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PESSOA
Instituto Pineal-Mind
Psicólogo Clínico
Introdução
Quando entrei em contato com o Espiritismo pela primeira vez, aos dezoito
anos, deparei-me com a sua definição enquanto integração de filosofia, ciência e
religião, com o objetivo de explicar diversos ensinamentos sobre o ser humano, o
Universo e Deus, por parte de exposições oferecidas por diversos Espíritos em
conjunto.
Cada conceito, por sua vez, precisa estar alicerçado em alguma corrente
filosófica predominante. Ou seja, a Filosofia ganha uma importância fundamental
para legitimar o que venha a ser uma ciência ou não. Esse campo de conhecimento
oferece o rigor epistemológico e a fundamentação consistente para cada definição
de ciência concernente. Em outras palavras, cada definição de ciência é
condicionada por uma teoria ou visão filosófica que lhe é peculiar. O conhecimento
da filosofia específica que define uma dada visão científica, bem como da referida
filosofia que embasa as outras visões científicas, é fundamental para que o cientista
se coloque de forma crítica e criativa sobre a sua própria área de saber. Porém, é
desconsolável observar que esse comportamento é apresentado por uma parcela
muito reduzida dos cientistas, fazendo com que a filosofia seja uma área de
conhecimento considerada por um grupo muito reduzido de intelectuais, dentro de
uma classe social que já é uma elite em termos de números percentuais na
população global. Ou seja, os poucos cientistas que possuem algum embasamento
filosófico (e que, portanto, desenvolvem uma capacidade de reflexão realmente
crítica) são uma elite dentro da já elitizada classe intelectual científica.
Quando a ciência realiza uma descoberta, leva-se um certo tempo para o meio
científico assimilar esse novo conhecimento. Mesmo com a tecnologia atual – por
exemplo, a Internet – que acelera o processo de divulgação do conhecimento,
devemos observar que quando se fala de sua aceitação e assimilação, a história é
outra. Depois de sua divulgação, outros pesquisadores precisam realizar novos
estudos para corroborarem ou refutarem essas novas conclusões, e a atitude de
resistência baseada no preconceito e falta de análise crítica dos cientistas muitas
vezes atrapalham todo o processo de produção e validação de conhecimento.
Uma das áreas de conhecimento ainda rejeitadas pela ciência acadêmica, diz
respeito ao campo das chamadas “terapias alternativas”. Sabe-se que muita coisa
sem sentido é referendada nesse campo de conhecimento, e isso deve ser rejeitado
mesmo, pelo meio científico (de preferência com estudos que demonstrem para a
população, porque aquele “conhecimento” é pernicioso).
Mas há também, alguns estudos muitos bem fundamentados dentro do campo das
terapias alternativas, e muitas vezes a resistência arbitrária do chamado meio
científico “oficial” acaba sendo um obstáculo para a absorção de um conhecimento
que poderia ajudar muitas pessoas. Assim, muitas das descobertas que possuem
um bom potencial de serem válidas, úteis e eficazes, acabam caindo na mão de
profissionais desqualificados. Como esses últimos não estão preocupados com a
adequada fundamentação e desenvolvimento do conhecimento gerado, mais
alternativas de péssima qualidade permanecem sendo oferecidas à população
especialmente desavisada. Assim, com o seu ceticismo ideológico, o meio científico
muitas vezes ao invés de impedir, acaba contribuindo para piorar ainda mais a
situação.
Há, porém, um outro tipo de Espiritismo, muito mais sério, fundamentado, lógico,
coerente… e enfim, válido. Do mesmo modo, no campo das culturas alternativas,
também são encontrados sistemas assim constituídos.
Certamente, o leitor deve realizar a pergunta sobre como distinguir então o que é
válido do que não é. E para tal resposta complexa, um primeiro elemento a
destacar é que a ciência propriamente dita, possui um papel analítico fundamental,
por possuir todo o ferramental para “separar o joio do trigo”, mas apenas quando
consegue se postar sobre uma atitude simultânea de abertura e de rigorosa análise
crítica.
Descobri então que a Ciência Espírita realmente existe, e ela está inclusive
bem avançada, tanto em termos de repertório teórico quanto em termos de
tecnologia. Descobri elementos semelhantes no campo da Tecnologia aplicada às
Terapias (“ditas”) Alternativas, e observei o quanto esses dois campos de
conhecimento são complementares. Na verdade, a terminologia correta para as
“Terapias Alternativas” deve ser Terapias Complementares.
