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infectologia

Manifestações clínicas na dengue


Diagnóstico laboratorial

Analúcia Rampazzo Xavier


Mestre e doutora em Bioquímica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto — Universidade de
São Paulo. Professora adjunta da Disciplina de Bioquímica Clínica do Departamento de Patologia da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Marcela Severiano de Freitas — Fernanda Martins Loureiro
Acadêmicas do Curso de Medicina da UFF.
Danielle Provençano Borghi
Médica infectologista do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em
Doenças Infecciosas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Salim Kanaan
Médico patologista clínico. Especialista em Patologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Patologia
Clínica (SBPC/ML), com mestrado em Biofísica pela UFRJ. Professor adjunto da Disciplina de
Bioquímica Clínica do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da UFF.
Coordenador da Residência Médica e do Internato em Patologia Clínica da UFF.

Resumo Summary
A dengue é uma doença infecciosa de evo- The dengue is an infectious disease of
lução aguda, transmitida por vírus (RNA vírus). acute evolution transmitted by virus (RNA
Infecta o homem através da picada do inseto virus), infecting humans through the bite of
fêmea Aedes aegypti. Seus sinais e sintomas the Aedes aegypti female insect. Presen-
são variáveis, com formas oligossintomáticas, ting signs and symptoms variables with oli-
formas clássicas (febris) e formas graves he- gosymptomatic forms, classical forms (fever)
morrágicas, podendo até apresentar síndrome and severe hemorrhagic form (DHF), this can
cardiovascular hipovolêmica. O diagnóstico lead to cardiovascular hypovolemic syndro-
envolve critérios clínico-laboratoriais. O diag- me. The diagnoses of dengue disease invol-
nóstico sorológico tem fundamental impor- ves clinical and laboratory criteria. Serologi-
tância na classificação de infecção primária cal diagnosis has fundamental importance
ou secundária, já que a dengue hemorrágica in the classification of primary or secondary
surge com maior frequência nas infecções se- infection, since DHF appears most often in
cundárias. O isolamento do vírus é geralmente secondary infections. Virus isolation is usually
realizado para fins de pesquisa ou epidemio- carried out for research or epidemiological
lógicos. As epidemias ocorrem principalmente studies. Epidemics occur mainly in the sum-
no verão, durante ou após períodos chuvosos. mer, during or after rainy periods.

Introdução Após este período os pacientes poderão Unitermos: Dengue


A dengue é uma doença infecciosa febril ser contaminados por outro sorotipo. Den- clássica; dengue
de evolução aguda, transmitida por vírus tro de cada sorotipo a variação genotípica hemorrágica; diagnóstico
(RNA) da família Flaviridae. Infecta o homem pode determinar o potencial de virulência laboratorial; febre.
através da picada do inseto hematófago fê- da cepa (4).
mea Aedes aegypti (1-3). A dengue apresenta sinais e sintomas Keywords: Classic
Existem quatro variações deste vírus já variáveis, desde formas oligossintomáticas, dengue; dengue
evidenciadas, os subtipos DENV-1, DENV-2, formas clássicas (febris), formas graves he- hemorrhagic fever;
DENV-3 e DENV-4. O mesmo vírus não atin- morrágicas (com distúrbios de coagulação) laboratory diagnosis; fever.
ge uma pessoa mais de uma vez, pois há e a síndrome cardiovascular hipovolêmica
imunidade específica por cerca de 90 dias. (1, 4).

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Especula-se que a palavra dengue tenha te (Amazonas e Pará) e no Nordeste (Bahia,


