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SANCHES, M. A. (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 9., 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2009.

Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2009/

13

TEOLOGIA, TEOLOGIAS, TEOLOGIA NEGATIVA E ANTI-


TEOLOGIA

Luiz Alexandre Solano Rossi1


Edir Vieira2

Sempre que ouvia a palavra “teologia”, tanto em ambiente sacro como profano, o
conceito me soava como algo de prepotência do ser humano em desejar estudar ou conhecer
Deus. De fato, etimologicamente, a palavra traduzida “ipsis literis” remete ao estudo (logia)
de Deus (Theós). Foi preciso uma boa dose de tolerância e, posteriormente, boa vontade, no
sentido kantiano de isenção de posicionamentos pré-concebidos apriorísticamente, para enfim
libertar-me do conceito que me prendia à palavra, e então, alargar meus horizontes e poder
assim refletir mais aprofundadamente sobre a questão.
Diante dessa abertura subjetiva-mental na tentativa de superar e transcender ao puro
conceito da palavra, novos desdobramentos foram então aparecendo. Teologia, em que pese a
etimologia remeter ao “estudo de Deus” não se esgota tão simplesmente nessa definição. Ao
contrário, vai muito mais longe. Tão longe que foram muitas as “teologias” formuladas ao
longo da existência dos mais diversos povos, grande parte deles, construindo suas próprias
teologias. O que é então teologia? Como é possível fazer teologia?
Para responder estas questões é necessário compreender que o estudo da teologia,
embora possa obedecer a métodos científicos na medida em que se busca construí-la, ou
mesmo, legitimá-la, escapa “caprichosa” e “desalentadoramente” às exigências do saber
científico, tanto moderno como pós-moderno. Deus não se encontra categoricamente em
hipótese científica, muito menos ainda nas perspectivas de laboratório, nem tampouco se
encaixa no modelo de falsificação de teorias, propugnado por T. Khun. As ciências se
constituem no conhecimento do homem relacionado a um objeto qualquer, natural ou
pertencente à natureza. Mas Deus esta acima da natureza. Pode ser até um tema, mas não um
objeto de estudo. Em ciência, o seu objeto de estudo é sempre maior que o sujeito de
conhecimento deste objeto, ou seja, o objeto estudado pelo homem é algo que já pré-existe

1
Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Professor do Programa
de Pós-Graduação em Teologia da PUCPR.
2
Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Teologia da PUCPR. Bacharel e Licenciado em Filosofia pela
UFPR. Aluno do Curso de Especialização em Formação do Professor para Ensino Religioso Escolar da
PUCPR.
14

antes do cientista, e vai continuar existindo depois dele, apenas somente se torna conhecido
depois que o homem o compreende ou apreende pelo conhecimento3. Por maior que seja o
objeto de estudo do conhecimento humano, será sempre o mensurável, o temporal, e Deus só
se pode imaginar como sendo o Infinito, Eterno e Atemporal.
Deus somente pode ser objeto de conhecimento humano com os olhos da fé. E fé não é
ciência. Mas a fé pode ser explicada cientificamente. Ciência e fé operam em dimensões
distintas. A fé é um postulado que antecede à ciência, tanto para o que crê em Deus como para
o que não crê em Deus4.
Portanto, à partir destas colocações, poderíamos afirmar que teologia é um campo
específico de conhecimento humano, cujo objeto de seu estudo, como qualquer outro objeto
de estudo das outras áreas ou saberes humanos (logia) remete ao conceito de algo que se
pretende conhecer inteiramente. Mas, se o objeto das ciências em geral se restringe a algo
mensurável e tangível, o mesmo não ocorre com a teologia, afinal, seu fundamento último é
Deus, o Ser por excelência intangível e imensurável. Por conta disso, teologia só pode ser um
conhecimento mensurável, constatável, tangível e concreto no limite de seu próprio objeto de
estudo, que como veremos a seguir, se resume à fé do indivíduo humano. Se respondemos o
que seja a teologia, passamos a segunda questão, para depois analisar o que seja as teologias,
a anti-teologia e a teologia negativa, e se estas são possíveis.

