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Alexis SALUDJIAN

DEBATE

O capitalismo nasceu e permanece mundial

Alexis SALUDJIAN1
autores liberais como o melhor exemplo

O texto de Xabier Montoro, titula-


do El Euro, caballo de Troya del
FMI en Europa, publicado nesta
de uma integração bem sucedida, permi-
tindo o aumento do Produto Interno Bru-
to (PIB), per capita e um aumento do ní-
revista trata de um tema de grande im- vel de vida da população desse país. Au-
portância não unicamente para os eco- tores ligados à heterodoxia econômica
nomistas da Espanha e da Europa, mas (keynesianos ou políticos favoráveis a
para todos os pesquisadores críticos das uma maior intervenção estatal) chegaram
ciências sociais. Após discutir o texto so- a discutir a orientação liberal do projeto
bre a Europa (parte 1), apresentaremos da União Europeia, mas sempre no marco
alguns elementos que também são rele- do desenvolvimento capitalista. O texto
vantes para analisar o caso latino ameri- de Xabier Arrizabalo Montoro aponta pa-
cano (parte 2). ra uma crítica profunda, mais frontal con-
tra o liberalismo, e também contra a for-
1 Espanha e a integração Europeia
ma capitalista da integração europeia
Durante décadas o caso da integração da desde os anos 1950. A Espanha entrou
Espanha (e outros países como Portugal, tardiamente na União Europeia (UE), em
Grécia, Irlanda) foi apresentado pelas ins- 1986, e a sua forma da integração foi vista
tituições oficiais (Comissão Europeia) ou como um exemplo bem sucedido de ex-
pansão da UE e da capacidade da Europa
promover um desenvolvimento para paí-
ses menos industrializados.
1Professor do Instituto de Economia na Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil). O texto critica essa ideia comum e aponta
Email: <saludjian@ie.ufrj.br>. Página internet:
elementos analíticos consistentes tratan-
http://www.ie.ufrj.br/hpp/mostra_nsi2.php?idprof
=110. Membro da Sociedade Brasileira de Econo- do, a partir dos textos originais da criação
mia Política (SEP). Doutorado em Economia pela da UE (Tratados, etc...) e de uma análise
Université Paris 13 (Paris, França). Pós-doutorado
na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, marxista (discutindo a Lei da Tendência à
Brasil). Pesquisador associado Université Paris 13, Queda da Taxa de Lucro), das temáticas
Centre d'Economia de Paris Nord – CEPN/CNRS
da dívida, da soberania nacional e do pa-
(Paris, França).
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Argumentum, Vitória (ES), v. 5, n. 2, p.38-43, jul./dez. 2013.
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pel de instituições como o Fundo Mone- respondência perfeita entre as formas da


