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Didática: o que é?
Para que serve?
Autores
aula
01
Governo Federal Revisoras de Língua Portuguesa
Presidente da República Janaina Tomaz Capistrano
Luiz Inácio Lula da Silva Sandra Cristinne Xavier da Câmara
264 p.
ISBN 85-7273-279-9
CDU 37
RN/UFR/BCZM 2006/17 CDD 370
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização
expressa da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Apresentação
V
ocê está começando o estudo da disciplina Didática. Mas o que é, afinal de contas,
“Didática”? São “receitas”, ou um conjunto de técnicas para ensinar? Por que o
conhecimento dessa disciplina é importante para a formação de professores? De
que forma ela pode contribuir para o ensino das Ciências Naturais e da Matemática?
Pretendemos que este curso lhe dê subsídios para responder a essas e outras questões.
Para tanto, caracterizaremos o pensamento didático, situando-o no terreno mais amplo da
Pedagogia e abordando aspectos de sua evolução histórica. A seguir, trataremos de temas
e assuntos relacionados às recentes reformas educacionais e aos resultados das pesquisas
das áreas de ensino de Ciências e Matemática. Por fim, discutiremos aspectos da organização
do trabalho dos professores.
Esperamos que a Didática possa contribuir significativamente em sua formação,
ajudando a promover uma reflexão constante sobre o fazer docente.
Além da leitura das aulas e da realização das atividades presentes em cada uma delas,
você também deverá executar certas “Práticas” (assim identificadas ao longo das aulas)
previstas na carga horária total da disciplina.
Objetivos
O principal objeto desta aula é oferecer a você uma visão preliminar
e abrangente sobre a Didática enquanto disciplina pedagógica,
com objeto e temas de estudo próprios. Esperamos, ainda, que
você conheça aspectos da origem histórica do pensamento
didático e seja capaz de perceber a importância dessa disciplina
para a sua formação como professor.
Aula 01 Didática
Caracterizando a Didática
Atividade 1
Aula 01 Didática
Prática
Faça uma breve entrevista informal (munido apenas de um bloco de notas e
uma caneta), com três pessoas diferentes, acerca do significado da palavra
‘didática’. Sugestão: escolha pessoas com vivências e idades diferenciadas,
como, por exemplo, alguém mais velho da família (pai, mãe etc.), um professor
de uma escola pública da sua região e um aluno do Ensino Médio.
Como produto, produza um texto comparando as visões entre si, estabelecendo
semelhanças e diferenças entre elas.
É comum, como vimos nos diálogos da Atividade 1, e como você deve ter percebido
nas entrevistas da Prática, associarmos a palavra ‘didática’ ao ensino, mas quase sempre
como algo (provavelmente, um conjunto de “técnicas”...) que o indivíduo (professor) deve
“possuir”, “ter”. Assim, o bom professor é visto como alguém que “tem didática”, o que
normalmente parece ser uma espécie de “dom natural” ou uma “arte”.
Por outro lado, sabe-se que a disciplina Didática faz parte dos currículos dos cursos
de Pedagogia e das Licenciaturas, sendo, portanto, um conjunto de saberes aparentemente
constituído e sistematizado. Será, então, que ao cursar tal disciplina, o futuro profissional
do ensino passa a “ter didática”, mesmo que não tivesse o “dom”? O que se estuda em tal
disciplina? Qual o seu objeto?
Os pedagogos e teóricos da educação não concordam plenamente entre si quanto a uma
definição de ‘didática’. Mas, isso não é um problema, porque, ao invés de uma “definição”,
busca-se entender a Didática como um corpo de conhecimentos que evoluiu histórica e
socialmente, e que comporta hoje múltiplas compreensões, embora com importantes pontos
em comum.
Vejamos a seguir dois pequenos trechos, de autoria de dois importantes educadores
da área de Didática.
Aula 01 Didática
É importante que não tomemos esses trechos como definições! Os autores citados
procuram caracterizar a Didática ao longo de suas obras, e não apenas com esses trechos!
