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AGAO DO BRASIL « FORMAGAO DO BRAS. “Texts sobre aspects particulars -socias,econtmicos,histbtcos,reigiosos fxn Bross pang ese dics eoponsivels pla Formasto do Bra. Uma bast BO BRASIL « FORMAGRO DO BRASI* FOR A INVENGAO REPUBLICANA 1. 0 este paulsta e a Replica — Sandra Licia Lopes LIMA 2. Histéria da: Antropologia no Brasit (1950-960) — Testemunhos — Mati:» Coréa (organizadora) Vol. 1 — Donald Pierson e Emilio Willems 3. A invengtio republicana: Campos Sales, as beses © a decadéncia da Primisi « Repéblica brasileira — Renato LESSA 4. Teatro das sotibras: A. politica. imperial — José Murilo de CARVALE™ © POR ¢ a Internacional. comunists (192050) — Michel ZAIDAN FILES Co-edigao EDIGOES VERTICE . ¢ IUPER] (INstrruTo UNIVERSITARIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO) com apoio do ‘As obat com numerapSo 6 esto publcads ou no prt. Ministéaio DE EDUCAGKO SESu — Programa Editorial Itica, pelo [UPERJ — instituigo a qual esta ligado doutorando do programa de Ciéncia Politica. De 1975 1979 trabalhou no CPDOC (Centro de Pesquisa ¢ Docu mentago sobre Hist6ria Contemporanea do Brasil), on entrou em contato com os temas tratados neste livro. 1980 trabalha no Instituto de Filosofia e Ciéncias Sociais dal UFRJ, onde atualmente ¢ Professor Assistente do Depar4 tamento de Ciéncias Sociais. Trabalha também na UFF, saci ee a ra REPUBLICANA (1983/1985) e criou em 1985, o Departamento de Ciéncis Politica, tendo sido, ainda, o seu primeiro chefe (1985/] Campos Sales, as bases e a decadéncia da 1987). Primeira Republica brasileira. ‘Dados de, Catalogisto nn Pubteasio (C1?) Internacional ‘chara Brescia do 1iveo, 8, ‘Besai "K javengio repobicana : Campos Sal, a6 bases © 2 geradéncte da Primers nepdbics basil / Renato Lewe, — so. Panio ¢ Wérce, dita Revis ES"Febuots Rio. de Janeito * ioaituto Univertiavio de Pesquisas do Rl} ey rotted (Gormagto do Breit 3) Rilopati, ; ison etigcos2 ST ina - Le Replica, 1409-190 2. Bra Police e seye20 aA SE SE Bale eds Mala a ta'Siot © 0 deecdeiin Go Bieta ‘i Satie 72165 "e055 ee H PE See eee eee eee Steer ete etree fndtecs para catéiogo sntemitca: 1. Campor Sales ; Perlodo qovstmamental, 1896-1902 Brag”. Psotin sel os8 <2. Pima Repobica, 1851990 + Breall 7 Politics © geverse s20-S8i05. w G519G A INVENGAO REPUBLICANA: ‘Campos Sales, as bases ¢ a decadéncia da Primeira Repéblica brasileira Renato Lessa 12 Parte 2. Parte © desta edigio: 1988 + Editora Revista dos Tribunais Ltda. EDICOES VERTICE Res Conde do Pinhsl, 78 7 ‘Tel, (O11) 37-2485 — Caixa Postal 678 f (01501 - Sfo Paulo, SP, Brasil. 70D08 05 DIREITOS RESERVADOS. 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A colméia oligatquica (1894-1898) ......... 73 A POLITICA DEMIGRGIGA (1889-1902) 4, Saindo do caos: os procedimentos do pacto .. 99 5. Os fundamentos da nova ordem: os valores do PACD ee eeeereeeee 6. Os novos Ambitos do absurdo ....... 119 137 - 165 | | | | | | “Pelo menos, ele tinha seu senso de ordem, uma ordem estpida & ainda melhor do que nenhuma.” ‘THoMas MANN, in Dr. Fausto. Introdugio Mazes Finley, em seu trabalho sobre o mundo de Ulisses, registrou uma instigante caracterfstica do espfrito humano, presente nos momentos em que se tora compulsério classificar ¢ mensutar o enigma do tempo. + Diante do passado remoto, as perspec- tivas temporais tendem a fabricar domfnios compactados: milénios valem por séculos ¢ estes, convertidos em anos, se transformam em ‘unidades minimas de medida do tempo. Milénios egipcios ¢ séculos ‘gregos emergem como médulos de tempo compactado, capazes de seometricamente reduzir a variedade da vida & unidede da razio. © desconforto de Finley — adorador confesso da paidéia groga — parece, em uma primeira aproximagio, Mio nos dizer algo de apli- cével 2 cena brasileira e 20 seu diminuto passado. Além do fato de que nfo hé nada neste passado que autorize qualquer nostalgia seme- Thante a que se pode sentir diante das ruinas da Acrépole ou do palécio de Cnossos. No entanto, a diminuta parcela do espirito