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Pós-graduação em Geografia – IGC, UFMG

Disciplina: Epistemologia da geografia; prof. Cássio Hissa


Discente: Aline Lucia N. Medeiros
"epistemologia da geografia" versus "epistemologia territorial". É para discutir o
significado de uma e de outra e como se daria o contato (também de natureza
epistemológica). Presença da geografia, de várias outras disciplinas, saberes e
práticas na construção das referidas epistemologias.

1. Epistemologia
Em comum, encontramos a palavra epistemologia. Primeiro buscamos entender seu
significado, para depois abordar as especificidades de cada relação: entre a
epistemologia e a geografia; entre a epistemologia e o território.
Segundo o dicionário Houaiss (????), epistemologia é:
substantivo feminino
FIL
1.
reflexão geral em torno da natureza, etapas e limites do
conhecimento humano, esp. nas relações que se estabelecem entre o
sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais
do processo cognitivo; teoria do conhecimento.
2.
freq. estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes
ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral,
avaliadas em sua validade cognitiva, ou descritas em suas trajetórias
evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a
sociedade e a história; teoria da ciência.

Assimilamos a partir disso, que: epistemologia se relaciona com uma teoria e história
do conhecimento; com os métodos científicos, assim como os princípios e conclusões
de uma ciência. Procura refletir sobre as duas polaridades do conhecer, o sujeito que
conhece e o que é conhecido.
A ementa da disciplina “Epistemologia da geografia”, deste programa, informa em
tópicos, os assuntos abordados:
A construção do pensamento científico. Ciência e outras formas de
conhecimento. A estruturação do pensamento geográfico moderno.
Geografia, modernidade e pós-modernidade. Tendências
contemporâneas: o múltiplo e o complexo como referência de
reestruturação do pensamento geográfico; a problemática ambiental,
a transdisciplinaridade e a geografia (IGC, ????).
Epistemologia da geografia se refere, portanto, a uma teoria e história da ciência
geográfica; já sobre o território, não vemos uma delimitação clara da ciência a qual se

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refere: apenas de que se trata do território. Para a geografia, uma categoria, ou
essência, espacial.
* * *
A primeira coisa que penso ao refletir sobre uma epistemologia do conhecimento é que
a crítica, ou a reflexão problematizante, parte sempre de algum lugar. Em ciência,
podemos considerar que parte de algum alinhamento teórico e, possivelmente,
metodológico, ainda que não englobe todas as características de um determinado
método. Qualquer conhecimento sobre as coisas pode ser entendido em termos de
contexto da sua produção, e fundamentos que o embasam. É um corte necessário
para se entender o mundo, científico ou não; e não se incorrer em equívocos do tipo
minha ciência – ou meu conhecimento - é mais verdadeira que a sua.
O conhecimento geográfico teve início a partir da experiência do mundo – da mirada
de uma consciência para as coisas do mundo (seja na forma perceptiva, reflexiva, por
meio da recordação ou julgamento etc.) e o registro das impressões advindas a partir
daí na forma de enunciados, singulares ou universais, sobre as coisas do mundo, suas
reações e dependências, suas modificações (HUSSERL, 1907: 1989). Husserl, crítico
do conhecimento, filósofo, refere esse processo a todas as ciências. Segundo ele (p.
39-40):
Seguindo os motivos da experiência, inferimos o não experimentado a
partir do diretamente experimentado (do percepcionado e do
recordado); generalizamos, e logo de novo transferimos o
conhecimento universal para os casos singulares ou deduzimos, no
pensamento analítico, novas generalidades a partir de conhecimentos
universais. Os conhecimentos não se seguem simplesmente aos
conhecimentos à maneira de mera fila, mas entram em relações
lógicas uns com os outros, seguem-se uns aos outros, ‘concordam’
reciprocamente, confirmam-se, intensificando, por assim dizer, a sua
força lógica. Por outro lado, entram também em relações de
contradição e de luta, não se harmonizam, são abolidos por
conhecimentos seguros, rebaixados ao nível de simples pretensões
de conhecimento.

