Setembro/ 2009 - O Pós Moderno canto da sereia: breves
considerações
(Caio Andrade Bezerra da Silva)*
Os mais elevados ideais, que nos movem
com mais vigor, sempre são formados na luta com outros ideais que são tão sagrados para os outros quantos os nossos são para nós.
Max Weber
Há duas décadas era lançada a obra prima do geógrafo britânico
David Harvey, “Condição Pós-Moderna”. Diante do atual quadro no qual a moda do pós-modernismo seduz, como um canto de sereia, uma significativa parcela da intelligentzia tupiniquim, importa intensificar o debate e a reflexão crítica acerca das importações culturais e científicas realizadas em relação às vitrines parisienses e etc. Evidentemente, o valor da produção acadêmico-científico-cultural européia é inestimável e, se eu não as considerasse assim, as referências do velho continente por mim utilizadas configurariam grave condição de incoerência. Não é por isso, contudo, que devemos simplesmente aceitar de forma acrítica, típica dos cérebros colonizados, qualquer flatulência mental aventada no “primeiro mundo”.
Nessa linha, portanto, a idéia central da obra ora destacada é que
desde o início da década de 1970 vem ocorrendo mudanças significativas nas práticas culturais, políticas e econômicas das sociedades, as quais apontam para
“algum tipo de relação necessária entre a ascensão de formas
culturais pós-modernas, a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de ‘compressão do espaço-tempo’ na organização do capitalismo. Mas essas mudanças, quando confrontadas com as regras básicas da acumulação capitalista, mostram-se mais como transformações da aparência superficial do que como sinais do surgimento de alguma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós-industrial inteiramente nova” (Harvey, 2003, p. 7)
na qual , eu ousaria completar, o trabalho e as classes sociais não mais
teriam uma importância central.
Daí decorre o questionamento:
“...que é esse pós-modernismo de que muitos falam agora?
Terá a vida social se modificado tanto a partir do início dos anos 70 que possamos falar sem errar que vivemos numa cultura pós-moderna? Ou será simplesmente que as tendências da alta cultura deram, como é de seu feitio, mais uma circunvolução e que as modas acadêmicas também mudaram sem um único vestígio ou eco de correspondência na vida cotidiana dos cidadãos comuns? (...) Com efeito, ocorreram grandes mudanças nas qualidades da vida urbana a partir de mais ou menos 1970. Mas determinar se essas mudanças merecem o nome de pós-moderno é outra questão.” (idem, p. 18).
De fato, a não adesão ao pós-modernismo nem de perto significa
que a adesão ao modernismo é automaticamente verdadeira. Ocorre que a disputa entre modernidade e pós-modernidade interessa muito mais aos pensadores burgueses que a outrem. Nesse sentido, registramos aqui nossa discordância a respeito dos mais extremos postulados modernistas e pós- modernistas proferidos tanto por intelectuais da elite como por intelectuais considerados de esquerda, em suas convicções exageradas: por parte dos piores setores dentre os modernistas, refutamos a visão monótona, tecnocêntrica, racionalista, eurocêntrica, sexista e até racista,... Além disso, o positivismo; a crença no progresso linear, nas verdades absolutas; no planejamento autocrático de ordens sociais ideais, na alienação das subjetividades em nome de uma coletividade imposta; na padronização do conhecimento e da produção (Ibidem, p. 19).
Tudo isso vem sendo firme e corajosamente combatido, direta ou
indiretamente, pelos movimentos sociais populares do mundo, nos últimos 30 ou 40 anos cada vez mais organizados quantitativa e qualitativamente, pelas mais variadas escalas (local, regional, global, etc.), com avanços expressivos obtidos pelo caminho e muitos outros ainda por conquistar.
Por outro lado, no extremo oposto, protagonizado pelos piores setores
dentre os pós-modernistas, deve-se ter bastante cuidado com: a excessiva fragmentação das representações sobre a realidade, das idéias, das práticas, dos sujeitos, etc.; a indeterminação absoluta, a rejeição de qualquer idéia mais totalizante; a elevação da gama heterogênea dos estilos de vida e do jogo das linguagens em detrimento da centralidade do trabalho e das classes sociais; a teatralização da vida real (e seus atores, com múltiplos papéis, nos mais diversos cenários...); a atribuição das injustiças sociais aos indivíduos que operam ora como vilões, ora como heróis, na sua magia distintiva que constituiria a tragicomédia da “realidade” em detrimento da compreensão lógica do sistema capitalista e, conseqüentemente: da apropriação privada dos meios de produção; do imperialismo; da dominação de classe e da exploração do trabalho; da vitória ideológica que a burguesia, núcleo das classes dominantes, tem perpetrado até então com o controle das mídias comerciais, da influência majoritária no estado e seus aparelhos de repressão, no poderes executivo, legislativo e judiciário, etc.
Decerto, muitos nos acusarão de marxistas ortodoxos, o que
certamente se revela, de antemão, um faniquito esperado, confirmado e explicado (agora notadamente em tom irônico) na própria epígrafe do presente artigo, o qual, muito modestamente, não deixa de ser um desabafo textual (mas não é nada pessoal). Claro que Marx não é um deus e nem o marxismo é ou não deveria ser, portanto, uma religião com seus dogmas e fiéis. Por isso, quando o marxismo for superado, estaremos prontos para entender as novidades. Enquanto isso, seguimos lutando para
“criar um modo de produção e vida profundamente distinto do
atual (...) A construção de um modo de vida dotado de sentido recoloca, neste início de século XXI, a necessidade imperiosa de construção de um novo sistema sociometabólico, de um novo modo de produção baseado na atividade autodeterminada, na ação dos indivíduos livremente associados (Marx) e em valores para além do capital. A atividade baseada no tempo disponível para produzir valores de uso socialmente úteis e necessários – contrária à produção baseada no tempo excedente para a produção exclusiva de valores de troca para a reprodução do capital – torna-se o vital.” (Mészáros, 2009, p. 16).
Saudações socialistas!
* Caio Andrade Bezerra da Silva é estudante de geografia pela UERJ e
militante do Núcleo Estudantil de Apoio à Reforma Agrária. SUGESTÕES DE LEITURA:
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 12 ed. São Paulo: Edições Loyola,
2003.
MÉSZÁROS, István. A Crise Estrutural do Capital. São Paulo: Boitempo, 2009.