surgido na Espanha, significando original- Pernambuco e Piauí). No Sudeste, o primei-
mente “dengo ou manha”, ou tenha origem ro episódio da doença ocorreu no estado do
africana (Zanzibar), onde recebeu o nome de Rio de Janeiro, em 2011 (5, 7).
ki denga pepo, ou dengo (3).
Em 1779 foram descritas na literatura Manifestações clínicas
médica as primeiras epidemias de dengue, Após a contaminação através da picada
em Jacarta (ilha de Java), Alexandria e Cai- do mosquito Aedes aegypti, a infecção pode
ro (Egito) (1). No século XIX, quatro grandes se apresentar nas formas assintomática ou
epidemias ocorreram no Caribe e no sul dos sintomática. O período de incubação costu-
EUA. Uma pandemia de dengue clássica to- ma ser de quatro a sete dias, embora possa
mou o Sudeste Asiático depois da Segunda variar de dois até 15 dias. Após o período
Guerra Mundial. Na década de 1950 foram de incubação pode apresentar-se oligossin-
relatados os primeiros casos de dengue he- tomática, com poucas manifestações clínicas,
morrágica nas Filipinas e na Tailândia (1, 3). exibindo sintomas como febre, mialgia, dor
Provavelmente o vírus chegou ao Brasil de cabeça (dois a três dias) e exantema ma-
no período colonial e veio da África, trazido culopapular pruriginoso ou não, associados à
pelos escravos. Há referências de epidemias febre e dores, por 48 a 72 horas (3, 8).
de dengue desde 1916 em São Paulo e em O percentual de infecções assintomáticas
1923, no Rio de Janeiro. O primeiro surto re- está relacionado a fatores ambientais, indivi-
gistrado no Brasil, após a reentrada do mos- duais, do vetor e do próprio vírus. A ocor-
quito no país, aconteceu em 1982, quando rência de enfermidade febril inespecífica de
foram isolados os vírus DENV-1 e DENV-4, curta duração, acompanhada de faringite,
em Boa Vista, Roraima (5). rinite e tosse branda, é mais frequentemente
Em 1986, com a chegada do DENV-1 ao observada em lactentes e pré-escolares. Por
Rio de Janeiro, houve uma epidemia. Em vezes, esse quadro febril pode ser acom-
1990 as epidemias de dengue foram registra- panhado de erupção maculopapular, o que
das no Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e dificulta seu diagnóstico exclusivamente em
Minas Gerais) e no Nordeste (Alagoas, Ceará bases clínicas (8).
e Bahia). Tivemos a terceira onda epidêmica Na forma clássica os pacientes apresen-
em 1997/1998 (3, 6, 7). tam febre, geralmente de início súbito, po-
A entrada do sorotipo 3 no Brasil aconte- dendo chegar a 40ºC. Mantém-se na maioria
ceu pelo Rio de Janeiro, em 2001, com rápi- das vezes por três dias, mas pode permane-
da disseminação por todos os estados. Em cer até o sexto ao oitavo dia, ou ainda ser
2002 foi registrada a maior taxa de incidência bifásica. Geralmente não ocorrem calafrios, e
de dengue no país (6). seu declínio é gradual. Dores no corpo, artral-
A partir de 2006 houve recirculação do gia e mialgia, especialmente disseminada na
sorotipo 2 em alguns estados, após alguns região lombar e membros inferiores, acom-
Pontos-chave: anos de predomínio do DENV-3. Esse cená- panham o estado febril. A queixa principal é
rio levou a um aumento do número de casos, a cefaleia de localização retro-orbitária. Náu-
> Após a contaminação através assim como da forma mais grave e de relatos seas, disgesia, prostração e anorexia podem
da picada do mosquito Aedes de hospitalização (6, 7). durar uma semana. Ocorre erupção cutânea
aegypti, a infecção pode Em 2008 ocorreram novas epidemias, no início, com eritema generalizado e fugaz.
se apresentar nas formas causadas pelo DENV-2, em diversos estados, Após três a quatro dias o exantema maculo-
assintomática ou sintomática; agravando ainda mais a situação em relação papular fica mais evidente na face, tronco,
ao total de internações e de óbitos. As epi- membros e também nas extremidades, prin-
> O período de incubação demias desse período foram caracterizadas cipalmente nas regiões palmoplantares, com
costuma ser de quatro a sete por um padrão de gravidade principalmente sensação de queimação (ver figura) (9).
dias, embora possa variar de em crianças, chegando a corresponder a cer- O quadro clínico na criança, na maioria das
dois até 15 dias; ca de 50% dos casos internados em alguns vezes, se apresenta como uma síndrome febril
municípios (6). com sinais e sintomas inespecíficos, como apa-
> Após o período de Em agosto de 2010 foi registrado o pri- tia ou sonolência, recusa de alimentação, vômi-
incubação pode apresentar-se meiro caso de DENV-4 no Brasil, em Boa tos, diarreia ou fezes amolecidas. Nos menores
oligossintomática, com poucas Vista (RO). Posteriormente o vírus se disse- de dois anos de idade, os sintomas cefaleia,
manifestações clínicas. minou pelo país, sendo detectado no Nor- mialgias e artralgias podem se manifestar por