1 O OBJETO DA TEOLOGIA

O objeto da fé5 é Deus. O objeto da teologia é o homem que tem fé. A teologia,
justamente por conta de seu objeto, tem ao mesmo tempo caráter individual e caráter
universal, isto é, “é uma atividade de homens individuais, mas dirigida para toda a
humanidade, por seu objeto não aceita nenhuma determinação geográfica” (LIBANIO;
MURAD, 2003, p. 247). O teólogo é, simultaneamente, objeto (ele tem fé) e sujeito teológico
(busca compreender sua fé), isto é, em ambos os casos, o sujeito de conhecimento é o homem.
3
Tomemos como exemplo a questão do heliocentrismo. A Terra sempre girou ao redor do sol, este o centro do
universo. Mas, antes de isso ser conhecido, pensava-se que o que ocorria era exatamente o contrário. Assim, não
foi o homem que tornou isso possível, apenas isso se tornou conhecido depois que se tornou um objeto de
conhecimento do homem. Aqueles que o descobriram já se foram, mas o movimento descoberto por eles
continua e preexistia antes e depois deles.
4
No sentido de que, mesmo o cientista que não tem fé em Deus, pode, entretanto ter fé em algum postulado
científico ainda não provado.
5
Falamos em fé teológica, ou antes, religiosa. Sabemos que fé é uma capacidade de acreditar em qualquer coisa
que ultrapasse a realidade física puramente tangível, como por exemplo, a fé do cientista que vislumbra uma
explicação sobre algo que, até aquele momento era ainda desconhecida ou mesmo, equivocada. Sem o
pressuposto inicial da fé na sua teoria, ele não iria adiante.
15

Teologia é então o estudo (logia) da fé6 do homem em Deus e não de Deus enquanto Ele em si
mesmo. E tal definição seria própria para todas as manifestações humano-religiosas, vale
dizer, por todos os credos constituídos ao longo da história da humanidade com exceção,
entretanto, de um destes credos. Qual e por quê? O cristianismo. Porque no cristianismo Deus
teria se tornado, em Jesus Cristo, uma manifestação humano-histórica e temporal. Jesus seria
finito enquanto filho do homem, mas, ao mesmo tempo, seria também o próprio Deus só que
encarnado, tornando-se assim, ainda que enquanto Deus, para aquele que assim o crê, passível
de estudo, porém, no limite da sua natureza humana.
Entretanto, identificado o objeto da teologia, como seria possível, efetivamente, fazer
teologia? Ora, se teologia deixa o status, quiçá ilusório por ser inalcançável, do estudo de
Deus (o Infinito, Imensurável e Atemporal) e passa a descer humildemente à questão do
estudo da fé do homem em seu Deus, o objeto aqui se torna então o homem e não mais Deus,
e, assim, se torna plenamente possível verificável e coerente. É possível fazer teologia, pois
tudo que é passível de conhecimento pode ser abarcado pelo homem.

2 TEOLOGIA, ANTI-TEOLOGIAS E TEOLOGIA NEGATIVA

Os conceitos acerca da teologia, enquanto fé do homem em Deus, acabam por


terminar sutilmente entrelaçados, assim sendo, é muito importante esclarece-los.
Poderíamos falar em teologia sob três sentidos: a teologia propriamente dita
(englobando evidentemente as mais diversas manifestações de fé em Deus espalhadas pela
face da terra), a anti-teologia (interpretações errôneas ou equivocadas sobre determinada
teologia) e a teologia negativa7 (negação da possibilidade do conhecimento de Deus, portanto,
negação da fé e não de Deus em si mesmo) mas, sobre esta última com maior grau de
dificuldade pelo que veremos à seguir:
“Teologia é a fé que deseja o saber” (BOFF, 1999). Mas, saber de que ou de quem? De
Deus, evidentemente. Teologia é, pois o saber do homem sobre a sua própria fé em Deus. A
teologia negativa, por sua vez, caracteriza-se pela fé que não deseja o saber, seria, portanto,
acrítica. A teologia negativa nutre a certeza da não possibilidade do conhecimento de Deus, e
nesse sentido, a fé é desnecessária e descartável. Na cultura oriental, especialmente, toma um
discurso em que Deus é entendido como o “absoluto impessoal”. Sua prerrogativa essencial é

