito deles, apesar de ter dito que eu não queria parecer tão egoísta ao ponto
de pensar que uma simples desculpa podia apagar qualquer um dos danos que eu
tivesse causado nela quando nós estávamos crescendo. Por outro lado, eu também a
assegurei de que não era como se eu tivesse ficado por anos carregando uma culpa
excessiva ou levando esses incidentes para fora de qualquer proporção. Eles não
eram traumas alteradores de vida ou algo desse tipo, e em várias formas eles eram
provavelmente todos bem típicos dos tipos de crueldades que crianças tendem a in-
fligir umas nas outras quando estão crescendo. Eu também a assegurei que nenhum
desses incidentes nem meu remorso sobre eles tinham alguma coisa a ver com o meu
suicídio. Eu simplesmente disse, sem entrar em nada como o nível de detalhes que
eu estou fornecendo a você (porque o meu propósito na carta era, obviamente, muito
diferente), que eu estava me matando porque eu era essencialmente uma pessoa
fraudulenta que parecia não ter ou o caráter ou o poder de fogo de encontrar uma
maneira de parar mesmo depois de ter me dado conta da minha fraudulência e do
terrível preço que ela exigia (eu não disse nada para ela sobre as diferentes compre-
ensões e paradoxos, qual seria o ponto?). Eu também inseri que havia também uma
boa possibilidade de que, quando tudo houvesse sido dito e feito, eu não fosse nada
mais do que um yuppie na marcha rápida que não conseguia amar, e que eu achava
a banalidade disso insuportável, em grande parte porque eu era evidentemente tão
vazio e inseguro que eu tinha uma necessidade patológica de me ver como de alguma
forma excepcional e marcante o tempo todo. Sem entrar em muita explicação e ar-
gumentação, eu também disse à Fern que se sua reação inicial a essas razões para
me matar fosse pensar que eu estava sendo muito, muito duro comigo mesmo, então
ela deveria saber que eu já estava ciente que essa era a mais provável reação que a
minha nota iria produzir nela, e tinha provavelmente deliberadamente construído a
nota para ao menos em parte induzir a exatamente essa reação, exatamente da ma-
neira como minha vida inteira eu frequentemente disse e fiz coisas designadas para
induzir certas pessoas a acreditarem que eu era uma pessoa genuinamente notável
cujos padrões pessoais eram tão altos que eram de longe muito duros consigo, o que
no lugar me fazia parecer atrativamente modesto e não-presunçoso, e era uma
grande razão para a minha popularidade com tantas pessoas em todas as diferentes
avenidas da minha vida — o que Beverly-Elizabeth Slane chamou de meu ‘talento
para engraciação’ — mas era contudo basicamente calculada e fraudulenta. Eu tam-
bém disse à Fern que eu a amava muito, e a pedi para que retransmitir todos esses
sentimentos ao Condado de Marin por mim.