Como afirma Zilli (2001), desde a sua implantação no Brasil, no século XIX,
o Espiritismo tem se constituído como um fenômeno de grande relevância,
destacando-se inclusive, em termos de mundo. A autora considera haver, porém,
uma deficiência de estudos teóricos do Kardecismo no Brasil, havendo a
necessidade de maior número de trabalhos acadêmicos que abordem o lado
científico da Doutrina. Como o Brasil é um país com fortes necessidades sociais, a
autora acredita que o aspecto de assistência social tenha sido priorizado em
detrimento do científico.
Observa-se que cada vez mais, no meio acadêmico e científico formal, surgem mais
e mais teses de inspiração Espírita, corroborando a legitimidade da Ciência Espírita.
Outra contribuição importante e recente foi a da psicóloga clínica Ercília Zilli.
Mestre pelo programa de ciências da Religião pela PUC de São Paulo, e presidente
da ABRAPE (Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas), publicou recentemente o
livro O Espírito em Terapia – Hereditariedade, Destino e Fé, originalmente uma
dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, com aprovação agraciada com nota máxima.
Não pode ser esquecida a contribuição de Carlos Toledo Rizzini, que entre
várias obras, publicou o livro “Psicologia e Espiritismo”. Rizzini formou-se em
medicina em 1947, pela Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro. Dedicou-
se depois à Botânica, firmando-se como importante cientista moderno. Faleceu em
3 de outubro de 1992, um ano após a publicação do livro citado.
Por fim, merece ser citado o professor Sérgio Felipe de Oliveira, Médico
Psiquiatra e Mestre pela USP. Membro e um dos dirigentes da Associação Brasileira
de Médicos Espíritas e também fundador do Instituto Pineal-Mind, onde realiza
trabalhos de pesquisa sobre a glândula pineal, e a sua função na expressão do
comportamento espiritual. Sua tese de mestrado foi sobre a glândula pineal. No
Pineal-Mind ele também realiza atendimento clínico e coordenou durante alguns
anos, o curso de Pós-Graduação Lato-Sensu “Bases Biofísicas e Epistemológicas da
Integração Cérebro-Mente-Corpo-Espírito”, em parceria com a Universidade de São
Paulo (USP).
Essa dissertação é baseada na monografia “Estudos Iniciáticos de
Psicologia Espírita – Reflexões Históricas, Filosóficas, Científicas e
Religiosas”, de minha própria autoria, entregue após eu ter finalizado o curso do
professor Sérgio Felipe, que foi inclusive, o orientador do meu trabalho de
pesquisa. Espero dessa forma, também oferecer a minha contribuição ao progresso
da Ciência Espírita, através do estudo profundo, sistemático e consistente da Alma
Humana. Que esse trabalho possa abrir novos caminhos de pesquisa àqueles que
objetivarem a pesquisa das interconexões entre a ciência da Alma Humana – a
Psicologia – e a Doutrina dos Espíritos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, por terem sido o veículo de Deus para a formação
de minha conduta vital, nessa encarnação. O amor e a conduta moral deles são os
modelos positivos de minha própria conduta, sem os quais eu não seria quem hoje
eu sou. Aqui, também lembro do meu querido irmão, que me anima em espírito de
otimismo e perseverança.
Frases e Citações
“A mais bela e profunda emoção que podemos ter é a sensação de mistério. Ela é a
semeadora de toda verdadeira ciência. O indivíduo a quem é estranha essa
emoção, que não mais se maravilha e fica arrebatado de espanto, está
praticamente morto. Saber que existe aquilo que é impenetrável para nós,
manifestando-se como a mais alta sabedoria e a mais radiante beleza, que nossas
débeis faculdades podem compreender somente em suas formas primitivas – esse
conhecimento, esse sentimento, está no cerne da verdadeira religiosidade”.
Albert Einstein
“Só uma vida vivida dentro de um determinado espírito é digna de ser vivida. É
um fato estranho que uma vida vivida apenas pelo ego em geral é uma vida
sombria, não só para a pessoa em si, como para aquelas que a cercam. A plenitude
de vida exige muito mais do que apenas um eu; ela tem necessidade de um
espírito, isto é, de um complexo independente e superior, porque é manifestamente
o único que se acha em condições de dar uma expressão vital a todas aquelas
virtualidade psíquicas que estão fora do alcance da consciência do eu”.