6
Tradicionalmente o conceito de fé é aceito universalmente. Nos dias atuais fala-se muito da “pistis”, reportando
à fé do homem em Deus.
7
“Teologia apofática ou negativa” (BOFF, 1999, p.346).
16

a da não-ação de Deus no sentido objetivo. Para a teologia negativa, ao contrário das demais
teologias em que Deus é em última instãncia, um Ser absolutamente pessoal e que age
objetivamente, Deus não precisa agir, pois tudo e todos já estão contidos nele formando um
“todo” inominável. Dessa forma, a teologia negativa torna-se possível, ainda que contrariando
o sentido da teologia positiva, para a qual Deus é Uma Realidade Agente. A teologia negativa
é, portanto uma inversão desta positividade da fé, afirmando justamente a não possibilidade
da ação de Deus. Assim, como foi dito antes, é também possível enquanto teologia, mas que
se manifesta numa atitude de simples aceitação da passividade ou apatia de Deus, que se faria
patente na sua não atuação ou não intervenção direta ao nível pessoal, coletivo ou social.
Sendo a teologia o estudo da fé que o homem tenha, ou possa ter, em Deus 8, a anti-
teologia não seria, ao contrário do que se poderia concluir num primeiro momento, isto é,
imediata, mas também, ao mesmo tempo, ingenuamente, a conseqüência de um ataque contra
a fé, isto é, da não-fé em Deus ou do ateísmo, pois este se caracteriza pela não-crença em
Deus, enquanto que a anti-teologia se caracteriza como sendo apenas uma interpretação
equivocada da (ou de uma) fé em Deus9. O posicionamento ateísta, simplesmente não é
passível de análise teológica, tendo em vista que se constitui numa impossibilidade teológica,
pois afinal, acabávamos de afirmar anteriormente que teologia é o estudo da fé e não da não-
fé em Deus. Em outras palavras, não é possível haver uma teologia da não-existência de Deus:
“Viver no mundo „etsi Deus non daretur’, quer dizer, não com a hipótese de Deus, e sim, com
a hipótese de que Deus não exista” (GIBELLINI, 2002, p. 119). Esse não seria um dado de fé,
seria o dado de uma certeza, e sendo uma certeza, opera já fora do âmbito da fé, âmbito este
específico e próprio da teologia. Não vem ao caso aqui, nesse momento, se uma posição como
essa venha a ser ou não, uma posição equivocada ou mesmo, como propõe não poucos
pensadores, contraditória em si mesma, afinal, seria uma certeza negativa não passível de
prova.
Sendo que o ateísmo não é o mesmo que anti-teologia, em que propriamente se
constituiria uma anti-teologia ou como ela seria possível? Ela seria possível no
8
A fé é uma escolha ou um consentimento da vontade, opera na dimensão do livre-arbítrio. Isso não impede que
ocorra por conseqüência de educação familiar ou sócio-cultural específica desta ou daquela comunidade. Por
isso, pode ao contrário, ser também a “fé” daquele que opta pela “não-fé” em Deus, ou ainda, fé que não há
Deus. Nestes dois últimos casos, optam por uma visão de certeza e não de fé. A fé não é uma resposta
conclusiva, é um processo contínuo, está sempre em caminho, em evolução, em “transcendentalizacao”. O
teólogo Karl Rahner em sua “teologia transcendental explicita assim a opção de fé cristã: “À revelação divina o
homem responde com o ato de fé”. Por sua vez, o teólogo R. Gibellini entende este ato da fé como o “sim” da
adesão pessoal, segundo ele, o que Rahner pretendia era explicitar esse “sim” no sentido “positivo da existência
na fé, tornando-se pela graça aceitação implícita do mistério fundamental da salvação operada em Cristo”
(GIBELLINI, 2002, p. 232).
9
Sob o ponto de vista, é claro, da teologia ou “escola teológica” em questão.
17