Agora nós estamos chegando à parte em que eu efetivamente me mato. Isso ocorreu
às 9:17 PM de 19 de Agosto, 1991, se você quer o tempo fixado precisamente. Além
disso, eu vou poupá-lo da maior parte das preparações das últimas horas e o vai-e-
volta dos conflitos e hesitações, que foram muitos mesmo. Suicídio vai tão contra a
tantos instintos e impulsos profundamente enraizados que ninguém em posse de sua
mente consegue enfrentá-lo sem atravessar uma grande quantidade de vai-e-volta
internos, intervalos em que quase se muda de ideia, etc. O lógico alemão Kant estava
certo a esse respeito, seres humanos são todos praticamente idênticos em termos de
nossas raízes inatas. Embora raras vezes nós estejamos conscientes disso, nós somos
todos basicamente apenas instrumentos ou expressões de nossas unidades evoluci-
onárias, as quais são por sua vez expressões de forças que são infinitamente maiores
e mais importantes do que nós somos. (Embora estar realmente consciente disso seja
uma questão totalmente diferente.) Então eu não vou nem sequer tentar descrever
as várias diferentes vezes naquele dia quando eu sentei na minha sala de estar e tive
um furioso vai-e-volta mental sobre se eu ia realmente enfrentar isso. Em primeiro
lugar, foi intensivamente mental e tomaria uma enorme quantidade de tempo para
colocar em palavras, além de que iria sair como um tanto clichê ou banal no sentido
que muitos dos pensamentos e associações foram basicamente os mesmos tipos de
coisas genéricas que quase qualquer um que está confrontando a morte iminente vai
terminar pensando. Tal como, ‘Essa é a última vez que eu vou amarrar meu sapato,’
‘Essa é a última vez que eu vou olhar para essa árvore de borracha em cima do gabi-
nete do som,’ ‘Quão delicioso é esse pulmão se enchendo de ar,’ ‘Esse é o último copo
de leite que eu vou tomar,’ ‘Que presente totalmente inestimável essa visão total-
mente ordinária do vento levantando os ramos das árvores e movendo-os ao seu re-
dor é.’ Ou, ‘Eu nunca mais vou ouvir de novo o som lamurioso da frigideira chiando
na cozinha,’ (a cozinha e o recanto do café são bem à direita da minha sala de estar),
etc. Ou, ‘Eu não vou ver o sol se levantar amanhã ou observar o quarto gradualmente
se desescurecer e se decifrar, etc.,’ e ao mesmo tempo tentando convocar a memória
da forma exata como o sol se levanta sobre os campos úmidos e a rampa I-55 de
aparência molhada que deita bem ao leste da porta de vidro corrediço do meu quarto
pela manhã. Havia sido um Agosto quente e úmido, e se eu seguisse em frente com
o meu suicídio eu não iria nunca mais chegar a sentir o resfriamento e a secagem
graduais que começam aqui por volta de meados de Setembro, ou ver as folhas mu-
darem ou escutá-las sussurrando ao longo da borda do pátio na parte externa do
andar da S. & C. no edifício em S. Dearborn, ou ver a neve ou colocar uma pá e um
saco de areia no porta-malas, ou morder uma pêra perfeitamente madura e não-gra-
nulada, ou colocar um pedaço de papel higiênico em um corte de barbear. Etc. Se eu
entrasse e fosse ao banheiro escovar meus dentes seria a última vez que eu fiz esse
tipo de coisa. Eu sentei ali e pensei sobre isso, olhando para a árvore de borracha.
Tudo parecia tremer um pouco, da forma como coisas refletidas na água iriam tre-
mer. Eu observei o sol começar a descer sobre o desenvolvimento dos condomínios
indo até o sul do limite da corporação Darien na estr. Lily Cache e me dei conta de
que eu nunca iria ver a construção e o paisagismo das novas casas completados, e
que o isolamento branco das novas casas envolvido com o nome comercial TYVEK
sobre ele chacoalhando com todo o vento aqui fora iria um dia ter tapume de vinil ou
placas de tijolos e persianas coordenadas a cores sobre eles e eu não iria ver isso
acontecer ou estar apto a passar dirigindo e saber o que estava realmente escrito lá
debaixo de todos aqueles exteriores agradáveis. Ou a visão da janela do recanto do
café dos campos das grandes fazendas próximos à minha revelação, com os sulcos
arados todos paralelos de modo que se eu me inclinar e alinhar as linhas deles bem
eles parecem todos se lançarem juntos em direção ao horizonte como se disparados
por algo gigante. Você pegou a ideia. Eu estava basicamente no estado no qual um
homem se dá conta que tudo que ele vê vai durar mais do que ele. Como construção
verbal eu sei que isso é clichê. Como um estado no qual se encontrar realmente, no
entanto, é outra coisa, acredite em mim. Onde agora todo movimento assume uma
espécie de aspecto cerimonial. A verdadeira sacralidade do mundo como visto (o
mesmo tipo de estado que o Dr. G. iria tentar descrever com analogias com o oceano
e cristas de ondas e árvores, você deve se lembrar que eu já mencionei isso). Isso é
literalmente um um-trilhonésimo dos vários pensamentos e experiências internas
que eu passei naquelas últimas poucas horas, e eu vou poupar nós dois recontando
mais alguma, já que eu estou ciente que isso acaba parecendo um tanto quanto ba-
tido. O que na verdade não foi, mas eu também não vou alegar que foi totalmente
autentico ou genuíno. Uma parte de mim continuava calculando, representando — e
isso foi parte da qualidade cerimonial daquela última tarde. Mesmo enquanto eu es-
crevia a minha nota para a Fern, por exemplo, expressando sentimentos e arrepen-
dimentos que eram reais, uma parte de mim estava percebendo que boa e sincera a
nota era, e antecipando o efeito na Fern nessa ou naquela frase de coração, enquanto
ainda mais uma outra parte estava observando a cena inteira de um homem em uma
camisa social sem gravata sentando em seu recanto do café escrevendo uma nota
com o coração em sua última tarde vivo, a superfície da mesa de madeira clara tre-
mendo com a luz do sol e a mão do homem estável e o rosto simultaneamente as-
sombrado por arrependimento e enobrecido pela resolução, essa parte de mim meio
que pairando acima e bem à esquerda de mim mesmo, avaliando a cena, e pensando
que representação boa e de aparência genuína ela seria em um drama se nós todos
apenas já não tivéssemos sido submetidos a incontáveis cenas exatamente como essa
em dramas desde que nós assistimos um filme pela primeira vez ou lemos um livro,
o que de alguma forma implicava que cenas reais como a da minha nota de suicídio
eram convincentes e genuínas apenas para os seus participantes, e para qualquer
outro apareceria como sendo banal e até de uma certa forma brega e choramingona,
o que é um tanto quanto paradoxal quando você leva em consideração — como eu
fiz, sentado ali no recanto do café — que a razão pela qual cenas como essa vão pare-
cer velhas ou manipulativas para uma audiência é que nós já vimos tantas delas em
dramas, e ainda assim a razão pela qual nós já vimos tantas delas em dramas é que
essas cenas realmente são dramáticas e convincentes e permitem que as pessoas co-
muniquem realidades emocionais muito profundas e complicadas que são quase im-
possíveis de articular de qualquer outra maneira, e ao mesmo tempo continuava com
outra faceta ou parte de mim assimilando que dessa perspectiva o meu problema
básico era que com uma idade precoce eu de alguma maneira escolhi moldar minha
sina através da suposta audiência do drama da minha vida ao invés de com o drama
em si, e que mesmo agora eu estava assistindo e calibrando a suposta qualidade da
minha performance e seus prováveis efeitos, e assim ali estava em última análise a
mesma fraude manipulativa escrevendo a nota para a Fern que eu havia sido do co-
meço ao fim da minha vida e que tinha me levado a essa cena clímax de escrever e
assinar e endereçar o envelope e afixar o selo postal e colocar o envelope no bolso da
minha camisa (totalmente consciente da ressonância dele ficar descansando ali, pró-
ximo do meu coração, na cena), planejando deixá-lo em uma caixa de correio no ca-
minho até a estr. Lily Cache e a pilastra da ponte na qual eu planejava conduzir meu
carro em velocidade suficiente para deslocar toda a parte dianteira e me empalar no
volante e instantaneamente me matar. Auto-aversão não é a mesma coisa que que-
rer estar em sofrimento ou em uma morte lenta, se eu ia fazer isso eu queria que
fosse instantâneo.

