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CURSO DE PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE – MS
2012
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CAMPO GRANDE - MS
2012
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Aprovado em:
COMISSÃO EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por ter desempenhado eficazmente seu papel de me segurar, dando os
instrumentos necessários para enfrentar as situações que chegaram, e que ainda virão.
Ao Rafael, a pessoa que certamente mais teve que agüentar minhas angustias ao longo
destes cinco anos, e que sempre esteve do meu lado mesmo estando longe fisicamente.
À Professora Alexandra, por sua dedicação para que sempre possamos dar o melhor de
nós, por ter me dado a oportunidade de descobrir áreas da psicologia pelas quais me
apaixonei, e sobre as quais ainda pretendo aprender mais.
Aos meus professores, pois cada um deles me apresentou uma possibilidade de olhar o
mundo, me demonstrando que sempre existem várias maneiras de encarar uma situação.
Aos meus colegas, por todas as experiências vividas ao longo do curso, pois também
representam uma parte especial dos meus dias de faculdade, e que cada um com sua própria
personalidade, certamente não esquecerei.
A tudo aquilo que ganhei, mas, sobretudo aos que perdi nesta viagem, perdas que me
fizeram mais forte, e me ensinaram que nunca poderemos preencher um espaço vazio, mas
sempre poderemos fazer desses espaços uma parte do que somos.
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RESUMO
ABSTRACT
Every year born about fifteen million pre-term babies in the world, increasing the need to look
at the conditions which these babies and their mothers establish the first contact, as
corresponding to an increasingly common phenomena in intensive care units. A peculiarity of
preterm birth requires for the mother and her baby to establish a first contact in a hostile
environment for them, and that affects the formation of this primary bond. This study tried to
understand the bond that occurs between mothers and babies who suffer complications on a
situation of preterm born. Participated in this study mothers of children born preterm,
hospitalized in Neonatal Intensive Care Unit, or monitoring by the Program of Assistance to
Development of Preterm Infants of the University Hospital Maria Aparecida Pedrossian at the
Federal University of Mato Grosso do Sul. Since semi-structured interviews conducted in this
context, we could realize the shock that mother and baby suffer in a situation of risk birth,
which affects the first interaction between both. The interviews were videotaped and then
analyzed from a psychoanalytic perspective, as well as through analysis of video-recorded
episodes. Winnicott’s psychoanalytic theory helped to understand the phenomenon of the
establishment of mother-infant bond.
RESUMEN
Todos los años nacen aproximadamente quince millones de bebés prematuros en el mundo,
aumentando la necesidad de mirar hacia las condiciones en que estos bebés e sus madres
establecen el primer contacto, debido a que corresponden a um fenómeno cada vez más
común en unidades de cuidados intensivos. Verdaderamente esta particularidad de un
nacimiento prematuro obliga a la madre y a su bebé a establecer un primer contacto en un
ambiente de hostilidad para los dos, e que incide en la formación de ese vínculo primario.
Este trabajo buscó entender el vínculo que se establece entre madres y bebés que sufren
complicaciones en una situación de prematuridad en el nacimiento. Participaron de esta
pesquisa madres de niños nacidos prematuros internados en Unidad de Tratamientos
Intensivos Neonatales, o en acompañamiento por el Programa de Asistencia al Desarrollo de
Niños Nacidos Prematuros del Hospital Universitario Mária Aparecida Pedrossian de la
Universidad Federal de Mato Grosso do Sul. A partir de entrevistas semi estructuradas
realizadas en este contexto, se pudo percibir el impacto que la madre y el bebé sufren en una
situación de nacimiento de riesgo, que afecta a la primera interacción entre ambos. Las
entrevistas fueron filmadas y después analisadas desde la perspectiva psicoanalítica, e a través
de análisis de los episódios video grabados. La teoria psicoanalítica winnicottiana contribuyó
para comprender el fenómeno de establecimento de este vínculo materno-infantil.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 12
2 O NASCIMENTO PRÉ-TERMO............................................................................. 17
2.1 GESTAÇÃO.............................................................................................................. 19
2.2 O PARTO PRÉ-TERMO........................................................................................... 20
4 MÉTODO.................................................................................................................... 38
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 57
REFERÊNCIAS............................................................................................................. 59
ANEXOS......................................................................................................................... 62
INTRODUÇÃO
O trabalho que vem sendo desenvolvido pela psicologia, dentro do campo da pediatria,
está focalizando cada vez mais a assistência às mães e crianças nascidas prematuras. Neste
sentido, a partir do referencial teórico da psicanálise, é necessária a compressão e o
conhecimento da formação do vínculo primário, mãe-bebê, e suas peculiaridades nestas
situações. Uma compreensão, que segundo a teoria, é fundamental para estabelecer condições
mais saudáveis para o bebê e seu desenvolvimento.
Sobre este tema, numa pesquisa feita com mães de bebês nascidos prematuros que
apresentam ou não indicadores clínicos de ansiedade e depressão, realizada por psicólogos da
Universidade de São Paulo observou-se que as mães dos bebês internados em UTIN como
conseqüência de sua prematuridade apresentam quadros de ansiedade, que muitas vezes são
provocados, ou no caso de já estarem presentes no momento do nascimento, são agravados
pela condição de risco da criança.
A partir desse estudo, os autores observaram que mães de bebês nascidos prematuros
preocupam-se mais com os problemas decorrentes da prematuridade do bebê. Através de um
estudo realizado por PINTO e cols (2009) no Berçário de Médio Risco do Hospital das
Clinicas / Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (HC/FMRP-
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USP), os autores apontaram que as mães que apresentam indicadores clínicos de ansiedade
mostram-se com expectativas neutras1 no que se refere às características físicas e
comportamentais da criança. Enquanto que mães sem indicadores clínicos de ansiedade
expressavam sua preferência por gênero. As características positivas se achavam aludidas ao
desenvolvimento e sua evolução. No entanto as características negativas com respeito ao
nascimento pré-termo se encontraram em ambos os grupos. Este resultado nos diz muito da
necessidade das mães na compreensão do quadro clinico do bebê. Suas expectativas e duvidas
com a saúde da criança também implicam na interação e no tipo de vínculo que ela estabelece
com seu bebê.
Em sua maioria as mães destes bebês apresentam concepções positivas no que diz
respeito ao desenvolvimento e evolução do seu filho(a), no entanto a fragilidade do bebê é o
que mais chama sua atenção e as preocupa. Ao mesmo tempo os sentimentos e reações que
estas mães expressam dependem de sua condição psíquica particular. O que leva a refletir
sobre a necessidade de acompanhamento das mães que apresentam estes indicadores clínicos
de ansiedade, o que certamente poderia melhorar sua disposição para o estabelecimento de um
vinculo sadio com seu bebê.
As expectativas positivas das mães com respeito à condição dos bebês facilitam o
estabelecimento do vinculo primário;
Esses aspectos revelam um lado otimista nas mães que pode atuar como facilitador
para o enfrentamento das adversidades decorrentes da prematuridade e do
1
As expectativas neutras neste sentido se referem ao interesse da mãe sobre as características físicas e
comportamentais do bebê, assim como a preferência pelo gênero. Expectativas que não demonstraram
interesse sobre o que diz respeito ao desenvolvimento do bebê, ou ao problema da prematuridade.
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Outro fator que também contribui com a necessidade de acompanhamento para estas
mães, foi o fato destes autores observarem que os indicadores clínicos de ansiedade e
depressão nas mães dos bebês prematuros, em sua maioria, apresentaram-se em conseqüência
do problema de prematuridade de seus filhos(as). “[...] os indicadores emocionais de
ansiedade e depressão estavam relacionados mais à história contemporânea do nascimento do
bebê do que à história de saúde mental pregressa materna” (PINTO; PADOVANI;
LINHARES, 2009, p. 80).
Embora esse tipo de ansiedade tenha característica transitória, deve-se atentar para
que os sintomas não sejam intensificados e tornem-se crônicos, afetando
negativamente o estado de saúde mental das mães de neonatos prematuros e o
cuidado ao bebê (PINTO; PADOVANI; LINHARES, 2009, p. 80).