posicionamento daqueles que traem o sentido puro ou correto da fé, isto é, quando se
introduzem entendimentos espúrios capazes de inviabilizarem, inclusive, o diálogo teológico
doutrinal sobre a fé em questão. É justamente por conta disso que serão repetidas vezes, na
história das religiões, muito especialmente do cristianismo católico, formulados dogmas de fé,
para justamente proteger sua visão teológica, o mais pura ou original possível, de conceitos
estranhos a ela e que atuariam na prática, como anti-teologias atacando aquela fé, não
propriamente, as concepções sobre Deus, ou seja, na mesma dimensão do que tem fé, porém,
numa interpretação equivocada ou mesmo errônea, sob o ponto de vista de seus legítimos
representantes daquela fé, feito doutrina (no caso católico do magistério da Igreja, ou de
outras instituições, dos seus órgãos competentes).
A partir da definição destes conceitos como ateísmo, anti-teologia e teologia negativa
formulados anteriormente, e, que dizem respeito a teologia, muitas confusões que são
comuns, especialmente nos dias atuais, tendem a desaparecer naturalmente. Aqui no Brasil,
efetivamente são perceptíveis diversos equívocos nos quais o conceito de teologia costuma
estar envolvido (discursos, portanto, anti-teológicos, como vimos acima), tornando-se,
inclusive, um problema “cultural”. Esses discursos anti-teológicos, que como outrora (na
patrística ou final da Idade Média) culminaram com a implementação de dogmas para
proteção da fé no mundo cristão (vale dizer também, ocidental), ainda hoje lançam muita
confusão entre aqueles que possuem apenas um conhecimento mais superficial da teologia.
Com efeito, basta ligar a TV e surge uma gama enorme de programas religiosos-populares
que se dizem desenvolvidos com base em alguma teologia. São geralmente chamados ou
conhecidos como “teologias da prosperidade”, “teologia do sucesso”, “teologia da expulsão
de espíritos maus”; prometem vitórias e garantem a prosperidade pessoal e familiar com base
na troca por dízimo, dízimo que, quanto maior, maior garantia da satisfação das suas
necessidades individuais ou de seus desejos pessoais. Em alguns casos, tornam-se
flagrantemente exploratórios daqueles que se situam no âmbito da religiosidade popular, sem
se preocuparem mais aprofundadamente com esclarecimentos teológicos de sua fé.
A anti-teologia oferece assim um discurso com a promessa categórica de vitórias e
conquistas à partir da adesão do “fiel àquela igreja”. Os representantes da anti-teologia, que
poderíamos chamar “anti-teólogos”, atuam na prática como vendedores de ilusões nas quais
os seus “fieis” acorrem a eles, não com vistas ao estudo ou ao saber de sua fé, mas antes,
resolver seus problemas particulares mais diversos, buscando vitórias pessoais e benefícios
individualistas. Nesse sentido a pregação de alguns pastores impõe pesada carga sob os
18

ombros de seus fiéis, pois no fundo sua pregação induz ao pensamento de que “uma das
maneiras encontradas para dar sentido ao sofrimento humano é supor que somos merecedores
do que acontece, que de algum modo as desgraças sobrevêm como punição para nossos
pecados” (ROSSI, 2006). Ambos os tipos de teologias10 (a negativa e a anti-teologia) geram
as críticas e as dúvidas generalizadas quanto a prática e a função real da teologia.
Sendo a Teologia o esclarecimento evolutivo da fé compreendida, o “saber da fé”
(BOFF, 1999, p. 23), a teologia se faz na fé que caminha em direção ao seu conhecimento11.
Portanto, as anti-teologias, citadas anteriormente, são espúrias à compreensão correta da
teologia em si mesma. E são também facilmente identificáveis. Na visão dos seguidores ou
dos fiéis da anti-teologia, os líderes são tidos em alguns casos como teólogos, mas numa
conotação de “homem de Deus”, aquele que foi designado por Deus para pregar e os libertar
de seus problemas. São vistos, não como estudiosos da fé, mas como pessoas especiais
dotadas de poderes pessoais.

3 TEOLOGIAS

Teologia na antiguidade, ao menos na tradição ocidental, é marcada por dois


momentos específicos: a tradição de fé herdada dos hebreus e que viria a se constituir como
base para três das grandes religiões da humanidade e ainda da atualidade: o judaísmo12, o
cristianismo e o islamismo. De outro lado, a construção teológica, ainda que destituída da
tradição de fé, desenvolvida com o filósofo Aristóteles que buscava encontrar a “Causa
Primeira” ou Deus à partir de um saber lógico-racional rigoroso que poderia ser traduzido não
como o saber da fé, mas, ao contrário, da fé que é um saber.
Comumente, ocorrem teologias distintas dentro de uma mesma instituição ou doutrina
religiosa13. No caso especificamente católico, por exemplo, podem-se observar diferentes

10
Não se encaixam na fé que busca o saber de Deus, a primeira no sentido de negar a busca do saber da fé pelo
puro amor do saber; a segunda, uma fé descompromissada com o amor pela verdade mas sim a fé em ganhar
coisas, curar suas doenças, adquirir algum bem, arrumar um emprego, e por aí vai.
11
Santo Anselmo, no séc. XI já afirmava nesse sentido: “Entra no esconderijo de tua mente, aparta-te de tudo,
exceto de Deus”. Tendo fé, ele busca saber de sua fé. Arremeta ele: “Efetivamente creio, porque se não cresse,
não compreenderia” (PROSLOGION, cap. 1, p.1078).
12
A rigor, a religiosidade do povo hebreu ou judaico não se encaixa propriamente como sendo uma “teologia”,
no sentido técnico do termo, os hebreus, com efeito, não buscavam conhecer ou estudar a fé em Javé, antes a
recebiam como tradição familiar ou tribal, jamais como objeto de estudo, mas, como norma de vida previamente
determinada.
13
Teologias diferentes não são doutrinas diferentes, portanto, não são em si mesmas, causas das chamadas
“heresias”. Doutrinas diferentes ou opostas é que dão origem a separações ou formação de seitas religiosas.
Teologias diferentes são apenas visões diferentes da fé, não da doutrina.
19