C. G. Jung
Notamos aqui, que nesse momento histórico inicial, o tipo de psicologia científica
que se propõe, é uma psicologia materialista, no sentido de que seja no
Behaviorismo Metodológico de Watson, seja em todo o apanhado de abordagens
quantificadoras em psicologia, que foram citados anteriormente, considera-se
aquilo que normalmente denominamos como sendo o pensamento, um resultado e
um produto essencialmente derivado da atividade das células do cérebro e do
sistema nervoso corporal. No Behaviorismo Metodológico de Watson,
especificamente essa visão materialista chegou, mesmo, ao cúmulo de negar a
realidade da subjetividade e dos estados mentais, pois em função de seu caráter
positivista, a abordagem de Watson considerava que a Psicologia só poderia ter
como objeto de estudo algo concretamente observável. Como o conceito de
“mente” é algo abstrato, não “possuindo uma realidade concreta observável”, ele
era rejeitado e negado em todos os sentidos. Concreto e valorizável era, portanto,
o comportamento observável, medível e descritível. O pensamento, enquanto tal,
só seria apreensível, enquanto atividade do funcionamento do cérebro (visão
materialista), com um conteúdo condicionado por variáveis ambientais. Tudo isso,
poderia ser medido, observado e/ou descrito, por isso era legítimo de ser estudado.
Segundo o próprio Skinner (1994), “…Watson fez importantes observações acerca
do comportamento instintivo e foi, na verdade, um dos primeiros etologistas no
sentido moderno. Entre os fatos de que dispunha, relativos ao comportamento,
estavam os reflexos e os reflexos condicionados, aos quais ele explorou ao máximo.
Todavia, o reflexo sugeria um tipo de causalidade mecânica que não era
incompatível com a concepção que o século XIX tinha de uma máquina. A mesma
impressão fora dada pelo trabalho do fisiólogo russo Pavlov publicado mais ou
menos na mesma época, e não foi corrigida pela psicologia do estímulo-resposta,
surgida nas três ou quatro décadas seguintes.
Não poucas vezes, Allan Kardec, ainda no século XIX, postulou que tais
considerações seriam uma conseqüência natural de uma posição materialista, que
reduzisse o homem ao nível de uma máquina e desconsiderasse suas emoções,
anseios, e o que é ainda mais grave, seus comportamentos morais.
Para a Psicanálise, os distúrbios mentais seriam causados por conflitos entre estas
três instâncias da vida psíquica. Assim, sendo, a terapia psicanalítica parte do
princípio de que se as pessoas pudessem ter acesso a idéias e conflitos reprimidos
em seu inconsciente, poderiam encará-los com mais objetividade e clareza. Para
recuperar o material reprimido, a Psicanálise fez uso de duas técnicas principais: a
associação livre e a análise dos sonhos.
A Psicanálise, portanto, seria essencialmente uma teoria psicológica e um método
terapêutico derivado dessa teoria, o qual visaria diminuir o sofrimento causado
pela não elaboração de certos conflitos. Tais conflitos fazem com que materiais
importantes sejam reprimidos e tornem-se inconscientes, sem por isso deixarem de
influenciar o comportamento e a experiência dos seres humanos.
O inconsciente já era conhecido dos filósofos antigos e dos místicos. Freud não o
descobriu, por assim dizer; o seu diferencial, foi a operacionalização de recursos
teóricos e práticos, em contexto terapêutico, para lidar com o inconsciente, a partir
do estudo deste, e de sua maior compreensão. Freud sistematizou um método de
pesquisa do inconsciente compatível com as exigências da inteligibilidade científica,
abrindo um caminho novo para o estudo da Personalidade. Sabe-se, que ele
realizou esse projeto lado a lado com dois outros espíritos igualmente inovadores:
Carl Gustav Jung e Wilhelm Reich.
O aspecto fundamental que acredito ser importante sublinhar nesse estudo, e que
de fato, parece ser o ponto central da contribuição Psicanalítica à elaboração de
uma Psicologia Espírita é o seguinte: ao tomar o inconsciente como objeto de
estudo da Psicologia (e com isso inaugurando um consistente estudo da Psicologia
da Personalidade, e mesmo da Psicologia Contemporânea como hoje a
conhecemos), a Psicanálise é a primeira das abordagens teóricas a dar um
passo decisivo para a Psicologia retomar o seu objeto de estudo original –
a alma humana – segundo os parâmetros que regem a conduta científica,
como compreendida na contemporaneidade.
Para entender essa hipótese, teremos que levantar todo um apanhado histórico da
Psicologia, tal como era entendida pelos gregos antigos, e ao mesmo tempo
penetrar rapidamente no complexo labirinto das tradições místicas e gnósticas que
estão na origem do pensamento aqui proposto, e que influenciaram parcialmente a
Psicanálise, especialmente no que diz respeito ao tronco judaico-cristão de Freud.