O que chamamos de sistematização do conhecimento geográfico corresponde ao


início desse embate entre enunciados. A ciência geográfica progride dessa forma, não
fosse a crítica do conhecimento ou a epistemologia da geografia. A epistemologia da
geografia se pergunta acerca das relações entre os conhecimentos geográficos
produzidos e as coisas do mundo aos quais eles se referem, buscando perceber as
origens e estruturas que compõe esse conjunto de conhecimentos. É possível

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relacionar essas estruturas a um modo de pensar disseminado por todas as ciências
naturais e humanas, a um período histórico ou a um movimento filosófico, entre outros.
Na ciência geográfica, há uma ampla literatura destacando cinco métodos principais, o
que corresponderia a estruturas do conhecimento e até envolveria uma postura do
pesquisador frente ao mundo: o tradicional, positivista, o teorético-quantitativo, crítico-
marxista e o fenomenológico. Compreender esses métodos permite entender
diferentes visões de mundo, e da ciência. Permite compreender a relação essencial
entre as duas polaridades do conhecer (o sujeito que conhece e o que é conhecido, ou
as coisas do mundo).
Quando falamos de epistemologia do território, indagamos acerca dessa categoria
espacial. Isso pode trazer contextualizações referentes a qual ciência (geografia,
antropologia, sociologia, biologia etc.), a qual método, a qual contexto histórico etc. se
refere ao conteúdo do conceito, mas sempre extrapolando os limites entre as ciências.
Quando estudamos território, na geografia, aprendemos que é um conceito trabalhado
primeiramente no sentido físico, pra se referir ao espaço de domínio de animais ou
plantas, que depois é apropriado pela geografia política (vide Ratzel e o conceito de
território vital de uma nação, ou espaço que uma nação precisa dominar para
sobreviver). Depois esse conceito passou a se referir não só a estados-nações, mas
também a comunidades dentro de estado-nações, ao espaço cotidiano da cidade etc.
Esse é um recorte da epistemologia da geografia (com um encadeamento temporal)
sobre o território. Em geografia, podemos falar dos territórios; e do que entendemos
que são territórios. Essa conceituação é importante, inclusive para permitir o dialogo.
Na geografia, trabalhamos com algumas categorias espaciais: espaço, lugar, território,
paisagem, região, e mundo. Cada uma delas tem essências que te dizem qual aspecto
do espaço você quer problematizar. Do lugar, dependendo do seu método, podemos
falar de relação afetiva das pessoas com o espaço. Do território, podemos falar sobre
os conflitos e as relações de poder. O que define qual enfoque damos praquela
mesma área da terra é a essência da categoria geográfica escolhida. O estudo desse
recheio do que seria cada categoria espacial é a epistemologia. Quando digo o recheio
do que seria território, estamos falando de epistemologia do território, sem se limitar à
geografia. É como um túnel. Parece que estamos especificando em um conceito da
geografia, mas é só um túnel que nos leva a um lugar maior.
Ambas as buscas esbarram em outras áreas científicas, sendo o caminho orientado
pela própria busca. A interdisciplinaridade entra aí. Muitas vezes, é um saber
considerado não-científico, talvez advindo da literatura, de uma comunidade ou de
uma religião, que fala mais alto na compreensão de um território, ou do que é um

