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ACASO
NOVEMBRO 2010
PROGRAMA
Profanação e Vandalismo
Godofredo Pereira
Fa(i)lling
Miguel Leal
A Memória do Presente
Pedro Levi Bismarck
EDITORIAL. De Mallarmé aprendemos a ler o vazio das palavras, de Duchamp aprendemos a interrogar
a arte, de John Cage a escutar o silêncio da música e de Siza que para ver é preciso tocar o imperceptível.
§ A obra não se faz a partir de um sentido único e universal mas faz-se na medida em que se entrega
ao espectador: provocando-o, questionando-o, possuindo-o. § A obra de arte é um agenciamento
incessante e imprevisível de outros significados, sentidos, interpretações. É um acaso. E o acaso é o
espaço da interpretação, da experiência, da comunicação que se abre entre nós e a obra. § O acaso não
é aquilo que é sem sentido ou fortuito mas é o que possibilita que nada esteja à partida destinado. É a
imprevisibilidade, a imponderabilidade: é a própria vida. § O acaso é o espaço vazio que nos é dado para
podermos ser livres, o espaço nunca predefinido, onde somos nós entregues à experiência de podermos
ser nós próprios, falhando, falhando de novo, falhando sempre. § A arquitectura é a experiência do acaso,
isto é a experiência da vida, da construção inconstante de uma rotina nunca predefinida. Os desenhos
e as imagens acabadas ficam no arquivo, lá fora a vida continua, a arquitectura ganha vida, enfeitiça-se,
sacraliza-se e profana-se, desaparece e renasce. § A natureza indeterminável da arquitectura não é a sua
imperfeição mas a sua grande possibilidade: que esta na paisagem ausente do quotidiano seja capaz de
provocar o imprevisível, de nos interrogar, rasgar o véu do saber e trazer sempre algo novo, impossível e
belo. § Que haja sempre uma hipótese de fugir ao que estamos fatalmente destinados é esse o sentido
da palavra acaso.
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Interior do palácio Al Faw ocupado pelo exército Americano, Iraque, (Foto: Richard Mosse, série ‘Breach’, 2009).
godofredo Pereira
PROFANAÇÃO
E
VANDALISMO
SOBRE O ACASO NA VIDA DOS MONUMENTOS
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punkto - acaso
outro lado temos também a inscrição do objecto deve ser mais precisamente descrito como
no mundo, aberta à vida e à transformação, em uma máquina para esquecer que os projectos
que se passa de objecto acabado de construir arquitectónicos são ontologicamente distintos
(mundo perfeito) a objecto vivo, selvagem e das suas representações”. Só que fatidicamente
alheio às maquinações do arquitecto. Apesar o grande perigo espreita e as traças comem os
de não ser objectual, não poderá também livros.
esta dimensão almejar ao título de objecto da De facto o projecto enquanto objecto de arquivo
arquitectura? E se sim, poder-se-á afirmar que ou de referência sofre também aí as necessárias
a arquitectura possui dois objectos de estudo, a vicissitudes da passagem do tempo, sob a
saber, o objecto projectual e o seu devir-mundo? forma da sua integração compulsiva em novas
O problema não se põe. Simplesmente porque genealogias ou interpretações históricas. Ou
desde há muito que a escolha foi feita: é que seja, estamos perante um problema bem mais
a arquitectura, mesmo aquela que não almeja simples: ignora-se voluntariamente o acaso da
à monumentalidade, não quer geralmente ter arquitectura porque se sabe não o poder evitar,
nada que ver com vida, mas apenas com morte e busca-se o refúgio do arquivo como se este
e perfeição, o que talvez explique um maior estivesse protegido da intempérie, oferecendo
interesse na petrificação do projecto do que mais que uma protecção ilusória.