[...] o risco biológico neonatal não é, por si só, uma variável preditora direta com
efeito independente para problemas em quaisquer áreas do desenvolvimento. [...] As
características do ambiente familiar e social da criança podem agir atenuando ou
agravando o risco biológico (FRAGA et al, 2008, p. 342).
Ainda confirmando o que vem sendo observado nas pesquisas e no trabalho diário do
psicólogo dentro da UTIN, os autores apontam para a preocupação com a saúde psíquica da
mãe que está acompanhando esse bebê. “Após o nascimento do bebê e durante sua internação
na unidade de tratamento intensivo neonatal, as mães de bebês nascidos pré-termo apresentam
ansiedade elevada” (FRAGA et al., 2008, p. 336).
[...] as mães mais ansiosas podem interagir com seus filhos de forma intrusiva e
restritiva com relação as oportunidades de exercitar determinadas habilidades
relevantes para o desenvolvimento motor (por exemplo, o andar) e cognitivo (por
exemplo, a noção de permanência do objeto) (FRAGA et al., 2008, p. 343).
Neste sentido o presente trabalho procurou entender o vínculo que se estabelece entre
as mães e os bebês que sofrem intercorrências numa situação de prematuridade no
nascimento.
Participaram da pesquisa Três (3) mães e seus bebês nascidos pré-termo com peso
igual ou inferior a 1500 gramas no momento do nascimento, na faixa etária de 0 a 2 anos, que
atualmente se encontram em acompanhamento pelo “Programa de Assistência ao
Desenvolvimento de Crianças Nascidas Prematuras”, que tem como coordenadora a Prof. Dr.
Alexandra Ayach Anache, e cujas atividades estão sendo desenvolvidas no ambulatório
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2 O NASCIMENTO PRÉ-TERMO
Quando uma mãe descobre que está grávida, começa a se inserir em sua vida a nova
criança que está a caminho. No início, ela tem uma imagem daquilo que o seu bebê poderá
ser, assim, só existe a fantasia do ser que está se formando, e o que a mãe espera, no caso de
uma gravidez desejada, é que nada de ruim possa acontecer com seu bebê, e que percorra por
um período de gravidez sadio.
Segundo as teorias que serão discutidas ao longo deste trabalho, durante os últimos
meses da gravidez, e os primeiros depois do parto, mãe e bebê constituem uma unidade. A
criança parece fazer parte da mãe, esta se identifica com o bebê, e sabe o que ele está
sentindo. É este tipo de vínculo que encontramos na teoria, e tentamos observá-lo na prática.
Para Maldonado (2000 apoud SANTOS; ZELLERKRAUT; OLIVEIRA, 2008) a partir do
momento em que a mãe percebe consciente ou inconscientemente a gravidez ocorre a relação
materno-filial e as comunicações na rede de intercomunicação familiar iniciando-se a vivencia
da gestação.
E o que acontece então quando nada ocorre da maneira esperada? A criança chega de
modo abrupto, e ainda correndo risco de vida, ou é necessária a sua permanência no hospital
devido a uma condição mais debilitada. Certamente esta particularidade de um nascimento
pré-termo obriga a mãe e ao seu bebê a estabelecer um primeiro contato, nos casos em que
isto é possível, num ambiente de hostilidade para os dois, e que incide na formação desse
vínculo primário.
Segundo Howson (2012) mais de um em dez bebês nascidos no ano de 2010 foram
nascidos pré-termo, correspondendo a estimativa de quinze milhões de nascimentos
prematuros ao ano.
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Ao abordar este assunto, a partir dos conhecimentos da psicologia, é sabido que “Os
bebês e as mães sofrem uma tremenda variação, em suas condições, após o acontecimento
natalício” (WINNICOTT, 1982, p. 21).
Desta forma, há de se pensar o abalo sofrido no vínculo que a mãe do recém nascido e
ele, vêm construindo desde a gestação, de uma maneira em que a criança não é aquilo que a
mãe esperava antes do tempo. “[...] as mães, a não ser que estejam psiquiatricamente doentes,
se preparam para a sua tarefa bastante especializada durante os últimos meses de gravidez”.
(WINNICOTT, 2002, p. 30).
No caso de uma mãe de bebê prematuro, esta preparação não se deu de maneira
saudável, pois os acontecimentos chegaram antes do esperado, seu tempo de preparação se viu
interrompido pela chegada de um bebê que não está pronto, para uma mãe que, também, ainda
pode não estar pronta.
2.1 GESTAÇÃO
São vários os fatores que incidem nas condições do crescimento fetal, podendo
corresponder a fatores genéticos, maternos, ambientais ou placentários, e que desencadeiam
no nascimento prematuro.
Assim, desde a concepção o bebê passa por vários estágios ao longo de sua gestação,
no caso de um bebê nascido a termo, este período acontece por aproximadamente 38 semanas.
Segundo Bee (2003), o primeiro dos estágios ao longo dessa gestação é o estágio
germinal, onde o óvulo é fertilizado e percorre a trompa até chegar ao útero, aqui ocorre a
diferenciação das células e a implantação. Processo que compreende entre dez dias, e até duas
semanas desde a concepção.
estende por aproximadamente seis a oito semanas, e quando a formação preliminar de órgãos
estiver completa, tem seu inicio a seguinte fase.
O estágio fetal é aquele que compete aos sete meses restantes da gestação. Nesta fase
“Todos os sistemas primitivos de órgãos são refinados” (BEE, 2003, p. 75).
Devido aos possíveis fatores que dão origem a um parto prematuro, citados
anteriormente, a uma condição de risco, ou, ainda, se existem problemas de saúde na mãe, o
parto acontece antes do total desenvolvimento dessas fases da gestação. Desta maneira o bebê
que foi tirado antes do tempo, é obrigado a continuar seu desenvolvimento fetal, fora do útero
de sua mãe.
Bebês denominados de baixo peso são aqueles nascidos com peso igual ou inferior a
2500 g no momento do nascimento, e os nascidos com peso igual ou inferior a 1500 g, são os
denominados bebês de muito baixo peso (LINHARES et al. 1999).
Uma das condições mais observadas em bebês nascidos prematuros é o baixo peso.
Estes bebês compartilham algumas características, como por exemplo, as dificuldades
respiratórias. No entanto, aproximadamente o oitenta por cento, dos bebês com baixo peso no
nascimento, sobrevivem podendo receber alta. Nestes casos Bee afirma “quanto menor o peso
no nascimento, maior o risco de morte neonatal” (BEE, 2003, p. 107). E, todavia se observa
que ao longo do seu desenvolvimento, alguns desses bebês que sobrevivem, podem apresentar
problemas importantes. Muitos destes problemas estão sendo o foco das pesquisas recentes no
campo da psicologia.
A preocupação com a saúde mental das crianças nascidas pré-termo aumenta a partir
dos estudos que autores vêm realizando ultimamente, alguns afirmam que “em muitos casos
de distúrbios psiquiátricos, existe uma incidência significativamente elevada de ausência de
formação de uma ligação afetiva ou de prolongadas – e tal vez repetidas – rupturas dessa
ligação” (SCHUBERT, 2002, p. 35).
intensivas neonatais. Ao mesmo tempo, a classificação do peso das crianças ao nascer foi feita
para identificar os casos de maior ou menor risco neonatal.
Estudos indicam esta primeira fase como a mais propensa para o desencadeamento de
transtornos no desenvolvimento da criança, e isto explica a preocupação dos profissionais da
área pela qualidade dos cuidados que o bebê possa receber durante e depois do período de
internação.
Crianças de baixo peso ao nascer são aproximadamente 50% mais propensas a terem
sérios problemas de desenvolvimento do que outras doenças. Crianças de muito
baixo peso ao nascer (quase todas pré-termo) são de grande risco para mortalidade e
morbidade.
Assim autores afirmam que “Os avanços nos cuidados obstétricos e neonatais e na
tecnologia levaram, gradualmente, a uma melhora considerável na qualidade de sobrevivência
para até mesmo os bebês de muito baixo peso” (Brum; Schermann, 2004, p. 463). Estes
mesmos avanços deram inicio à preocupação com a qualidade da interação mãe-bebê dentro
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da UTIN, pois se tornando a atenção cada vez mais mecanizada, surge a questão do contato
que o bebê e a mãe precisam estabelecer nos primeiros momentos depois do parto, e que se
dificulta devido aos procedimentos necessários numa condição de risco.