Em Lily Cache, as pilastras e as margens íngremes dos lados da ponte suportam a


Rota Estadual 4 (também conhecida como Rodovia Braidwood) que cruza acima de
uma passagem elevada de cimento tão coberta com grafites que a maioria deles você
não consegue ler. (O que meio que derrota o propósito do grafite, na minha opinião.)
As pilastras em si são precisamente fora da estrada e cerca de tão selvagens quanto
esse carro. Além disso, a interseção é isolada bem na saída da região rural de Romeo-
ville, mais ou menos dez milhas ao sul dos limites dos subúrbios do sudoeste. É o
verdadeiro lugar nenhum. As únicas casas são fazendas localizadas bem lá atrás da
estrada e embelezadas com silos e celeiros, etc. À noite no verão os pontos-orvalha-
dos são elevados e há sempre neblina. É um campo de fazendas. Eu nunca passei
uma vez sequer aqui na 4 sem parecer ser a única coisa em cada estrada. O milho
alto e os campos como um oceano verde a todo redor, insetos sendo o único barulho
real. Dirigindo sozinho sob estrelas cremosas e a pequena foice inclinada da lua, etc.
A ideia era ter o acidente e qualquer explosão e fogo que estivessem envolvidos ocor-
rendo em algum lugar isolado o suficiente para que mais ninguém o visse, de modo
que haveria o menor aspecto de performance na coisa que eu fosse capaz de manejar
e nenhuma tentação de gastar meus últimos segundos tentando imaginar que tipo
que impressão a visão e o som do impacto poderiam causar em alguém assistindo.
Eu estava em parte preocupado de que poderia ser espetacular ou dramático e pode-
ria parecer que o motorista estava tentando fazer isso da maneira mais dramática
possível. Esse é o tipo de merda que nós perdemos nossa vida pensando a res-
peito.