nas suas eventuais mutações. E porquê? Talvez Mas há quem vá mais longe e decida não só
porque nesta diferença entre o projecto e a sua arquivar o projecto como arquivar o próprio
vida edificada se interpõe uma figura que impõe edifício. O caso da Villa Müller é exemplar:
a separação dos dois tempos, isto é, a figura do na vontade de restaurar o projecto original de
acaso. acordo com os desenhos e ideias de Loos, foram
Assim sendo, a segunda afirmação que retiradas as camadas de tinta que escondiam as
avançamos parece ser a mais correcta: a cores originais, foram retiradas mobílias não
arquitectura pensa na sorte quando se deixa levar originais, a casa foi limpa até ao seu passado-
pela angústia de controlo que a todo o custo se ideal, passado esse que pouco mais foi que o
recusa a aceitar o devir da própria arquitectura. projecto. É patente o terror inerente à defesa
Quando os imprevistos usos e transformações do monumento, o terror ao mundano, que
do edificado são descritos em termos de sorte contra a vida vivida da arquitectura transforma
ou azar, é sinal que se dá prioridade ao objecto o objecto numa obra de arte, intocável. Por
projectual e por isso mesmo aí se espeta a isso, a recuperação da casa Müller (como a
primeira faca à arquitectura e à sua vida. de tantas outras) é de facto profundamente
anti-arquitectónica, e ainda mais se vista à luz
das posições do próprio Loos. E o que é ainda
Também tu, Brutus! mais curioso é que numa época em que se
assume que os arquitectos já não constroem
Brutus aqui é o arquivo, essa tentativa de matar a monumentalmente se continuem a produzir
arquitectura (fala-se exclusivamente do projecto monumentos em todo o lado: monumentos
e não do edifício). O arquivo é, como observa às instituições, ao passado histórico, ao
Kent Kleinman em Archiving Architecture1 um pensamento, à revolução, à cultura, à
suplemento de qualidades que a obra construída arquitectura, etc.
necessariamente não terá (originalidade, O restauro da Villa Müller foi confirmado pelo
estabilidade, permanência) e vive precisamente arquivo dos seus desenhos originais e fotografias
desta separação forçada entre projecto-ideia e existentes. Mas restaurando-a o edifício deixa
obra-viva. O arquivo insiste nesta separação de ser arquitectura e passa a ser um arquivo
segundo a assunção de que a arquitectura está construído. Como tal não pode ser tocado,
no projecto e o resto é obra do acaso, tentando transforma-se num monumento, uma imagem
passar a ideia de que o que se observa no do auto-imaginar-se da sociedade. Assim,
projecto se observa no edificado: “O arquivo quando o arquivo não chega, mata-se o próprio
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punkto - acaso
edifício. Tudo para que o mundano acaso re-usos e adaptações, frutos da ocasião e das
não profane ou vandalize a bela imagem que circunstâncias, ou para seguir a linha deste
queremos da arquitectura. ensaio, do acaso. A profanação trata então
da definição de limiares a partir dos quais se
considera que o edifício está a ser desvirtuado,
Profanação limiares a partir dos quais em certos casos se
pode recorrer a mecanismos legais disponíveis
Mas passemos para o mundano, pois se nos para intervir e repor a ordem. E principalmente
debruçarmos sobre essa segunda vida do objecto a profanação força o constatar da irremediável
verificamos que o acaso não é assim tão simples. distância entre o ideal projectado e o real vivido
A profanação do objecto arquitectónico e necessariamente transformado.
significa segundo Agamben, a sua devolução
ao comum, ao espaço mundano, agora fora
do dispositivo de poder que o inscreve: “Uma Vandalização
vez profanado, aquilo que estava indisponível
e separado perde a sua aura e é devolvido ao Por vezes, a profanação não é apenas fruto do
uso”2. Se usarmos o exemplo da arquitectura quotidiano e das suas preocupações terrenas,
portuguesa do Estado Novo – que melhor mas de um acto deliberado contra a imagem do
exemplo se pode pedir para uma arquitectura objecto edificado. Este acto que pelo objecto
que inscreve determinadas formas de poder (ou sobre ele) visa produzir um determinado
pastoral na identidade colectiva de uma nação efeito político, indica que se é possível passar do
– então teremos como exemplo de profanação o sagrado ao profano, então também é possível
Tribunal transformado em padaria, os Correios o seu oposto, a passagem do profano para o
em discoteca ou o Portugal dos Pequeninos em sagrado. A esta acção daremos, à falta de melhor,
loja de conveniência. Claro que muitas vezes tal o nome de vandalização.
