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Jonas Malheiro Savimbi

1979
Edição da
Agência Portuguesa de
Revistas

A PAZ E SUAS PERSPECTIVAS

Angola, que sofre de vários males, só poderá encontrar a solução para o seu
desenvolvimento se conseguir primeiro a paz. A paz condiciona qualquer
desenvolvimento económico. E a paz só poderá ser conseguida pelos angolanos. Não é
o reconhecimento do regime de Luanda no exterior; não será o reconhecimento do
MPLA pelos Estados Unidos da América ou, eventualmente, pela República Popular da
China e pelos países africanos ainda relutantes em dar esse passo, que resolverá o
problema da paz. A paz é um problema interno, angolano, um problema que só os
angolanos podem resolver.

Já ouvimos falar de "anos" de Agricultura e de Alfabetização, mas eles não foram mais
do que anos de guerra.

Aqueles que pensam que Angola pode desempenhar um papel importante na África e no
Mundo, devido à sua posição estratégica e às suas riquezas, deviam empenhar-se na
procura de soluções para a questão da paz.

Encontrada essa solução, seriam resolvidas também as dos problemas económicos. O


regresso a Angola dos técnicos portugueses, ou dos técnicos em geral, que partiram, só
será possível numa situação de paz. Esse regresso exigirá uma preparação política das
populações que lutaram contra um regime estrangeiro e sofreram. Essas populações,
quer as que sofreram privações ao lado do MPLA, quer as que sofreram as agruras da
Resistência ao lado da UNITA, têm que ser educadas para compreenderem que o
regresso desses técnicos representa um passo decisivo na solução das carências
económicas do País.
Por outro lado, um Estado responsável deve definir claramente a sua política em relação
aos cooperantes estrangeiros, para que eles tenham remuneração apropriada à sua
contribuição e, sobretudo, encontrem segurança e boa vontade no meio da população.
Seria frustrante para os cooperantes sentirem apoio por parte dos órgãos de Direcção e
hostilidade por parte do Povo. A africanização terá de se fazer. Mas sem ter conotações
com a cor da pele.

Os angolanos, na sua definição genérica, devem pouco a pouco assumir as


responsabilidades da gestão da coisa pública. (Angolanos, como os definimos desde o
princípio).A dependência de Angola à cooperação de técnicos estrangeiros vai durar
muitos anos. Porque Angola ainda não partiu, ainda não começou a andar. Quando
Angola der os seus primeiros passos, precisará não só dos técnicos estrangeiros, mas de
todos os seus filhos. Por isso, a africanização não deve ser um programa precipitado.
Com uma população de apenas seis milhões, Angola tem lugar para acolher os que
quiserem regressar.

A questão de Cabinda

Importa referir, também, a questão de Cabinda. A nossa posição inequívoca é a de que


Cabinda representa uma personalidade cultural e geográfica independente. A sua
identificação como tal não pode ser negada. A imposição de uma nacionalidade às
populações de Cabinda, através dos canhões, é uma mera ilusão. Só um diálogo,
estabelecido em bases sinceras, poderá permitir que se encontre uma solução adequada,
que satisfaça ambas as partes, isto é, Cabinda e Angola.

Há resistência em Cabinda. O facto de metade da população de Cabinda se encontrar


refugiada na República do Zaire significa que alguma coisa não vai ali bem. O facto de,
mesmo bastante oprimidos, os irmãos de Cabinda resistirem à alienação russo-cubana,
representa uma vontade política que devemos respeitar. A UNITA pensa que,
reconhecidos esses valores, deve cooperar-se com os Movimentos de Libertação de
Cabinda para se liquidar a opressão russo-cubana. Terminada a guerra, ou ainda no
decurso dela, encontrar-se-ão por certo as fórmulas futuras de cooperação.

Porque Cabinda, reconhecida a sua identidade política e socio-cultural, tem todas as


vantagens em cooperar com Angola, em bases claras e de reciprocidade de interesses.
De contrário, Cabinda não resistirá às tentações de anexação, por forças superiores, ou
mesmo só de desestabilização, por ser um país pequeno e bastante rico. A sua
associação com Angola, a que estariam ligados, igualmente, todos os países vizinhos
interessados no problema, permitiria que se alcançassem a paz e a estabilidade naquela
região.

A UNITA e as liberdades religiosas

A questão religiosa ocupa, na política da UNITA, um capítulo importante. A UNITA


reconhece a liberdade de culto numa Angola independente. A UNITA condena a
profanação de lugares sagrados, a transformação de igrejas, seminários, colégios e
missões em quartéis, como tem vindo a ser feito pelo MPLA e pelos cubanos. O povo
africano é um povo ligado aos seus valores tradicionais religiosos. Por isso mesmo, a
religião desempenha um factor dinâmico na preservação dos nossos valores. A UNITA
entende que Angola só poderá realizar-se na liberdade e no respeito de cultos. A
discriminação que puder surgir só partirá da atitude de certas seitas religiosas em
relação ao Estado. As religiões católica e protestante e os cultos quibanguista e tocoísta
reconhecem a necessidade do valor do Estado. Assim, deve adaptar-se um princípio já
consagrado entre o Estado e a Igreja. Há seitas que negam a necessidade do Estado.
Essas poderão entrar em confronto com as Leis. É essa a única excepção que a UNITA
pode formular na sua política religiosa, porque o Estado é uma instituição temporal, mas
necessária. A UNITA garantirá, portanto, a liberdade religiosa para todos os cidadãos
angolanos e institucionalizará a separação entre o Estado e a Igreja.