Psicologia e Gnose:
Porém Psique foi um termo amplamente utilizado por Freud e Jung, ao longo dos
textos que compõem suas complexas teorias; ela é a palavra grega que serve de
raiz do termo Psicologia, e significa alma, ou “aquilo que não é do corpo, mas é o
componente invisível de uma pessoa” (Halevi, 1990). Nenhum estudo sistemático
da psique foi empreendido no mundo ocidental antes dos antigos gregos (o mesmo
não pode ser dito sobre os orientais que já estudavam a realidade da alma no
psiquismo, milhares de anos antes). Reconhecia-se a presença da alma, mas o que
era conhecido estava limitado às escolas esotéricas ou fazia parte do folclore.
Seja como for, naquela época da história, o homem ocidental estava ainda na fase
supersticiosa do desenvolvimento, na qual os fenômenos incomuns eram
observados, mas não entendidos, de modo que o natural e o sobrenatural se
confundiam (Halevi, 1990). Esse fato é bastante sublinhado na literatura específica
sobre Parapsicologia (Andrade, 1990; Still, 1986; Aresi, 1917; Inardi, 1977) e
Espiritismo (Kardec, 1861). A partir de agora, será realizada uma descrição
histórica do desenvolvimento do misticismo até o surgimento da Psicanálise,
tomando como base os estudos e pesquisas de Halevi (1990), estudioso da Cabala,
e de suas conexões com a Psicologia. Durante essa descrição, aqueles que
conhecem bem o Espiritismo, observarão que muitos dos temas abordados por
místicos e cabalistas, também são abordados pelos Espíritas modernos, e
logicamente, também por psicólogos, justificando esse apanhado histórico.
Por volta do sexto século antes da era comum a.C., a ciência grega concluíra que
havia uma diferença clara entre sentido e razão, no sentido em que a mente
sintetiza o que o corpo percebe. Paralelamente, a noção de temperamentos
diferentes foi observada e relacionada aos quatro elementos em uma fórmula do
tipo “embaixo tal qual em cima”, tão apreciada pelos filósofos místicos.Lá pelo
quinto século a.C., a escola pitagórica diferenciou a psique do corpo, o qual era
visto por eles como uma prisão para a alma enquanto a pessoa estivesse
encarnada. Acreditavam que a vida fosse um processo de aprendizagem, durante o
qual a alma abria vagarosamente o seu caminho em direção à liberdade interior,
purificação e imortalidade, ao transcender o ciclo natural de nascimento,
crescimento, decadência e morte.
As escolas que não se ocupavam das questões ligadas ao desenvolvimento
focalizavam aspectos mais pragmáticos; aqui temos a grande divisão entre as
abordagens platônica e aristotélica, que partilham o estudo da psicologia
até os nossos dias (elemento longamente estudado por Jung, em seu livro
de 1920 – Tipos Psicológicos). Platão seguiu a linha mística, pois via o
Universo emergindo de um reino invisível para uma manifestação,
enquanto Aristóteles, o cientista, observava que esses reinos mais sutis
eram inerentes ao mundo material. Ele via a psique como a soma ou
essência do corpo vivo, enquanto Platão a percebia como um organismo
não físico que podia renascer várias vezes após a morte.
Isso porque, muitas dessas primeiras conclusões foram incorporadas aos vários
sistemas que surgiram da visão helênica da psique. De fato, o efeito do helenismo
sobre a visão judaica da psique, e mais tarde sobre as visões cristã e islâmica, foi
enorme. Isso ficou mais claro quando a Cabala saiu de sua tradicional reclusão no
princípio da Idade Média. A Cabala é um sistema filosófico-religioso que busca
compreender Deus, os mistérios do Universo e o destino do homem através do
misticismo. Enquanto sistema judaico-cristão guarda muitas relações de
similaridade e complementaridade com a visão espiritista moderna, de forma que
seu estudo sumário é importante para qualquer um que queira contribuir para a
pesquisa de um projeto de Psicologia Espírita.
Observamos, nesse contexto, que na crise entre razão e revelação, a psique foi
submetida a profundos estudos, quando vários místicos discutiam abertamente os
muitos componentes, funções, problemas e resoluções relacionados à vida interior.
