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O nascimento da crítica de arte moderna: Kant e o Romantismo

Pedro Duarte de Andrade


(Professor de Filosofia da PUC-Rio)

Walter Benjamin foi quem decifrou, no século XX, o nascimento do conceito


moderno de crítica de arte ocorrido no romantismo alemão no fim do século XVIII.
Ele justifica o uso da palavra “crítica” pelo seu significado na filosofia de Kant, onde
ela devia escapar, de um lado, da pretensão do dogmatismo e, de outro, do perigo do
ceticismo. Por sua vez, os primeiros românticos transportam tal solução filosófica
geral para o dilema particular da arte entre neoclássicos e pré-românticos: “aquela
tendência poderia ser considerada como dogmática, esta, em suas conseqüências,
cética; então era totalmente natural ambas consumarem a superação na teoria da arte
sob o mesmo nome com que Kant, na sua teoria do conhecimento, aplainou aquela
oposição”1. Na medida em que o neoclassicismo acreditava na verdade absoluta de
suas regras para a arte, válidas para qualquer tempo e lugar, ele se tornava dogmático,
enquanto o pré-romantismo, descrente dessa possibilidade, refugiava-se ceticamente
nas particularidades do sujeito criador. Já sobre o romantismo, Benjamin afirma:
“com respeito ao primeiro ponto, ele venceu as tendências do racionalismo; com
respeito ao segundo, os momentos destrutivos do Sturm und Drang”2. Friedrich
Schlegel, líder do primeiro romantismo, devia ter em mente o neoclassicismo e o pré-
romantismo do Sturm und Drang, respectivamente, ao reclamar, naquela época, que
“quase todos os juízos artísticos são universais demais ou específicos demais”3.
Nem prescrições universais e, tampouco, a subjetividade específica: qual é,
enfim, o centro do conceito de crítica de arte do romantismo alemão? É a obra. Essa
resposta deriva da concepção da criação genial, já que esta não se faria pela intenção
subjetiva do autor empírico e nem pela obediência a prescrições. Logo, a crítica
jamais procederia como avaliação da obra, já que ela não teria parâmetros prévios de
julgamento. Tampouco poderia ela apelar para a explicação do artista sobre a criação,
pois, avisava Kant, o gênio “não pode descrever ou indicar cientificamente como ele
realiza sua produção”4. Não é ele que fala, e sim a obra. “Tudo deve ser poetizado, de
modo algum como intenção dos poetas, mas como tendência histórica das obras”5,
dizia Friedrich Schlegel. Portanto, quem fala é a obra. Foi o que percebeu Benjamin.

Pois o conceito de crítica de Schlegel não conquistou apenas a liberdade com relação
às doutrinas estéticas heterônimas – antes, ele possibilitou isto, pelo fato de ter posto
um outro critério de obra de arte que não a regra: o critério de uma determinada
construção imanente da obra mesma. (…) Desta maneira, ele assegurou, do lado do
objeto ou da conformação, aquela autonomia no campo da arte que Kant, na crítica
desta, havia conferido ao juízo.6