O nevoeiro do terreno tende a ficar mais intenso a partir do segundo que passa a
parecer que o mundo inteiro é apenas o que as luzes dos seus faróis alcançam. Faróis
altos não funcionam no nevoeiro, eles apenas deixam as coisas piores. Você pode ir
em frente e tentar usá-los mas você vai ver o que acontece, tudo que eles fazem é
acender a névoa de forma que ela parece ainda mais densa. Esse é um tipo de para-
doxo-menor, que algumas vezes você pode na verdade ver mais longe com faróis bai-
xos do que com altos. Tudo bem — e ali está a construção e o chacoalhante TYVEK
envolvido nas casas que se você realmente fizer isso você nunca vai chegar a ver al-
guém morando dentro. Embora não vá machucar, vai ser realmente instantâneo, eu
posso te dizer isso. Os insetos dos campos são quase ensurdecedores. Se com o milho
alto desse jeito você observar enquanto o sol se põe você pode praticamente observá-
los se levantarem para fora dos campos como a sombra de alguma grandiosa figura
em ascensão. Na maior parte mosquitos, eu não sei o que todos eles são. Há um uni-
verso inteiro de insetos lá que nenhum de nós vai alguma vez ver ou saber algo a
respeito. Além de que você vai perceber que o Benadryl não ajuda tanto assim uma
vez que você já está a caminho. Aquela ideia toda foi provavelmente mal conce-
bida.

Tudo bem, agora nós estamos chegando ao que eu prometi e que conduzi você por
toda essa aborrecida sinopse do que levou a isso só nessa esperança. Significando
como é morrer, o que acontece. Certo? Isso é o que todo mundo quer saber. E você
vai, confie em mim. Quer você decida seguir em frente com isso ou não, quer eu de
alguma forma fale com você sobre isso da maneira que você pensa que eu vou tentar
fazer ou não. Não é o que ninguém pensa, em primeiro lugar. A verdade é que você
já sabe como é. Você já conhece a diferença entre o tamanho e a velocidade de tudo
que lampeja através de você e o pedaço minúsculo e inadequado de tudo que você
consegue alguma vez deixar alguém saber. Como se dentro de você estivesse esse
enorme quarto cheio do que parece ser tudo no universo inteiro uma vez ou outra e
ainda assim as únicas partes que saem têm que de alguma forma ser espremidas
através de um desses minúsculos buracos de fechadura que você vê debaixo da ma-
çaneta em portas mais antigas. Como se nós todos estivéssemos tentando ver uns aos
outros através desses minúsculos buracos de fechadura.

Mas ela tem uma maçaneta, a porta pode ser aberta. Mas não do jeito que você
pensa. Mas e se você pudesse? Pense por um segundo — e se todos esses mundos de
coisas infinitamente densas e instáveis dentro de você em todos os momentos da sua
vida viessem agora a ser de alguma forma totalmente abertos e expressáveis após,
após o que você pensa como sendo você tiver morrido, porque e se após agora cada
momento em si é um infinito mar ou espaço ou passagem de tempo no qual expressá-
lo ou transmiti-lo, e você nem precisa de nenhum Inglês organizado, você pode como
dizem abrir a porta e estar no quarto de qualquer um em suas próprias formas mul-
tiformes e ideias e facetas? Porque escute — nós não temos muito tempo, aqui é onde
a Lily Cache entra em uma ladeira levemente baixa e as margens começam a se apro-
ximar de um despenhadeiro, e você pode decifrar apenas os contornos do sinal não-
iluminado da estande da fazenda que nunca mais esteve aberta, o último sinal antes
da ponte — então escute: O Que exatamente você pensa que você é? Os milhões e
trilhões de pensamentos, memórias, justaposições — mesmo as loucas como essa,
você está pensando — que lampejam através da sua cabeça e desaparecem? Alguma
soma ou restante disso? Sua história? Você sabe quanto tempo passou desde que eu
te disse que eu era uma fraude? Você se lembra que estava olhando para o relógio
RESPICEM pendurado no retrovisor e vendo a hora, 9:17? O que você está olhando
agora? Coincidência? E se não tiver passado tempo nenhum?*[1]A verdade é que
você já ouviu isso. Que é assim que isso é. Que isso é o que dá espaço para os univer-
sos dentro de você, todos os intermináveis desdobramentos fractais de conexões e
sinfonias de vozes diferentes, os infinitos que você nunca pode mostrar para outra
alma. E você pensa que isso faz de você uma fraude, a pequena fração que alguém
alguma vez vai ver? É claro que você é uma fraude, é claro que o que as outras pessoas
vêem nunca é você. E é claro que você sabe disso, e é claro que você tenta administrar
a parte que elas vêem se você sabe que é apenas uma parte. Quem não iria? É o que
chamam de livre-arbítrio, Sherlock. Mas ao mesmo tempo é por isso que se sente tão
bem ao se entrar em colapso e chorar em frente aos outros, ou gargalhar, ou falar em
dom de línguas, ou entoar um cântico em Bengali — não é o Inglês mais, não está
sendo espremido através de nenhum buraco.