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choro persistente e irritabilidade, geralmen-


te sem manifestações respiratórias, podendo Derrame pleural
confundir-se com outros quadros infecciosos Ascite

febris próprios dessa faixa etária (8, 9). Hepatomegalia

As manifestações hemorrágicas podem Hemorragia digestiva


Gengivorragia
ocorrer em 5% a 30% dos casos. Caracteri-
Epistaxe
zam-se principalmente por gengivorragia,
Petéquia
epistaxe ou metrorragia e petéquias de apa-
Choque
recimento entre o terceiro ou quarto dia,
Exantema
que surgem habitualmente nos pés, pernas,
Dor abdominal
axilas e palato, podendo ser induzidas pela Náusea
prova do laço. Mais raramente podem ocor- Artralgia
rer hematêmese e hematúria, tornando-se Dor retro-orbitária
importante a diferenciação desses casos com Prostração
dengue clássica. Em crianças, o quadro clí- Mialgia
nico de dengue com manifestações hemor- Cefaleia
rágicas, com hematêmese e melena, pode Febre
passar despercebido. A convalescença pode
ser prolongada por até dois meses, com as-
tenia, depressão e bradicardia, retardando a
Fonte: Adaptado de SINAN — Secretaria Municipal de Saúde, RJ.
retomada das atividades cotidianas (9).
A forma hemorrágica se apresenta com fe- Figura 1: Sintomatologia da dengue clássica na epidemia na cidade do Rio de
bre de início súbito, acompanhada de vários Janeiro em 2001/2002.
sinais e sintomas, similares àqueles da dengue
clássica (ver tabela). Após o terceiro ao oitavo vasamento plasmático) e plaquetopenia abaixo
dia de evolução, os sinais e sintomas clínicos de 100.000 plaquetas/mm³, com sangramento
são associados com hemoconcentração (extra- espontâneo, principalmente digestivo e uriná-

TABELA. Risco de um indivíduo com dengue hemorrágica apresentar


sinais e sintomas em função da dengue clássica na epidemia
de 2001/2002 — Rio de Janeiro, RJ
Sintomatologia RP IC (95%) Valor de p

Ascite 4,36 2,48-7,67 0,00

Choque 2,05 1,59-2,63 0,00

Derrame pleural 7,64 4,31-13,54 0,00

Dor abdominal 1,59 1,35-1,87 0,00

Epistaxe 14,89 12,44-17,83 0,00

Exantema 3,96 3,35-4,69 0,00

Gengivorragia 15,80 13,18-18,92 0,00

Hemorragia digestiva 19,73 16,53-23,55 0,00

Hepatomegalia 6,90 4,58-10,41 0,00

Mialgia 1,39 1,03-1,87 0,03

Náusea 1,86 1,53-2,26 0,00

Óbito 34,75 19,69-61,30 0,00

Petéquia 13,89 11,80-16,36 0,00


Fonte: Adaptado de SINAN, Secretaria Municipal de Saúde, RJ.