Debates sobre a alma nas casas de estudo rabínicas, nas celas monásticas, nas
escolas sufistas e entre os cabalistas e os alquimistas gnósticos, bem como entre os
mais diferentes pesquisadores esotéricos e místicos (ocidentais e orientais)
exploravam cada aspecto e nível, até que o espírito criativo se abatesse e as
universidades se tornassem meros centros de repetição e informações baseadas no
que fora dito pelos mestres antigos e medievais, situação que só se modificou com
a Renascença, quando a psicologia voltou a mover-se, devido ao esforço de
pessoas inquisitivas que recomeçaram a estudá-la com uma nova visão.
Por outro lado, estudiosos como Thomas Hobbes tomaram outro caminho, e
desenvolveram uma abordagem mecanicista, alinhada com a influência de Galileu,
que havia destruído a antiga imagem do mundo e todo o seu mistério com a
mecânica celeste. A Idade da Razão, nascida desta perspectiva, foi combatida por
algumas escolas platonistas da época, mas até mesmo Newton, um místico de
primeira grandeza, se viu obrigado a ocultar o fato de que a maior parte de suas
anotações eram sobre questões religiosas. Aparentemente, durante os séculos XVII
e XVIII, poucos estudos psicológicos reais foram feitos, embora muito tenha sido
feito com o uso da abordagem mecanicista e teórica, o que levou a muitas
conclusões baseadas no método empírico. Por outro lado, o extremo racionalismo
dessa época produziu suas reações, através de edifícios téoricos complexos como
os dos processos magnéticos do mesmerismo, ou o surgimento de algumas novas
escolas protestantes no Cristianismo, ou ainda, o protesto dos filósofos românticos,
entre outros.
De toda essa ebulição de estudos científicos surgiu Freud, que abriu o Mundo do
Inconsciente, com suas poderosas forças que permeiam a consciência, para
influenciar as pessoas sem que elas o percebam, causando neuroses, psicoses e
comportamentos ocasionalmente irracionais em pessoas consideradas normais. A
contribuição de Freud para a psicologia ocidental foi enorme. Ele não somente
redescobriu aquilo de que as escolas esotéricas falaram durante séculos como
também começou a sistematizar a mente de maneira científica, embora tenha
encontrado muita resistência em sua própria área profissional. Jung, seu colega
mais jovem, que estivera desenvolvendo sua própria visão de psique, adotou uma
postura platônica para a abordagem aristotélica de Freud. Jung notou que, embora
a mente tenha seus impulsos primitivos, está também sujeita a uma influência mais
profunda, vinda dos níveis mais altos do inconsciente. Desse modo, o ego da psique
inferior foi separado do Si-mesmo, que supervisiona o processo de
desenvolvimento, tal como descrito em textos e mitos espirituais (Halevi, 1990).
Como existe hoje em dia, no Ocidente, um grande interesse pelo esotérico, isso
levou muita gente a reconhecer que a psicologia é um pré-requisito necessário
antes de se passar para o estudo do Espírito e do Divino. É aqui que a
Psicologia e o Esotérico podem encontrar-se, adaptar-se mutuamente e dar origem
a uma alquimia para a nossa época. Antes que isso possa acontecer, porém,
temos, que considerar a idéia da revelação como fonte de conhecimento, na
chamadaepistemologia da intuição (Cabala, Parapsicologia e Psicologia
Profunda) e da mediunidade(Espiritismo): se tomarmos, por exemplo, a Cabala
como um dos referenciais a serem considerados, veremos que o seu ensinamento
tem sido sempre o mesmo ao longo dos séculos. Apenas a forma desse
ensinamento mudou com o tempo. O conteúdo da Torá, tal como é
tradicionalmente chamada, diz respeito à origem, natureza e propósito do Universo,
o lugar do homem em um processo Divino pelo qual Deus contempla Deus no
reflexo da Existência. Esse tema é recorrente em toda a Bíblia e em todos os
sistemas esotéricos que surgiram daquele círculo de seres humanos que
historicamente apreenderam a dimensão transpessoal da realidade. Uma
determinada cultura pode encobrir ou obscurecer o ensinamento, mas a presença
deste é sentida nos rituais, nas devoções e na metafísica por todos os que buscam
um sentido para a vida, e até mesmo por aqueles que têm somente uma
apreciação supersticiosa do que se encontra sob a superfície do mundo físico. Os
gnósticos originais, ou “os que sabem”, foram alguns dos que tiveram acesso direto
a um conhecimento “superior”. Tal acesso pode ter sido alcançado mediante ações
corretamente executadas, oração devota ou contemplação profunda. Pode também
ter sido revelado pela instrução de alguém que sabia, por uma experiência mística
pessoal, o que é que estava além da “mente comum”, e compreendia os seus níveis
superiores e o seu funcionamento. Infelizmente, como tem sido notado pelos
místicos, há sempre o problema de descrever o indescritível. Muitos, portanto,
foram obrigados a reduzir suas percepções a termos corriqueiros, de modo a
poderem passar adiante algo dessas dimensões mais refinadas e sutis.