Frente de combate ao imperialismo e neocolonialismo

Relativamente à necessidade da criação de uma Frente anti--imperialista em Angola, a


UNITA já, por diversas vezes, lançou apelos para que ela se materializasse. Hoje, mais
do que em qualquer outra ocasião, passos concretos estão a ser tomados para que essa
Frente seja uma realidade. A FNLA, que é uma força importante nesse xadrez de luta
contra o imperialismo soviético, não deve ter o complexo, que dificultou a nossa
cooperação no passado, de querer ver permanentemente os dirigentes da UNITA como
elementos que ontem pertenceram àquela organização. Esse facto não aconteceu só com
a UPA/FNLA. Deu-se com outros Partidos, noutros pontos de África — no Quénia, na
Zâmbia, na Tanzânia, no Zaire. É um movimento contínuo de forças.

Na UNITA, estamos preparados para cooperar sincera e honestamente com a FNLA,


desde que discutamos e delimitemos os campos de cooperação. A UNITA demonstrou,
no decurso de três anos de combate contra o imperialismo da Rússia, que pôde
organizar a Resistência, mobilizar o Povo, resistir à alienação, implantar-se no interior e
ficar. É essa experiência que nós gostaríamos de transmitir a todas as forças que
resistem, dentro da FNLA, da FLEC ou de outros movimentos que possam surgir. A
UNITA aceita que surjam movimentos genuinamente anti-MPLA no seio do MPLA.
Quando esses movimentos provarem a sua sinceridade e a sua determinação para com a
luta do povo angolano, também poderão fazer parte da referida "Frente", para
combatermos juntos o inimigo comum. Quando é que se deve formar essa Frente
comum? Quando estiverem reunidas as condições para isso. E quanto mais depressa,
melhor.

Uma Frente democrática, de oposição ao imperialismo, não deve cingir-se a


exclusivismos, mas deve ter em consideração os princípios orientadores, para que não se
façam alianças como a História de Angola já registou. Houve "Frentes" que existiram só
no papel, nos documentos assinados, mas que, por falta de esclarecimento minucioso e
cabal sobre os seus princípios orientadores, não conseguiram resistir ao impacto do
tempo e às dificuldades. É essa a única condição que nós avançamos para que a
discussão seja frutuosa e a "Frente" operacional. Julgo importante salientar que a nossa
luta de libertação anti-imperialista sofre directamente o impacto da política das grandes
potências. Elas começaram a interessar-se por Angola desde os primeiros dias da guerra
civil. Não é possível evitar que continuem a interessar-se.

A Rússia, por exemplo, que tem demonstrado uma visão expansionista no mundo, está
em Angola através da presença de tropas do Pacto de Varsóvia, os alemães de Leste, e
de um corpo expedicionário de cubanos, com mais de vinte e oito mil homens. A Rússia
está presente. Desempenha em Angola, como noutras partes de África, um papel
policial. Mas uma política bem delineada dentro de uma Frente Unida poderá permitir
que se atenue a sua interferência nefasta. Na fase de combate, é necessário que os
movimentos que lutam, não só em Angola mas no resto da África e, possivelmente no
mundo, contra a tendência expansionista da União Soviética, encontrem uma plataforma
comum. Há forças angolanas que devem coligar-se; há forças da Namíbia e do
Zimbabwé que estão ameaçadas; há forças no Lemene do Sul que resistem; e há outras
forças, noutras partes do mundo, que resistem igualmente à expansão soviética.

Se, no plano interno, cabe a cada país encontrar a fórmula mais indicada para atenuar a
interferência da União Soviética, no plano africano-internacional torna-se urgente que
todas as forças anti-imperialistas cooperem, combatendo em comum e elevando a sua
voz de uma forma uníssona. É preciso que o nosso combate não seja tido como um acto
de desespero de cada grupo, mas função política de libertação dos povos.

Existe no Ocidente, que tem os Estados Unidos da América como dirigente máximo,
uma ausência de vontade para se afirmarem princípios e defenderem valores que
fizeram do Ocidente aquilo que ele é.

Na UNHA, a nossa posição é a de que devemos fazer um esforço permanente para


informar os governantes dos países ocidentais; para informar, também, as respectivas
populações, para que elas compreendam que o futuro da Europa passa pelo futuro da
África.

A África possui as riquezas que fazem funcionar a indústria europeia. As costas


africanas controlam as vias de comunicação dos seus barcos e do seu petróleo. Quando
dizemos que a terceira guerra mundial já começou, não estamos a exagerar. Através de
acordos, como o de "Salt",os povos podem criar uma noção tranquilizante de segurança
e estabilidade. Entretanto, a Rússia não cessa de marcar pontos localmente,
conquistando posições que são de um valor estratégico indesmentível.

Concordamos com certos analistas eminentes do Ocidente, que afirmam que a Rússia
não deseja a guerra. De facto, ela não deseja a guerra, mas deseja o mundo. Não adopta,
por isso, uma estratégia que vise a destruição daquilo que cobiça. A sua táctica é
desarmar a vontade daqueles que pretendem resistir. Cabe aos órgãos de informação do
Ocidente a sensibilização permanente da opinião pública para o perigo que a Europa
corre se perder a África.

Há, ainda, o problema dos Estados moderados africanos, dos Estados realistas. Esses
países encontram-se preocupados com a falta de apoio da parte daqueles que poderiam
moralmente ajudá-los. Alguns, conhecem já agitações internas, que provocaram quedas
de regimes e onde a União Soviética ganhou terreno. É frustrante e doloroso que países
amigos do Ocidente sejam sempre tidos como "reaccionários", até pela informação dos
próprios países ocidentais, e que a regimes minoritários e radicais, como o de Luanda,
se chame "progressistas". É essa injustiça na pauta de valores que encoraja a subversão
levada a cabo pela União Soviética.

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