linhas teológicas, muitas vezes, umas complementares a outras, mas também, em outros
casos, até contrárias umas as outras. Já se tornaram famosos os debates entre teólogos da
América Latina e os teólogos da visão milenar européia proveniente de toda tradição erudita
das escolas teológicas católicas, como a tomista (de St. Tomáz de Aquino) ou a franciscana
(São Boaventura). Complementam estas escolas a de Oxford com João Duns Scotus. Nessas
teologias, as preocupações estão centradas na busca pelo saber teórico ou afetivo das verdades
da fé. São teologias absolutamente enraizadas nas questões filosóficas herdadas das
sistematizações do conhecimento fornecido pelas escolas clássicas gregas. Possuem, portanto,
um caráter radicalmente teórico-reflexivo-contemplativo. Nesse sentido, embora com teor
diferente entre elas, no fundo são complementares umas as outras. Ocorre, porém algo muito
diferente com uma teologia, nascida mais recentemente, no seio da América Latina. A
teologia da libertação. Esta por sua vez, ao contrário das anteriores, se caracteriza pela busca
da ação baseada na fé. Diferente das anteriores, não fixa suas raízes em questões filosóficas,
ao contrário, busca sua inserção concreta e atuante no meio cultural e social, quando não
diretamente no campo político. Enquanto as teologias milenares européias fixam sua atenção
no conhecimento da fé em Deus, a teologia da libertação fixa sua atenção na ação concreta em
favor dos pobres para só então, depois, conhecer a fé em Deus, de maneira pratica, sem teoria
e sem especulações. É a teologia profética e não sacerdotal. Assim podemos ver teologias de
uma mesma fé religiosa, no caso a católica apostólica romana, aplicada a diferentes contextos
sócio-culturais e com diferentes conseqüências: segundo alguns teólogos da libertação, o
Jesus Cristo de que, mais recentemente tratou o sínodo episcopal da América Latina, em
Aparecida, precisa estar situado no contexto latino americano ou então no contexto europeu.
Já o teólogo brasileiro Clodovis Boff defende uma posição intermediária entre esses dois
extremos teológicos de uma mesma fé, para ele a teologia “precisa ser o saber da fé, mas
também uma ação da fé” (BOFF, 1984, p. 39). Estas concepções teológicas partem da unidade
de fé em Jesus Cristo e constroem dois diferentes tipos de “cristologia”, a que enxerga a vida
em razão da eternidade e a que a enxerga em razão da urgência do pobre, aqui e agora.
Temos assim a possibilidade tornando-se realidade da existência de teologia e
teologias, e isso dentro de uma mesma Igreja instituída. Se tal ocorre dentro de uma mesma fé
institucionalizada, quanto mais não ocorre entre as mais diversas instituições de fé espalhadas
pelo mundo. Isso acontece em razão daquilo que é comum a todas as religiões, a fé. A fé é um
pressuposto subjetivo e não objetivo. É uma construção a partir da pessoa e não de Deus. O
próprio Deus, a crermos na encarnação divina de Jesus Cristo, não condicionou ninguém a
20

uma fé objetiva, isto é, com provas ou com o peso da autoridade externa, no caso, Ele mesmo.
Até mesmo fatos, como os milagres narrados nos evangelhos, nunca foram condições para a
aceitação de sua divindade, prova disso é que até os apóstolos, testemunhas dos mesmos, em
diversas ocasiões tiveram dúvidas, apesar de tê-los presenciado. Outros o renegaram e não
acreditaram mesmo vendo algum milagre com seus próprios olhos14.
A pluralidade de teologias é um desdobramento natural da interpretação teórica
relacionada a busca do saber, nesse caso, do saber a respeito da fé do ser humano em Deus.
Clodovis Boff explica isso de maneira objetiva: “A razão é simples: a realidade desdobra toda
teoria” (BOFF, 1999, p. 493). Afirma ainda Boff, que a teologia é:

... necessariamente pluralista por dois motivos: porque o mistério da fé é


transcendente, superando infinitamente todo entendimento e não se esgotando
jamais num única interpretação; e porque esse entendimento teológico é sempre
contextual, e o campo cultural é justamente o campo das variedades (BOFF, 1999,
p. 494).

