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Resumo Summary
A dengue é uma doença infecciosa de evo- The dengue is an infectious disease of
lução aguda, transmitida por vírus (RNA vírus). acute evolution transmitted by virus (RNA
Infecta o homem através da picada do inseto virus), infecting humans through the bite of
fêmea Aedes aegypti. Seus sinais e sintomas the Aedes aegypti female insect. Presen-
são variáveis, com formas oligossintomáticas, ting signs and symptoms variables with oli-
formas clássicas (febris) e formas graves he- gosymptomatic forms, classical forms (fever)
morrágicas, podendo até apresentar síndrome and severe hemorrhagic form (DHF), this can
cardiovascular hipovolêmica. O diagnóstico lead to cardiovascular hypovolemic syndro-
envolve critérios clínico-laboratoriais. O diag- me. The diagnoses of dengue disease invol-
nóstico sorológico tem fundamental impor- ves clinical and laboratory criteria. Serologi-
tância na classificação de infecção primária cal diagnosis has fundamental importance
ou secundária, já que a dengue hemorrágica in the classification of primary or secondary
surge com maior frequência nas infecções se- infection, since DHF appears most often in
cundárias. O isolamento do vírus é geralmente secondary infections. Virus isolation is usually
realizado para fins de pesquisa ou epidemio- carried out for research or epidemiological
lógicos. As epidemias ocorrem principalmente studies. Epidemics occur mainly in the sum-
no verão, durante ou após períodos chuvosos. mer, during or after rainy periods.
rio. Esses pacientes devem ser acompanhados O diagnóstico da doença dengue envolve
com maior rigor a partir do terceiro dia, pois critérios clínico-laboratoriais, com investigação
podem apresentar sinais e sintomas que prece- da situação epidemiológica na região ou cida-
dem a gravidade da doença, como dor abdo- de da qual originaram os pacientes com suspei-
minal contínua, vômitos persistentes, hepato- ta de dengue.
megalia dolorosa, derrames cavitários e queda As alterações laboratoriais serão apresenta-
brusca da temperatura, levando à hipotermia, das sob dois aspectos: os exames inespecíficos
cianose, lipotimia, hipotensão arterial conver- e os exames específicos.
gente, hipotensão postural, sangramento volu-
moso, agitação psicomotora, letargia, taquicar- Exames inespecíficos
dia, pulso fino, sudorese profusa e fria e com Exames inespecíficos podem ser caracte-
diminuição de diurese (9). rizados por determinações como hemograma
Têm sido registrados, com frequência cada completo, velocidade de hemossedimentação
vez maior, casos de comprometimento do sis- (VHS), dosagem de fibrinogênio, tempo de
tema nervoso central (SNC), comprometimento tromboplastina parcial (PTT), tempo de pro-
hepático, esplênico e miocardiopatia (3, 9). trombina (TAP), dosagem do complemento
As alterações hepáticas se apresentam como C3, D-dímero, dosagem de proteínas totais e
hepatomegalia, aumento das enzimas hepáticas frações, ureia, creatinina, dos eletrólitos (só-
e hepatite fulminante. Já foram descritas tanto dio, potássio e cloro), das transaminases (ALT
em casos de dengue clássica como em casos e AST), proteína C-reativa (PCR) e gasometria.
de dengue hemorrágica (10-13). No Brasil, Sou-
za et al. (14) avaliaram adultos com dengue e Hemograma — O hemograma completo na
encontraram 63,4% de alteração na aspartato dengue não apresenta diferença da maioria
aminotransferase (AST) e 45% na alanina amino- das viroses. Na dengue clássica, já no segundo
transferase (ALT), concluindo que a elevação das dia de febre, observa-se leucograma com leu-
transaminases e a hepatite reativa são complica- copenia e neutropenia, sendo que no quarto
ções comuns nos pacientes com infecção pelo ou quinto dia esta leucometria pode chegar a
vírus da dengue (14). 2 mil a 4 mil leucócitos com apenas 20%-40%
O acometimento do SNC pode ocorrer du- de neutrófilos. Raros plasmócitos e linfócitos
rante a infecção aguda ou como manifestação atípicos são às vezes encontrados no quinto e
pós-infecciosa, que parece ser a mais frequente. sexto dias (15).
Na vigência de quadro agudo de dengue deve- O flavivírus causa inibição significativa da
mos pensar em acometimento do SNC diante hematopoese, com trombocitopenia, reticulo-
de casos cursando com cefaleia intensa, vômi- citopenia e medula hipocelular nas três séries
tos, convulsão/delírio, insônia, inquietação, irri- do terceiro ao sexto dia. No quarto dia de febre
tabilidade e depressão, acompanhados ou não a medula pode mostrar ausência virtual de cé-
de meningismo discreto sem alteração da cons- lulas de granulocitopoese (16).
ciência ou deficiência neurológica focal, depres- Na dengue hemorrágica, segundo critérios
são sensorial e distúrbios comportamentais (9). adotados pela Organização Mundial da Saúde
Pontos-chave: Acredita-se que este comprometimento seja (OMS), ocorre aumento do hematócrito para
mais consequência de reações imunológicas do confirmação da hemoconcentração. Crianças
> O laboratório clínico é uma que do envolvimento direto do vírus no tecido até 15 anos e adultos apresentam hematócri-
ferramenta de assistência ao nervoso, ou seja, uma reação provocada pela in- to 20% acima do limite do valor de referência.
médico; fecção viral por dengue com subsequente infla- Além disso, em cerca de 30% dos casos obser-
mação perivascular, que poderia acarretar ede- va-se leucocitose (9, 10, 17).