Então chore tudo que você quiser, eu não vou contar pra ninguém.

Mas não teria feito de você uma fraude mudar de ideia. Isso seria triste de se fazer
porque você pensa que você de qualquer maneira tem que fazer.

Não vai machucar, no entanto. Vai ser alto, e você vai sentir coisas, mas elas vão
atravessar você tão rápido que você não vai nem se dar conta que as está sentindo (o
que é um pouco como o paradoxo que eu costumava ressaltar com o Gustafson — é
possível ser uma fraude se você não está ciente que é uma fraude?). E o momento
muito breve de fogo que você vai sentir vai ser quase bom, como quando suas mãos
estão frias e há uma fogueira e você segura essas mãos na direção dela.

A realidade é que morrer não é ruim, mas leva uma eternidade. E essa eternidade
não é tempo nenhum. Eu sei que isso soa como uma contradição, ou talvez só um
jogo de palavras. O que isso realmente é, acaba se descobrindo, é uma questão de
perspectiva. A grande figura, como dizem, na qual o fato é que todo esse vai-e-volta
aparentemente interminável entre a gente veio e se foi e veio e se foi de novo no
mesmo instante que a Fern mexe em uma panela fervente para o jantar, e seu pa-
drasto comprime um pouco de tabaco de cachimbo com o dedão, e Angela Mead usa
um pequeno e engenhoso utensílio de catálogo para desenrolar o pêlo de gato da
blusa dela, e Melissa Betts inala antes de responder a alguma coisa que ela pensa que
o marido dela acabou de dizer, e David Wallace pisca em meio ao ocioso passar das
páginas com as fotos das classes de Aurora West H.S. em seu anuário de 1980 vendo
minha foto e tentando, através do minúsculo buraco de fechadura dele próprio, ima-
ginar tudo que poderia ter acontecido para levar à minha morte no ardente acidente
de um único carro que ele tinha lido a respeito em 1991, como que tipos de dor e
problemas poderiam ter levado esse cara a pegar seu elétrico- Corvette azul e tentar
dirigir com toda aquela medicação O.T.C. em sua corrente sanguínea — David Wal-
lace vindo a ter um conjunto enorme e totalmente inorganizável de pensamentos in-
ternos, sentimentos, memórias e impressões do cara dessa pequena foto que estava
um ano a frente no colégio com aparentemente quase uma aura de neon ao redor
dele o tempo todo de excelência escolar e atlética e popularidade e sucesso com as
garotas, assim como em cada observação cortante ou mesmo nos gestos e expressões
de mínimo desgosto vindo da parte desse cara quando David Wallace fazia um stri-
keout olhando na Legion ball ou dizia alguma coisa pateta em uma festa, e sobre o
quão impressionante e autenticamente à vontade no mundo esse cara sempre tinha
parecido, como uma pessoa viva real ao invés do apavorado e pateticamente-auto-
consciente fantasma ou rascunho de pessoa que David Wallace sabia que ele próprio
era na época. Verdadeiramente um cara laureado, na marcha rápida, que na melhor
tradição humana David Wallace tinha imaginado naquela época como sendo feliz e
irrefletido e totalmente não-perturbado por vozes lhe dizendo que havia alguma
coisa profundamente errada com ele que não estava errada com nenhum dos outros
e que ele tinha que gastar todo o seu tempo e energia tentando descobrir o que fazer
ou dizer no intuito de personificar sequer um homem marginalmente normal e acei-
tável dos E.U., tudo isso tinindo ao redor da cabeça de ’81 de David Wallace a cada
segundo e se movendo tão rápido que ele nunca teve a chance de agarrar e tentar
lutar ou argumentar contra isso ou até sequer até sentir isso exceto como um nó em
seu estômago enquanto ele estava na cozinha de seus pais verdadeiros ironizando o
uniforme dele e pensando em todas as maneiras que ele poderia estragar tudo com
um strikeout olhando ou ao perder bolas ganhas e revelar sua verdadeira essência
patética na frente desse rebatedor de .418 e sua irmã feiticeiramente linda e todos os
outros na audiência em cadeiras de quintal no gramado ao longo dos lados do campo
da Legion (todos os quais provavelmente já viram através da simulação desde o iní-
cio de qualquer forma, ele tinha certeza) — em outras palavras David Wallace ten-
tando, se unicamente no segundo em que as pálpebras dele estivessem abaixadas, de
alguma maneira reconciliar o que esse cara luminoso demonstrava por fora com seja
lá o que for no interior que devia tê-lo conduzido a se matar de uma maneira tão
dramática e indubitavelmente dolorosa — com David Wallace também totalmente
consciente que o clichê de que você nunca pode realmente saber o que está aconte-
cendo dentro de outra pessoa é velho e insípido e ainda assim ao mesmo tempo ten-
tando muito conscientemente proibir essa consciência de zombar do esforço da ten-
tativa ou levar toda linha de raciocínio à espiral recurvada que impede você de al-
guma vez chegar a algum lugar (um tempo considerável tendo passado desde 1981,
é claro, e David Wallace tendo emergido de anos de uma guerra literalmente indes-
critível contra si próprio com um pouco mais de poder de fogo do que ele tinha
quando estava em Aurora West), a parte mais real, mais paciente e sentimental dele
ordenando que essa outra parte ficasse em silêncio como se olhando-a nivelada-
mente no olho e dizendo, quase em voz alta, ‘Nem mais uma palavra.’

