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Quando se fala em teatro, há que se distinguir em primeiro lugar dois elementos que
lhe são inerentes: o teatral e o dramático, já assinalados por Emil Staiger em seus
Conceitos Fundamentais da Poética.. Entende-se por teatral toda manifestação tendente ao
espetáculo, não necessitando especialmente de um local específico para a sua apresentação,
nem de um enredo. Como exemplos de elementos teatrais citar-se-iam um desfile militar,
uma missa solene, uma procissão, uma solenidade de formatura. Convém lembrar aqui a
etimologia da palavra teatro (theatrón), de origem grega: é o lugar aonde se vai para ver. Ao
passo que drama, dramatós significa a ação. Nessa primeira instância predomina o es-
petáculo, o visual, a cena. Numa segunda instância reside o dramático,isto é, o elemento
que implica numa tensão, num pathos, num choque de antagonistas. Nesse sentido são
dramáticos um incêndio, um acidente, uma crise de qualquer natureza, o entrechoque de
paixões. Notar que os dois termos não estão sendo adotados exclusivamente do ângulo
literário.
Nenhum dos dois traços exige o teatro, mas quando se encontram num local
apropriado, diante de um público, apresentando o desenrolar de um ação por meio de
personas, isto é, pessoas disfarçadas em personagens, tem-se o gênero dramático. Qualquer
texto, oral ou escrito ou improvisado, pode ser teatralizado, desde que lido em voz alta,
porque aí se explora a sua dramaticidade. Mas isto pode-se dar de uma forma dramática ou
épica, conforme se acentue ou não a tensão. O gênero dramático, junto com o lírico e o
épico, constitui um dos três gêneros literários existente, embora as práticas literárias
contemporâneas questionem as bases rígidas desta classificação pedagógica.
[...]
Dramático significa a manifestação da luta entre o “eu” e o “mundo”, o sujeito e o
objeto, ação expressa por meio de personagens encarnadas por atores, antagonistas que
porfiam por chegar a uma síntese. Há uma ação que se desenrola ante os olhos do público
como se fosse a primeira vez e como se ele ignorasse o final. Para Aristóteles, seu primeiro
teórico, na Poética, é a forma séria, em que tudo termina mal, oposta à comédia, que
termina bem. Na primeira os homens são melhores do que nós; na segunda são piores.
Entende-se por gênero dramático aquele que melhor se realiza quando posto em cena.
Pode-se apresentar em prosa ou em verso e admite subdivisões na espécie: tragédia,
comédia, tragicomédia, farsa, auto, drama, etc. Trata-se de uma história contada apenas
pelos diálogos das personagens em ação no palco, sem a presença de um narrador. O
mundo se apresenta então como se estivesse autônomo, absoluto, emancipado do narrador e
de qualquer sujeito. Por isso há necessidade de um rigoroso encadeamento causal, pois o
começo não pode ser arbitrário, bem como o fim deve decorrer logicamente do que vem
antes. Como não existe a figura do narrador, as indicações deste aparecem sob forma de
rubricas (no texto impresso), cenário e comportamento das personagens (na ação). O gênero
dramático tem como elemento principal a tensão entre antagonistas, traduzindo um conflito
entre o "eu" e o “mundo”. A ação narrada implica num choque de oposições, onde há uma
tentativa de superar o conflito incidindo sobre o interlocutor, o "tu". Daí, segundo
Jakobson, exercer a função conativa da linguagem, ou seja, a que se orienta para o
destinatário.
Aliás, esta característica intrínseca de poder influenciar que o teatro possui tem
servido inúmeras vezes para que ele seja empregado com fins didáticos e pedagógicos,
indicando modelos a serem seguidos ou, inversamente, repudiados. Isto se aplica não só aos
gêneros literários - considerando-se no primeiro caso a tragédia, que mostra um herói
positivo, e no segundo caso a comédia, com o herói negativo, coberto de vícios, mas
também num âmbito mais geral. Isto se dá porque o gênero dramático tenta reproduzir um
fato real, através de elementos concretos (cenário, sonoplastia, iluminação) e da pessoa
humana viva, sendo o autor o primeiro recriador da realidade e o ator o segundo, o que põe
em prática a recriação. Assim é que por exemplo têm finalidade pedagógica correntes tão
díspares quanto o teatro medieval, o auto sacramental barroco e o teatro brechtiano, para só
citar uns poucos tipos.