> Juntamente com as ma cerebral, congestão vascular, hemorragias A resposta imunológica secundária é ina-
informações e os demais dados focais, infiltrados linfocitários perivasculares, fo- propriada, e os anticorpos são insuficientes
semiológicos colhidos na cos de desmielinização perivenosa e formação para a inativação. Isto propicia a entrada dos
consulta médica; de imunocomplexos (4, 9). vírus nos monócitos, que se difundem para os
tecidos linfoides, para a medula óssea e para
> O diagnóstico da doença Diagnóstico laboratorial clínico todas as áreas onde houver macrófagos fixos.
dengue envolve critérios O laboratório clínico é uma ferramenta de A síndrome hemorrágica deve-se à capilarida-
clínico-laboratoriais, com assistência ao médico, juntamente com as infor- de generalizada induzida pelas citocinas, em
investigação da situação mações e os demais dados semiológicos colhi- especial os fatores de necrose tumoral (TNF), as
epidemiológica na região. dos na consulta médica. interleucinas (IL-2, IL-6, IL-8 e IL-10) e interferon
gama, que estão aumentados, facilitando assim Proteína C-reativa — A proteína C-reativa
o extravasamento de plasma e eritrócitos (4). (PCR) é uma proteína liberada na fase aguda No caso da dengue
Alterações agudas no hemograma podem por estímulos de interleucina (IL-1 e IL-6) e fa- clássica, a contagem de
servir como sinais de alerta em pacientes com tor de necrose tumoral (TNF) no fígado. Nas plaquetas pode estar
dengue. Na dengue hemorrágica o número de reações inflamatórias e infecciosas (por vírus, normal ou diminuída. Na
neutrófilos se eleva no quinto dia de febre, po- bactérias, parasitas ou fungos) é utilizada dengue hemorrágica,
dendo ocorrer até neutrofilia e granulações tó- para monitorizar a reposição na fase aguda, em pacientes adultos,
xicas. Na mesma data a contagem de linfócitos uma vez que possui meia-vida curta (oito a é mandatória uma
se eleva, com presença de linfócitos atípicos, 12 horas) e valores de referência muito bai- contagem inferior a
imunócitos e plasmócitos em número signifi- xos. Sendo assim, em resposta a estímulos 100.000 plaquetas/mm³,
cativo (5% a 10%), sugerindo ser uma resposta inflamatórios pode atingir velocidade de até sendo que a
imunológica secundária (15, 16). 100 vezes o valor de referência em menos de hemoconcentração é
No caso da dengue clássica, a contagem de 24 horas. Pode aumentar rapidamente após detectada em apenas
plaquetas pode estar normal ou diminuída. Na estímulo inflamatório entre quatro e seis ho- 50% dos casos, enquanto
dengue hemorrágica, em pacientes adultos, é ras, e na ausência deste estímulo de forma a plaquetopenia
mandatória uma contagem inferior a 100.000 crônica, normaliza-se em três a quatro dias. se manifesta mais
plaquetas/mm³, sendo que a hemoconcentra- Na doença dengue a PCR está aumentada, frequentemente em torno
ção é detectada em apenas 50% dos casos, principalmente pela ativação das interleu- de 70% a 80% dos casos.
enquanto a plaquetopenia se manifesta mais cinas secretadas pelos monócitos que irão
frequentemente em torno de 70% a 80% dos estimular o tecido hepático na sua liberação
casos (10, 15). (15, 18).
Pontos-chave: QUADRO: Interpretação dos testes rápidos quanto à detecção dos anticorpos
IgG/IgM
> Os testes rápidos são muito
Anticorpos Resultado Interpretação
utilizados na detecção de
doenças infecciosas; IgM + Indica infecção primária
> Podem usar sangue total (não Indica infecção secundária ou dengue contraída no
IgG +
processado), com a vantagem passado
de fornecerem resultados na Indica infecção primária tardia ou infecção secundária
IgM/IgG +
beira do leito; precoce
> Esses testes são sensíveis e Não foram detectados anticorpos IgM e IgG. Repetir
IgM/IgG –
o teste entre o 30 e o 50 dia, se houver suspeita clínica
específicos, apresentando boa
acurácia. Legenda: + = teste rápido positivo; – = teste rápido negativo.