Temos assim, que entre os pólos da simples consciência física e da total realização
está um amplo espectro de experiência humana. Tal espectro é dividido, por toda
Tradição esotérica em corpo, alma, espírito e Divino. A psicologia, segundo essa
visão, ocupa-se primariamente do mundo da mente, que tem acesso ao corpo,
contém a alma, é penetrada pelo espírito e tocada pelo Divino. Quando o estudo da
psicologia é colocado nos marcos do esquema da Cabala, é levado em consideração
a origem do ser humano e da sua composição física, espiritual e Divina. Sem
restringir a psique a um único caminho que conduz ao processo de aprendizagem,
antes a Cabala, a aborda como um microcosmo dentro do Universo, onde é possível
encontrar, em suas partes mais profundas, áreas inconscientes que possuem
lembranças não apenas desta vida, mas de toda a humanidade, permitindo ao
indivíduo um relacionamento melhor com as constantes mudanças de valores que
ocorrem não somente no mundo exterior, mas também nos processos corporais e
psicológicos.
A Psicologia Humanista.
Carl R. Rogers
A psicologia humanista surgiu na década de 50 e início dos anos 60. Os nomes mais
conhecidos da Psicologia Humanista são Carl Rogers, Abraham Maslow e Anthony
Sutich. No contexto desse estudo, a principal contribuição da Psicologia Humanista
para a Psicologia Espírita, é a valorização das características morais e éticas
criativas do ser humano, que num termo preciso são “qualidades e capacidades
humanas por excelência” (Nagelshmidt, 1996), entre as quais podemos citar:
valores, identidade, coragem, responsabilidade, criatividade e motivação para
atualizar os seus próprios potenciais positivos.
· Resumo Teórico da Psicologia Humanista
A Psicologia Transpessoal.
Maslow
Finalmente chegamos à abordagem teórica que toma como objeto de estudo da
Psicologia os aspectos da experiência humana relacionados à espiritualidade e à
ampliação da consciência (Júnior, 1993).
A Psicologia Transpessoal irá preocupar-se com temas como (1) estados alterados
da consciência, (2) experiência culminante, (3) ampliação e transcendência dos
estados ordinários da consciência, (4) experiência mística, etc (Nagelshmidt, 1996).
Ainda segundo o autor, abstraída uma leitura mais ingênua dos aspectos
mitológicos, doutrinários e ritualísticos específicos, a maioria das religiões e
tradições espirituais acabam propondo um modelo teórico-operativo da psique
humana (ou seja, uma teoria da personalidade) e tecnologias de mudança da
personalidade direcionadas ao parâmetro considerado mais saudável pelo modelo
adotado (ou seja, algo como um tipo de “psicoterapia”).
Segundo minha visão pessoal, Jung é o pesquisador que lançou as mais sólidas
bases estruturais para a elaboração teórica e prática de uma Psicologia
Transpessoal que considere a alma humana um importante aspecto do ser, a ser
compreendido.
A Psicologia Transpessoal, como um todo, é portanto a que mais se aproxima de
um modelo de Psicologia de orientação Espírita, e é portanto, a que mais tem
contribuições a lhe oferecer, segundo a minha hipótese pessoal.
Na Quarta Grande Força, a Psicologia está muito próxima de definir como seu
objeto de estudo a alma humana. Porém, acredito que isso só será realmente
realizado de forma consistente e sistemática com a contribuição do Espiritismo. É
nesse sentido que o Espiritismo tem a sua maior contribuição a oferecer à
Psicologia. Com o Espiritismo, a Psicologia retoma o seu objeto de estudo original,
como era definido pelos gregos antigos, ou seja, a alma humana, porém agora
contextualizada às mais recentes descobertas da ciência moderna.
A Psicologia Espírita
A Psicologia Espírita se define como a ciência que estuda a alma humana. Enquanto
tal fundamenta-se nas contribuições conjuntas das principais pesquisas no campo
da Psicologia Contemporânea e na Ciência Espírita Moderna.