No manual elaborado pelo Ministério da Saúde sobre o Método Mãe Canguru, atenção
humanizada ao recém-nascido de baixo peso (2002), e que vem sendo cada vez mais utilizado
pelas equipes de saúde, justifica-se o contato pele a pele do bebê com sua mãe, já que
conforme demonstraram estudos das neurociências, a ligação segura mãe-bebê, cria uma
função biológica protetora que resguarda a criança dos efeitos que o estresse3 provoca nela.
2
“A experiência de dor é considerada uma das principais condições de estresse para os neonatos pré-termo
durante a sua internação na UTIN” (KLEIN, 2009, p. 37).
3
Pesquisas já comprovaram que “o estresse aumenta o nível de cortisol e este, por sua vez, afeta o cérebro, o
metabolismo e o sistema imunológico” (SCHUBERT, 2002, pp. 35-36).
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pele e os cuidados, diminuem os níveis de estresse no bebê, isto não somente possibilita uma
evolução para o estado de saúde da criança, ao mesmo tempo, diminui os níveis de ansiedade
da mãe. Desta maneira o vínculo que vem a ser construído pelos dois se transforma numa
relação de apego seguro para o bebê, que dá mais probabilidades de uma rápida recuperação.
Da mesma forma podemos observar que a mãe, tanto quanto a criança nascida pré-
termo, encontra-se vulnerável, e em ocasiões a mesma se vê barrada na sua condição de mãe,
por não poder brindar à criança todos os cuidados que uma mãe, numa situação de nascimento
que não implica riscos, poderia dar. Estas percepções se intensificam, sobretudo, se a mãe já
teve experiência de partos anteriores, que não apresentavam condições de risco, como pôde
ser observado durante a realização desta pesquisa. Neste sentido “[...] a percepção da mãe,
tanto em relação ao seu bebê quanto à sua capacidade de cuidados para com o bebê, influencia
a qualidade da interação mãe-bebê” (Brum e Schermann, 2007, p. 13)
Ao pensar numa situação de risco para o bebê esta percepção da mãe e de sua
capacidade pode afetar negativa ou positivamente o vínculo entre os dois, pois o suporte que a
mãe dará para seu filho depende de sobre maneira de sua condição para estabelecer o primeiro
contato. Ao mesmo tempo, observa-se que o ambiente hospitalar é hostil para a mãe, da
mesma forma em que o é para o bebê, o que muitas vezes inibe a ligação afetiva com o este.
Mesmo sendo tão importante, esse programa inato das capacidades da criança
depende da presença de um ambiente mínimo esperado, sendo essencial a formação
do elo afetivo e da oportunidade de pais e bebês desenvolverem um padrão mútuo de
entrosamento de comportamento de apego (Bee, 1997 apud BRUM;
SCHERMANN, 2004, p. 460).
Com os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nas áreas tanto da psicologia, como
também da neonatologia, percebe-se que hoje, a equipe de saúde em UTIN preocupa-se cada
vez mais, não somente com a sobrevivência da criança internada, mas também com os
vínculos futuros e seu desenvolvimento saudável.
A teoria psicanalítica sempre deu atenção aos vínculos que os seres humanos
estabelecem uns com outros ao longo da vida, e que refletem na formação do seu caráter e das
escolhas que conduzem seu futuro.
Mas tarde outros estudiosos centraram seu trabalho nas primeiras relações que a
criança estabelece com o mundo, procurando entender de que maneira influenciam no
desenvolvimento. ”A psicanálise sempre foi unânime em reconhecer a importância das
primeiras relações na vida de um bebê como a base para o desenvolvimento” (BRUM;
SCHERMANN, 2004, p. 458).
Neste sentido, alguns autores apontam que, “As primeiras relações estão vinculadas à
formulação de que todos os bebês desenvolvem um forte vínculo com a mãe ou mãe substituta
(cuidador primário)” (BRUM; SCHERMANN, 2004, p. 458). A necessidade da compreensão
deste vínculo reside em que o bebê ao nascer recebe os cuidados de um cuidador, seja este a
mãe como no sentido deste estudo, ou algum outro ser que desempenhe esse papel. Na teória
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O médico e psicanalista vienense, fundador da psicanálise, abriu caminhos em sua obra para o estudo do
inconsciente nas crianças, que depois foram retomados por seus seguidores. Em sua obra, Freud (1901-
1095/2006) apresenta os escritos sobre a teoria do desenvolvimento psicosexual, descrevendo as fases oral,
anal, fálica e genital; teoria que desenvolveu a partir do estudo de seus casos clínicos. Posteriormente a partir
do exposto em Além do Princípio do Prazer de 1920, Freud (1923-1925/2006) apresenta os estudos sobre o
Ego e o Id, que também deram origem as teorias que depois seriam apresentadas sobre a psicanálise de
crianças. Freud refere-se à consciência como “a superfície do aparelho mental” (FREUD, 2006, p. 33, grifos
do autor), enfatizando a importância dos fenômenos do inconsciente.
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psicanalítica temos observado a ênfase deste primeiro vinculo, entendendo que suas
conseqüências podem se refletir positiva ou negativamente no desenvolvimento infantil.
No caso deste trabalho, pode-se pensar que a estrutura psíquica materna especificará o
tipo de vínculo que ela poderá constituir com seu bebê, no entanto, o papel do ambiente
também implica no jogo de variáveis para o estabelecimento deste vínculo.
Este autor explica que para compreender o vínculo normal deve-se partir da análise de
uma das características das relações de objeto: “o objeto diferenciado e o objeto não-
diferenciado”. (PICHON-RIVIÈRE, 2000, p. 14). Entendendo a partir desta distinção as
relações de independência e de dependência, que se encontram no contexto da formação do
vínculo. “Considera-se que um objeto, em uma relação adulta normal, é um objeto
diferenciado, ou seja, que tanto o objeto quanto o sujeito têm uma livre eleição de objeto”
(PICHON-RIVIÈRE, 2000, p. 14). No caso de um bebê recém nascido a não-diferenciação é
extrema, e suas primeiras relações de objeto apresentarão para ele diferentes possibilidades de
estabelecer vínculos com o mundo.
5
Com respeito às relações de objeto, Freud não chegou a estabelecer uma noção de objeto única em termos
conceituais. Em recursos da língua alemã, ele apresenta noções que anunciam uma variedade do uso de objeto
em sua teoria, da mesma maneira o objeto pode ser variável e indeterminado e aquele através do qual a pulsão
atinge seu alvo, o qual satisfaz seu desejo (COELHO, 2001).
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A necessidade que a mãe tem de conhecer o seu bebê logo nos primeiros momentos,
também implica no estabelecimento de um bom vínculo primário. No nascimento, mãe e
bebê, sofrem uma abrupta separação, e seus primeiros contatos servem de alicerce para a
reparação desse rompimento e a construção do vínculo que ajudará o bebê a se inserir de
maneira segura no mundo.
A primeira relação do bebê com o peito da mãe, como já foi colocado, condiz com
uma situação extrema de não-diferenciação, que, segundo Pichon-Rivière (2000), em primeiro
momento é parasitária, para logo se tornar simbiótica, e posteriormente conseguir a
diferenciação. Chega-se à pergunta sobre o que acontece então, quando esta ordem é anulada,
a mãe tem pouco ou está privada de contato com o bebê, como aconteceria quando se
apresenta uma condição de risco da criança. Este primeiro contato entre a mãe e o bebê, é sem
duvida, fundamental na construção do vínculo após o nascimento, se constitui num momento
importante, tanto para a mãe, quanto para o bebê, que ainda se encontra indiferenciado do
próprio corpo dela.
Quando a criança depende totalmente de seu objeto mãe deposita partes internas
nela, e quando a mãe faz o mesmo, ou seja, deposita na criança partes internas dela,
ocorre entre ambas um entrecruzamento de depósitos, criando para cada uma delas
dificuldades para reconhecer o que é propriamente seu (PICHON-RIVIÈRE, 2000,
p. 14).