huma- ‘RO que se ocupou em pensar e eserever sobre o Brasil, também tratou do tempo de modo pléstico. Ao contrétio dos séculos que Moses Finley tratou de descompactar, hé na histGria brasileira momentos ‘cuja compreensio parece derivar da capacidade do analista em decom- por infinitamente o tempo em pequenas unidades, conectadas arbi- trariamente pelas cronologias, tidas como procedimentos indispensé- de pesquisa. Aqui, minutos indignos se converteram em séculos, enquanto que os séculos gregos, prédigos em dignidade, podem ser congelados em poueos pardgrafos. © periodo de tempo que me coube analisar neste livro pertence ' famfia dos tempos compactados. A primeira Repiblica, com seus 41 anos de duragio, foi até recentemeiite representada como uma noite monétona, 2 exibir um enfadonho rodtzio de oligarcas agrérios,,/ ‘emoldurades pelo latifindio exportador ¢ pelo folclore coronelista. | Para LAURA ‘Amor me move: $6 por ele eu falo (Dante, Divina Comédia, Inferno Il, 71) ¢ Lufs pe Castro FARIA " Até meados da década de 70 a literatura disponivel sobre a Repiiblica Velha praticamente se resumia a textos de época, memérias ¢ as histé- rias da Repiblica publicadas por José Maria Bello e Edgar Carone. * Importantes:no esforgo de descompactacso da ordem oligirquica fo- ram 08 varios estudos, publicados nos anos 70 e inicio dos 80 sobre a dimensio regionalista da politica brasileira, como testemunham 0s trabalhos de Joseph Love, John Wirth, Robert Levine e Eul Soo Pang. * Paralelamente ao esforco por investigar os componentes regio- nais da politica oligérquica brasileira, abriu-se caminho para estudos sobre aspectos parciais da sociedade. Assim demonstram a relativa proliferagéo de teses pesquisas sobre movimentos sociais urbanos no perfodo, notadamente incidindo sobre 0 comportamento operirio* © 0 jé cléssiop texto de José Mutilo de Carvalho sobre as: forcas armadas na 1% Reptblica, * De fato, a produgio académica nos iltimos 15 anos sobre a pri- meira Repdblica parece estar atribuindo maior dignidade temética a0 perfodo, Temas e questées suscitados por outros contexts nacionais ou por épocas mais recentes da hist6ria brasileira vém sendo crescente- ‘mente incorporados ao esforco de conhecimento sobre o perfodo. Do ‘meu ponto-de-vista um exemplo evidente de incorporagdo de questdes, Provenientes de outros contextos ¢ 0 crescente interesse sobre um: cenério diminuto ¢ minoritério no/continente agrério brasileiro: a cena urbana, e, em particular, a cidade do Rio de Janeiro — a eco- logia dos bestializados inventados por Aristides Lobo. ® Ainda assim, a despeito do evidente incremento de anélises sobre a primeira Reptblica, creio que sabemos pouco a respeito da ordem politica que se implantou no Brasil com o golpe republicano de 1889. Aspects fundamentals para o entendimento de qualquer ordem pol tica contemporanea, tais como formagéo ¢ desempenho das burocra- cias péblicas, papel e comportamento do Legislativo © geragdo ¢ modos de domesticagio das crises politicas, entre outros, permanecem inexplorados com relagfo aos anos da primeira Repiblica, Em termos mais enféticos, ainda nfo foram desenvolvidas pesquisas sobre a primeira RepGblica com alcance semelhante aos trabalhos de Sérgio Buarque de Hollanda, Fernando Uricoechea e José Murilo de Car- valho,? que trataram, por diferentes caminhos, da ordem politica imperial e da construggo do Estado Nacional Brasileiro, Embora reconhecendo esta lacuna, men interesse neste enssio nfo 6 empreender tarefa semelhante & dos autores acima citados, mas 12 | saosomente investigar o que julgo ser a génese da ordem politica brasileira, inaugureda com o século XX ¢ apontar para suas vittudes estabilizadoras bem como para as bases de sua decadéncia. O que os ‘eapitulos seguintes procurardo construir é apenas uma versio plau vel a respeito da geracdo da otdem, ptiblica no, Brasil da pritneira, Republica. De modo del evitarei_buscar.em fenémenos de natureza estrutural a explicago para comportamentos © opgBes pre- sentes no cendridpoliticg, Os atores ndo falam