Toda teologia esta envolvida em um determinado aspecto ou circunstância cultural e


histórica específica. Nesse sentido, a mesma fé pode sofrer interpretações multifacetadas,
dependendo do ponto de vista da sociedade na qual esteja inserida. Assim, cada cultura
produz teologias próprias, como ocorre no Ocidente e no Oriente, ambos com variadas
culturas teológicas. Além disso, a época em que se desenvolve esta ou aquela teologia é fruto
da visão de mundo construída pela coletividade da época, ou seja, de acordo com os anseios
comuns ao momento em que é desenvolvida, por isso determinados períodos históricos são
marcados com o domínio de algumas escolas teológicas como, por exemplo, a teologia
patrística, posteriormente a teologia escolástica e em tempos mais recentes, aqui na América
Latina, a teologia da libertação15.
Embora dentro de contextos culturais diversos e conseqüentemente, de teologias
variadas ou pluralistas, a igreja católica insiste em que haja unidade na diversidade. Essa é
mesmo uma das características mais marcantes que formam a base da teologia católica:
diversidade sim, mas unidade sempre16. Exatamente nisso se compõe a idéia de heresia ou de
cisma, quando a diversidade importa mais que a base fundamental, a unidade. Foi por conta
disso que a Igreja cristã se dividiu ao meio em inícios do século XVI. A diversidade tornou-se

14
Digno de nota a ressurreição de Lázaro, narrado no Evangelho de João. Foi depois desse caso, e por causa dele
mesmo, que os escribas e fariseus passaram a tramar concretamente a morte de Jesus.
15
Vale aqui lembrar a afirmação da Comissão Teológica Internacional ao tratar o tema da “unidade da fé”, tese
15: “A unidade da fé e da comunhão não impede a diversidade de vocações e preferências pessoais no modo de
aproximar-se do Mistério de Cristo e vivê-lo”.
16
Exemplo desta rica diversidade, temos hoje no Brasil com os irmãos Leonardo e Clodovis Boff. Embora com
pontos de vista teológicos diferentes, ambos permanecem na unidade de fé cristã.
21

o principio teológico mais importante, abandonou-se a unidade, isto é, a fé no Cristo como


Salvador17 e deu-se mais ênfase em questões menores, de interesses menos valorosos18.

4 A TEOLOGIA CRISTÃ OCIDENTAL

São muito ricas e diversificadas as teorias teológicas e os seus respectivos


desdobramentos desenvolvidos no século XX. Provenientes da fé cristã em suas mais
diferentes culturas, elas, entretanto, buscam se entrelaçar ecumênicamente. São teologias que
se fundem na busca de uma unidade teológica, apesar da diversidade em que se desenvolvem.
Cito alguns exemplos: A Teologia de Deus desenvolvida, entre outros, por Karl Barth, que
propõe uma dialética teológica de cunho bíblico, preocupada com a palavra da Sagrada
Escritura; Teologia antropológica, representada em Schleiermacher, seguido por Bultmann
com a “teologia existencial”, nessa mesma linha, a “teologia hermenêutica” de E. Fuchs e G.
Ebeling; a Teologia transcendental formulada basicamente por Karl Rahner; Teologia política
com base na prática histórica, representadas na “teologia da secularização” desenvolvidas por
D. Bonhoffer e F. Gogarten, também a “teologia política” de J. B. Metz; a Teologia da
esperança, desenvolvida mais especificamente por J. Moltmann; a Teologia da libertação na
América Latina, desenvolvida entre outros com G. Gutiérrez; Teologia cultural voltando seu
discurso aos mais diversos temas da cultura e inculturação, representada em Paul Tillich e
também por Hans Kung. As variações teológicas de representação especificamente católica,
como em alguns dos autores citados acima, mas de impacto particular na doutrina são também
muitas: Telhard Chardin, G. Tyrrel, E. Lê Roy, Guardini, Lagrange, Y. Congar, H. U. Von
Balthasar, L. Boff, entre tantos outros, apenas para citar alguns exemplos19.
A teologia teórica, que em tempos modernos toma o nome de cientifica e teologia
prática, ou seja, aquela com finalidade de participação ativa, efetiva e concreta no contexto
sócio-cultural no qual seja desenvolvida ou praticada deram origem a diversas
sistematizações. Historicamente podem ser identificadas no sentido sincrônico. Inicia-se com
os gregos, especialmente com o filosofo Aristóteles, embora já houvesse algum anterior

