Professional Documents
Culture Documents
Ana Salgado
Mestre em Farmacotecnia Avançada
António J. Almeida
Professor catedrático da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences (iMed.UL), Faculdade
de Farmácia da Universidade de Lisboa
e-mail: aalmeida@ff.ul.pt
Resumo
Apesar do elevado número de medicamentos no mercado, poucos são os especificamente indicados para a
população pediátrica. Uma das alternativas a que se recorre é a prescrição de especialidades farmacêuticas
com dosagens e/ou formas farmacêuticas inadequadas aos doentes pediátricos. Por conseguinte, a prescri-
ção de medicamentos em regime off-label e a preparação de medicamentos manipulados têm vindo a assumir
um papel de destaque neste tipo de terapêutica, como forma de colmatar lacunas existentes.
Perante este cenário, torna-se necessário o desenvolvimento de medicamentos adequados para crianças,
pelo que a escolha da forma farmacêutica deve ser feita de acordo com as subpopulações pediátricas às quais
22 se destina, uma vez que estão em causa não só a adesão à terapêutica, mas principalmente a segurança do
medicamento. Da investigação realizada pela indústria farmacêutica têm resultado formas farmacêuticas
inovadoras, designadamente liofilizados orais, sistemas orodispersíveis, sistemas multiparticulares obtidos
por microencapsulação, minicomprimidos, películas bucais e respectivos derivados. Registam-se também
novos dispositivos de administração e acondicionamento primário que facilitam a administração pediátrica.
O presente artigo faz uma mini-revisão crítica dos sistemas terapêuticos mais recentes para administração
oral de medicamentos em pediatria, assim como dos principais aspectos inovadores de que se revestem.
Palavras-chave: Pediatria, adesão ao medicamento, administração oral de medicamentos, formas de dosa-
gem, indústria farmacêutica, tecnologia farmacêutica.
Abstract
Despite the high number of medicines on the market, few are specifically indicated for the paediatric popu-
lation. This problem has usually been solved through the prescription of dosage forms that are often in-
adequate or contain inadequate doses for paediatric patients. Consequently, the prescription of off-label
medicines and the preparation of compounded drugs have taken a prominent role in paediatrics as a way
to fill the existent gaps.
Thus the development of appropriate medicines for children is of the utmost importance, so the choice
of the dosage form is made according to the needs of the paediatric subpopulations to which they are
intended, since their aim is not only the compliance but mainly the safety of prescribed medicine. Surveys
carried out by the pharmaceutical industry show innovative dosage forms, such as orodispersible systems,
oral lyophilisates, multi-particulate systems obtained by microencapsulation, minitablets, oromucosal
preparations and their derivatives. Novel administration and primary container-closure systems in order to
facilitate the paediatric administration have also been licensed.
This article is a critical review of the most recent therapeutic systems for oral administration of medicines
in children, as well as of the main innovative issues therein involved.
Keywords: Pediatrics, oral administration, patient compliance, dosage forms, drug industry, pharmaceuti-
cal technology.
Domperidona
para pediatria. Quanto às formas farmacêuticas sólidas >12 anos
Desloratadina
Ebastina
Oxicodona
versidade, havendo um total de 31 substâncias activas >6 anos
Loperamida
Tramadol
Amoxicilina + Ác. Clavulâncio
aprovadas para a população pediátrica em apenas seis Tirotricina
Desmopressina
de libertação modificada), como pode ser observado na >2 anos
Loperamida
Risperidona
uma grande variedade de formas farmacêuticas, com culturais. Embora existam outras vias de administra-
dosagens e concentrações adaptáveis às diferentes ção que constituem alternativas correntes, é impor-
idades e que permitam administrações mais simples tante salientar que a via de administração preferida
e seguras (Tabela 3)5,34. A capacidade de adaptação em pediatria continua a ser a via oral, devendo a tec-
às diferentes formas farmacêuticas varia com a ida- nologia farmacêutica evoluir no sentido da criação ou
de, desenvolvimento físico, cronicidade da patologia, adaptação de formas sólidas aos doentes pediátricos.
além do desenvolvimento psicológico e hábitos socio- Têm sido desenvolvidos e licenciados vários sistemas
Figura 2 - Opções disponíveis para a administração oral de medicamentos em crianças com dificuldade em deglutir comprimidos
e cápsulas
Sim Não
Medicamento Manipulado
FF – forma farmacêutica.