Ainda assim, é possível caracterizar o “fenômeno ensino” como o objeto de estudo da
Didática enquanto disciplina. Note que isso abre um leque muito grande de temas, assuntos
e conhecimentos específicos que passam a fazer parte do campo da Didática.
Vejamos o porquê.
O ensino é um fenômeno complexo. Ocorre na escola, mas não apenas nela. É uma prática
social, portanto, condicionada por fatores históricos, políticos e econômicos. Considerar o
ensino como objeto de estudo significa, então, em princípio, trazer para o debate todos os
potenciais e reais fatores que podem influenciá-lo e determiná-lo. Desse modo, passa a ser
relevante para a Didática conhecimentos oriundos da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia,
da Política, da Psicologia, entre outras áreas. Mais especificamente, podemos pensar em
“sub-áreas” – como Psicologia da Educação ou História da Educação – que contemplam
saberes de interesse para a Didática. Também estão aí incluídas as metodologias específicas
das disciplinas, por exemplo.
Vemos, assim, que o campo da Didática é muito amplo, no sentido de que essa disciplina
faz uso de uma gama significativamente grande de outros saberes para tentar constituir sua
especificidade. A Didática pode ser vista, nesse sentido, como uma espécie de “disciplina
integradora”, como a Figura 1, a seguir, tenta mostrar.
Psicologia
Sociologia
Psicologia da
Educação
Sociologia da
Educação
DIDÁTICA Metodologia do
Ensino de Ciências
História da
Educação
Filosofia da
Educação
Aula 01 Didática
A Figura 1 é, obviamente, uma aproximação. Além de não esgotar as diversas áreas que
compõem o terreno da Didática, a figura não explicita outros vínculos, como os existentes
entre Sociologia e Psicologia, ou entre essa última e a Filosofia da Educação, por exemplo.
Até aqui vimos que o objeto de estudo da Didática é o ensino, em sua totalidade, e que ela
faz uso de saberes de diversas áreas do conhecimento humano. Poderíamos, então, perguntar:
mais especificamente, o que a Didática vai estudar? Que temas são do seu interesse?
Como “teoria do ensino”, a Didática acaba por preocupar-se com diversos temas e
problemas relacionados ao ensino, por exemplo:
1. o currículo escolar;
7. planejamento do ensino;
Aula 01 Didática
A organização do trabalho pedagógico implica planejamento. O ato de planejar deve
ser compreendido como uma forma de organizar as ações, e não como uma atividade
burocrática. Precisa envolver todos os atores do processo educativo (diretores, professores,
alunos, comunidade escolar) e ser pensado para diferentes níveis e propósitos (planejamento
da escola como um todo, das diferentes séries, das disciplinas etc.). A qualidade e eficiência
do ensino dependem, portanto, de uma boa organização das ações, ou seja, de um bom
planejamento. Daí que o “planejamento do ensino” seja também um tema (ou assunto) da
disciplina Didática.
Atividade 2
Escolha outro item da nossa breve lista de “temas” da Didática (excetuando-
se o 3o e o 7o), justificando por que ele deve ser objeto de preocupação
dessa disciplina. Para tanto, use suas palavras, levando em consideração a
caracterização feita até agora sobre a Didática.
Atividade 3
Aula 01 Didática
Atividade 4
Você deve ter percebido, pela nossa caracterização da Didática, que o rol de conhecimentos
abarcado por essa disciplina pedagógica é muito grande. Isso é muito importante para ser
assinalado, pois é preciso ter consciência que o estudo da Didática não pode se esgotar
apenas num semestre letivo, no conjunto de umas poucas aulas. Ao contrário, o profissional
da educação deve estar em contínuo e constante processo de formação, incluídos aí os
conteúdos dessa disciplina.
Em função disso, o que privilegiar?
Neste curso, especificamente, faremos um recorte particular da Didática. Iniciando
com elementos da história do pensamento didático, privilegiaremos tópicos relacionados
ao ensino na atual conjuntura de reformas educacionais no Brasil. Dada a característica
primordial deste curso – de formação inicial de professores de Ciências da Natureza e
Matemática –, abordaremos, também, tópicos particulares das áreas de Ensino de Ciências
e Ensino de Matemática (aliás, essas áreas detêm conhecimentos específicos dentro da
Didática, a ponto de podermos falar em Didática das Ciências ou Didática da Matemática
como sub-áreas). Mais adiante, trataremos de alguns aspectos do que se costuma chamar
de “Didática instrumental” ou “técnica”.