o idioma das estru- turas, 0 que coloca o analista diante do seguinte dilema. Qu ignora-se ‘0 que os atores dizem, supondo. que estiio constantemente enganados a fespéito de sf inesiios, ou toma-se o.seu comportamento — mescla de discurso ¢ agéo — como tinico modo de acesso a0 raundo real. Até prova_em conteitio,-a-realidade. ¢ aquilo. que os. atores. di ‘que-ela &, Quando o dissenso a respeito do que é real é dilatado, 0 apelo As estruturas inintencionais pode gerar textos racionais ¢ com consistencia I6gica, mas inteiramente desertos ou compostos por per- sonagens unidimensionais. Por essa tazdo me absterei de estabelecer qualquer conexfo causal entre a “estrutura econdmica", 0 “capitalismo \ internacional” ¢ outras entidades imateriais com os aspectos visiveis presentes no processo de construgdo da ordem republicana. De moda mais claro, meu interessa nflo seré o de contra-argu- mentar diante da difundida crenga de que o Estado brasileiro na primeira Repiiblica falava exemplarmente o idioma das oligarquias agrérias. Nao seria prudente fazélo, mesmo porque néo havia outra lite disponivel para ocupar o governo. Pretendo simplesment ender o juzo diante da torturanté questo de saber quais as causais que se estabelecem entre a ess8ncia e a aparéncia da sociedade. Do meu ponto-de-vista, a aparéncia j4 coloca um mimero excessive de problemas a investigar. *"O objesivo. central deste ensaio ¢ 0 de analisar a génese ¢ a implantago da ordem politica republicana, tomando como évidéncia a f6rmula politica aplicada no governo do Presidente Manoel Ferraz de Campos Sales, no periodo de 1898 a 1902. Outros analistas jé trataram de modo competente as caracteristicas e as implicagdes daquela férmula, consagrada pela literatura com o nome de politica dos governadores. Refexéncia especial merecem os trabalhos de Maria do Carmo Campello de Souza e Fernando Henrique Cardoso,* que apresentam os aspectos mais relevantes do modelo inaugurado por Campos Sales: a cridgfo extralegal de um condominio de oligarcas 15 iB — os chefes éstaduais — como corpo dotado de prerrogativa de defi. nir a composigéo do Executivo e do Legislative federais e o controle sobre a dinimica Legislativa, através da Comissiio de Verificacéo de Poderes. © texto de Maria do Carmo Campello de Souza,procura, a partir da apresentago das caracteristicas préticas do que chamarei de mon delo Campos Sales descrever 0 processo politico-partidério da primeira Repiiblice. Sua @nfase incide sobre os momentos de maior instabili dade presentes nas sucessGes presidenciais, nos quais os céleulos pott- ticos eram em grande parte refeitos. Jé Fernando Henrique Cardoso considera com maior detalhamento 0 modelo Campos Sales, mas acaba por limité-lo a um mero arranjo politico adequado as necessi- dades do predominio econémico dos fazendeiros de café. Ambos os textos foram fundamentais para a minha reflexio sobre o periodo, mas no correr da tese procraret argumentar a partir de perspectivas distintas, embora nfo necessariamente opostas. Para coniiderar-o:impacto.e.o.alcance. do.madelo. Carapos-Sales, procederei em primeiro. lugata.uma.anélise. do legado politico do Impétio e dos problemas suscitados pela primeira década republicana, aqui batizada como os anos entrépicos, por razGes que sero vistas adiante. O objetivo dessa remissio ¢ duplo: trata-se por um lado de considerar 0 quadro hist6rico que antecedeu ao governo Campos Sales @, por outro, de especificar os problemas politico-institucionais que, naquele contexto, deveriam ser considerados de forma compulssria para a criacio de uma ordem politica rotinizada e com padrées mini- mos de estabilidade. O segundo aspecto é de longe o mais relevante, pois implica considerar as respostas dadas pelo modelo ao seguinte Jeque de questies: 1. relagies entre Executivo ¢ Legislativo; 2. rela- ‘es entre 0 Poder Central ¢ os Estados; 3. modo de integragao entre olis, demos e governo, * Polis, no correr da anélise, seré entendida como o conjunto dos atores que, além da posse de direitos politicos formais, ocupam