Por outro lado, encontra-se que a amamentação não se constitui no único meio pelo
qual a criança se relaciona com a mãe nas primeiras horas de vida. A mãe também representa
o aconchego e a segurança que o bebê tinha antes do nascimento e que perdeu ao se encontrar
num lugar estranho e ameaçador que representa esta nova situação para ele.
Freud, em sua obra, já se referia à situação de vinculação primaria, “Na teoria dos
instintos, a vinculação com a figura materna é vista como impulso secundário, ou seja, que o
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bebê se liga à mãe afetivamente como conseqüência de esta ser o agente de suas satisfações
fisiológicas básicas” (BRUM; SCHERMANN, 2004, p. 458). Inicialmente a psicanálise das
primeiras vinculações centrou-se neste sentido, mas ao longo do tempo os estudos foram
evoluindo apresentando novas concepções.
Em 1950 John Bowlby apresentou a Teoria do Apego, a qual “propõe que o vínculo da
criança com sua mãe é um produto da atividade de um certo número de sistemas
comportamentais que têm a proximidade com a mãe como resultado previsível” (BOWLBY,
1990, p. 193). A partir deste, são vários os estudos que se têm realizado sobre o tema,
objetivando a compreensão dessa necessidade que mãe e criança têm de consolidar os
vínculos desde cedo.
“O vínculo da criança com sua mãe não é movido pela busca da satisfação de um
desejo, mas um produto da atividade de certo número de sistemas cuja meta principal é a
busca de proximidade” (ABREU, 2005, p. 52). Dessa forma, entende-se a importância da
proximidade física do bebê com a sua mãe dentro de períodos de tempo em que isto seja
possível.
Segundo a teoria de Bowlby (1990), posteriormente, a criança mais velha, já após ter
desenvolvido a habilidade de engatinhar, permanece perto da mãe durante um tempo
suficiente para se sentir segura e depois passa a explorar o meio circundante. O que indicaria
que neste momento a mãe é vista pela criança como uma base de segurança, à qual pode
retornar quando sentir-se insegura. Para tal fim é preciso que este vínculo entre a mãe e a
criança seja estabelecido de maneira em que o filho esteja seguro de que o apoio e o
reconforto estarão presentes nesta figura ao procurar-los.
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A partir de estudos realizados por diversos autores percebe-se que a relação entre a
mãe e o seu bebê tem uma influência decisiva nos vínculos que esta criança irá construir no
presente e no futuro. Bolwby (1990) expõe que o comportamento de apego na criança é, ao
mesmo tempo, mediado por outros diferentes tipos de comportamento (por exemplo: chorar,
chamar, balbuciar, agarrar-se etc.). E assim, entende-se que:
Uma vez reputados como positivo, o contato e o intercâmbio afetivos criarão uma
relação em uma atmosfera de equilíbrio e tranqüilidade. Todavia, sempre que for
sentido como desagradável e doloroso provocará comportamentos de refração e
afastamento (ABREU, 2005, p. 55).
Brum e Schermann acrescentam que “[...] para Bowlby, a formação do apego não é
uma conseqüência da satisfação das necessidades fisiológicas básicas como postula Freud”
(BRUM; SCHERMANN, 2004, p. 459).
físico, faltava-lhes apetite, não ganhavam peso e, com o tempo, perdiam o interesse
por se relacionar, o que levava a maioria dos bebês ao óbito. Spitz descreveu,
portanto, o resultado da ausência dos pais e do afeto como fator determinante no
desenvolvimento com prognóstico reservado (SPITZ, 1945 apoud BRUM;
SCHERMANN, 2004, p. 458)
O bebê ainda não estabeleceu uma divisão entre aquilo que constitui o não-Eu e o
Eu, de tal forma que, no contexto especial dos relacionamentos iniciais, o
comportamento do meio ambiente faz parte do bebê da mesma forma que o
comportamento de seus impulsos hereditários para a integração, para a autonomia e
a relação com objetos, e para uma integração psicossomática satisfatória.
(WINNICOTT, 2002, p. 80).
6
“El Processo de Maduración en el Niño”. Publicado em português com o título “O Ambiente e seus
processos de Maturação”.
7
“No existe nada que pueda llamarse niño” (WINNICOTT, 1965, p. 44).
8
Nos escritos de Freud sobre o Ego e o Id ele descreve que se bem o id corresponde à parte inconsciente do
psiquismo, “É fácil ver que o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo
externo, [...] o ego procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se
por substituir o princípio de prazer, que reina irrestritamente no id, pelo princípio de realidade” (FREUD,
2006, p. 38).
32
refere a coisas muito diferentes; de fato se trata de uma angustia relativa à possibilidade de
aniquilamento” (WINNICOTT, 1965, p. 46, tradução nossa)9.
Winnicott (1965) também aponta para a concepção de que o individuo nasce com um
potencial que segundo as condições poderá se desenvolver. Este potencial hereditário, que
inclui a tendência ao crescimento e desenvolvimento só irá aparecer a partir do cuidado
materno, ou de quem representa esse papel.
Os pais não podem ser os motores acionados do desenvolvimento; eles podem tão
somente facilitá-lo, oferecendo firmeza, amor, empatia, frustração suficiente, e
confronto com a realidade e a agressão (GROLNICK, 1993, p. 37).
Da mesma forma aponta para três funções da mãe que seriam as responsáveis pelo
bom desenvolvimento destes processos: “segurar, manipular, e apresentar o objeto”
(WINNICOTT, 2002, p. 32).
Sobre estas funções da mãe Winnicott (2002) assinala para o sentido amplo do termo
“segurar” o bebê. Assim afirma que: “um bebê a quem seguram bem é muito diferente de
outro, cuja experiência de ser segurado não foi muito positiva” (WINNICOTT, 2002, p. 30).
9
“En esta primera fase la angustia no está relacionada con la castración o la separación, sino que se refiere a
cosas muy distintas; de hecho se trata de una angustia relativa a la possibilidad de aniquilamiento”
(WINNICOTT, 1965, p. 46).
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Assim “tudo isso inclina-se ao estabelecimento de um self unitário, mas não pode ser
enfatizado em demasia que o que ocorre neste estágio tão inicial depende da cobertura ao ego
dada pela mãe na dupla mãe-bebê” (Winnicott, 1962 apud GROLNICK, 1962, p. 124, grifo
do autor). Neste sentido “É possível afirmar que o ego da criança é fraco, mas de fato ele é
forte graças ao apoio que lhe proporciona o cuidado materno” (WINNICOTT, 1965, p. 63,
tradução nossa) 10.
Desta forma, defende que ao segurar adequadamente o bebê, o que implica numa
identificação com a criança, a mãe torna-se capaz de atuar no papel de um ego auxiliar desde
o primeiro momento. Já “a criança que não passou por esta experiência ou precisou
desenvolver prematuramente o seu ego, ou, tal vez, tenha se tornado extremamente confusa”
(WINNICOTT, 2002, p. 32).
O mesmo autor, também, discorre sobre o que ele chamou Preocupação materna
primária, estado no qual segundo Winnicott (1965), as mães colocam-se no lugar do bebê,
identificam-se com este, e assim podem ir ao encontro das necessidades básicas do recém
nascido. Este fenômeno é essencial para a criança, pois é através dele que a mãe se identifica
com ela e pode compreender as necessidades do seu bebê.
Nesse sentido, Winnicott (2002) chama a atenção ao fato de que se o bebê é deixado
só por muito tempo, sejam horas ou minutos, sem contato com outros, eles passam por
experiências que são descritas como morrer ou ser feito em pedaços, assim como perder a
esperança de ter novos contatos.
10
Es posible afirmar que el ego de la criatura es débil, pero de hecho es fuerte gracias al apoyo que le
proporciona el cuidado materno (WINNICOTT, 1965, p. 63).
34
Aqui se encontra a importância do olhar da mãe no bebê que tem a sua frente, pois é
através dela que o bebê irá se reconhecer. “No desenvolvimento emocional individual, o
precursor do espelho é o rosto da mãe.” (WINNICOTT, 1975, p. 153). Isto se refere ao papel
que desempenha o meio ambiente nos primeiros momentos de vida do bebê, e, sobretudo o
papel do cuidado materno.