Testes rápidos imunocromatográficos para até mesmo durante a fase aguda da doença,
detecção de antígenos para dengue (detec- enquanto a IgM não aparece ou é detectada A viremia na dengue
ção de proteínas não estruturais) — A proteí- em baixos níveis, geralmente em fase mais é curta, usualmente
na não estrutural 1 (NS1) do vírus da dengue tardia (27). observada dois a três dias
pode ser detectada no plasma, especialmen- A presença de IgM específica para o vírus antes do estabelecimento
te nos primeiros dias da doença. Os ensaios da dengue em pacientes com a doença agu- da febre e até no máximo
comercialmente disponíveis são qualitativos da é útil para detectar o número de infecções cinco dias depois. As
e não proporcionam uma medida quantitati- recentes. No entanto, a IgM pode persistir por amostras biológicas
va dos níveis de proteína NS1 solúveis, mas a mais de oito meses. Portanto, nos países em destinadas ao isolamento
sensibilidade para o diagnóstico da infecção que a dengue é endêmica e onde muitos so- viral devem ser coletadas
aguda da dengue, no momento da admis- rotipos de vírus da dengue estão circulando até no máximo quatro
são, é de 50% a 70%, com especificidade > pode ser difícil interpretar um resultado po- a cinco dias após o
95% (23). sitivo em pacientes com doença febril, pois estabelecimento da
O antígeno NS1Ag é uma glicoproteína a presença de IgM pode refletir infecção re- doença. O isolamento do
altamente preservada em altas concentrações ferente a oito meses anteriores. Foi relatado vírus normalmente requer
nas amostras. Pode ser detectado a partir do que a IgA aumenta ao mesmo tempo que a uma a duas semanas para
primeiro dia, estendendo-se até nove dias IgM em pacientes com dengue, mas persiste ser realizado.
após o sinal de hipertermia em pacientes com por curto período, sendo considerada por al-
dengue primária ou secundária (24). guns autores uma forma de auxiliar o diagnós-
Esse teste é feito através de imunocromato- tico de dengue aguda (20, 27).
grafia em amostras de sangue total, plasma ou Os chamados anticorpos fixadores do
soro. A detecção e a quantificação de circula- complemento aparecem durante a segunda
ção livre da NS1 podem fornecer um diagnós- semana de doença e se negativam entre seis e
tico específico e precoce da infecção pelo vírus 12 meses. São muito específicos nas infecções
da dengue e potencialmente prever o desen- primárias (20, 26).
volvimento da dengue hemorrágica (23, 24). Os anticorpos neutralizantes são detecta-
dos na fase de convalescença e são especí-
Reações sorológicas — O diagnóstico soro- ficos para um sorotipo na primoinfecção, en-
lógico assume importância fundamental na quanto na infecção secundária a reação se po-
classificação de infecção primária ou secun- sitiva para dois dos quatro sorotipos do vírus,
dária, já que a dengue hemorrágica surge sendo o de maior título correspondente ao
com maior frequência nas infecções secun- sorotipo responsável pela infecção atual. Em
dárias (8, 25, 26). algumas combinações de infecções sequen-
Ainda em relação aos chamados exames ciais, os títulos de anticorpos neutralizantes
específicos, podemos detectar a doença nos da primeira infecção são superiores ao título
primeiros cinco dias através da determinação correspondente à segunda infecção. Este fe-
de anticorpos (26). Os anticorpos podem ser nômeno é conhecido como “pecado original
medidos com a técnica de imunoensaio (Mac antigênico” (26, 27).
ELISA) ou mediante a técnica de IH, fixação
de complemento (FC) e neutralização (NI). A Isolamento viral — O isolamento do vírus
principal limitação dessas técnicas é a alta re- é geralmente realizado apenas para fins de
atividade cruzada observada não só entre os pesquisa ou epidemiológicos (17).
quatro sorotipos da dengue, mas também em A viremia na dengue é curta, usualmente
relação a outros flavivírus (27). observada dois a três dias antes do estabele-
A detecção destes anticorpos no soro du- cimento da febre e até no máximo cinco dias
rante a infecção primária caracteriza-se pelo depois. As amostras biológicas destinadas ao
aumento gradativo de IgM e posteriormente isolamento viral devem ser coletadas até no
de IgG, ao final da primeira semana de infec- máximo quatro a cinco dias após o estabele-
ção. A IgM desaparece até o final do segundo cimento da doença (27). O isolamento do vírus
mês, enquanto a IgG poderá ser detectada normalmente requer uma a duas semanas para
pela IH, com pico máximo no final do primeiro ser realizado (17).
mês e decrescendo lentamente, conservando Os métodos de isolamento viral rotinei-
títulos residuais no soro por toda a vida. Na in- ramente usados são inoculação intracerebral
fecção secundária o aumento dos anticorpos de camundongos recém-nascidos, inocu-
IgG é maior e mais precoce, sendo detectado lação em culturas de células de mamíferos,
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ISBN 978-85-334-1632-1. encontram na Redação, à disposição dos interessados.