de fato posigées privilegiadas na estrutura do poder, em seus diversos nichos: Executivos estaduais, burocracias, Legislativos estaduais e Con- ‘gresso Nacional. Desta forma, a polis circunscreve a totalidade dos atores com probabilidade de acesso a0s postos de governo. O demos representa a diminuta parcela da popula¢do que possui direitos polt- ticos formais, sendo incorporada, portanto, 20 processo eleitoral. Na consideragao do perfodo anterior ao governo Campos Sales, procurarei 4 mostrar de que modo o Império estalebeceu nexos precisos de inte- gragio entre governo, polis e demos, bem como 2 sta aboliglo em 1889 abriu caminho para uma expetiéncia politica qualificada como enirOpica. Com o termo pretendo designar a primeira décad: blicana, caracterizada, além da quséncia de. mecai ionais shinimamente rotinizadores, pelo comportamento erritico dos atores, {que no tratamento das fontes de instabilidade acabaram por introduzir finda mais incerteza e confusio. A versio explicativa construfda para jinterpretar,o perfodo incorporaré ainda a8 fdéiay de absurdo.« trdgédia. ‘A primeira) de inspiracio becKeitiana, se aplica a um contexto no ‘qual a” ¢xperiéncia vivida pelos atores nfo 6 representada como cexperiéncia comum, e sim marcada pela superposiglo de inémeros sen- tidos, projetos e verses a respéito do” que se. passa, sem-que: haja- ‘qualquer mecanismo de iniegragéo. O absurdo, aqui, nfo é a mera auséncia de sentido, mas sim a sua proliferagio desenfreada. A idéia de tragédia aparece como ‘apropriada na medida em que os anos entrépicos apresentam a seus protagonistas uma dilatada quantidade de desafios, impedindo a qualquer dos atores a’ posée de um mapa cognitive capaz de erradicar a ignorincia sobre 0 que se passava, ‘Como se veré, nem mesmo aqueles atores que puderam derivar do caos da primeira década republicana Alguma ordem e estabilidade, encontrarao pleno descanso no futuro. O prépric mecanismo inventado para erradicar 0 caos republicano levou a novas situagGes trégicas no futuro, No tratamento do modelo Campos Sales a estratégia seguida seré diferente da dos autores que j4 se ocuparam no-assunto, Minha hip6- tese é a de que este modelo contém dois aspectos distintos: o procedural © 0 substantivo. 1.0 primeiro é composto por um conjunto de procedi- mentos postos em agdo para obter estabilidade e dotar a Repaiblica de um padrio nanimo de governabilidade, Eles se resumem na montagem a politica dos governadores e na operacéo da Comissio de Verifica- gio de Poderes. O segundo aspecto diz respeito aos valores que Campos Sales’ atribuiu ao seu modelo, notadamente uma concepgio despolitizadora e administrativa do governo, dotado da atribuigao de resguardar absolutamente o interesse nacional, Como se verd no correr da anélise, enquanto 0 aspecto procedural concede plena auto- nomia aos chefes estaduais para tratar do demos estadual, por métodos heterodoxos, 0 aspecto substantivo representa a comunidade politica nacional como um agregado de altrufstas. O modelo, portanto, pres 15 creveu ambas as condutas, e 0 embate politico do fim dos anos 20) foi protagonizado por duas facgies que agiram detitro da ortodoxial de Capos Sales. No tratamento do modelo, portanto, procurarei de: monstrar que arranjo que, a partir de 1898, propiciou estabili politica ao regime republicano, era construido sobre premissas opostas, | cuja incompatibilidade deve ser considerada na andlise da crise regime, em 1930. A hipétese sugerida sobre a existéncia de dois aspectos distintos| no interior do modelo torna plausivel um tratamento enddgeno. a| respeito da crise da Reptiblica Velha. 1 A despeito da ago de forgas| exégenas, tais como a rebeldia militar dos anos 20, o protesto operdrio’ © 0 desencanto das camadas média urbanas, o proprio modelo continha| os fundamentos de sua decadéncia, dada a incompatibilidade entre procedimentos que autorizavam uma’ ética egoista ¢ predatéria e os valores que, obcecados pelo ideal de pura administragdo, exigiam dos] atores um comportamento baseado em uma ética altruistica. ‘A criag&io do modelo Campos Sales pode ser percebida também) como exemplo de politica demitrgica, aparentada com um padréo| designado por Friedrich Hayek como construtivista. 