Link Mistérios
5.1.1. O mistério
O mistério, também chamado de jeu, auto ou paixão, extrai seus temas das Sagradas
Escrituras, para transmitir ao povo, de forma acessível e concreta, a história da religião, os
dogmas e os artigos de fé. Transpõe os versículos da Bíblia em quadros vivos, que no seu
efeito espetacular revelam para o povo o segredo que o latim dos livros sagrados ocultava.
Pretende dar conta de tudo o que se passa no Céu ou na Terra, psicológica e
teologicamente. Contém por isso elementos teológicos, verossimilhança moral e
psicológica, observação da realidade, patético e diabruras. Transforma-se em espetáculo de
longa duração, em determinadas épocas do ano (Páscoa, Natal, Corpus Christi). É a mais
importante criação do teatro religioso medieval. Narra toda a História do homem, da
Criação à Redenção. O Jeu d'Adarn (Séc. XII), é o primeiro texto teatral em língua
vernácula. Muito conhecidas são a Paixão de Arnoul Gréban (1450), com mais de 35 mil
versos, e de Eustache Mercadé (1420) e a de Jean Michel (1486), com 45 mil versos e
duração de 10 dias. O século XV consagra o gênero e monta-o em várias cidades, por meio
das confrarias, realizando verdadeiros festivais. Quando sua representação é proibida em
Paris, sobrevive na província, sob forma de mistério sagrado ou de mistério profano. No
século XV surgem coleções de mistérios.
Link Milagres
5.1.2. O milagre
É peça de duração bem mais curta que o mistério. Sua temática se construirá sobre
as lendas de vidas de santos. Mas explora também narrativas piedosas e motivos
folclóricos. Põe em cena personagens corriqueiros defrontados com situações terríveis, de
que se salvam pelo arrependimento tardio e por intervenção da Virgem Maria. O gosto de
narrar se faz sempre presente: para mostrar o milagre do Santo, faz-se mister contar sua
vida desde o nascimento. Esta representação ocorria no dia comemorativo do Santo. O
Miracle de Théophile, de Ruteboeuf (séc. XIII), aponta para uma primeira versão da lenda
de Fausto. Também é muito louvada a Obra de Jean Bodel. No séc. XIV, os dramas
inspirados na devoção à Virgem Maria constituem-se em coleções, com o título genérico de
Miracle Plays ou Miracles de Notre Dama. A devoção à Maria, dos milagres, corresponde à
dedicada a Jesus Cristo, mostrada nos mistérios.
Link moralidades
5.1.3. A moralidade
A moralidade serve de continuação aos mistérios: o tema concreto-histórico dos
acontecimentos bíblicos dá lugar a um argumento abstrato-típico, que analisa o microcosmo
em relação ao sobrenatural. Ou seja, o homem em conflito com as correntes opostas do
Bem e do Mal. Baseia-se no princípio universal decorrente da Queda e da Redenção da
humanidade: o homem é destinado a morrer em pecado, a menos que seja salvo pela
intervenção divina. Este tema é informado em estrutura alegórica, uma das grandes linhas
que perpassa a arte medieval. Seus personagens encarnam abstrações e valores morais, que
lhes absorvem até os próprios nomes: Juízo, Perdão, Boas Ações, Discreção, Cinco
Sentidos, Sete Pecados Mortais, Sete Virtudes Cardeais, entre outros. Por meio destas
personificações e de outros recursos formais, a moralidade visa à edificação do ser humano.
Dentre todos os tipos de peças medievais, é a que mais se aproxima da tragédia.
A mais famosa moralidade é o Everymam, obra prima anônima, em língua inglesa,
redigida nas primeiras décadas do séc. XVI, cuja primeira versão é o Elckerlijc dos Países
Baixos. Nela Todo-o-Mundo é chamado pela Morte, devendo prestar conta de sua vida em
seu momento final. Por esses motivos, pode-se aproximar a moralidade do teatro religioso,
embora ela não seja litúrgica. Mas dele se afasta, porque incorpora grande número de
elementos profanos e cômicos. É, de certo modo o intermediário entre o mistério e a farsa.