1
Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão (São Paulo, Iluminuras, 1999),
p. 60.
2
Ibidem, p. 79.
3
Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (São Paulo, Iluminuras, 1997), p. 74 (Athenäum, Fr.
167).
4
Ibidem, p. 153 (182).
5
Ibidem, p. 89 (Athenäum, Fr. 239).
6
Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão (São Paulo, Iluminuras, 1999),
p. 79-80.
Nesse sentido, os românticos desdobraram o pensamento estético de Kant. Ele
firmara a autonomia do sentimento estético em geral, desde então protegido quanto ao
julgamento prévio a partir de critérios extrínsecos – cognitivos, morais, políticos,
pragmáticos e ideológicos. Friedrich Schlegel acentuava a aplicação deste preceito
especificamente para a arte. Ele continuava o legado de Kant mas, ao mesmo tempo,
transformava-o. Saía-se, assim, do âmbito do juízo estético entendido apenas como
sentimento, que não faz distinção entre o belo natural e o belo artificial, para entrar na
filosofia da arte e, no caso dos primeiros românticos, mais especificamente na crítica
de arte compreendida filosoficamente. Benjamin afirma que “neste contexto pode-se
indicar sem dificuldade uma diferença entre o conceito kantiano de juízo e o
romântico de reflexão: a reflexão não é, como o juízo, um procedimento subjetivo
reflexivo, mas, antes, ela está compreendida na forma-de-exposição da obra”7.
Nesse aspecto, os primeiros românticos adiantam o problema que, depois,
Hegel atribuíria diretamente à estética de Kant, a saber, seu subjetivismo. Tanto a
obra deve ser compreendida na sua objetividade efetiva quanto, por conseqüência, seu
acolhimento deve ser crítico, e não somente no sentimento do sujeito – é o que
defendem os primeiros românticos. Friedrich Schlegel escreveu, com ironia, que, “se
muitos amantes místicos da arte, que consideram toda crítica como desmembramento
e todo desmembramento como destruição da fruição, pensassem conseqüentemente,
então ‘oh!’ seria o melhor juízo artístico sobre a obra de arte mais apreciável” 8. Ele
defende, portanto, que a arte suscite algo mais do que a admiração estupefata. Para
servir à obra, a crítica não pode ser servil a ela. Por isso, se “sempre se fala da
perturbação que a dissecação do belo artístico provoca na fruição do amante”, é bom
lembrar que “o verdadeiro amante não se deixa perturbar assim”9.
Nessa medida, os primeiros românticos avançam da contemplação
desinteressada da estética de Kant para a produtividade da reflexão crítica,
acentuando, como o próprio Kant já anotara, que essa experiência não precisa fechar
cada sujeito sobre si mesmo, mas pode, pelo contrário, fundar sua comunicação.
Interesses privados suspensos, sentimo-nos à vontade para discutir, pois supomos
poder partilhar a experiência estética em algum tipo de sentido comum com os outros.
Essa partilha, podemos arriscar, é o que se efetiva na crítica, desde que aí os
fenômenos estéticos “nos surpreendem e nos fazem falar”10, como observou Luiz
Camillo Osório. Kant estava na base do conceito romântico de crítica.
Benjamin, em suas cartas, observou que “somente desde o romantismo, a
seguinte visão tornou-se predominante: que uma obra de arte em si e para si, sem
referência à teoria ou à moral, poderia ser compreendida apenas pela contemplação, e
que a pessoa que a contempla pode lhe fazer justiça”, confessando: “eu teria que
provar que, a este respeito, a estética de Kant constitui a premissa fundamental da
crítica de arte romântica”11. Foi só a partir da interpretação da estética de Kant que os
primeiros românticos alemães puderam tratar a obra de arte fora dos marcos que
buscavam compreendê-la através de regras externas. Friedrich Schlegel, na esteira de
Kant, afirma que a poesia “é um discurso que é sua própria lei”12.
Não seriam admissíveis leis fixadas a priori para julgar as obras de arte. É a lei
da própria obra que deve dirigir os esforços críticos, na sua singularidade. Noutras
7
Ibidem, p. 94.
8
Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (São Paulo, Iluminuras, 1997), p. 29 (Lyceum, Fr. 57).
9
Ibidem, p. 57 (Athenäum, Fr. 71).
10
Luiz Camillo Osório, Razões da crítica (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005), p. 23.
11
Walter Benjamin, The Correspondence of Walter Benjamin, 1910-1940 (Chicago, The University of
Chicago Press, 1994), p. 119.
12
Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (São Paulo, Iluminuras, 1997), p. 30 (Lyceum, Fr. 65).
palavras, não se trata de julgar as obras tendo como parâmetro o ideal geral ao qual
todas devem obedecer, e sim de criticá-las tendo em vista o ideal que cada uma, em si
e para si, formula individualmente. Por isso, Benjamin afirma que “apenas com os
românticos se estabelece de uma vez por todas a expressão ‘crítico de arte’ em
oposição à expressão mais antiga ‘juiz de arte’”, já que, agora, “evita-se a
representação de um tribunal constituído diante da obra de arte, de um veredicto
fixado de antemão”13. Era o que dizia August Schlegel.

Costumam chamar a si mesmos de crítica. Escrevem de modo frio, superficial,


altaneiro e (…) insípido. Natureza, sentimento, nobreza e grandeza de espírito
absolutamente não existem para eles e, no entanto, procedem como se pudessem
convocar tais coisas perante seus tribunaizinhos. Imitações da antiga mania de
versificação do mundo elegante francês são a meta suprema de sua tépida admiração.
Correção é para eles sinônimo de virtude.14

Novamente, Kant antecipara, ainda que de forma vaga, que só a correção seria
pouco para fazer surgir o verdadeiro sentimento estético e, portanto, pouco também
para fazer surgir a arte. Seus exemplos a este respeito são bem diversos, porém todos
assentam-se sobre o denominador comum de que jamais deveriam ser julgados a
partir do que têm de censurável ou não. Censurável seria o que não é correto, ou seja,
o critério de postura policial vigilante que, adotado em geral pelo neoclassicismo
estético, era recusado por Kant e, depois, pelos românticos.