tário Internacional (FMI) e da Moeda organização do capital e a forma do Esta-
Única (Euro). Com essa análise, Xabier do? Certamente o debate convencional
Montoro consegue mostrar como o obje- (seja ele mais liberal ou mais estatista)
tivo - muitas vezes apresentado pelos não aborda esses temas nem os considera,
apoiadores do desenvolvimento da UE - devido à mobilização quase absoluta das
não se sustenta, ainda mais com a pro- “leis do mercado” e as vantagens compa-
fundidade (econômica, política, e, sobre- rativas da “ciência” econômica neoclássi-
tudo, social) e a duração da crise na UE, ca - maximizadora de “utilidade”. Em ci-
especialmente nos países como Espanha, ências sociais, acreditar em milagre (o mi-
Portugal ou Grécia. A integração à UE lagre do boom da Espanha depois de inte-
desses países significou o avanço do capi- grar a UE) é quase sempre sinônimo de
tal sobre o trabalho e o empobrecimento ignorância ou pelo menos de um desco-
de seus trabalhadores e, também, do con- nhecimento culpável quando não interes-
junto dos países da UE (seja através da sado.
renda ou tomando em consideração a re-
Ainda que o papel do FMI seja correta-
dução/degradação de diretos sociais). Xa-
mente apresentado por Xabier Montoro
bier Montoro aponta, também correta-
no texto, não podemos esquecer da res-
mente, a importância de tratar a constru-
ponsabilidade dos autores e atores lo-
ção da UE em suas dimensões política e
cais/nacionais. Novamente o texto de Cé-
estratégica com relação a Organização do
dric Durand apresenta elementos interes-
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e ao
santes que poderiam complementar a crí-
capitalismo norte americano. Em outro
tica à promoção do desenvolvimento ca-
livro publicado recentemente sobre a
pitalista da UE. O ordoliberalismo, cor-
mesma temática e com a mesma visão crí-
rente teórica do neoliberalismo, aparecido
tica da UE, Cedric Durand2 apresenta o
na Alemanha nos anos 1930, promovido
debate realizado no início dos anos 1970,
por Ludwig Erhard, primeiro ministro da
entre dois autores marxistas (E. Mandel e
economia da República Federal da Ale-
N. Poulantzas). A construção europeia é o
manha (RFA) no pós-segunda Guerra
resultado de uma rivalidade interimpe-
Mundial, foi homenageado por Mario
rialista entre o capital (e os capitalistas)
Draghi, então presidente do Banco Cen-
de diversos países europeus e o capital (e
tral Europeu (Ver DURAND, 2013, p. 25 e
os capitalistas) dos EUA? Existe uma cor-
29). Essa visão do liberalismo promove a
independência política do Banco Central
2 Durand (2013). Ver o primeiro capitulo: In- e a “economia social de mercado” e deve
troduction: Qu'est-ce que l'Europe ?, p. 7-47.
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muito às teses de F. Hayek, como nota o rado nesse projeto de Constituição Euro-
Durand (2013, p. 28). peia, foi aprovado por voto no Parlamen-
to francês (Assembleia Nacional e Senado
Como aponta Xabier Montoro, a moeda
reunidos). Certamente a soberania dos
única parte dos mesmos princípios da
povos está sendo desprezada e as “elites
“ciência” econômica neoclássica (R.
europeístas” (Comissão Europeia, Banco
Mundell) e a criação ex-nihilo dessa moe-
Central Europeu, assim como os lobbies
da beneficiou muito mais o capital do que
atrás do liberalismo europeu) se apoia-
os trabalhadores. O trabalho foi a variável
ram no FMI para impor a sua visão. Mas
de ajuste, escreve corretamente Durand
as elites locais também tem um papel im-
(2013). As regras de “convergência” para
portante.
poder utilizar essa moeda fizeram do
“equilíbrio orçamentário” um fetiche (ver 2 Espanha/UE e América latina
na terceira parte do texto de Xabier Mon-
A crítica de Xabier Montoro ao tipo de
toro) para justificar cortes nos direitos so-
integração econômica na Europa é justifi-
ciais adquiridos ao longo de décadas de
cada e bem argumentada no texto. Final-
lutas sociais e políticas. Com esse fetiche,
mente, podemos apresentar alguns ele-
o peso da dívida e a fragilidade macroe-
mentos de comparação entre os processos
conômica voltam ao centro do debate dos
de integração na Europa e na América
ortodoxos e justificam/legitimam os cor-
Latina. Já no ano 2000, um seminário in-
tes sociais3. O texto também critica corre-
ternacional organizado em Paris (França),
tamente como a moeda única, o Tratado
pelo Grupo de Pesquisa sobre o Estado, a
de Maastricht e o Pacto de Estabilidade e
Internacionalização das Técnicas e o De-
crescimento foram impostos pelas elites
senvolvimento (GREITD), discutia justa-
políticas negando a soberania dos povos
mente a importância da comparação entre
de vários países. Por exemplo, o povo
regiões (América latina, África, Ásia, e
francês rechaçou com 54,9%, por referen-
Europa) para entender o processo de
dum, o projeto de Constituição Europeia
mundialização do capital e as suas conse-
em 2005 que tentava institucionalizar a
quências sociais em escala global4.
Europa liberal (isso também aconteceu na
Holanda). Porém, poucos anos mais tar- O processo de liberalismo na América La-
de, em 2008, o Tratado de Lisboa, inspi- tina durante a década de 1990 teve impor-
tante consequências sociais (pobreza e
3Sobre a lógica da dívida ver os artigos e dados
indigência em todos os países do subcon-
nas páginas do Comité para a Anulação da Dívida
do Terceiro Mundo (CADTM) e do Observatório 4Ver a apresentação geral do seminário
Internacional da Dívida (OID). (COLLOQUE..., 2013).
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tinente) e o seminário chamava a atenção O fato de se espalhar a ideia de que “Es-