Assim o autor frisa novamente o papel da mãe na diferenciação do bebê com seu meio,
e afirma que é ela quem proporciona a ajuda que o filho necessita para a diferenciação do não-
eu, e é através dela que o bebê poderá enxergar o mundo.
É neste sentido que após a mãe ter saído da fase de preocupação materna primária, se
volta para a criação de um ambiente sustentador amenizando os impactos das frustrações do
meio. A mãe suficientemente boa proporciona este espaço para a criança. Esse espaço é o
mundo intermediário no qual “aparecem os objetos e fenômenos transicionais11 e, finalmente
terceiros participantes” (GROLNICK, 1993, p. 49), e é nesse mundo que logo passará a existir
a vida imaginária e simbólica.
Nesta fase de suporte, ou holding, o ego não integrado da criança passa a se constituir
como uma integração estruturada12. Winnicott assinala para a condição fundamental de
cuidado materno, a criança que se encontra neste caminho chega a experimentar por vezes,
estados de não integração, e neste sentido as experiências acumuladas de um cuidado materno
11
“Área intermediária de experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação
de objeto, entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado, entre o desconhecimento
primário de dívida e o reconhecimento desta” (WINNICOTT, 1975, p. 14). Neste espaço a criança cria seu
objeto, mas ao mesmo tempo o objeto também deve estar aí disposto para ser criado.
12
A partir desta afirmação Winnicott (1965) aponta que é aqui que a palavra “desintegração” faz sentido, uma
coisa que não acontecia antes que a integração do ego esteja presente.
35
Ainda nesta primeira fase a mãe tem a missão de proteger a continuidade existencial
da criança, e sobre este ponto Winnicott afirma que “Com a ausência relativa de reações ante
ameaças, etc., as funções corporais da criança proporcionam uma boa base sobre a qual
edificar um ego corporal. Desta maneira se coloca a quilha para a saúde mental no futuro”
(WINNICOTT, 1965, p. 103, tradução nossa)16. É neste ponto que se encontra a importância
de uma fase de dependência absoluta bem sucedida, na maneira que for possível.
13
“El resultado de la marcha normal del desarrollo de la criatura durante esta fase consiste en la consecución
de lo que podriamos denominar su ‘status o condición de unidad’” (WINNICOTT, 1965, p. 50, grifos do
autor).
14
“Al principio, la criatura depende por completo de la provisión física aportada por la madre viva, ya sea en
su vientre o por medio de los cuidados que presta al hijo una vez nascido” (WINNICOTT, 1965, p. 101).
15
Ao falar deste termo, Winnicott (1965) se refere a uma evolução do ego e, portanto da personalidade.
16
“Con la ausencia relativa de reacciones ante amenazas, etcétera, las funciones corporales de la criatura
proporcionan una buena base sobre la que edificar un ego corporal. De esta manera se coloca la quilla para la
salud mental en el futuro” (WINNICOTT, 1965, p. 103).
36
necessidade dele. Ou seja, esta criança vai se adaptando aos cuidados da mãe, os quais no
melhor dos casos tendem a diminuir aos poucos.
Neste sentido a criança recebe ganhos com cada fase, na primeira consiste em
que “[...] o processo de desenvolvimento da criança não sofre nenhuma deformação”
(WINNICOTT, 1965, p. 105, tradução nossa)17, na segunda fase, ela se torna consciente de
sua dependência, para posteriormente compreender a necessidade do cuidado materno.
O bebê que está se tornando uma criança ou um adulto leva consigo a memória
latente de um desastre ocorrido com o seu eu, e muito tempo e energia são gastos em
organizar a vida de tal forma que esta dor não volte a ser experimentada.
(WINNICOTT, 2002, p. 77).
Numa hipótese pior, como a experiência que pode trazer uma condição de risco
neonatal, “o desenvolvimento da criança como pessoa é distorcido para sempre, e em
conseqüência a personalidade é deturpada, ou o caráter é deformado” (WINNICOTT, 2002, p.
77).
Desta forma, seguindo o autor, se as coisas correrem mal e não forem logo corrigidas,
se referindo ao ambiente externo, o desenvolvimento do bebê será deturpado, e a
comunicação entre a criança e o meio entrará em colapso. Esta posição defende o trabalho do
psicólogo no estabelecimento de uma atmosfera mais segura nos casos de nascimentos que
implicam uma condição de risco.
17
“[...] el proceso de desarrollo de la criatura no sufre ninguna deformación” (WINNICOTT, 1965, p. 105).
37
Não obstante, a idéia de Winnicott (1975) de que o bebê vê nos olhos da mãe a si
mesmo, é a que defende a necessidade de valorizar o vínculo com a mãe, que guiará esta
criança num desenvolvimento seguro, e que representa seu primeiro contato com o mundo
exterior.
Da mesma maneira que foi apresentado anteriormente, será a mãe que refletirá o meio
ambiente que rodeia o bebê, e depende em grande parte dela a forma em que este receberá as
impressões que vêm de fora.
38
4 MÉTODO
Esta pesquisa visou compreender o vínculo que a mãe estabelece com o bebê nascido
prematuro, o interesse surgiu a partir da necessidade percebida no trabalho do psicólogo e
demais profissionais da área da saúde, com respeito aos cuidados para que esse primeiro
contato do bebê com o mundo se estabeleça de maneira mais segura.
Se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos acerca da qual formula
hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de
fenômenos abrangidos pela hipótese (MARCONI; LAKATOS, 2001, p. 106).
Através das falas dos sujeitos foi possível compreender o contexto em que esse
primeiro vínculo se estabeleceu e a partir disto observou-se de que maneira evoluiu ao longo
do tempo transcorrido, desde o nascimento da criança. É nesse contexto que o pesquisador,
com sua prática clínica, pode retirar aqueles elementos subjetivos que se apresentam no
acontecimento deste fenômeno.
Nem tudo o que o informante diz deve ser tomado como “verdade”; trata-se da
verdade dele, do ponto de vista dele, que precisa ser confrontado com outros olhares
e com a prática observada no campo pelo pesquisador (DUARTE, 2004, p. 223).
18
Aqui o autor cita as várias técnicas utilizadas na coleta de dados em pesquisa qualitativa, dentre estas se
encontra a análise de experiências de indivíduos e grupos; a observação e descrição de interações, e análise
desse material; e a investigação de documentos.
39
Devido ao limite de tempo em que se pôde entrar em contato com os sujeitos para a
posterior realização das entrevistas, participaram da pesquisa Três (3) mães de bebês nascidos
pré-termo com peso igual ou inferior a 1500 gramas no momento do nascimento, na faixa
etária de 0 a 2 anos, que se encontram em acompanhamento pelo “Programa de Assistência ao
Desenvolvimento de Crianças Nascidas Prematuras”19, em andamento, que tem como
coordenadora a Prof. Dr. Alexandra Ayach Anache, e cujas atividades estão sendo
desenvolvidas no ambulatório pediátrico e na UTIN do Hospital Maria Aparecida Pedrossian
da UFMS, em Campo Grande – MS.
A definição da faixa etária dos bebês se deve a que encontramos nos estudos
realizados por autores da teoria psicanalítica, que a duração das primeiras fases importantes
para o estabelecimento do vinculo da mãe com o bebê se dá entre seis meses e dois anos de
idade. “Quando a criança alcança os dois anos de idade, se produziram já alguns
acontecimentos que a preparam para se deparar com a perda” (WINNICOTT, 1965, p. 106,
tradução nossa)20. O que representa uma possibilidade maior de lidar com as frustrações do
meio.
Ao mesmo tempo optou-se por trabalhar com mães de bebês com peso igual ou
inferior a 1500 gramas, pois eles constituem uma maioria nos atendimentos feitos pela equipe
de psicologia no “Programa de Assistência ao Desenvolvimento de Crianças Nascidas
Prematuras”.
19
Através deste programa pretende-se a construção de ações que focalizem os bebês nascidos pré-termo e seus
cuidadores, a fim de prevenir problemas de desenvolvimento, aprendizagem e saúde mental na vida destas
crianças. O programa integra o conjunto de atividades realizadas pelo Laboratório de Educação Especial da
UFMS.
20
“Cuando la criatura alcanza los dos años de edad, se han producido ya algunos acontecimentos que la
preparan para enfrentarse con la pérdida” (WINNICOTT, 1965, p. 106).