Diz-se de certos produtos, dos quais se esperaria que devessem pelo menos em parte
mostrar-se como arte bela, que eles são sem espírito, embora no que concerne ao
gosto não se encontre neles nada de censurável. Uma poesia pode ser
verdadeiramente graciosa e elegante, mas é sem espírito. Uma história é precisa e
ordenada, mas sem espírito. Um discurso festivo é profundo e requintado, mas sem
espírito (…); até de uma mulher diz-se: ela é bonita, comunicável e correta, mas sem
espírito.15

Nem juiz e tampouco algum tribunal poderiam compreender as obras de arte,


já que não é a sua correção que está em jogo, ao menos não no sentido estreito que
supõe que ela possa ser verificada por algum código exterior de regras. Pois “no
sentido mais nobre e original da palavra correção, visto que significa cultivo
intencional e desenvolvimento complementar do que há de mais íntimo e ínfimo na
obra conforme o espírito do todo, reflexão prática do artista, nenhum poeta moderno
seria mais correto do que Shakespeare”16, comenta Friedrich Schlegel. Shakespeare
estava errado de acordo com o cânone classicista, mas correto tendo em vista a
construção endógena de sua obra. Com isso, Schlegel falava de outro tipo de
correção, cujo critério é estabelecido pela própria obra, e não de fora dela por algum
suposto tribunal absoluto capaz de julgá-la.
Para tanto, era fundamental a autonomia da estética formulada por Kant e
aplicada à arte, pois a operação do conhecimento, por exemplo, era descrita pelo
próprio Kant com a metáfora do tribunal, da qual os primeiros românticos buscam se
13
Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão (São Paulo, Iluminuras,
1999), p. 60.
14
Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (São Paulo, Iluminuras, 1997), p. 81 (Athenäum, Fr.
205).
15
I. Kant, Crítica da faculdade do juízo (Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995), p. 158-159
(192).
16
Ibidem, p. 92 (Athenäum, Fr. 253).
afastar. Segundo ele, “é mister que a razão enfrente a natureza (…) a fim de instruir-
se por ela, não como um aluno que aceita docilmente tudo o que o professor lhe dita,
mas como um juiz que, no exercício de sua função, compele as testemunhas a
responder às perguntas propostas por ele”17. Porque buscavam na arte a exatidão da
ciência, os neoclássicos aplicavam a ela os critérios expostos por Kant sobre o
conhecimento, compelindo as obras singulares como se fossem réus julgados por
certa legislação fixada previamente com validade genérica.
Tal procedimento era o que Kant chamava de juízo determinante. Nele, o
princípio ou a lei é dado para subsumir o particular na categoria universal. De posse
das regras, apenas as aplicamos aos casos que aparecem, que no âmbito da arte seriam
as obras. “Porém, se só o particular for dado”, diz Kant, para o qual se “deve
encontrar o universal”, então temos a faculdade “reflexiva”18. Este segundo
procedimento é o que caracteriza a estética de Kant, formulando a situação na qual
certa singularidade nos obriga a pensar a partir dela mesma, sem o amparo de
categorias gerais fixadas de antemão. É a este tipo de reflexão que se filia a crítica de
arte dos primeiros românticos alemães, já que as obras, para eles, eram sempre
singulares. Sua crítica é reflexão sobre a obra, não determinação da obra. Ela não
pode ser preconceituosa, pois não possui conceitos prévios.
Essa postura crítica era decisiva para compreender algo que a modernidade
passou a prezar: o novo. Se as obras pretendem originalidade, a crítica não pode
julgá-las com os parâmetros que já conhece, ou perderia o que trazem de novo. Foi
por isso que, muito tempo depois, Gilles Deleuze buscou dar fim ao “juízo que supõe
critérios preexistentes (valores superiores), e preexistentes desde sempre (no infinito
do tempo), de tal maneira que não consegue apreender o que há de novo num
existente, nem sequer pressentir a criação de um modo de existência”19. É claro que os
primeiros românticos já suspeitavam que o novo podia ser banalizado, mas a
discussão não se encerrava aí. “É novo ou não é: eis a questão que, diante de uma
obra, se faz do ponto de vista mais alto e do mais baixo, do ponto de vista da história
e do da curiosidade”20. Do ponto de vista da história, caberia à crítica assimilar a
novidade das obras, para que diferentes sentidos pudessem nascer daí.
Toda a tarefa de reflexão crítica sobre as obras surge da ausência da escala de
valores prontos para julgá-las. Resta fazer certo “experimento na obra de arte, através
do qual a reflexão desta é despertada e ela é levada à consciência e ao conhecimento