Aula 01 Didática
Mercantilismo
Doutrina econômica, em
voga no século XVII, que
enfatizava a importância
como disciplina
do Estado em favor da
expansão das exportações
e de seu monopólio
por companhias de
comércio, e da restrição
às importações (Dicionário O ensino e a aprendizagem, como processos sociais, são certamente tão antigos
Aurélio Eletrônico, versão quanto as primeiras sociedades humanas. Na realidade, é possível identificarmos, inclusive,
3.0, Novembro de 1999,
verbete ‘mercantilismo’).
aspectos desses processos em outras espécies animais, além do Homo sapiens.
Reforma No entanto, desde as épocas mais remotas, a ação pedagógica de “ensinar” esteve
Protestante vinculada às tradições de cada povo ou comunidade, à religião e aos rituais, às necessidades
Movimento religioso
práticas, de uma forma mais ou menos espontânea. Desse modo, a “didática” como uma
do começo do séc. atividade planejada e intencional é algo relativamente recente na História. Os teóricos da área
XVI que rompeu com a costumam concordar em situar o “surgimento” da Didática como disciplina no século XVII.
Igreja Católica Romana,
originando numerosas
Vejamos o que diz, por exemplo, Libâneo:
igrejas cristãs dissidentes
(Dicionário Aurélio Na chamada Antigüidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval também se
Eletrônico, versão 3.0, desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades.
Novembro de 1999, Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do
verbete ‘reforma’).
ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de
Heliocentrismo ensinar. (Libâneo, op.cit., p. 57)
Aula 01 Didática
Comenius era um “homem do século XVII”, sintonizado parcialmente com os ideais da
Modernidade que estavam por surgir. Pastor protestante, natural da Boêmia (atual República
Tcheca), considerava a educação como um caminho para a salvação, uma formação para a
vida eterna. “Ser homem” era, para ele, conhecer as coisas do mundo, e não apenas uma
pequena área do saber. Disso decorre a importância do processo educativo tanto para a
criação da identidade individual quanto para a socialização do indivíduo. A educação teria Comenius
como uma de suas finalidades a transformação do indivíduo e da sociedade. Para falar desse autor,
adotaremos como
Em sua Didática Magna, que tinha a pretensão de apresentar a “arte de ensinar tudo a
referência principal o
todos”, ele propõe uma série de princípios e regras que deveriam nortear a educação. Entre trabalho de Kulesza
outras coisas, Comenius defende uma escola para todos, ou seja, a universalização do ensino (1992).
(princípio da igualdade). Além disso, considerava a escola como espaço (locus) privilegiado
Tábula rasa
da educação, e a figura do professor como a do profissional específico e qualificado para a
‘Tábula rasa’ é uma
ação de educar. Preocupou-se em estabelecer princípios para o ensino das ciências e um
expressão muito usada em
planejamento escolar com vários “graus” de ensino vinculados aos graus de desenvolvimento Educação que simboliza
do indivíduo. um estado de vazio
completo da mente. Para
Para Comenius, o conhecimento vem dos sentidos, é trabalhado pela razão e iluminado Comenius, a mente não
pela fé. Em função disso, considera que o conhecimento verdadeiro provém de uma estaria nesse estado de
vazio absoluto antes de
“observação correta” das coisas. Daí que o seu método de ensino – que ele pretendia “claro qualquer experiência, mas
e único” – fosse baseado na observação da natureza e dos fenômenos, no olhar das próprias teria a potencialidade de
coisas e não na consulta aos livros. É por meio dos sentidos que se estabelece o contato moldar-se, ajustar-se às
experiências sensíveis.
entre a natureza e a mente. Esta, por sua vez, não é uma “tábula rasa”, mas “moldável”.