40
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres
Humanos da UFMS em data 9 de novembro de 2011 (Anexo D).
4.4 INSTRUMENTOS
Devido a este estudo estar analisando um aspecto subjetivo do vínculo entre mães e
seus bebês pré-termo, optou-se por utilizar uma entrevista semi-estruturada, já que
proporcionaria à mãe e ao pesquisador os eixos importantes para a compreensão do
estabelecimento desse vínculo.
Desta maneira “Cabe ao pesquisador atribuir sentido àquele mosaico, tendo como
referência seus pressupostos teóricos, sua filiação acadêmica, seus objetivos de pesquisa etc.”
(DUARTE, 2004, pp. 222-223).
Conforme Pedrosa e Carvalho (2005) trabalhos que utilizam este método como
levantamento de dados para pesquisa, definem o episódio pelo conteúdo deste através de uma
categorização previa dos elementos que serão analisados nas gravações.
Ao mesmo tempo “A delimitação do episódio, seu início ou seu fim, pode ser clara,
identificando-se um fato a partir do qual se articula uma seqüência interativa” (PEDROSA;
CARVALHO, 2005, 432). O que quer dizer que a partir do que acontece após um fato
original, isto configura o episódio, e nos traz a necessidade de revê-lo para identificar essa
origem.
O recorte dos episódios para serem transcritos e analisados vão depender do foco da
pesquisa, e daquilo que o trabalho visa investigar. No caso deste estudo os critérios utilizados
para analise são aqueles que correspondem à observação da interação da mãe com o bebê, e a
suas reações ao relembrar a situação de parto e internação, assim como aqueles que
correspondem aos questionados pelo roteiro de entrevista.
A análise qualitativa dos episódios começa a partir da transcrição, é aqui que vão
surgindo as perguntas, e são procuradas as respostas na revisão do mesmo episódio até as
primeiras serem respondidas.
4.5 PROCEDIMENTOS
A coleta dos dados para pesquisa foi realizada de maneira individual, no contexto de
atendimento psicológico ambulatorial e em UTIN, com as mães, após o consentimento das
participantes, mediante a assinatura do termo livre e esclarecido (anexo C). Para tal efeito, as
entrevistas foram filmadas, a fim de facilitar sua posterior análise. Em média, a aplicação das
entrevistas semi-estruturadas teve uma duração de dezoito minutos com cada sujeito.
JULIA E LARISSA
A mãe Julia chegou com a filha Larissa, de dois anos de idade, para a consulta de
rotina no ambulatório pediátrico, enquanto aguardavam o atendimento do pediatra, foram
convidadas a participar da pesquisa, a mãe mostrou-se interessada e aceitou participar. Larissa
parecia uma criança bastante inquieta, quando entrou na sala ofereci lápis de cor e umas
folhas, perguntei se ela gostava de desenhar, Julia disse que ela adorava e pediu para a filha
que sente do lado e desenhe, enquanto a mãe teria uma conversa. Assim Larissa ficou
desenhando durante o tempo em que durou a entrevista.
Julia tem 33 anos, disse que pelo menos é o que ela acha, é casada e dedica-se a cuidar
dos filhos. Disse que enquanto estava na faculdade engravidou do primeiro filho e não
concluiu seus estudos. Julia, o marido e os dois filhos moram em Camapuã, interior do estado,
mas a família do marido mora em Campo Grande. Uns anos antes da segunda gravidez, Julia
sofreu um acidente cardiovascular, e a partir disto o médico a proibiu de ter mais filhos.
Quando foi fazer um ultrasom de rotina, o médico disse que teria que fazer uma
cessaria logo, mas que ela não estava em condições de receber uma anestesia localizada, e,
portanto fariam o parto com anestesia geral. Como o parto do primeiro filho foi normal, Julia
21
Os nomes dos sujeitos aqui apresentados foram trocados a fim de preservar a identidade dos participantes.
45
tem medo de cirurgia, e preferiu a anestesia geral no momento em que o médico indicou. E
quando Larissa nasceu foi direto para UTIN, devido a sua condição debilitada.
Julia disse não se lembrar de nada do aconteceu momentos antes do parto, nem de
nenhum procedimento. Só lembra-se desde o momento em que acordou, já no quarto. Quando
o médico chegou, Julia perguntou se ele tinha feito a laqueadura. O médico respondeu que
não, porque ela teve uma hemorragia, devido ao seu problema de coagulação, e não teve
tempo de fazer-la. Julia queria ter feito a laqueadura, pois ela sempre soube que a gravidez
seria de risco, e não queria voltar a passar por isso.
Na UTIN, Larissa foi entubada, e ficou dentro da incubadora. Pelo que Julia se
lembrava, ela ficou ali mais ou menos um mês, mas ela visitava a filha todos os dias. Julia
voltou a se lembrar de que Larissa não ficou por muito tempo na incubadora, e passou mais
dias no berçário. Só que ao mesmo tempo, disse não lembrar direito de nada do aconteceu
durante esses dias.
Durante esse tempo Julia ia ao banco de leite para tirar seu leite, pois Larissa não
mamava direito no peito, e sim através da seringa. No entanto ela ficava preocupada, porque
achava que esses poucos mililitros não poderiam satisfazer a bebê.
Um fato marcante que ela afirmou lembrar-se muito bem foi o que aconteceu no natal
e na noite de ano novo. Ela fez questão de passar com a filha, ficou segurando a mão dela, e
falando para ela que elas ficariam ali “juntinhas”. E ainda acrescentou que isso foi muito
importante, pois disse que apesar de tudo, as enfermeiras sempre deram liberdade para ela
chegar perto e ficar junto à Larissa. No tempo em que Larissa ficou internada, toda a família
fazia questão de ir visitá-la. Os familiares sempre estiveram expectantes à volta das duas.
Julia disse que sempre acreditou que Larissa “ficaria boa” logo, pois mantinha um
pensamento positivo com respeito à sua evolução. No entanto esta experiência representava
para ela algo totalmente novo. O parto do seu primeiro filho não deu complicações, e disse
que em tudo, Larissa é diferente do seu primeiro filho. Ela é menor do que ele, sempre dava
mais trabalho, pois como era tão pequena, ela não se sentia muito segura para cuidar dela
normalmente, e precisava de ajuda para algumas coisas, como por exemplo, dar banho.
46
Com respeito ao desenvolvimento atual de Larissa, Julia disse que ela a vê muito bem.
Ela afirmou que Larissa parece ter um “QI” a mais que a gente, parece a “mulher aranha”,
pois sobe por todas as partes da casa, é muito brincalhona, ativa e não para quieta.
Acrescentou, ainda, que todo mundo fala o quanto Larissa é “danada”, mas todos, até os
vizinhos, gostam muito dela.
CAMILA E HEITOR
A mãe Camila entrou na sala convidada pela equipe de psicologia que faz o
acompanhamento do desenvolvimento de seu filho, aceitou participar da pesquisa, mas se
mostrou um pouco tímida ao saber que seria filmada.
Nos últimos meses da gravidez já sabia que seria uma gestação de risco, como
apresentava sintomas de pré-eclâmpsia, os médicos tiveram que realizar uma cessaria pouco
antes de chegar aos sete meses de gestação. Camila não se lembrava de nada do parto,
somente da dor que sentiu durante a gravidez, e o corte depois da cirurgia.
Rapidamente depois do parto, Heitor foi levado para UTIN, ele não respirava por si
próprio, e por causa do seu baixo peso ficou internado em incubadora por quinze dias, depois
47
passou para o berçário, onde ficou por mais três dias. Durante esse tempo ela não conseguiu
amamentar, Heitor se alimentava pela sonda.
Camila disse sempre ter se preocupado muito com o estado de saúde de seu filho, mas
como nos primeiros dias depois do parto ainda estava muito sensível com as dores, foram os
dias mais difíceis.
Quando Heitor se recuperou de uma infecção que adquiriu, recebeu alta. Já em casa,
mesmo sendo o primeiro filho de Camila, a mesma disse que não teve maiores problemas para
se adaptar à nova rotina de ser mãe. Conseguia cuidar de Heitor, e amamentou durante seis
meses.