de si mesma”21, diz Benjamin. Logo, a crítica não se situa fora da obra. Ela desdobra o
que a própria obra põe. Ela continua a obra. Tal continuação, porém, não é apenas o
acréscimo da opinião subjetiva deste e daquele crítico de arte. Se as opiniões forem
críticas, elas serão o desenvolvimento da obra conhecendo-se a si mesma. “Na medida
em que a crítica é conhecimento da obra de arte, ela é o autoconhecimento desta; na
medida em que ela a julga, isto ocorre no autojulgamento da obra”22, diz Benjamin.
Nesse sentido, o conceito de crítica de arte do romantismo alemão distancia-se
da prática corrente. Ele não tem qualquer preocupação corporativa com a divisão
entre artistas e críticos, pois ambos devem estar a serviço da obra. Sendo assim, o
17
I. Kant, “Prefácio à segunda edição da Crítica da razão pura”, in Textos seletos (Petrópolis, Vozes,
1985), p. 34 (B XIII).
18
I. Kant, Crítica da faculdade do juízo (Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995), p. 23 (XXVI).
19
Gilles Deleuze, “Para dar um fim ao juízo”, in Crítica e clínica (São Paulo, Ed. 34, 1997), p. 153.
20
Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (São Paulo, Iluminuras, 1997), p. 54 (Athenäum, Fr.
46).
21
Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão (São Paulo, Iluminuras,
1999), p. 74.
22
Ibidem, p. 74.
crítico não descobre o sentido último da obra, pois este, que jamais é último, já é
efetuado pela própria produtividade reflexiva da crítica praticada. No fim das contas,
como observa Benjamin, “este processo só pode ser representado de maneira coerente
através de uma pluralidade de críticos que se substituem, se estes forem não intelectos
empíricos, mas graus de reflexão personificados”23. Não é, portanto, certa pessoa ou
subjetividade que vai cumprir tal processo. É o processo de reflexão que se cumpre
através da crítica e dos críticos. Logo, “não é o crítico que pronuncia este juízo sobre
a obra, mas a arte mesma, na medida em que ela ou aceita em si a obra no medium da
crítica ou a recusa”24, afirma Benjamin.
Se as obras de arte não puderem ser criticadas, nesse sentido especificamente
romântico, não se trataria de arte. Mas é preciso sublinhar que a afirmação só é válida
porque falamos aqui do “fundamento de uma crítica totalmente outra”25, observa
Benjamin. Esta “crítica é, então, de modo totalmente oposto à concepção atual de sua
essência, em sua intenção central, não julgamento, mas antes, por um lado,
acabamento, complemento, sistematização da obra, e, por outro, sua dissolução no
absoluto”26. Ela é o acabamento da obra pois seu fito não é elogiar ou condenar, já que
ela não visa determinar. Seu objetivo é intensificar ou desdobrar, ou seja, refletir.
Fazendo assim, a crítica complementa a obra.
Reconhece-se, assim, que “a obra é incompleta”27, como afirma Benjamin, já
que, por si mesma, não é absoluta. Só que a falta é positiva para os primeiros
românticos, já que “só o incompleto (…) pode levar-nos mais adiante”, enquanto “o
completo é apenas fruído”28, afirma Novalis. Daí a centralidade da crítica. Não é a
fruição estética da obra que está em primeiro plano, e sim a correspondência a ela na
linguagem crítica, que só ocorre porque a obra ainda não é completa por si. “Esta
intensificação de consciência na crítica é, a princípio, infinita”29, afirma Benjamin.
Num fragmento, Schlegel já deixara dito que “uma obra está formada quando
está, em toda parte, nitidamente delimitada, mas é, dentro dos limites, ilimitada e
inesgotável; quando é de todo fiel, em toda parte igual a si mesma e, no entanto,
sublime acima de si mesma”30. Só quando é fiel apenas a si mesma, a obra pode estar,
simultaneamente, acima de si mesma: sublime. Essas palavras provam que à abolição
das regras neoclássicas no campo da arte não corresponde, para os primeiros
românticos, o elogio de subjetividades desenfreadas. É verdade que, diante do artista,
“nenhuma crítica pode ou deve roubar-lhe sua essência mais própria, sua mais íntima
força, para refiná-lo e purificá-lo até uma imagem comum, sem espírito e sem sentido,
como se esforçam os tolos”31. Longe, porém, de atacar a crítica em geral, será
discriminado, então, outro papel para ela, até diante do artista.
Diante do artista, “a elevada ciência da crítica genuína deve-lhe ensinar de
como precisa formar e educar a si mesmo, em si mesmo, e antes de tudo a
compreender toda outra manifestação autônoma da poesia em sua clássica força e
plenitude”, observa Schlegel, “para que as flores e os grãos de espíritos alheios se