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rio. Esses pacientes devem ser acompanhados O diagnóstico da doença dengue envolve
com maior rigor a partir do terceiro dia, pois critérios clínico-laboratoriais, com investigação
podem apresentar sinais e sintomas que prece- da situação epidemiológica na região ou cida-
dem a gravidade da doença, como dor abdo- de da qual originaram os pacientes com suspei-
minal contínua, vômitos persistentes, hepato- ta de dengue.
megalia dolorosa, derrames cavitários e queda As alterações laboratoriais serão apresenta-
brusca da temperatura, levando à hipotermia, das sob dois aspectos: os exames inespecíficos
cianose, lipotimia, hipotensão arterial conver- e os exames específicos.
gente, hipotensão postural, sangramento volu-
moso, agitação psicomotora, letargia, taquicar- Exames inespecíficos
dia, pulso fino, sudorese profusa e fria e com Exames inespecíficos podem ser caracte-
diminuição de diurese (9). rizados por determinações como hemograma
Têm sido registrados, com frequência cada completo, velocidade de hemossedimentação
vez maior, casos de comprometimento do sis- (VHS), dosagem de fibrinogênio, tempo de
tema nervoso central (SNC), comprometimento tromboplastina parcial (PTT), tempo de pro-
hepático, esplênico e miocardiopatia (3, 9). trombina (TAP), dosagem do complemento
As alterações hepáticas se apresentam como C3, D-dímero, dosagem de proteínas totais e
hepatomegalia, aumento das enzimas hepáticas frações, ureia, creatinina, dos eletrólitos (só-
e hepatite fulminante. Já foram descritas tanto dio, potássio e cloro), das transaminases (ALT
em casos de dengue clássica como em casos e AST), proteína C-reativa (PCR) e gasometria.
de dengue hemorrágica (10-13). No Brasil, Sou-
za et al. (14) avaliaram adultos com dengue e Hemograma — O hemograma completo na
encontraram 63,4% de alteração na aspartato dengue não apresenta diferença da maioria
aminotransferase (AST) e 45% na alanina amino- das viroses. Na dengue clássica, já no segundo
transferase (ALT), concluindo que a elevação das dia de febre, observa-se leucograma com leu-
transaminases e a hepatite reativa são complica- copenia e neutropenia, sendo que no quarto
ções comuns nos pacientes com infecção pelo ou quinto dia esta leucometria pode chegar a
vírus da dengue (14). 2 mil a 4 mil leucócitos com apenas 20%-40%
O acometimento do SNC pode ocorrer du- de neutrófilos. Raros plasmócitos e linfócitos
rante a infecção aguda ou como manifestação atípicos são às vezes encontrados no quinto e
pós-infecciosa, que parece ser a mais frequente. sexto dias (15).
Na vigência de quadro agudo de dengue deve- O flavivírus causa inibição significativa da
mos pensar em acometimento do SNC diante hematopoese, com trombocitopenia, reticulo-
de casos cursando com cefaleia intensa, vômi- citopenia e medula hipocelular nas três séries
tos, convulsão/delírio, insônia, inquietação, irri- do terceiro ao sexto dia. No quarto dia de febre
tabilidade e depressão, acompanhados ou não a medula pode mostrar ausência virtual de cé-
de meningismo discreto sem alteração da cons- lulas de granulocitopoese (16).
ciência ou deficiência neurológica focal, depres- Na dengue hemorrágica, segundo critérios
são sensorial e distúrbios comportamentais (9). adotados pela Organização Mundial da Saúde
Pontos-chave: Acredita-se que este comprometimento seja (OMS), ocorre aumento do hematócrito para
mais consequência de reações imunológicas do confirmação da hemoconcentração. Crianças
> O laboratório clínico é uma que do envolvimento direto do vírus no tecido até 15 anos e adultos apresentam hematócri-
ferramenta de assistência ao nervoso, ou seja, uma reação provocada pela in- to 20% acima do limite do valor de referência.
médico; fecção viral por dengue com subsequente infla- Além disso, em cerca de 30% dos casos obser-
mação perivascular, que poderia acarretar ede- va-se leucocitose (9, 10, 17).
> Juntamente com as ma cerebral, congestão vascular, hemorragias A resposta imunológica secundária é ina-
informações e os demais dados focais, infiltrados linfocitários perivasculares, fo- propriada, e os anticorpos são insuficientes
semiológicos colhidos na cos de desmielinização perivenosa e formação para a inativação. Isto propicia a entrada dos
consulta médica; de imunocomplexos (4, 9). vírus nos monócitos, que se difundem para os
tecidos linfoides, para a medula óssea e para
> O diagnóstico da doença Diagnóstico laboratorial clínico todas as áreas onde houver macrófagos fixos.
dengue envolve critérios O laboratório clínico é uma ferramenta de A síndrome hemorrágica deve-se à capilarida-
clínico-laboratoriais, com assistência ao médico, juntamente com as infor- de generalizada induzida pelas citocinas, em
investigação da situação mações e os demais dados semiológicos colhi- especial os fatores de necrose tumoral (TNF), as
epidemiológica na região. dos na consulta médica. interleucinas (IL-2, IL-6, IL-8 e IL-10) e interferon