Algumas notações oferecidas por Facure (1999) podem ser úteis aqui. Para esse
autor, a Medicina lida muito de perto com o sofrimento e com o ser humano na sua
mais profunda intimidade, e por isso tem no seu próprio conteúdo a necessidade de
mais esclarecimentos para justificar a causa de tanto desajuste e o porque de tanta
complexidade na alma humana. Tomando isso como válido também para a
Psicologia, e retomando os argumentos do autor, observamos que “… A existência
de Deus e a identificação da Alma, reconhecida pela sua imortalidade e
suas experiências em vidas sucessivas, são paradigmas indispensáveis”
sempre que a Medicina e a Psicologia, pretenderem se esclarecer sobre o porque da
dor, sobre a desigualdade aparente dos sofrimentos, sobre quem somos e “porque
as nossas ações de hoje trazem repercussões no nosso amanhã, assim como o
nosso ontem nos trouxe a paz ou a intranqüilidade de hoje”.
É nesse sentido, que a Psicologia Espírita avança, ainda, alguns passos a mais que
a Psicologia Transpessoal, apesar dessa ser a abordagem – entre as “Quatro
Grandes Forças” – que mais se aproxima da visão espiritista. A Psicologia Espírita
realmente reconhece sem limitações, as implicações contingentes ao conceito de
alma, e à existência de uma dimensão espiritual com leis próprias de
funcionamento.
O Espiritismo nos esclarece que nossa alma se liga ao corpo pelo perispírito que lhe
permite transitar no mundo material e no mundo dos espíritos, onde podemos
vivenciar realidades diferentes em cada uma destas dimensões. Por sua vez,
a psiquiatria moderna, estudando pacientes terminais ou recuperados de estados
comatosos, catalogou inúmeros exemplos de experiências fora do corpo com
relatos vibrantes de uma percepção muito ampliada da realidade (Facure, 1999).
Esses dados também são confirmados por Halevi (1990).
Podemos então observar, segundo Facure (1999), que títulos novos estão
redescrevendo, por exemplo, na área médica, fenômenos que a literatura Espírita
relata com detalhes há um século e meio. Conclui o autor, “… A Parapsicologia fala
em fenômenos psigama, a Psiquiatria em experiências de quase morte, a Psicologia
em controle pela mente e a Psicobiofísica em estímulo do sistema
neuropsicoimunológico. São ainda versões acanhadas que tingem de leve um
conteúdo doutrinário extraordinário que vislumbramos ao abrirmos de vez as portas
para as realidades do mundo espiritual. Por enquanto, nos parece que estes
pesquisadores estão conseguindo apenas pequenas sondagens que lhes
proporcionam amostras miúdas de um universo de conhecimentos bem mais
amplo”.
O Espiritismo segundo o autor, no seu corpo doutrinário, contém todo o texto deste
novo Paradigma de Deus, da Alma e da Espiritualidade, que a Medicina e a
Psicologia, deverão ler por extenso com o decorrer do tempo.
Tentar definir o Espiritismo e debater os seus conceitos, sem discorrer, mesmo que
resumidamente sobre o seu desenvolvimento histórico, pode ser um redutivismo
que impeça a adequada apreciação do alcance global da Doutrina. O Espiritismo
surgiu oficialmente em 18 de abril de 1857, com a primeira edição de “O Livro dos
Espíritos”, que viria a alterar muitos dos conceitos então vigentes, com relação a
Deus, à imortalidade da alma, à reencarnação, à comunicação com os mortos e,
principalmente, ao mundo dos Espíritos.
Rivail foi uma pessoa que deu muito valor para questões como racionalidade, lógica
e intelectualidade. Foi, por exemplo, um escritor exímio. Muito disso, se deve ao
seu percurso escolar. Ele realizou seus primeiros estudos em Lyon, e aos dez anos
foi enviado a Yverdun, Suíça, para a escola modelo da Europa: o Instituto de
Educação fundado em 1805 pelo grande educador Johan Heinrich Pestalozzi (1746-
1827), cuja filosofia pedagógica pregava que “o amor é o eterno fundamento da
educação” e que “a intuição é a fonte de todos os conhecimentos”.
A natureza física do corpo é para o ser humano apenas uma de suas expressões. O
corpo físico nos permite interagir no ambiente material onde estamos inseridos.
Cada um de nós, no entanto, é uma entidade espiritual organizada e independente,
que sobrevive à morte e que se aperfeiçoa nos diversos corpos físicos que vai tendo
oportunidade de utilizar com as reencarnações (Facure, 1999). Trocando em
miúdos, pode-se dizer que não somos seres carnais que vivem experiências
espirituais esporádicas, mas sim que somos seres espirituais imortais, com milhares
de anos, que vivem em relação ao infinito, algumas experiências carnais,
representadas pelos finitos períodos de encarnação, até o estágio evolutivo em que
não precisemos mais reencarnar.