23
Ibidem, p. 76.
24
Ibidem, p. 87.
25
Ibidem, p. 85.
26
Ibidem, p. 85.
27
Ibidem, p. 78.
28
Novalis, “Fragmentos I e II”, in Pólen (São Paulo, Iluminuras, 2001), p. 155.
29
Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão (São Paulo, Iluminuras,
1999), p. 76.
30
Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (São Paulo, Iluminuras, 1997), p. 100 (Athenäum, Fr.
297).
31
Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia (São Paulo, Iluminuras, 1994), p. 29.
tornem alimento e semente de sua própria fantasia”32. Se a crítica pode ajudar o
artista, ainda que não dependa disso para se legitimar, é evidenciando que sua obra,
por mais que enverede por caminhos distintos da de outros, pertence ao “grande
oceano universal” no qual “todas as correntes da poesia deságuam”33. Pertence à arte.
Por sua vez, a crítica, enquanto acabamento da obra, situa-se, ela mesma,
dentro do campo da arte, ainda que não exatamente da mesma forma que a obra
primeira. Ela carrega a obra adiante, eleva sua reflexão, potencializa, desdobra. Não
está lá e a obra cá. Ela continua a obra. Para cumprir tal função, a crítica experimenta
transformação decisiva: a partir de agora, “de poesia, também, só se pode falar em
poesia”34, afirma Friedrich Schlegel. Segundo Benjamin, os primeiros românticos
“fomentaram a crítica poética”35. Só assim poderíamos encontrar o dizer que
corresponde ao que a arte é, sem engolfá-la em conceitos prontos: se a poesia
moderna era crítica, a crítica moderna era poética.
Seria possível escutar, aqui, ecos da concepção de Kant do que seria a idéia
estética, presente por exemplo na arte: a “representação da faculdade da imaginação
que dá muito a pensar, sem que contudo qualquer pensamento determinado, isto é,
conceito, possa ser-lhe adequado, que consequentemente nenhuma linguagem alcança
inteiramente nem pode tornar compreensível”36. Não é difícil enxergar na crítica de
arte romântica a tentativa de construção dessa linguagem que não se fecha em
conceitos determinados e acolhe a ausência da transparência compreensiva completa,
para assim corresponder ao que a idéia estética da obra de arte dá a pensar. “Pode
existir um falar de poesia que, não só lhe esteja adequado, mas que ela até exija”, diria
Heidegger tempos depois, alertando que “talvez se possa falar da poesia
poeticamente, o que, todavia, não quer dizer em versos e rimas”37. Não se trata,
portanto, de colocar o crítico para escrever em verso. Pelo contrário, seu elemento
costuma ser a prosa. Mas esta prosa, enquanto tal, é ela mesma literatura. Situa-se
dentro da arte, não fora. Também o crítico é escritor. Ele escreve crítica. Essa
valorização da dimensão da materialidade da escrita na forma de expressão é que dá o
caráter poético da crítica, cujo exercício, então, está menos distante da obra sobre a
qual fala do que, em geral, supomos. “Tanto a poesia como o pensamento se
movimentam no elemento do dizer”38, observaria Heidegger anos depois.

32
Ibidem, p. 29.
33
Ibidem, p. 30.
34
Ibidem, p. 30.
35
Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão (São Paulo, Iluminuras,
1999), p. 77.
36
I. Kant, Crítica da faculdade do juízo (Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995), p. 159 (193).
37
Martin Heidegger, Hinos de Hölderlin (Lisboa, Instituto Piaget, 2004), p. 13.
38
Martin Heidegger, “A essência da linguagem”, in A caminho da linguagem (Petrópolis, Vozes,
2003), p. 146.

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