12
Adaptada, com a devida autorização, de Standing and Tuleu .
Crianças Crianças
Forma farmacêutica Recém-nascido Recém-nascido Lactentes e bebés (Pré-escolar) (Escolar) Adolescentes
(Pré-termo) (Termo)(0d-28d) (1m-2a) (2-5a) (6-11a) (12a-16/18a)
Solução/Gotas 2 4 5 5 4 4
Emulsões/Suspensões 2 3 4 5 4 4
F.F. efervescentes 2 4 5 5 4 4
Pós/Multipartículas 1 2 2 4 4 5
Comprimidos 1 1 1 3 4 5
Cápsulas 1 1 1 2 4 5
F.F. orodispersíveis 1 2 3 4 5 5
Pastilhas 1 1 1 3 5 5
1 – não aplicável; 2 – aplicável com problemas; 3 – provavelmente aplicável, mas não é o mais adequado; 4 – boa aplicabilidade;
5 - a melhor; F.F. – Formas Farmacêuticas; d – dias; m – mês; a – anos.
14
Fonte: EMEA
e formas farmacêuticas alternativas de aplicação di- Segundo a sua composição dividem-se em pastilhas
recta em pediatria, sendo alguns já comercializados duras e pastilhas moles e ambos os tipos contêm ge-
em Portugal (Tabela 4). ralmente um excipiente aromatizado e açucarado e
destinam-se a desagregarem lentamente, de modo a
exercerem geralmente uma acção local na cavidade
bucal ou na garganta. As pastilhas duras podem ainda
Tabela 3 - Principais requisitos das formas farmacêuticas apresentar-se com aplicador bucal integrado (forman-
para administração pediátrica10,14
do o que vulgarmente se designa por «chupa-chupa»),
• Administração simples, fácil e segura.
enquanto as pastilhas moles, também denominadas
gomas orais, podem apresentar variadíssimas formas
• Utilização de excipientes não tóxicos para pediatria. adaptadas à população pediátrica. Apresentam uma
• Características organolépticas agradáveis.
taxa de adesão muito elevada, devido não só à sua
forma atractiva e fácil administração, mas também
• Boa biodisponibilidade. por serem aromatizadas, mascarando eficazmente o
sabor desagradável do fármaco38-40. Possuem ainda a
• Impacto mínimo na qualidade de vida do doente
vantagem de proporcionar libertação prolongada do
• Estável e de preparação fácil. fármaco na cavidade bucal. No entanto, sendo uma
forma farmacêutica muito atractiva, existe o risco de
• A mesma forma farmacêutica deverá preencher todo o grupo etário.
a criança confundir o medicamento com uma gulo-
• Permitir o menor número possível de tomas diárias. seima.
Tabela 4 - Formas farmacêuticas sólidas orais apropriadas para a população pediátrica, por tecnologia de produção e por substância
activa
Álcool diclorobenzílico
+ Amilmetacresol 0,6 mg + 1,2 mg >6 anos
Tetracaína
+ Cloro-hexidina 0,2 mg + 3 mg 6 anos
* A informação que consta desta tabela está de acordo com os RCM dos medicamentos, tendo sido detectadas várias incoerências, nomeadamente na classi-
ficação das formas farmacêuticas e na identificação da faixa etária dos doentes pediátricos.