1 Segundo Hayek| a premissa bésica do construtivismo é a de que a ordem deriva da vontade dos atores, que a partir do uso privilegiado de sua razéo podem reinventar e melhorar as ordens existentes. Seguindo a tradigfo| dos moralistas escoceses, Hayek parte da premissa oposta, qual seja, ade que existe no mundo ume inerradicével dose de ignorancia af respeito dos limites da ordem e de seus fundamentos. Isso se deve ao fato de que a “autoria” da ordem é absolutamente inimputével a ‘qualquer um dos seus membros: a ordem & produto da ago, e niio da vontade. O axioma de Adam Fergunson *¥ passou a constituir a base do espontaneismo hayekano. © construtivismo de Campos Sales ¢ evidente quando se consi- deram os valores do seu modelo: aversio as paixdes, a0 turaulto da capital da Repiblica, aos partidos, enfim, a tudo aquilo que designa movimento, espontaneidade e incerteza. Dai sua obsessio_por um Estado mergulhado no ideal cientifico de administragao, infenso as ambigGes e, Como ele gostava de dizer, & “perfidia das reservas mer tais”. Mas apesar de seu componente construtivista Campos Sales foi obrigado a lidar com a. conformagao espontanea da ordem. brasileira: 8 proliferagio dos poderes locais, a dificuldade histérica por parte das elites em discriminar entre o que é piblico e privado, quando se 16 trata de administrar os recursos do Tesouro ¢ uma ética social que, jé na época, se configurava como predatéria. Em suma, tudo aquilo que Faoro admiravelmente resumiu com a seguinte férmula: a uigdo natural do poder. Desta forma, creio que este livro poderd ser tido alegoricamente, como um estudo de caso a respeito da eroséo inevitével da razio construtivista, diante da espontaneidade social, entendida como o conjunto das ages humanas cujos efeitos escapam no designio dos mortais e, talvez, dos imortais. Esta possibilidade de Ieitura poderd atrair, portanto, além dos estudiosos da histéria potitice brasileira, aqueles que, como eu, esto assolados por erescentes taxas de enfado com este Pafs contrafactual, ‘Algumas palavras sobre a estrutura do livro. No primeiro capftulo apresentarei 0 legado“imperial brasileiro, bem como os limites das reformas que foram propostas pelas elites, com 0 objetivo de carac- terizar 0 conjunto de instituigdes e procedimentos de regulagdo dos conflitos, vetados pelo’ golpe republicano de 1889. A partir da utili zagio da idéia arendtiana de banalidade, tentarei demonstrar ainda que o momento historicamente grandioso da derrubada de um regime septuagendrio néo implica de modo necessério existéncia de atores grandiosos. Como se veré, ages banais © superficiais podem confi- gurar momentos draméticos e alterar drasticamente o leque de alter. nativas abertas para o futuro. © segundo capitulo trataré dos primeiros anos do novo regime, concentrando-se nos governos de Deodoro da Fonseca ¢ Flotiano Pei- xoto, Trata-se de um ensaio que tentard extrair da idéia de entropie, alguma utilidade analftica para lidar com ‘tiomentos dé alta incerteza. Esse capitulo procuraré estabelecér"ofato. de_que.o_comportamento dos atores, mesmo quando voltados para reduzir a instabilidade, acaba Por gerar cada vez mais incerteza e ingovernabilidade. ‘A primeira parte do: livrose encerra com 0 terceiro capitulo, que trataré do periodo de governo de Prudente de Moraes (1894/ 1898). Perfodo marcado ainda por enorme dose de caoticidade, a des- peito da progressiva retrago de segmentos militares ¢ jacobinos, com maiores afinidades autoritérias. O capitulo enfatizaré as dificuldades de institucionalizagéo plena da RepGblica, apesar da Vigéncia da Cons tituigo de 1891. Os dois primeiros capitulos da segunda parte tratarh exclusive mente da formulagdo ¢ das caracteristicas do Modelo Campos Sales. primeiro deles, o quarto do livro, descreverd a montagem do governo a

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