A união do corpo físico carnal com o espírito, que é sempre o senhor de nossas
ações, se processa através de um organismo intermediário de constituição
“semimaterial” chamado perispírito ou corpo espiritual.
Nas propriedades deste corpo intermediário (perispírito) justifica-se toda uma série
de fenômenos de intercâmbio entre nós e o mundo espiritual e nos aponta
para uma linha de pesquisa fundamental para o esclarecimento das doenças
humanas.
Kardec faz uma distinção, porém, afirmando que é mais “exato reservar a
palavra alma para designar o princípio inteligente” e a palavra Espírito para o ser
“semi-material” (na verdade, o que chamamos de “Espírito desencarnado”)
constituído pela Alma e o corpo fluídico (ou perispírito).
O autor explica que como “… não se pode conceber o princípio inteligente (Alma)
destituído completamente de matéria (perispírito), nem o perispírito sem estar
animado pelo princípio inteligente, as palavras Alma e Espírito são, no uso comum,
indistintamente empregadas, originando a figura que consiste em tomar a parte
pelo todo…”; Kardec, então, conclui que “filosoficamente, entretanto, é preciso
estabelecer essa distinção”.
Por isso, em outra ocasião (Kardec, 1857), já havia afirmado: “Os Espíritos não
são, pois, seres abstratos, vagos e indefinidos, mas concretos e circunscritos”.
Como foi dito, o corpo atua como fator limitante da expressão plena do espírito.
Segundo a Psicologia Espírita, hipotetiza-se que a mente instrumentaliza o cérebro
para sua inserção no mundo físico e que o cérebro não pode conter toda a
potencialidade da mente, se a considerarmos como espírito que vivenciou múltiplas
experiências em vidas sucessivas. Assim, podemos conjeturar que, hoje, nós somos
apenas aquilo que nosso cérebro nos permite estar sendo, e não tudo aquilo que
nosso espírito é ou já foi.
Vale aqui, discorrer sobre as funções cerebrais que falam a favor da existência de
um espírito imortal: do ponto de vista neurológico, sabemos que as funções de
comando motor e de registro das diversas formas de sensibilidade já estão bem
desenhadas nos textos básicos de neurologia. Já conhecemos também as vias
principais de organização da linguagem em suas diversas formas. Identificamos
funções complexas como o circuito límbico para as emoções, a percepção gnóstica
dos objetos no seu contexto viso-espacial, a programação seqüenciada dos gestos
nas realizações de atos práxicos, automatizados e programados cronologicamente,
entre tantas outras funções de engenhosidade e complexidade deslumbrantes.
Ficam, porém, questões fundamentais sem respostas nos chamados circuitos
neurais. Assim, a simples identificação de funções específicas em certas áreas
cerebrais, bem como sua integração com áreas de associação, não tem sido
suficiente para propor um paradigma unificado para explicar a natureza da mente
(Facure, 1999).
Fatos corriqueiros que qualquer um de nós podem vivenciar escapam por completo
a uma justificativa exclusivamente física para a sua interpretação: (1) mal sabemos
definir o porque das nossas escolhas ou das nossas preferências no dia-a-dia; (2) a
todo instante somos envolvidos por pressentimentos com clara percepção de
acontecimentos futuros; (3) quando somos submetidos a uma certa expectativa, os
aparelhos de registro neurofisiológicos detectam, em nosso cérebro, um chamado
potencial de prontidão que ainda não sabemos de onde nasce ou que circuito
neurológico arma esta estratégia de antecipação; (4) a nossa mente organiza uma
imagem corporal que nos permite vivenciar experiências com o mundo físico de
maneira totalmente desapercebida por nós no dia-a-dia. A complexidade da relação
do nosso sistema nervoso com o restante do nosso organismo poderia, de alguma
forma, nos fragmentar em diversos departamentos e, no entanto, a mente
consegue estruturar-se dentro de um contexto em que somos um único indivíduo,
um Eu indivisível (Facure, 1999).
Cada objeto que nos atinge nos impressiona não só pelo que nos imprime nos
sentidos, mas também, pelo que nos provoca na mente ao desencadear e florescer
imagens e idéias na mente. O mundo por nós vivido é essencialmente um mundo
“sonhado” e “imaginado” (Jung, diria, “fantasiado”) em nossa mente. Por isto,
podemos compreender que, quando nossa memória nos permite lembrar de um
objeto ou de um acontecimento, na verdade estamos recordando aquilo que
pensamos ter visto ou vivenciado e não o que realmente era ou realmente
aconteceu.