não acontece – ou acontece menos vezes do que O acto de vandalismo parte do princípio de que
seria desejável – o que pode indicar problemas a separação entre sagrado e profano, entre poder
nesta ideia. Mas profanar significa retirar ao e viver (ou entre o poder inscrito no projecto e
sagrado. Ora devemos começar por reparar a selvajaria mundana do edificado) não é mais
que no que respeita à arquitectura, o sagrado que uma fabricação, uma manobra que esconde
é aquilo que é determinado pela ideia-função o real poder do edifício e que esconde a verdade
e cristalizado na sua representação ‘parlante’. da arquitectura. Vandaliza-se porque vale a pena
O sagrado remete não só para um espaço vandalizar, porque o edifício representa algo.
religioso ou legal, mas principalmente para a O muro da universidade é um monumento ao
sua cristalização projectual enquanto tal. Trata- poder instituído, a capela em desuso é de facto a
se aqui da arquitectura enquanto produção de manifestação de uma instituição conservadora,
sagrado e ela mesma produção sagrada. Assim a vandalização de uma fachada vai decerto
os espaços sagrados da arquitectura são todos enfurecer os apoiantes do partido politico
aqueles determinados para um ritual específico, adversário, etc. A vandalização é portanto um
desenhados para cumprir a inscrição na terra momento de ataque ao profano (ataque ao
do sagrado (a Ideia). Dito de outra forma, são edifício que finge ser profano) mostrando que
todos aqueles passíveis de serem profanados. Mas ele é profundamente sagrado, trazendo ao de
assim sendo temos que esta organização de poder cima o monumento totémico que se esconde
pelo objecto não é exclusiva da arquitectura na rotina da vida quotidiana e mundana. O
de estado ou arquitectura de excepção, mas escritor Robert Corbu indicava num texto
sim estranhamente inerente à própria ideia sobre monumentos desconfiar da sua suspeita
de arquitectura. Aliás, verificamos que na inconspicuidade. A suspeita inconspicuidade
maioria dos casos o objecto arquitectónico é dos monumentos é a sua capacidade para
o palco de constantes profanações, constantes passarem despercebidos quando reduzidos a
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punkto - acaso
fundos, perdidos no dia-a-dia dos hábitos até torno ao edificado ou fazendo uso do edificado.
que alguém os retire a essa invisibilidade. E ao Para além de Kleinmen, diremos finalmente
tentar ser iconoclasta, a vandalização pressupõe que não se trata tanto ou simplesmente de
que para os outros existe ali um tabu e reinveste uma separação ontológica, mas de duas
totemicamente o edifício, conferindo-lhe a linhas de vida que casualmente se cruzam e
capacidade para articular e dar visibilidade a uma voltam a separar, produzindo-se momentos de
luta de poder que necessariamente o ultrapassa: transferência entre elas, forçados pelos variados
expõe o sagrado, torna-o visível e ao mesmo encantamentos mágicos do edifício e do
tempo duplica o seu poder. A vandalização projecto e pelas igualmente feiticistas tentativas
pressupõe que ao atacar a fachada se ataca de os desmascarar. Assim sendo o objecto da
simultaneamente a ideia que está expressa na arquitectura não será mais do que a tentativa
fachada. E pressupõe que alguém se importa (e de ter pulso nesta relação entre inscrição e
de facto há sempre alguém que se importa...). transformação ou entre morte e vida.
Assim, se a profanação parece marcar uma Afinal, o problema é que a monumentalidade
diferença ontológica inscrita nos próprios – que é normalmente identificada com o
fundamentos da prática da arquitectura entre simbolismo clássico – não advém simplesmente
o projecto do objecto e a vida do objecto - i.e. de uma decisão de construir monumentalmente,
duas arquitecturas - já a vandalização através isto é, de seguir uma certa forma de projectar,
da sua acção sacrificial, nunca remete para o mas principalmente de circunstâncias
profano, mas sempre para o sagrado. Só que imprevisíveis ditadas pelo acontecer da
é precisamente por este estar no mundo que a arquitectura, que resultam no edifício tornado
vandalização é capaz de devolver ao objecto monumento. Ora dá-se o caso deste processo
mundano o seu carácter ideal e que assim o poder cristalizar para a história da arquitectura
ressuscita da morte. uma organização espacial e uma linguagem
E é este momento de encantamento que se formal que se baseou precisamente na ideia
torna decisivo. No momento da vandalização, de anti-monumentalidade. E aí produz-se o
a separação entre sagrado e profano colapsa léxico de uma nova monumentalidade, isto é,
e edifício, uso e simbologia, recuperam uma de uma nova forma de representar e fazer ver
co-imanência que lhes escapa desde que se pela arquitectura. Diria Benjamin que é aura
transmutaram de projecto em obra, e que que está em jogo, diremos nós que a angústia
no fundo opera a união, o encontro ainda contra o acaso, que parece animar os delírios de
que momentâneo entre essas duas vidas da controlo do arquitecto, resulta da incapacidade
arquitectura, a vida ideal, projectada, e a vida de aceitar o carácter totémico e feiticista do
real mundana e conflitual. A vandalização objecto arquitectónico. E que é essa capacidade
desenterra a Ideia para monumentalizar a terrível de descobrir poderes ocultos e uma espécie de
realidade que se esconde no profano. alma vivente na matéria inanimada que faz a
vida da arquitectura.