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gama, que estão aumentados, facilitando assim Proteína C-reativa — A proteína C-reativa
o extravasamento de plasma e eritrócitos (4). (PCR) é uma proteína liberada na fase aguda No caso da dengue
Alterações agudas no hemograma podem por estímulos de interleucina (IL-1 e IL-6) e fa- clássica, a contagem de
servir como sinais de alerta em pacientes com tor de necrose tumoral (TNF) no fígado. Nas plaquetas pode estar
dengue. Na dengue hemorrágica o número de reações inflamatórias e infecciosas (por vírus, normal ou diminuída. Na
neutrófilos se eleva no quinto dia de febre, po- bactérias, parasitas ou fungos) é utilizada dengue hemorrágica,
dendo ocorrer até neutrofilia e granulações tó- para monitorizar a reposição na fase aguda, em pacientes adultos,
xicas. Na mesma data a contagem de linfócitos uma vez que possui meia-vida curta (oito a é mandatória uma
se eleva, com presença de linfócitos atípicos, 12 horas) e valores de referência muito bai- contagem inferior a
imunócitos e plasmócitos em número signifi- xos. Sendo assim, em resposta a estímulos 100.000 plaquetas/mm³,
cativo (5% a 10%), sugerindo ser uma resposta inflamatórios pode atingir velocidade de até sendo que a
imunológica secundária (15, 16). 100 vezes o valor de referência em menos de hemoconcentração é
No caso da dengue clássica, a contagem de 24 horas. Pode aumentar rapidamente após detectada em apenas
plaquetas pode estar normal ou diminuída. Na estímulo inflamatório entre quatro e seis ho- 50% dos casos, enquanto
dengue hemorrágica, em pacientes adultos, é ras, e na ausência deste estímulo de forma a plaquetopenia
mandatória uma contagem inferior a 100.000 crônica, normaliza-se em três a quatro dias. se manifesta mais
plaquetas/mm³, sendo que a hemoconcentra- Na doença dengue a PCR está aumentada, frequentemente em torno
ção é detectada em apenas 50% dos casos, principalmente pela ativação das interleu- de 70% a 80% dos casos.
enquanto a plaquetopenia se manifesta mais cinas secretadas pelos monócitos que irão
frequentemente em torno de 70% a 80% dos estimular o tecido hepático na sua liberação
casos (10, 15). (15, 18).

Tempo de tromboplastina parcial e tempo Outros — As transaminases podem estar nor-


de protrombina — Tempo de tromboplasti- mais ou tocadas, enquanto a ureia se encontra
na parcial (TTP) é um método que mede o aumentada e a creatinina, normal. Ocorrem hi-
tempo de recalcificação do plasma. Portan- ponatremia dilucional e hipoalbuminemia, de-
to, é capaz de detectar todas as três fases de vido ao reflexo de extravasamento de líquido
coagulação (sistema intrínseco). As osmolari- para o terceiro espaço. Há redução do comple-
dades do VII e XIII e das plaquetas não são mento C3 (12).
acusadas por esse teste. No caso da dengue Quando os pacientes apresentam choque
hemorrágica, o alongamento desta prova hipovolêmico prolongado há redução na eli-
ocorreria devido ao consumo dos fatores de minação de produtos ácidos pelos rins, provo-
coagulação (11, 12, 15). cando acidose metabólica. Nos casos graves
O tempo de protrombina (TP) é uma prova os fatores de coagulação estão alterados, com
utilizada para detectar deficiência congênita diminuição do fibrinogênio, dos fatores V, VII,
ou adquirida dos fatores pertencentes ao sis- IX, X, com prolongamento do TP e PTT e au-
tema extrínseco da coagulação. É um teste mento do produto de degradação da fibrina
muito utilizado para controle de terapia de (10-12, 14).
anticoagulantes orais. No caso da dengue
hemorrágica, o TP se encontra aumentado Exames específicos
nas alterações do complexo protrombina e Exames específicos podem ser caracteriza-
do consumo de fibrinogênio, bem como na dos por determinações como isolamento do
coagulação disseminada (9, 11, 15). vírus, reações sorológicas, imuno-histoquími-
ca, teste de proteínas não estruturais e deter-
Velocidade de hemossedimentação — A ve- minações de anticorpos ou antígenos especí-
locidade de hemossedimentação (VHS) das ficos. Os exames específicos devem contribuir
hemácias, como todo processo de hemosse- principalmente para fins de vigilância epide-
dimentação, depende da concentração das miológica, no isolamento e na identificação e
hemácias existentes e da atração pela força tipagem do vírus no soro, nos primeiros cinco
gravitacional. É um exame inespecífico, mas dias da doença.
ela está aumentada nos processos infecciosos, Esses exames geralmente não são feitos
inflamatórios e neoplásicos. É mais útil no con- em laboratórios clínicos, mas em laboratórios
trole de tratamento. Na doença dengue, a VHS de pesquisa, excetuando-se a pesquisa de an-
se encontra aumentada devido principalmente ticorpos circulantes e de antígeno, através de
ao processo inflamatório (15). testes rápidos.