Embora sendo uma produção internacional, conhecendo grande voga, esta
realização dramática, surgida a partir do séc. XIV, tem características específicas conforme
os países. Na Inglaterra questiona o destino último do homem. Na França, os 60 exemplares
do séc. XV atribuem-lhe o âmbito lato de observar o comportamento social do indivíduo,
através de temas: da religião (Razão, Contrição, Fé, Esbórnia ou Mundus, Caro et
Demonia), da política (Ofício, Mercadoria, Tempo-que-passa, Pouca Aquisição), da moral
(O filho ingrato) ou da farsa (O cego e o coxo). Na Alemanha a Moralität era sinônimo de
Fastnachtspiel (farsa de entrudo), e, como a sotia francesa, destituída de propósito
moralizador, por ter apenas em vista a diversão do público, através do desenlace com
efeitos cômicos. Em Portugal, a denominação genérica de autos encobre, em Gil Vicente,
mistérios (Auto da História de Deus), milagres (Auto de S. Martinho) e moralidades (Auto
da Alma). O auto sacramental espanhol, renascentista e barroco, emana da moralidade. Na
Península Ibérica a produção dramática medieval surge tardiamente, devido às severas
proibições reais.
Link farsas
5.2.4. A farsa
Dentre todas as peças curtas do teatro profano, este tipo pretende provocar o riso
sem intenção didática ou moralizante, mas a partir de exageros tirados da observação da
vida quotidiana. Não intenta edificar nem usa alegorias. Tende para a comédia de costumes
e de caracteres. Este gênero muito vivo, malicioso, direto e grosseiro, ultrapassa largamente
as fronteiras do Renascimento e chega até o séc. XVII. Mostra a gente do povo em seu
ambiente familiar. Seus personagens em número restrito, originam-se da vida urbana em
desenvolvimento. Não estão investidos de requintes psicológicos, mas representam
“condições” (marido, mulher, amante, patrão, empregado), ou tipos facilmente
reconhecíveis tomados à burguesia (o comerciante, o advogado, o louco, o médico, o tolo,
etc.). Seu esquema repousa no trapalhão enganado por alguém mais esperto do que ele.
Surge no séc. XIII (O menino e o cego), tornando-se muito numerosa nos séculos XV e
XVI. A mais interessante é a Farsa do advogado Patelão, de autor anônimo do séc. XV,
originário do norte da França. Esta peça literária revela-se uma comédia de astúcia, com
grande verve cômica.
A Comédia Dell’arte (p. 57-59)
Maria Lúcia de Aragão
William Shakespeare (1564-1616) tem uma biografia com alguns lapsos, pois pouco
gostava de falar e escrever sobre si mesmo. Tal fato deu motivo à lenda da sua não
existência. Outro fator alegado era a não publicação de suas peças, mas deve-se lembrar
que no Barroco apenas se afirmava a noção de autoria, e era comum deixarem-se sonetos
em forma manuscrita, sem publicação. Os sonetos de Shakespeare ainda dez anos após sua
morte circulavam entre amigos.
Shakespeare era o filho mais velho de John Shakespeare e Mary, filha de Iobert
Arden, rico fazendeiro de Wilmonte. Teve mais dois irmãos mais moços. Nasceu em
Stratford-on-Avon e foi batizado a 26 de abril de 1564; nesta cidade trabalhou em cargos
administrativos. Em 1582 desposou Anne, batizando sua filha Susannah no ano seguinte.
Deixou Stratford em 1585, depois de trabalhar algum tempo ali como professor. Além
disso, trabalhou com Lord Southampton no teatro The Theatre e no The Curtian. Após a
ascensão de James I, passou a fazer parte, como membro do Lord Chamberlain's,
companhia de atores que atuava naqueles dois teatros e ainda no The Globe; e, a partir de
1609, no Black-sfriars Theatre. O certo é que, após 1592, Shakespeare já não era somente
ator, mas também dramaturgo; depois de 1603 seu nome não constava mais das listas de
atores, tendo, talvez, atuado pouco. Em 1598 já era suficientemente famoso para fundar, um
ano depois, com os Burbages e outros atores famosos, o novo teatro Globe Theatre, no
Bankside.
[...]