Animismo
Godofredo Pereira (Porto, 1979) Arquitecto pela FAUP.
Temos portanto que entre estas duas vertentes Mestrado AVATAR, pela Bartlett School of Architecture.
da arquitectura, ou entre os seus dois objectos Desenvolve tese de doutoramento sobre ‘Feiticismo e Política
Mágica dos Monumentos’, no Centre for Research Architec-
existem múltiplas relações, de apropriação,
ture, Goldsmiths University, Londres, com bolsa da Fundação
de profanação, de violência, passando do para a Ciência e Tecnologia. É co-editor da DETRITOS
simbólico ao profano, do usual ao monumental, (http://www.revistadetritos.com) e lecciona na Bartlett School of
movimentos que reflectem as lutas de poder em Architecture, Londres.
1 Kent Kleinmen, Archiving Architecture, (in Blouin, Francis X., Rosenberg, William G., Archives, documentation, and institutions
of social memory: essays from the Sawyer Seminar, University of Michigan Press, 2006, pp. 54-60).
2 Giorgio Agamben, Profanations, Zone Books, NY, 2007, pp. 73-92.
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‘Honra aos Heróis’ - grafitti na fachada da antiga sede da
PIDE-DGS em Lisboa, antes de serem iniciadas as obras
para a sua transformação em condomínio de luxo.
(Foto: autor desconhecido)
PEDRO OLIVEIRA
FA(I)LLING
Try again. Fail again. Better again. Or better worse. de retorno mais ou menos romântico ao lugar
Fail worse again. Still worse again. Till sick for good. de onde tinha partido anos antes. No entanto,
Throw up for good. Go for good. Where neither for quando planeou enfrentar sozinho o oceano
good. Good and all. Atlântico numa arriscada aventura — e nunca
Samuel Beckett antes tentada em tais condições —, Ader tinha
como objectivo concluir o seu projecto In
Search of the Miraculous e podemos por isso
Na manhã de 18 de Abril de 1976, quando dizer que se tratava acima de tudo uma radical
navegava 100 milhas a sul da costa irlandesa, experiência estética. Apesar da adaptações que
um barco de pesca galego avistou o casco semi- lhe foram feitas, o barco escolhido, um Guppy
submerso de um pequeno veleiro de recreio que 13 Pocket Cruiser, um pequeno veleiro de
não chegava a ter 4 metros de envergadura. À recreio muito popular à época na Califórnia,
deriva em mar aberto e sem sinais de ocupação não parecia o mais indicado para a travessia.
recente, o barco foi encontrado na vertical, Desafiar o Atlântico sozinho numa autêntica
com a proa no fundo e parte da popa fora casca de noz foi para Ader apenas mais uma
de água. No seu interior, entre vários outros forma de ensaiar o difícil encontro entre a
objectos, descobriu-se um passaporte no nome tragédia e a farsa, derradeira tentativa de
de Baastian Johan Christiaan Ader. Tratava-se levar ao limite o confronto com as ideias de
com efeito do Ocean Wave, o barco no qual, a risco, queda, fracasso ou desaparecimento que