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Durante as epidemias, para fins de notifica- minação de imunoglobulinas IgG/IgM, para


ção basta a suspeita clínica, que poderá ter o detecção rápida, qualitativa e diferencial dos
apoio ou não dos exames inespecíficos. anticorpos IgG e IgM contra o vírus, no san-
gue total, plasma ou soro, é muito utilizado na
Testes rápidos para pesquisa de antígenos e beira do leito do paciente (20).
anticorpos na dengue — Os testes rápidos A infecção aguda por dengue nos ensaios
são muito utilizados na detecção de doenças sorológicos tem confiabilidade quatro vezes
infecciosas. Podem usar sangue total (não pro- maior na pesquisa dos anticorpos contra o
cessado), com a vantagem de fornecerem re- vírus entre a fase aguda dupla e a fase conva-
sultados na beira do leito (point of care). Esses lescente do paciente (18).
testes são sensíveis e específicos, apresentan- A produção de anticorpos como resposta
do boa acurácia. imune inclui a imunoglobulina M, detectável
Na detecção da infecção por dengue aproximadamente no quinto dia do início de
pode-se utilizar vários testes rápidos para de- sintomas como dor de cabeça, febre baixa a
monstração das imunoglobulinas dos tipos alta, dores musculares e erupções cutâneas na
IgA, IgM e IgG. Com esses testes rápidos po- fase de infecção aguda, podendo permanecer
demos demonstrar a presença dos antígenos detectável por até 30 a 60 dias. A imunoglo-
de superfície dos tipos NS1, NS2, NS3 e NS4 bulina G pode aparecer em torno do 14o dia e
(19-21). persiste por toda a vida (20).
A imunoglobulina A representa 15% a 20% Na infecção secundária frequentemente
do pool de imunoglobulinas humanas séricas, o paciente apresenta febre alta, e em muitos
com meia-vida em torno de seis dias (21). O casos há hemorragia e falência circulatória.
teste rápido para detecção da IgA é baseado Ocorre aumento da IgG na infecção secundá-
em uma técnica de fluxo reverso imunocroma- ria um a dois dias após o início dos sintomas,
tográfico rápido, para detecção qualitativa da induzindo resposta de IgM após 20 dias de
IgA antidengue a partir de amostras biológicas infecção (20).
do paciente (sangue total, soro ou plasma), nas Nesses testes rápidos podemos detectar
áreas endêmicas. Na detecção secundária a IgA todos os quatro sorotipos da dengue, pois
mostra maior sensibilidade, podendo apresen- há mistura de proteínas do envelope recom-
tar detecção mais precoce, comparada a outras binante do vírus (17). Diante de sinais e sin-
imunoglobulinas circulantes (19, 21). tomas clínicos, com persistente negatividade
O teste apresenta sensibilidade de 82,46%, do teste rápido, deve-se solicitar outros mé-
com nível de confiança de 95% (74,21% a todos, para confirmação da doença. O teste
88,49%), e especificidade de 77,52%, com nível de inibição da hemaglutinação (IH) tem sido o
de confiança de 95% (69,33% a 84,40%) (19). ensaio mais comumente usado para diagnós-
tico da dengue (19, 22).
Testes rápidos imunocromatográficos para de- A interpretação dos resultados dos testes
tecção de IgG/IgM para dengue — O ensaio rápidos deve seguir as observações descritas
imunocromatográfico em fase sólida na deter- no quadro.