[→NMN.80.418]

Good Old Neon, ‘Oblivion: Stories’


Traduzido por J.V.

[1]*Uma pista de que há alguma coisa não completamente real sobre o tempo se-
quencial da maneira que você o experimenta são os vários paradoxos do tempo su-
postamente passando e de um assim-chamado ‘presente’ que está sempre se desen-
rolando no futuro e criando mais e mais passado atrás dele. Como se o presente fosse
esse carro — um belo carro a propósito — e o passado é a estrada que nós só deixamos
para trás, e o futuro é o ponto iluminado na estrada adiante que nós ainda não che-
gamos, e o tempo é o movimento para frente do carro, e o presente preciso é o pára-
choque dianteiro do carro enquanto ele corta a névoa do futuro, então é agora e en-
tão um tiquinho depois um agora completamente diferente, etc. Exceto que se o
tempo está realmente passando, qual é a velocidade dele? A que ritmo o presente
muda? Vê? Significa que se nós usamos o tempo para medir movimento ou ritmo —
o que nós fazemos, é a única maneira que você pode — 95 milhas por hora, 70 bati-
mentos cardíacos por minuto, etc. — como nós devemos medir o ritmo com que o
tempo se move? Um segundo por segundo? Isso não faz sentido. Você não consegue
sequer falar sobre o tempo fluindo ou se movendo sem se chocar contra paradoxos
imediatamente. Então pense por um segundo: E se não houver realmente movi-
mento nenhum? E se tudo isso estiver se desenrolando no lampejo que você chama
de presente, a primeira, infinitamente minúscula fração de segundo de impacto
quando o pára-choque dianteiro do carro em alta velocidade está acabando de come-
çar a tocar a pilastra, exatamente antes do pára-choque se enrugar e deslocar a ex-
tremidade da parte dianteira e você ir violentamente para frente e a coluna da dire-
ção voltar para o seu peito como se tivesse sido disparada por algo enorme? Signifi-
cando que e se na verdade esse agora é infinito e nunca passa realmente da maneira
que a sua mente é supostamente determinada para entender o passar, de forma que
não apenas a sua vida inteira como também cada uma das maneiras humanamente
concebíveis de descrever ou prestar contas dessa vida tem tempo de lampejar como
o neon formado por aquelas letras cursivas conectadas que letreiros e janelas de co-
mércios amam tanto usar através da sua mente tudo de uma vez no instante literal-
mente imensurável entre o impacto e a morte, assim que você começa avançar de
encontro ao volante em um ritmo que nenhum cinto já construído conseguiria conter
— FIM.

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