Em termos de periodologia literária, o classicismo é a resultante de um lento
processo de maturação de idéias estético-literárias, que se estende por nada menos de três
séculos, por diversos países, e recebe do Renascimento italiano seus elementos funda-
mentais, como: o modelo greco-latino para as artes plásticas ou literárias, os princípios da
intemporalidade do belo e da necessidade das regras, o gosto da perfeição, da estabilidade,
clareza e simplicidade das estruturas artísticas.
A Poética de Aristóteles, cuja exegese crítica se verificara na Itália, na segunda
metade do séc. XVI, vai ser o grande fundamento em que se alicerça o classicismo.
A obra clássica deve atentar para a verossimilhança (anulatória do maravilhoso
barroco). Busca não o particular, mas o universal e o intemporal. Isto repousa na visão
clássica, que afirma a existência de algo permanente, além do mutável e acidental. Busca o
conhecimento do homem, nos seus sentimentos e paixões. Impregnado de intelectualismo,
o clássico tem fé na razão, fiel da balança, que impede, em qualquer parte e em qualquer
tempo, a perda do equilíbrio pela submissão aos excessos da fantasia. Sendo uma arte
profundamente social, respeita sobremodo as conveniências, evitando chocar a
sensibilidade, costumes e preceitos morais do público a que se dirige. Considera que é seu
dever unir o útil ao agradável, contribuindo - assim para o aperfeiçoamento do ser humano.
(...)
O séc. XVII francês se estende, para o crítico e para o historiador, desde 1610
(morte de Henrique IV), a 1715 (morte de Lula XIV). É o século do Rei Sol e da monarquia
absoluta, quando se desenvolvem a literatura clássica, protegida pelo soberano, e as
academias. No âmbito das letras, sobressai o teatro trágico de Corneille e de Racine, ao
lado das comédias de Molière; Boileau elabora a teoria da arte clássica; La Fontaine produz
suas fábulas; La Bruyère dedica-se à crítica e La Rochefoucauld às máximas, ao lado da
oratória sagrada de Bossuet. No campo das idéias, a preciosidade porfia com os libertinos, a
filosofia de Descartes se contrapõe ao jansenismo de Pascal e, para culminar, eclode a Que-
rela dos Antigos e dos Modernos, a respeito de ideais e modelos para a arte.
O Drama Romântico: jogo sublime com o grotesco (p. 106-108)
Dalma Nascimento
Técnicas de distanciamento
Alguns recursos literários estabelecem de saída a estrutura épica: a presença de um
personagem que comenta a cena – faz o papel de narrador – a presença de outros
comentários, como cartazes, citações, projeções cinematográficas, etc., são suficientes para
estabelecer um estilo narrativo, abertamente ficcional e anti-ilusionista. Também o pretérito
épico serve ao distanciamento: julgar o comportamento de Galileu Galilei é mais tranqüilo
e reflexivo que pensar (e pesar) um homem contemporâneo nosso. Em o Círculo de giz
caucasiano, a história do juiz Asdak funciona como peça da peça, o que a projeta numa
dupla moldura temporal.
A paródia é um dos recursos literários mais importantes em Brecht. Sabe-se que
parodiar (de para-ode) é criar um texto paralelo e não reverenciador do texto anterior.
(...)
A ironia também é um recurso crítico distanciador; Brecht usou-a abundantemente.
Em Mãe coragem há um cartaz que diz: “A vitória de Magdeburgo custou a mãe coragem
quatro camisas para oficias”. Sugere assim a relação entre um acontecimento histórico
grandioso (a guerra dos Trinta anos) e a sua ligação irônica com os prejuízos pessoais de
uma senhora vendedora.
O riso, de um modo geral, é um fator de distanciamento. Nós rimos daquilo que não
toca nossas emoções profundas. Não rimos de um grande acidente, mesmo que a imagem
seja grotesca, mas rimos de uma pessoa que cai inocentemente, por causa de um inesperado
buraco na calçada. Isso nos ensina Bergson. Brecht usa abundantemente o chiste (colisão de
palavras que provocam um efeito cômico) ou o paradoxo, contrastes colocados lado a lado
sem elo lógico; e o próprio grotesco, que torna estranho e distanciado o objeto, pelo
exagero.
O Teatro do Absurdo: entre Godot e os rinocerontes (p. 149-152)
Ângela Maria Dias