22
Fonte: Infomed, INFARMED .
entre 2 e 5 mm, o que facilita a administração e per- cêuticas sólidas orais. No entanto, esta continua a ser
mite uma dosagem flexível. Podem ser tratados como uma tarefa que envolve decisões científicas, por vezes
sistemas multiparticulares, podendo ser acondicio- difíceis, acerca da selecção da dose, da forma farma-
nadas em cápsulas ou em saquetas e posteriormente cêutica, da palatabilidade do medicamento, as quais
adicionados aos alimentos, ou suspensos extempora- nem sempre dependem apenas das características
neamente em líquidos21,34,53. físico-químicas da substância activa. Relativamente
a este aspecto, embora alguns autores defendam a ne-
6. Dispositivos Alternativos cessidade da existência de empresas dedicadas exclu-
sivamente ao desenvolvimento de medicamentos pe-
de Acondicionamento Primário diátricos, as tecnologias aqui descritas demonstram
e de Dispensa que a indústria farmacêutica tem procurado solucio-
Uma das alternativas a que se pode recorrer para fa- nar estes problemas. Estes esforços culminaram nos
cilitar a administração do medicamento é a utiliza- vários sistemas e formas farmacêuticas alternativas
ção de sistemas de acondicionamento primário que apresentadas, sendo directamente aplicáveis aos do-
se adaptem à anatomia e necessidades das crianças. entes pediátricos ou necessitando apenas de ligeiras
É o caso do Children’s Perfect Measure® (Johnson & adaptações. No entanto, relativamente a outros paí-
Johnson, Estados Unidos), que consiste numa sim- ses, a aplicação destas novas tecnologias em Portugal
ples colher de plástico pré-cheia com uma preparação tem sido feita a um ritmo muito lento, sendo o arsenal
líquida para administração oral. Permite assim admi- terapêutico ainda muito pobre. A evolução e inovação
nistrar a dose exacta, de um modo prático e isento contínuas a que temos assistido, particularmente na
de erros de dosagem54. De modo semelhante, a tecno- investigação pluridisciplinar em tecnologia farma-
logia Parvulet®, anteriormente descrita, também se cêutica, fazem prever o aparecimento a médio prazo
apresenta como um acondicionamento primário al- de formas farmacêuticas alternativas, novas tecnolo-
ternativo, dado que se trata de uma colher de plástico gias de produção e novos excipientes para pediatria,
pré-cheia com uma dose exacta a administrar49. enriquecendo assim o arsenal terapêutico pediátrico.
30 Outra forma de acondicionamento primário ade-
quado a crianças mais jovens e usado no tratamen-
to local de afecções da cavidade bucal é o sistema
Mykundex® (Bioglan, Austrália), em forma de chu- Referências Bibliográficas
1. Pinto S, Barbosa CM. Medicamentos manipulados em pediatria
peta, contendo uma suspensão de nistatina para o
– estado actual e perspectivas futuras. Arq Med. 2008;22:75-84.
tratamento de candidíase55.
2. Committee for Medicinal Products for Human Use. Note for
O sistema Medibottle® (The Medicine Bottle Com-
guidance on clinical investigation of medicinal products in the
pany, Inc., Estados Unidos) constitui outra alter-
paediatric population. (CPMP/ICH/2711/99). Londres: EMEA;
nativa excelente para os bebés, tratando-se de um
2001.
biberão ao qual se adapta uma seringa que permite
3. Johnson TN. The problems in scaling adult drug doses to chil-
administrar de modo exacto e sem resistência formas
dren. Arch Dis Child. 2008;93:207-211.
farmacêuticas líquidas orais56,57.
4. Committee for Medicinal Products for Human Use. Reflec-
Finalmente, o sistema Sip® é também um sistema de
tion paper: formulations of choice for the paediatric population.
dispensa prometedor, devido à facilidade de manuse-
(EMEA/CHMP/PEG/194810/2005). Londres: EMEA; 2006.
amento, à forma atractiva e ao rigor posológico, tor-
5. Rakhmanina NY, van den Anker JN. Developmental pharmaco-
nando-se promissor na terapêutica em pediatria51,52.