Ao passar o tempo, e com as consultas médicas, foi percebendo que seu filho estava
mais atrasado no desenvolvimento para uma criança de sua idade, então entendeu que Heitor
apresentava um comprometimento maior, mas ainda não sabia qual era o problema.
Hoje, com dois anos, Heitor ainda não aprendeu a andar sozinho, consegue ficar
sentado por pouco tempo, mas Camila disse acreditar que muito de sua condição depende dele
psicologicamente. Parece que Heitor não se esforça para conseguir apreender, já levou ele
para fazer fisioterapia, e a partir disso já obteve melhores resultados, é por isto que ela
afirmou acreditar que com seu esforço, ele pode melhorar.
Camila disse ter fé em seu filho, mais do que em aquilo que os médicos falam. Ela
acredita que ele pode melhorar em seu desenvolvimento com esforço e empenho para
consegui-lo. Mas, ao mesmo tempo afirmou ser muito difícil de cuidar dele agora que ele está
crescendo, para ela, ele continua do mesmo jeito que ele nasceu, com poucas melhoras. Ela
continua sem saber ao certo sobre o diagnóstico de Heitor.
48
AMANDA E IGOR
Amanda tem trinta e cinco anos, é casada, não trabalha fora, e cuida da casa. Tem dois
filhos mais velhos, de dezenove e dezessete anos. Sempre quis engravidar do terceiro filho, e
tentou bastante. Antes de Igor, teve dois abortos, e depois de um tratamento conseguiu
engravidar. Foi uma gravidez complicada, com três meses teve um sangramento, e ficou de
repouso. Com cinco meses, teve outro e descobriu que tinha uma complicação obstétrica
chamada placenta previa. Durante toda a gravidez sentiu muito enjôo, e chegou a sofrer três
tentativas de aborto espontâneo.
Aos seis meses teve um susto ao saber que já teria que fazer o parto, ao fazer um
ultrasom de rotina o médico disse que já seria transladada para o hospital, quando chegou ao
HU foi muito bem tratada pelos médicos e enfermeiras, levou anestesia localizada, e foi um
parto rápido. O bebê não estava encaixado no canal vaginal, e através do ultrasom percebeu-
se que ele apresentava sofrimento fetal e a pressão de Amanda estava alta.
Depois do parto, a mãe viu Igor rapidamente, ele foi levado diretamente para UTIN
pela falta de oxigênio. Ficou internado por vinte e quatro dias, durante este tempo Amanda
disse ter colocado seu filho “nas mãos de Deus”. Mesmo que Igor tenha estado em
incubadora, Amanda sempre ficava por perto, falava para ele que tinha que sobreviver e que
toda a família o espera.
Neste momento da entrevista Amanda começou a chorar, disse que se bem Igor já
passou para o berçário, até hoje sente muita angustia, afirmou que a situação pela que está
atravessando afeta muito o emocional de toda mãe. Por dentro se sente ficar em pedaços, e
tem que conviver todos os dias com a incerteza, estando preparada para sair ou não. Cada dia
é único, um de cada vez, disse.
Até esse momento Igor não conseguia amamentar, estava recebendo leite por um tubo,
já que ainda não sugava com força. Amanda tirava leite todos os dias para ele, ela
49
Igor precisava ganhar peso para receber alta, mas Amanda achava melhor ele ficar
todo o tempo que seja necessário, até ele ficar saudável, para não ter que voltar. A mãe disse
que tudo aquilo que ela podia fazer para melhorar o desenvolvimento de seu bebê, ela tem
feito. Também disse que toda esta experiência a fez reaprender a ser mãe, nenhum de seus
filhos mais velhos nasceram prematuramente, nunca tinha passado por isto. Mas ao mesmo
tempo, disse que cada filho é diferente, e não tem como comparar.
Amanda disse acreditar que Igor será vencedor, disse que Deus prometeu para ela, e
está cumprindo, já que Igor melhora a cada dia. A mãe descreveu seu sentimento com sendo
algo inexplicável, que de fora ninguém se imagina na situação, é uma angustia de vê-lo com
vários aparelhos em volta, e depois já sem eles e melhor, é uma alegria e um alívio que ela
não consegue explicar.
50
No obstante o nascimento de uma criança sempre implica para a mãe uma nova
oportunidade de reaprender a maternidade. Como foi exposto no caso de Amanda e Igor, a
mãe afirmou que depois de um período longo após a última gravidez que levou à termo, a
experiência de ser mãe novamente se mostrava nova para ela, e todavia muito diferente.
Nos casos, como o de Julia, em que a mãe também já teve outros filhos, o nascimento
pré-termo do novo bebê, da mesma maneira, implica uma realidade totalmente diferente aos
partos anteriores. É neste sentido que muitas dessas mães se mostram desnorteadas com
respeito aos cuidados que esse bebê pré-termo precisa, e ao mesmo tempo em que aumenta
sua ansiedade e fragilidade frente a esta situação.
Ao pensar em fragilidade, esta pode ser vista no último caso, Amanda, no momento da
entrevista, passava por todas as angustias dos primeiros dias em internação, já no segundo
caso apresentado, Camila ainda leva consigo essa angustia, conseqüente das complicações que
seu filho sofreu com o parto pré-termo.
51
Como visto na teoria, a rotina estabelecida pela mãe, para os horários de sono e
alimentação, ajuda o bebê a organizar seu novo mundo. Numa situação de internação
prolongada, esta rotina poderá ser freqüentemente contaminada pelos contínuos
procedimentos que uma condição de risco requer. É, portanto, imprescindível se questionar
sobre as possibilidades de dar mais espaço para o desenvolvimento deste comportamento.
Para a mãe, conhecer seu bebê após o nascimento é uma necessidade de alívio de que
tudo ocorreu bem. Um parto no momento não esperado, ou a necessidade de lidar com
situações de risco para a criança, representa a certificação de que as coisas não aconteceram
como a mãe previra. Assim, vários sentimentos são despertados nessa mãe, tanto de culpa,
quanto de desespero. E ao mesmo tempo é necessário se preocupar com o impacto destes
sentimentos nos primeiros contatos com o bebê.
No caso de Julia e Larissa, o discurso da mãe deu mais foco para tudo que ela sofreu
durante a gravidez e depois do parto. Em todo momento a mãe parecia fazer muito esforço
para se lembrar do que aconteceu, o que pareceu ser uma defesa na hora de trazer lembranças
de dias confusos que não gostaria de viver novamente.
Ao mesmo tempo, durante a entrevista a mãe parecia mostrar mais atenção à filha em
todo momento, o que foi possível constatar no final, quando fez questão de mostrar as fotos e
vídeos, demonstrando o quanto gosta de retratar tudo que Larissa faz.
Somente a partir da insistência para lembrar mais sobre o período de internação, Julia
começou a relembrar de mais detalhes, e falou também, das impressões que teve dos médicos,
52
neste ponto ela parecia reter aquilo que a deixava com mais esperanças de ver sua filha
saudável, já que afirmou sempre haver tido expectativas positivas sobre o quadro da criança.
Situação que pôde ser observada nas entrevistas e visitas à UTIN, onde as mães
demonstram e admitem sentir-se fragilizadas, como o fez Amanda, num entorno estranho para
elas, e no qual estas não possuem um domínio das rotinas ou dos procedimentos, insegurança
que as envolve numa angustia com respeito à saúde do seu bebê. Se bem elas afirmaram
sempre ter tido esclarecimento do quadro da criança por parte da equipe, ainda persiste o
medo e a necessidade de fazer algo a mais para ajudar o bebê.
Ao mesmo tempo analisando o discurso das mães nas entrevistas percebe-se que o
conceito próprio de ser mãe, que estas mulheres obtiveram ao longo de suas experiências de
vida, coloca-se em perspectiva para o estabelecimento do vínculo com seus bebês. Se uma
mãe que está precisando de suporte, recebe este suporte, seja por parte dos familiares ou da
própria equipe de saúde, esta segurança é repassada ao bebê nesse vínculo.