9 Julho de 1975, o artista de origem holandesa parecem dominar a sua obra.
Bas Jan Ader tinha partido de Cape Cod, no In Search of the Miraculous era assim o
Massachusetts, tendo como destino o porto gesto radical exigido a um artista que
de Falmouth, na Grã-Bretanha. Não era a experimentou de um modo muito particular
primeira vez que Ader cruzava o Atlântico a tão reclamada fusão entre vida e obra que
num barco à vela. Já em 1963, com 20 anos, marcou as décadas de 60 e 70. Na verdade,
depois de viajar à boleia por França e Espanha, Ader integrou a primeira geração de artistas
tinha embarcado em Marrocos num veleiro conceptuais da costa leste mas desde cedo o
que o levaria numa longa e atribulada travessia seu trabalho mostrou uma dimensão poética
de 11 meses até San Diego, na Califórnia, que o aproximava da já longa tradição do
com passagens pela Martinica e pelo Canal Romantismo. Há, ainda assim, um lado
do Panamá. Estabelecido desde então em absurdo e trágico-cómico que também permite
Los Angeles, para Bas Jan Ader a viagem do relacionar a sua obra com as mecânicas
Ocean Wave era por isso mesmo uma espécie específicas do burlesco. Observe-se, por
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punkto - acaso
exemplo, como Ader enfrenta a gravidade em de interrupção e talvez a única que poderia
dois curtos filmes de 1970 — Fall I e Fall II. em boa verdade completar um projecto que
No primeiro, vemo-lo sentado numa cadeira pretendia levar ao limite as ideias centrais da
em cima de um telhado de onde acaba por sua obra. Quando o casco do Ocean Wave foi
cair no chão, desamparado e aos repelões; no encontrado, 10 meses após a partida de Cape
segundo, pedala ao longo de um canal para Cod, estava já coberto de algas e moluscos
cair bruscamente na água. Sem explicação e por isso estima-se que andasse à deriva há
aparente, as duas quedas são absurdas e estão vários meses. Sabe-se apenas que se perdeu
talvez mais próximas da comédia splatstick o contacto via rádio com Ader três semanas
de Buster Keaton do que da grande tragédia após a partida e julga-se que alguma coisa terá
romântica. Por isso mesmo, o modo como Ader acontecido ao Ocean Wave já depois de ter
combina essa dimensão trágico-cómica com passado os Açores. Os sinais encontrados no
a melancolia evidente da sua figura solitária, barco não foram suficientes para reconstituir
em filmes como I’m Too Sad to Tell You, de o sucedido. O Ocean Wave foi trazido pelo
1971, no qual chora convulsivamente em frente pesqueiro galego para o porto da Corunha
à câmara, ou em Broken Fall (Organic), do mas pouco tempo depois viria a desaparecer
mesmo ano, em que se baloiça pateticamente misteriosamente uma segunda vez, agora em
do alto de uma grande árvore até se deixar definitivo. Do Ocean Wave não restam pois
cair na água, transformam o seu trabalho mais do que algumas imagens, ajudando a
numa variante singular da arte conceptual e, adensar o mistério em volta da última viagem
ao mesmo tempo, como alguém assinalou, de Bas Jan Ader.
numa síntese pouco comum entre a Europa e a
América.
A primeira parte do projecto In Search of the §
Miraculous foi apresentada em Los Angeles
pouco tempo antes da partida do Ocean Na Bienal de Veneza de 2005 Joachim Koester
Wave e o seu segundo momento deveria ter apresentou Message from Andrée, uma peça na
resultado da viagem solitária de Ader, para o qual podemos encontrar sinais da sua vocação
que se planeava já, entre outras, uma exposição de caçador de fantasmas. O ponto de partida
no Museu de Groningen, na Holanda. Ora, de Koester foi a viagem falhada, em 1897,
Ader veio a desaparecer algures no meio dos exploradores suecos Salomon A. Andrée,
do Atlântico, naquela que é uma forma Nils Strindberg e Knut Frænkel, que queriam
estranhamente topográfica de definir a ideia sobrevoar em balão o Pólo Norte. O balão,
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punkto - acaso
baptizado com nome de ave imperial — Ör- mas sim um filme em formato 16mm, mudo
nen (Águia) —, partiu de Danskøya, perto de e quase abstracto. Dos rolos fotográficos es-
Spitsbergen, no Árctico, a 11 de Julho de 1897, pecialmente preparados pela Kodak para a
mas ao fim de três dias, a poucas centenas de expedição, recuperaram-se cinco em 1930, já
quilómetros do ponto de partida, caiu no gelo expostos, um deles ainda no interior da má-