Vemos, assim, que a epistemologia subjacente à proposta comeniana apresenta uma forte Indução
ênfase empirista e sensorialista (nesse terreno, Comenius foi influenciado pelo pensamento Francis Bacon (1561-
de Francis Bacon e pela idéia de “indução”). 1626) procurou, no
alvorecer da ciência
Ainda que várias de suas idéias tenham sido superadas, principalmente no que se refere moderna, estabelecer um
à compreensão psicológica do processo de ensino e aprendizagem, Comenius foi realmente método de investigação
da natureza baseado na
avançado para a época, podendo ser considerado o precursor da Didática como disciplina indução experimental.
pedagógica. Num período em que o catolicismo dominava e a educação católica voltava-se à Para ele, deveria se
formação das classes dirigentes, com privilégio do latim, Comenius propôs a educação para partir da experimentação
para se chegar às
todos e o uso do vernáculo. hipóteses que, testadas,
levariam à formulação
Apesar da Didática Magna só ter sido traduzida para o português em 1954, a obra de
de leis e princípios
Comenius chegou a exercer certa influência no Brasil, ainda no início da República. Autores gerais. Sinteticamente,
como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo interessaram-se por suas idéias que, identificadas o método baconiano
iria da experiência para
com o “método ativo e intuitivo”, foram em parte adotadas pela chamada Escola Nova e
a racionalização, e do
bastante utilizadas no ensino de Ciências. particular para o geral.
Aula 01 Didática
Atividade 5
A partir do que foi apresentado sobre Comenius, tente apontar alguma de suas
idéias e propostas que permanecem atuais, e outras que pareçam superadas.
Justifique sua resposta.
sua resposta
10 Aula 01 Didática
Leituras Complementares
Para que você possa aprofundar seus conhecimentos sobre o tema apresentado nesta
aula, indicamos as referências a seguir.
Penin, S. T. S. O Ensino como “Acontecimento”. Cadernos de Pesquisa, no 98, pp. 14-23, 1996.
Nesse artigo, Sônia Penin analisa o “objeto” da Didática, defendendo que ele seja o
“acontecimento ensino”, em toda a sua extensão e profundidade. Discute as características
da Didática como área do conhecimento em processo de epistemologização. Nessa direção,
defende um rompimento com a epistemologia dominante (oriunda das Ciências Naturais),
pois os parâmetros clássicos da investigação científica não esgotariam o estudo dos eventos
presentes no ensino.
Aula 01 Didática 11
Pimenta, S. G. Para uma re-significação da didática – ciências da educação, pedagogia e
didática (uma revisão conceitual e síntese provisória). In: Pimenta, S. G. (org.). Didática
e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo:
Cortez, 1997.
A autora propõe re-significar a Didática partindo da própria prática docente, rompendo com o
triângulo professor-aluno-conhecimento. Aponta a importância da discussão epistemológica
para a realização dessa tarefa, mas pensada a partir da prática, e não do ponto de vista
teórico. Discute o objeto e o campo de atuação da Pedagogia e da Didática. No caso da
última, defende que sua tarefa seja a de tomar o ensino como prática social e compreender o
seu funcionamento enquanto tal, sua função social e suas implicações estruturais.
Resumo
Nesta aula, você percebeu que a Didática, enquanto disciplina pedagógica, tem
como objeto de estudo o “fenômeno ensino”. Ela não é – como se costuma
pensar – um “conjunto de técnicas para ensinar”, mas constitui-se em um
corpo de conhecimentos amplo e complexo, que abraça saberes de diversas
outras áreas. Por isso, os temas e assuntos que lhe dizem respeito são também
variados e em grande número. Embora o ensino seja algo tão antigo quanto
as primeiras sociedades humanas, a Didática configura-se como disciplina no
século XVII, a partir da obra de João Amós Comenius.
Auto-avaliação
Com base na leitura do texto e nas atividades desenvolvidas por você, faça uma
reflexão sobre o que aprendeu e analise os principais aspectos mencionados
nesta aula, considerando os seguintes itens:
12 Aula 01 Didática
Referências
Candau, V. M. (Org.). A Didática em Questão. Petrópolis: Vozes, 1986.
Aula 01 Didática 13
Anotações
14 Aula 01 Didática
Aula 01 Didática 15
16 Aula 01 Didática