Como foi visto anteriormente o papel de espelho do olhar da mãe, representa um fator
fundamental no desenvolvimento do bebê, sabe-se que nem sempre ela poderá agir como mãe
suficientemente boa, e mesmo uma mãe que se coloca à disposição para desempenhar
excelentemente seu papel de mãe, não se verá livre de certos fracassos. Nestes casos, ao longo
de sua vida, o bebê irá encontrar outros objetos que possam dar o holding que não teve
inicialmente, o bom alicerce ajuda num desenvolvimento mental seguro.
Pode-se relacionar esta situação com as palavras de Winnicott, “A mãe está olhando
para o bebê e aquilo com o que ela se parece se acha relacionado com o que ela vê ali”
(WINNICOTT, 1975, p. 154, grifos do autor). Certamente Larissa pôde ter visto através de
53
sua mãe todas as expectativas que ela possuía para seu bom desenvolvimento, e assim pode-se
pensar que o estabelecimento favorável deste vínculo ajudou a filha a internalizar o cuidado
materno.
No obstante, muitas vezes existe uma inibição na ligação afetiva mãe-bebê, fato que
poderia estar acontecendo com Camila e Heitor, onde a mãe parece atribuir à criança os
comprometimentos que apresenta em seu desenvolvimento, ao que parece estar negando que
Heitor possa apresentar alguma deficiência. A experiência de parto pré-termo por si só, deixa
as mães sensíveis, e, além disto, mães como Camila, ainda tem que enfrentar outras
circunstâncias.
Como foi visto no estudo sobre as teorias das primeiras relações de objeto do bebê, o
meio ambiente desempenha um papel importante no desenvolvimento dos processos de
54
maturação da criança. Sobre este ponto Winnicott (1965) afirma que diferentes falhas na
adaptação do bebê ao meio representam um fator traumático, dificultando a integração.
Desta forma ele argumenta a maneira em que estas falhas podem contribuir no
desenvolvimento de transtornos mentais posteriores, já que “É nas fases precoces quando se
colocam os cimentos da saúde mental do individuo” (WINNICOTT, 1965, p. 317, tradução
nossa)22. E este ponto é fundamental ao abordar o caso de crianças nascidas pré-termo,
“crianças nascidas com idade gestacional abaixo de 37 semanas e com peso abaixo de 1500g
constituem-se em um grupo de risco, podendo ser identificados sinais de vulnerabilidade na
criança” (LINHARES et al., 2000, pp. 65-66).
Neste sentido percebe-se que os cuidados maternos que Larissa recebeu de sua mãe e
da família desde o começo, assim como o holding que Amanda estaria recebendo, também de
sua família e da equipe de saúde, foram determinantes para a evolução destes casos. As
condições de gestação e as complicações que sofreram depois do parto todas as crianças que
participaram do estudo representaram um primeiro contato hostil com o ambiente externo. No
primeiro caso, hoje encontramos uma criança segura, que enxerga em sua mãe alguém a quem
pode retornar sempre que precise.
22
“Es en las fases precoces cuando se colocan los cimientos de la salud mental del individuo” (WINNICOTT,
1965, p. 317).
55
Se bem seria necessária uma análise mais exaustiva dos conteúdos inconscientes da
mãe Camila para poder afirmar outras considerações a respeito desse caso, é provável que o
comprometimento do vínculo com Heitor apresente incidências da história de vida dessa mãe.
No entanto as complicações do inicio da vida de Heitor fragilizam ainda mais os laços que
Camila estabeleceu com ele.
Já para Julia o fato de ter recebido o apoio da equipe médica e dos familiares, a ajudou
a manter expectativas positivas com respeito ao desenvolvimento de Larissa. Da mesma
forma em que Amanda disse o quanto é importante para ela o trabalho realizado pela equipe
de psicologia. É possível perceber a necessidade das mães de serem acompanhadas pela
equipe de psicologia, pois é o saber dos psicólogos que pode aportar seu olhar para a
subjetividade de cada mãe a fim de facilitar a interação com seu bebê. “Neste sentido,
promover um senso de competência nos cuidados maternos, bem como avaliá-los revelam-se
importantes questões” (BRUM; SCHERMANN, 2007, p. 13).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho colocou seu foco no primeiro tipo de vínculo que o ser humano
estabelece desde seu nascimento, a partir do qual surgem todas as percepções do mundo
exterior, e que dá a base para suas relações posteriores.
Foi percebido durante a realização deste trabalho que diversos fatores se encontram
envolvidos no estabelecimento do vínculo mãe-bebê, no entanto o suporte dado às mães no
momento do nascimento de seu filho e através dos primeiros contatos com este, possibilitam
que ocorra um estabelecimento de vínculo mais seguro, pois a partir desta ajuda na
identificação das necessidades de seu bebê, a mãe passa a se relacionar mais intimamente com
o desenvolvimento dele.
Ainda resta um campo vasto para a psicologia se introduzir nas discussões a fim de
melhorar a qualidade da interação mãe-bebê. Pois a ela competem os processos subjetivos
envolvidos, dando seu aporte para a humanização das diferentes áreas da saúde.
Desta maneira a intervenção da psicologia nas UTIN está direcionada a abranger uma
gama extensa de possibilidades para sua atuação. Trabalho que começa desde o acolhimento
às mães, criando um ambiente suficientemente bom, a fim de facilitar os momentos de contato
mãe-bebê, possibilitando o estabelecimento do vínculo, dando suporte para as mães em
sentido dos cuidados que o bebê precisa receber dela, e participando das reuniões
multidisciplinares, trazendo a este campo as discussões que possam facilitar estas
intervenções no ambiente hospitalar.
59
REFERÊNCIAS
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Alegre: Bookman & Artmed, 2009.
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PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do Vínculo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda,
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61
PINTO, I. D.et al. Ansiedade e Depressão Materna e Relatos sobre o Bebê Prematuro.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, Vol. 25 n. 1, Jan-Mar, pp. 075-083, 2009.
WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e
Científicos Editora S.A, 1982.
___ El Processo de Maduración en el Niño (Estudios para una Teoria del Desarrollo
Emocional). Barcelona: Editora Laia, 1965.
___ O Brincar e a Realidade. Tradução: José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio
de Janeiro: Imago Editora, 1975.
___ Os Bebês e suas Mães. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
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ANEXOS
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Entrevista (número)
Titulo: Episódio #
Data:
Duração:
Sujeitos Envolvidos:
Situação: (resumo do ambiente onde acontece o episódio).
Resumo: (síntese do episódio).
Descrição (descrição detalhada dos fatos acontecidos, incluindo os minutos e
segundos em que se desenrolam).
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Poderão participar deste estudo, mães de bebês nascidos pré-termo com peso igual
ou inferior a 1500 gramas no momento do nascimento, em acompanhamento pela
equipe de psicologia, no ambulatório pediátrico do Hospital Universitário Maria
Aparecida Pedrossian da Universidade de Mato Grosso do Sul em Campo Grande -
MS.
Não podem participar deste estudo, pessoas que possuam diagnóstico de transtorno
psiquiátrico. Pessoas que estejam tomando medicamentos como ansiolíticos ou
antidepressivos. Menores de idade sem a autorização de pais ou responsáveis.
Pessoas que não atendam a critérios técnicos estipulados pelo pesquisador.
Esta pesquisa esta sendo realizada a partir de estudos realizados sobre o tema que
indicam a importância do estabelecimento de um primeiro vínculo entre a mãe e o
bebê, e que é fundamental para o bom desenvolvimento da criança.
Você não receberá nenhum tipo de compensação financeira pela sua participação
na pesquisa. Estará contribuindo para a ampliação de conhecimentos sobre o
contexto do nascimento pré-termo.
Para perguntas ou problemas referentes ao estudo ligue para a Prof. Dr. Alexandra
Ayach Anache ou a Fátima Rocío Espínola Arzamendia no Laboratório de Educ.
Especial, fone: (67) 3345-7579. Para perguntas sobre seus direitos como
participante no estudo chame o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da UFMS, no telefone (67) 33457187.
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Sua participação no estudo é voluntária. Você pode escolher não fazer parte do
estudo, ou pode desistir a qualquer momento. Você não perderá qualquer benefício
ao qual você tem direito. Você não será proibido de participar de novos estudos.
Assinatura do
voluntario__________________________________________data__________Fone
______________________
Assinatura do pesquisador
_________________________________________________data___________
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