17
Interessante notar que esse continua sendo o princípio fundamental da fé entre todas as igrejas que se
separaram na época em questão, mas a diversidade assumida naquela ocasião perdura ainda hoje sendo mais
forte que o princípio da unidade.
18
Ou mesmo, nada valorosos, tendo em vista que os pontos de diversidades mais importantes para a época, são
hoje, em grande parte superados pela teologia católica sendo inclusive muito bem aceitos (extinção das
indulgências, tradução da Bíblia para língua vernácula, importância da fé, obras ou da palavra, etc, etc).
19
Dados extraídos com base em (BOFF, 1999, p. 642).
22

desenvolvimento com os poetas20 e filósofos da natureza, anteriores a Aristóteles, inclusive


com Platão. Contudo, a sistematização efetiva da teologia inicia-se com Aristóteles e a
doutrina do “Primeiro Motor”. Aristóteles é o representante maior da teologia conhecida sob o
nome de “teodicéia”, qual seja, aquela que funda um discurso sobre Deus com base
estritamente na capacidade humana racional, quer dizer, com base em razoes lógicas.
Após o advento de Jesus Cristo, com as cartas do apóstolo Paulo e devido, em grande
parte, aos seus empreendimentos missionários, tem início a didática argumentativa da fé na
visão do cristianismo. Assim se desenvolve a teologia que depois ficará conhecida “teologia
da patrística” (nome derivado das discussões e dos ensinamentos teológicos à partir dos
“Santos Padres” da Igreja Católica. Surgiu num contexto de discussões e, não raro, até mesmo
de divisões do cristianismo por razões especificamente teológicas. Priorizava-se o exercício
intelectual da fé em meio a um contexto onde grassava movimentos neoplatonicos, assim
como diversos ensinamentos esotéricos para iniciados (a gnose). Pouco depois, vencido esse
período, e com uma fé cristã mais robustamente constituída, ocorre uma certa proliferação de
pessoas procurando o isolamento através do ingresso em mosteiros, aumentam-se o números
de monges e a teologia toma a forma monástica devido à valorização da vida contemplativa e
meditativa. Ao mesmo tempo, a teologia cristã “bizantina” também vai se robustecendo e
tomando formas distintas do culto propriamente latino.
Mais tarde, ainda dentro do cristianismo surge a escolástica, período onde volta à cena
as especulações teológicas abstratas. Novamente Aristóteles como pano de fundo na teologia
cristã, novas questões teológicas teóricas são construídas fazendo surgir o novo período. A
razão humana é posta em evidencia, novos métodos didáticos são implantados como a
“quaestio” e a “disputatio21”. Surgem as “Sumas Teológicas” com novas sistematizações da fé
cristã. Os teólogos e suas teologias tornam-se as figuras mais discutidas no meio cultural
erudito. Com o advento das universidades, a cátedra de teologia suplanta a de filosofia e
torna-se o cume do saber, tendo como base os postulados filosóficos de Aristóteles22. Nesse
período a teologia23 sofre algumas fragmentações. Tem inicio uma retomada do pensamento

20
As “teogonias” gregas.
21
Esse desenvolvimento para o qual caminhou a teologia cristã, ou no mundo cristão ocidental, se encaminha
para a divisão. A “quaestio” e a “disputatio” decolam para argumentações teológicas de defesa e ataque e
tornam-se o embrião da Reforma protestante.
22
Para Aristóteles, entre todo tipo de conhecimento possível ao ser humano, nenhum supera a teologia, pois,
sendo Deus (ou Primeiro Motor) o Bem Supremo, Sumo Bem, a ciência mais elevada conseqüentemente, é
aquela que aspira o seu conhecimento, ainda que nós não sejamos por esse Motor conhecidos.
23
Tratamos aqui apenas da teologia cristã, sabemos, porém que em outras regiões havia suas próprias teologias,
contudo, à nível do Ocidente, a teologia cristã é a mais importante tendo suplantado qualquer outra. Tanto é
assim que, no Ocidente, toda outra teologia que não seja cristã é tida por “pagã”.
23