Pontos-chave: QUADRO: Interpretação dos testes rápidos quanto à detecção dos anticorpos
IgG/IgM
> Os testes rápidos são muito
Anticorpos Resultado Interpretação
utilizados na detecção de
doenças infecciosas; IgM + Indica infecção primária

> Podem usar sangue total (não Indica infecção secundária ou dengue contraída no
IgG +
processado), com a vantagem passado
de fornecerem resultados na Indica infecção primária tardia ou infecção secundária
IgM/IgG +
beira do leito; precoce

> Esses testes são sensíveis e Não foram detectados anticorpos IgM e IgG. Repetir
IgM/IgG –
o teste entre o 30 e o 50 dia, se houver suspeita clínica
específicos, apresentando boa
acurácia. Legenda: + = teste rápido positivo; – = teste rápido negativo.

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Testes rápidos imunocromatográficos para até mesmo durante a fase aguda da doença,
detecção de antígenos para dengue (detec- enquanto a IgM não aparece ou é detectada A viremia na dengue
ção de proteínas não estruturais) — A proteí- em baixos níveis, geralmente em fase mais é curta, usualmente
na não estrutural 1 (NS1) do vírus da dengue tardia (27). observada dois a três dias
pode ser detectada no plasma, especialmen- A presença de IgM específica para o vírus antes do estabelecimento
te nos primeiros dias da doença. Os ensaios da dengue em pacientes com a doença agu- da febre e até no máximo
comercialmente disponíveis são qualitativos da é útil para detectar o número de infecções cinco dias depois. As
e não proporcionam uma medida quantitati- recentes. No entanto, a IgM pode persistir por amostras biológicas
va dos níveis de proteína NS1 solúveis, mas a mais de oito meses. Portanto, nos países em destinadas ao isolamento
sensibilidade para o diagnóstico da infecção que a dengue é endêmica e onde muitos so- viral devem ser coletadas
aguda da dengue, no momento da admis- rotipos de vírus da dengue estão circulando até no máximo quatro
são, é de 50% a 70%, com especificidade > pode ser difícil interpretar um resultado po- a cinco dias após o
95% (23). sitivo em pacientes com doença febril, pois estabelecimento da
O antígeno NS1Ag é uma glicoproteína a presença de IgM pode refletir infecção re- doença. O isolamento do
altamente preservada em altas concentrações ferente a oito meses anteriores. Foi relatado vírus normalmente requer
nas amostras. Pode ser detectado a partir do que a IgA aumenta ao mesmo tempo que a uma a duas semanas para
primeiro dia, estendendo-se até nove dias IgM em pacientes com dengue, mas persiste ser realizado.
após o sinal de hipertermia em pacientes com por curto período, sendo considerada por al-
dengue primária ou secundária (24). guns autores uma forma de auxiliar o diagnós-
Esse teste é feito através de imunocromato- tico de dengue aguda (20, 27).
grafia em amostras de sangue total, plasma ou Os chamados anticorpos fixadores do
soro. A detecção e a quantificação de circula- complemento aparecem durante a segunda
ção livre da NS1 podem fornecer um diagnós- semana de doença e se negativam entre seis e
tico específico e precoce da infecção pelo vírus 12 meses. São muito específicos nas infecções
da dengue e potencialmente prever o desen- primárias (20, 26).
volvimento da dengue hemorrágica (23, 24). Os anticorpos neutralizantes são detecta-
dos na fase de convalescença e são especí-
Reações sorológicas — O diagnóstico soro- ficos para um sorotipo na primoinfecção, en-
lógico assume importância fundamental na quanto na infecção secundária a reação se po-
classificação de infecção primária ou secun- sitiva para dois dos quatro sorotipos do vírus,
dária, já que a dengue hemorrágica surge sendo o de maior título correspondente ao
com maior frequência nas infecções secun- sorotipo responsável pela infecção atual. Em
dárias (8, 25, 26). algumas combinações de infecções sequen-
Ainda em relação aos chamados exames ciais, os títulos de anticorpos neutralizantes
específicos, podemos detectar a doença nos da primeira infecção são superiores ao título
primeiros cinco dias através da determinação correspondente à segunda infecção. Este fe-
de anticorpos (26). Os anticorpos podem ser nômeno é conhecido como “pecado original
medidos com a técnica de imunoensaio (Mac antigênico” (26, 27).
ELISA) ou mediante a técnica de IH, fixação
de complemento (FC) e neutralização (NI). A Isolamento viral — O isolamento do vírus
principal limitação dessas técnicas é a alta re- é geralmente realizado apenas para fins de
atividade cruzada observada não só entre os pesquisa ou epidemiológicos (17).
quatro sorotipos da dengue, mas também em A viremia na dengue é curta, usualmente
relação a outros flavivírus (27). observada dois a três dias antes do estabele-
A detecção destes anticorpos no soro du- cimento da febre e até no máximo cinco dias
rante a infecção primária caracteriza-se pelo depois. As amostras biológicas destinadas ao
aumento gradativo de IgM e posteriormente isolamento viral devem ser coletadas até no
de IgG, ao final da primeira semana de infec- máximo quatro a cinco dias após o estabele-
ção. A IgM desaparece até o final do segundo cimento da doença (27). O isolamento do vírus
mês, enquanto a IgG poderá ser detectada normalmente requer uma a duas semanas para
pela IH, com pico máximo no final do primeiro ser realizado (17).
mês e decrescendo lentamente, conservando Os métodos de isolamento viral rotinei-
títulos residuais no soro por toda a vida. Na in- ramente usados são inoculação intracerebral
fecção secundária o aumento dos anticorpos de camundongos recém-nascidos, inocu-
IgG é maior e mais precoce, sendo detectado lação em culturas de células de mamíferos,