logy issues: nonates, infants, and children. In: Mulberg EA, Silber
SA, van den Anker JN. Pediatric Drug Development: Concepts and
7. Conclusões Applications. Nova Jérsia: Wiley-Brackwell; 2009. p. 231-242.
Apesar dos poucos incentivos para o desenvolvimento 6. Schirm E, Tobi H, de Vries TW, Choonara I, De Jong-van den
de medicamentos para pediatria, é necessário desen- Berg LTW. Lack of appropriate formulations of medicines for chil-
volver e/ou adaptar medicamentos para estes doen- dren in the community. Acta Pædiatr. 2003;92:1486-1489.
tes, melhorando assim a situação europeia de relativa 7. Duarte D, Fonseca H. Melhores medicamentos em pediatria.
pobreza no que respeita ao arsenal terapêutico para Acta Pediatr Port. 2008;39:17-22.
uso pediátrico. Na última década tem-se verificado 8. Nunn AJ. Paediatric drug formulation. Eur J Hosp Pharm.
um interesse crescente por parte das autoridades re- 2003;9:13-6.
gulamentares, dos cientistas e da própria indústria 9. Mühlbauer B, Janhsen K, Pichler J, Schoettler P. Off-label use
farmacêutica no desenvolvimento deste tipo de medi- of prescription drugs in childhood and adolescence – an analy-
camentos, designadamente através de formas farma- sis of prescription patterns in Germany. Dtsch Arztebl Int.
47. Sastry SV, Nyshadham JR, Fix JA. Recent technological ad- 54. Benadryl® - Children’s products. Estados Unidos: McNeil
vances in oral drug delivery – a review. PSTT. 2000;3:138-145. Consumer Healthcare Division of McNeil-PPC; 2005. Disponível
48. Volmer U, Galfetti P. RapidFilm®: oral thin films (OTF) as an em http://www.benadryl.com/#/Childrens_Products/PerfectMe-
innovative drug delivery system and dosage form. Drug Delivery asures [acedido em Março de 2011].
Report Spring/Summer. 2006;18-21. 55. Giacoia GP. Paediatric Formulation Initiative. In: National
49. Parvulet® Technology. Egalet®. Disponível em http://www. Institute of Child Health and Human Development/National
egalet.com/index.dsp?area=31 [acedido em Fevereiro de 2011]. Institutes of Health. Institute of Medicine of the National Acade-
50. Vismon® technology. Egalet®. Disponível em http://www.lo- mies Forum on Drug Discovery, Development, and Translation.
san-pharma.de/index.php?id=42 [acedido em Fevereiro de 2011]. 2006 Jun 13; Washington. Washington, NICHD/NIH; 2006.
51. Desset-Brèthes S. Patient centricity: Minitablets (granules), 56. Medibottle®. Estados Unidos. Disponível em http://www.
an innovative dosage form for children. In: European Paediatric medibottle.com/home.html [acedido em Fevereiro de 2011].
Formulation Initiative. EuPFI Conference – Formulating better 57. Purswani MU, Radhakrishnan J, Irfan KR, Walter-Glickman
medicines for children. Londres; 2009. C, Hagmann S, Neugebauer R. Infant acceptance of a bitter-tas-
52. Krüger-Hellwing A. Brief portrait of SIP®-Technology – anti- ting liquid medication: a randomized controlled trial comparing
biotic in a drinking straw. Grünenthal GMBH. 2006. Disponível the Rx Medibottle with an oral syringe. Arch Pediatr Adolesc
em http://www.gruenenthal.com/cw/en_EN/html/cw_en_en_ Med. 2009;163:186-188.
press.jhtml;jsessionid=DD305EDC1E9634E21809A0BF96194D
FB.drp2?CatId=cw_en_en_press_b_04f [acedido em Janeiro de
2011].
53. Ziegler IM. Dose Sipping Technology – A Novel Dosage Form
for the Administration of Drugs. In: Rathbone MJ, Hadgraft J,
Roberts MS, Lane M. Modified-Released Drug Delivery Tech-
nology. 2.nd ed. Estados Unidos: Informa Health Care USA Inc.;
2008. p. 217-230.
32