aristotélico que faz com que toda a teologia cristã, que tem como base fundamental a
encarnação de Deus em Jesus Cristo, perca a evidência concreta no mundo europeu-ocidental.
Tanto é assim que a própria Igreja Católica, depositária remota da fé apostólica, passa por um
período dos mais conturbados de toda sua história, até aos dias de hoje. A cúpula da Igreja é
palco dos mais ordinários espetáculos. Papas depõem papas; papas coroam reis e formulam
impérios; guerras são decretadas em nome da Igreja ou em defesa dela, intrigas e traições
rondam a alta hierarquia clerical; a própria direção da Igreja é dividida e dois papas arrogam o
direito de comandar toda a Igreja24. O mesmo não ocorre no mundo cristão oriental onde
predomina uma ortodoxia de fé, não ocorrendo, portanto, essa fragmentação generalizada do
ocidente.
À fragmentação da teologia cristã ocidental ocorrida nesse período, segue-se uma
divisão teológica que termina em diversas rupturas do mundo cristão. Ocorre o surgimento de
novas instituições religiosas diversificadas e separadas, embora todas cristãs, causadas pelas
discussões teológicas pluralizadas. A teologia católica empenhava-se em valorizar os aspectos
teóricos especulativos da fé em contraposição à teologia “protestante”, que, em geral,
acentuava a vida prática manifestamente levando em conta a “Palavra das Sagradas
Escrituras”, isto é, a prática efetiva25 na vida cotidiana da Bíblia, excluindo toda e qualquer
forma de especulação sobre a mesma. Lutero, o principal líder reformador, chegava a pregar
com uma espécie de fúria nada cristã contra Aristóteles.
Passado algum tempo, tanto a teologia católica como as protestantes em geral,
retornam pouco a pouco a teorização da teologia. Estamos no período Moderno. Vencidas
algumas concepções estáticas relacionadas ao papel do homem no mundo, como por exemplo,
o teocentrismo e o antropocentrismo, a visão do mundo passa ao geocentrismo e depois, já
com bases científicas empíricas, o heliocentrismo. A teologia cristã passa a reformular seus
posicionamentos anteriores, pois suas respostas já não são mais compatíveis com a nova visão
de mundo conquistada pelo homem. Todas essas mudanças de paradigmas foram implantados
pelos filósofos e não pelos teólogos. Com isso surgem práticas teológicas voltadas ao meio
social. Surgem também novas “teologias”: Teologia pastoral, teologia querigmática, teologia
moral, teologia da apologética, teologia da História da Igreja, etc. Em tempos mais recentes,

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Não falemos nas Cruzadas e tampouco na superstição que grassava por todo mundo cristão ocidental com a
caça às bruxas; a queima de hereges; a venda de indulgências, quando então qualquer que possuísse algum
dinheiro poderia “garantir seu lugar no céu, do lado direito de Jesus”. Na questão da superstição, que seria
engraçada se ano tivesse sido tão trágica, basta lembrar o Papa João XXII que mandou matar seu médico por
suspeita de ser bruxo.
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Quando não ao “pé da letra”.
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na década de 70, surge com vigor na América Latina a “teologia da libertação” cuja proposta
é uma ação radicalmente - no sentido de raiz, ou seja, profundidade com força de sustentação
- inserida na realidade dos mais desfavorecidos sociais. Esta teologia se caracteriza pela união
da teoria com a prática (práxis).

REFERÊNCIAS

ANSELMO, Santo. Proslogion. Universidade da Beira Interior. 2008. Covilhã, Portugal.


Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/anselmo_cantuaria_proslogion.pdf.

BOFF, Clodovis. Teologia pés no chão. Petrópolis: Vozes, 1984.

______. Teoria do Método Teológico. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. Gênese de um pensamento. Trad. Camilo M. de Oliveira.


Lisboa: Ed. Morais, 1966.

GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

KÜNG, Hans. Vinte teses sobre o ser cristão. Trad. Edgard Orth. Petrópolis: Vozes, 1979.

LIBANIO, J. B. e MURAD, Afonso. Introdução à teologia. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003.

RAHNER, Karl. A antropologia: problema teológico. São Paulo: Herder, 1968.

_____________. Teologia e ciência. Trad. Hugo Assmani. São Paulo: Paulinas, 1971.

ROSSI, Luis Alexandre S. Teologia do sofrimento: uma leitura a partir de Jó. Disponível em:
http://www.luizalexandrerossi.com.br/index1.php?meio=public_lista.

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