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Manifestações clínicas na dengue
Diagnóstico laboratorial

inoculação intratorácica de mosquitos adul- um prazo clinicamente significativo (um a dois


tos e inoculação em culturas de células de dias) (28).
mosquito (18, 27). Atualmente existem muitos protocolos de
A inoculação em mosquitos adultos é a RT-PCR disponíveis, podendo ser mais geral,
técnica mais sensível, mas não é a mais utili- para todos os quatro sorotipos — o que re-
zada. A técnica considerada padrão ouro para duziria seu custo —, ou mais específico, para
isolamento viral na dengue é a inoculação em detectar e distinguir os quatro sorotipos isola-
culturas de células de mamíferos. Apesar de damente (28).
ser menos sensível do que a inoculação intra-
torácica em mosquitos adultos, tem a facili- Considerações finais
dade de processar várias amostras ao mesmo A doença dengue viral na forma aguda fe-
tempo, sendo então um método rápido, sen- bril é acompanhada de fortes cefaleias retro-
sível e econômico para isolamento do vírus da -orbitárias e mialgias. A presença de anticorpos
dengue (27). da classe IgG significa memória imunológica. A
A identificação da cepa viral geralmente é soroconversão (positivação) pode traduzir nova
feita com técnicas de imunofluorescência (IF), infecção, e a presença de anticorpos da classe
utilizando primeiramente um anticorpo policlo- IgM indica a fase aguda da doença. Quando o
nal como triagem, e os positivos são confirma- indivíduo é infectado por outro sorotipo de ví-
dos com anticorpos monoclonais (18). rus da dengue, a sensibilidade da IgM é inferior
à da doença primária. A pesquisa de antígenos
Detecção do genoma viral — O método de do vírus da dengue mostra maior sensibilidade
transcrição reversa-reação em cadeia da poli- nos primeiros dias da doença. O isolamento
merase (RT-PCR) foi desenvolvido para o diag- viral e a detecção por RT-PCR são mais usual-
nóstico de várias doenças. Nos últimos anos mente utilizados para fins de pesquisa científi-
tem revolucionado o diagnóstico laboratorial ca; no entanto, a determinação dos subtipos
de doenças infecciosas. Ele é rápido, sensí- virais tem importância epidemiológica. Os de-
vel e simples, e se corretamente padronizado mais exames inespecíficos laboratoriais, como
pode ser utilizado para detecção do genoma hemograma, VHS, transaminases, PCR e exa-
em mosquitos e em amostras clínicas humanas, mes de coagulação, têm importância maior na
biopsias, autópsias e tecidos (27, 28). evolução da doença, devido às suas diferentes
O RT-PCR tem sensibilidade comparável manifestações clínicas. Assim, fica evidente a
ao isolamento viral, embora seja tecnicamen- importância dos testes laboratoriais e de suas
te exigente e não muito disponível. É o único corretas interpretações para o melhor diagnós-
método que pode detectar o vírus dentro de tico e tratamento do doente.

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