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território. É preciso ser capaz de entender que na construção da realidade, a ciência
tem apenas uma parcela da voz.
Milton Santos, em “Metamorfoses do espaço habitado”, comenta acerca da ausência
de uma teoria1 e sobre uma fraca existência de uma epistemologia na geografia.
Oscilando entre a descrição e a generalização, desde a Antigüidade
ao século XIX, a geografia nunca pôde descrever tudo nem fugir a
generalizações freqüentemente inconsistentes. No fim do século
passado e no início deste, ela assume uma vontade de teorização -
ou pelo menos de independência científica - com a postulação de
princípios. No entanto, o Planeta é ainda mal conhecido e um grande
número de outros ramos do conhecimento apenas despontam.
Contudo, é ao preço de um grande esforço que a geografia procura
estabelece-se como ciência, mas sem consegui-lo inteiramente. (p.
12)
Para ele, a universalização da sociedade em diversos aspectos permite agora a
elaboração de uma teoria geral da própria geografia. Diz ele: “As grandes
generalizações, portanto, são não apenas possíveis mas necessárias, tornando-se a
um tempo mais sistemáticas e afinadas. Sua base, deve-se lembrar, é empírica.” (p.
13). A sociedade atual não só permite generalizações, mas também outras
conceituações.
Somente a partir desta universalidade - uma universalidade empírica -
é que certas categorias filosóficas podem ser transcritas numa
linguagem geográfica com toda a sua significação. É o caso das
categorias de universalidade, particularidade e singularidade, assim
como das de formas, função, processo e estrutura - esta última como
sinônimo de essência, ou seja, de oposição, não muito trabalhada,
entre paisagem e sociedade ou mesmo entre paisagem e espaço. (p.
12).
Ele comenta ainda que as transformações sofridas pelas sociedades no mundo
impulsionam uma necessidade de se revisitar os conceitos caros à geografia, como
espaço, território, região, relação campo-cidade, redes urbanas, circuitos regionais de
produção, lugar etc.

1 Milton Santos (p. 10), afirma sobre o que seria uma teoria da geografia: “Um sistema de realidades, ou
seja, um sistema formado pelas coisas e a vida que as anima, supõe uma legalidade: uma estruturação e
uma lei de funcionamento. Uma teoria, isto é, sua explicação, é um sistema construído no espírito, cujas
categorias de pensamento reproduzem a estrutura que assegura o encadeamento dos fatos.”.

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O que me parece importante ressaltar é o apelo:
Trata-se de alargar sua base filosófica de tal modo que as
preocupações teleológicas não constituem obstáculo à fiel transcrição
dos fenômenos. As novas realidades são ao mesmo tempo causa e
conseqüência de uma multiplicação de possibilidades, potenciais ou
concretizadas, cuja multiplicidade de arranjos é fator de complexidade
e de diferenciação crescentes. Não se trata aqui de adaptação do
passado, mas de subversão das concepções fundamentais, das
formas de abordagem, dos temas de análise. Isso equivale a dizer
que mudam ao mesmo tempo o conteúdo, o método, as categorias de
estudo e as palavras-chave. (p. 8).
Certamente que esse apelo não considerava todas as possibilidades que se abririam
na geografia contemporânea, mas ele existe. O reconhecimento dessa necessidade
por Milton Santos apenas valoriza mais as novas reflexões e o alargamento filosófico
que podemos observar hoje na geografia brasileira.

Refletindo sobre uma epistemologia da ciência geográfica, notamos alguns aspectos


essenciais: a necessidade do registro (escrito ou imagético); a referência a um
contexto (de autor, histórico, de localização, de método etc.); a questão do tempo – tão
cara aos filósofos da ciência, pode ser destacada ou não na análise;

A ciência busca a verdade? A verdade, ou um conhecimento auto-dado, evidente em si


mesmo, é que somos consciência (seja qual for a forma intencional: percepção,
reflexão, recordação, fantasia etc.) das coisas do mundo, no aqui-agora. As relações
entre as coisas do mundo (sejam elas sociedades, ou seres humanos, ou até mesmo
outros animais, ou coisas) podem ser apreendidas nesse momento. Os enunciados
que fazemos enquanto pesquisadores são o que cria a realidade.
Acredito que todos os pesquisadores têm a necessidade e o dever de promover uma
reflexão epistemológica acerca do conhecimento que produz, para ser capaz de
problematizar a realidade que ajuda construir, o seu lugar nela e as suas
consequências.

Preciso colocar a relação ser-no-mundo também nessa interpretação. O território não


emana da terra, é simplesmente um conceito, uma criação? E a realidade?
Isso tem a ver com meu método?
É um labirinto.

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Referências
Dicionário Houaiss
HUSSERL, 1907: 1989
IGC, ????

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