sobre as lições dessa etapa neoliberal do panha vai bem” um pouco antes de uma
desenvolvimento capitalista para além da crise tão profunda acontecer é outro
região latino-americana. Nesse mesmo exemplo em que a comparação é relevan-
período, o processo de integração econô- te. Nos anos de 1970, chegou a se falar em
mica no subcontinente avançou com a “milagre brasileiro”, mas poucos anos
criação do Mercosul (1991) e a promoção depois o país entrou em crise. Em 1994,
do Regionalismo Aberto5. A promoção numa cúpula da Organização dos Estados
desse tipo de integração econômica segue Americanos (OEA), o então Presidente
os mesmos objetivos de economia de Argentino C. Menem (peronista, liberal)
mercado e de promoção do liberalismo era homenageado como o melhor aluno
comercial. Supostamente, esse tipo de in- do FMI na região. Poucos anos depois, o
tegração econômica devia promover o país entrava numa crise brutal (dezembro
crescimento e a proteção contra os cho- de 2001) da qual pena a sair até hoje. Mais
ques externos. Esses objetivos são muito recentemente, o Brasil foi muitas vezes
semelhantes aos da UE. apresentado como o exemplo bem suce-
dido, em fóruns internacionais (Davos,
Claro que não se trata de comparar sime-
Organização das Nações Unidas e até em
tricamente o caso da América Latina e da
instituições financeiras internacionais).
Europa (nível de desenvolvimento das
forças produtivas), mas as justificativas Certamente a desigualdade diminuiu
econômicas foram as mesmas. Ainda que desde o final da década dos 1990, mas
a proposta de “nova integração latino- ainda é arriscado apresentar o Brasil co-
americana” a partir da CELAC6, feita em mo se todos os seus problemas tivessem
janeiro de 2014, apresente diplomatica- sido solucionados tão rapidamente. As
mente a vontade política de repensar a estruturas econômicas e sociais, as forças
integração latino-americana, ainda falta produtivas não se transformam na mes-
muito para que ela se torne uma proposta ma velocidade que uma equação de um
de desenvolvimento alternativa ao capita-
lismo7 e não uma mera declaração de bo-
as intenções.
productivo, en armonía con la naturaleza, en
aquellos ámbitos en los que podemos construir
sinergias, particularmente en áreas como la ener-
5 Ver Saludjian (2005). gía, infraestructura, el comercio intrarregional, la
6 Ver II Cúpula...(2014). producción de alimentos, las industrias interme-
7 Ver o ponto 5 da declaração de Havana : « 5. dias, las inversiones y el financiamiento, con el
Promovemos una visión de desarrollo integral e propósito de alcanzar el mayor desarrollo social
inclusivo, que garantice el desarrollo sostenible y para nuestros pueblos.»
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modelo neoclássico, nem no Brasil nem Esses são só alguns elementos que mos-
na Espanha. tram como o texto de Xabier Montoro é
relevante para a discussão crítica sobre os
Outra lição interessante tem a ver com a
processos de acumulação tanto na Europa
questão da dominação da Alemanha (e da
quanto na América Latina. O capitalismo
França em menor escala) sobre países da
nasceu e permanece mundial9.
União Europeia como Espanha, Portugal
e Grécia. Essa tensão dentro do mesmo Referências
processo de integração econômico lembra
as tensões que existem entre Brasil e os AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA.
Brasília. Disponível em:
outros sócios do Mercosul, o que levantar
<http://www.auditoriacidada.org.br/ >.
o debate do subimperialismo brasileiro na
América Latina. Xabier Montoro fala COMITÉ PARA A ANULAÇÃO DA
acertadamente, na sua segunda seção, de DÍVIDA DO TERCEIRO MUNDO. [20--].
subordinação europeia ao imperialismo Disponível em:
norte americano. Mas poderia também <http://cadtm.org/Portugues>.
discutir a dominação entre certos países
DURAND, Cédric (Org.). En Finir avec
da UE e o subimperialismo intraeuropeu.
l'Europe. Paris: Ed. La Fabrique, 2013.
As discussões sobre o equilíbrio fiscal na
GREITD, Presentation, COLLOQUE
Europa lembram a discussão sobre o su-
MONDIALISATION ÉCONOMIQUE
perávit primário e o cumprimento da Lei ET GOUVERNEMENT DES SOCIÉTÉS
de Responsabilidade Fiscal (1998) no Bra- : L’AMÉRIQUE LATINE, UN
sil. O peso dos pagamentos da dívida LABORATOIRE ?, 2000, Paris. Paris:
continua representando mais de 40% do GREITD, l’IRD et les Universités de Paris
orçamento do Governo Federal, em 20138. 1 (CRI-IEDES), Paris 8 et Paris 13, 2000.
Disponível em:
Nesse caso, não é o FMI quem impõe es-
<http://greitd.free.fr/presentationcolloque
sas medidas, mas diretamente o Estado
.html >.
brasileiro respeitando os interesses do lo-
bby financeiro. As regras de Maastricht e OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL
o Consenso de Washington apontam para DA DÍVIDA. [2005]. Disponível em:
a mesma direção: uma direção socialmen- <http://www.oid-ido.org/>.
te inaceitável.

9 Ver alguns elementos de reflexão sobre esse


8 Ver os estudos da Auditoria da Dívida Cidadã tema a partir de K. Marx em : Saludjian e outros
(2012). (2013) e Saludjian (2014).
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Argumentum, Vitória (ES), v. 5, n. 2, p.38-43, jul./dez. 2013.
O capitalismo nasceu e permanece mundial

SALUDJIAN, A. Del Mercosur al ALCA:


críticas al modelo liberal de Nuevo
Regionalismo de la BID. Problemas del
Desarrollo, v.36, p.9, 2005.

SALUDJIAN, A., GUIMARÃES, A.,


MIRANDA , F., CORRÊA, H.,
CARCANHOLO, M., Marx’s theory of
history and the question of colonies and
non-capitalist world. Textos para
Discussão do Instituto de Economia da
UFRJ, 2013. Disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/t
d_ie_015_2013.pdf

SALUDJIAN, A. Leis de funcionamento


do capital, níveis de abstração e
economia mundial no Capital de K.
Marx: Alguns elementos de reflexão.
Textos para Discussão do Instituto de
Economia da UFRJ, 2014. Disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/ie
_td_001_2014.pdf

II CÚPULA da CELAC – Declaração de


Havana: nota à imprensa nº 26. 30 jan.
2014. Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-
imprensa/notas-a-imprensa/ii-cupula-da-
comunidade-de-estados-latino-
americanos-e-caribenhos-celac-2013-28-e-
29-de-janeiro-de-2014-2013-declaracao-
de-havana>.

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