para não mais se levantar. Andrée, Strindberg quina. Surpreendentemente, após tanto tempo,
e Frænkel andaram então à deriva sobre o gelo logo na altura foi possível revelar quase uma
implacável do Árctico durante várias semanas centena de imagens. Alguns dos negativos,
até se instalarem, com a intenção de aí passar o cobertos de manchas e riscos, tinham ficado
Inverno, numa pequena ilha desabitada — Kvi- praticamente ilegíveis, mas foram precisamente
tøya [White Island] —, onde viriam a morrer as marcas físicas do seu destino a prender a
em data incerta do mês de Outubro. O desapa- atenção de Koester. Para Message from Andrée,
recimento heróico da expedição ficaria envolto o artista filmou, frame a frame, as manchas
em mistério durante mais de trinta anos, até importunas que povoam o branco de outro
que em 1930 se descobriu, quase intacto, o modo imaculado das paisagens retratadas nas
acampamento montado em Kvitøya. Aí esta- fotografias de Nils Strindberg. O resultado fi-
vam os corpos dos três homens, os seus diários nal é paradoxal, silencioso e abstracto, qualquer
de bordo e as películas fotográficas nas quais coisa que pode ser descrita através do ruído que
Strindberg, o fotógrafo de serviço, fixou meto- certos espectros sonoros ou visuais se mostram
dicamente as peripécias do pequeno grupo. À capazes de produzir. Koester optou por se
época, este achado improvável fez furor dentro concentrar nas qualidades plásticas das ima-
e fora da Suécia, tendo a reconstituição das gens, no preciso sentido de uma plasticidade
desventuras da expedição liderada por Andrée que deriva directamente da abertura ao acaso
ajudado a alimentar o imaginário de muitos lei- e à mudança, ao acidente e à contingência. No
tores. Joachim Koester não foi pois o primeiro filme somos confrontados com essa espécie de
a interessar-se pelas fatalidades e contingências autonomia plástica da emulsão fotográfica que
do destino da expedição em balão sobre o pólo, liberta as imagens de uma função documental
mas fê-lo de um modo muito particular. A obra e as isenta de qualquer valor de indexação. Foi
de Koester é povoada de assuntos obscuros portanto o potencial visionário e alucinatório
e personagens estranhas, movimentando-se dessas manchas mais do que a referência das
ambiguamente entre o documentário e a ficção; fotografias a um passado trágico, que atraiu a
no entanto, o centro da instalação de Veneza imaginação de Koester. A deriva dos três ho-
não era tanto a história dos três aventureiros mens sobre as placas soltas de gelo, com tudo o
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punkto - acaso
que isso tem de uma dramática psicogeografia filme de Koester são como que uma metonímia
e de um jogo com o acaso, encontra no filme que me permite continuar falar da suspensão
um émulo visual de carácter telepático e alu- e do aparente fracasso da viagem de Bas Jan
cinatório. Das desoladas paisagens do Árctico Ader. Através deste método espero que se possa
retratadas por Nils Strindberg restam no filme descobrir que nenhuma das viagens falhou
as manchas informes que o acaso produziu, e é verdadeiramente porque o que importa é tentar
precisamente esse ruído, essa música do acaso outra vez para falhar outra vez, apenas para
tantas vezes interpretada como erro ou falha falhar melhor, de uma vez por todas ainda pior
incómoda, que constitui a substância da inter- outra vez...
venção de Koester. Há pois um inconsciente
que se esconde nas velhas e gastas películas
encontradas em Kvitøya, um inconsciente sem
o qual aquelas imagens não seriam o que são e
que aparece no filme de Veneza como narrativa
abstracta e silenciosa, singela homenagem tanto
à desgraçada aventura sobre o gelo do Árctico
como ao potencial auto-poético e imaginativo
das coisas, em particular dessas manchas que
ganharam vida própria e reapareceram à super-
fície como a derradeira mensagem de Andrée.
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O Örnen imediatamente após a aterragem forçada a 14 de julho de 1897. Fotografia retocada.
Este texto foi em parte motivado pela exposição In Search of The Miraculous: Trinta anos despois, apresentada entre Maio e
Setembro de 2010 no Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela. Com curadoria de Pedro de Llano,
a exposição partia da ligação fortuita da história do Ocean Wave à Galiza para oferecer uma leitura abrangente da obra rarefeita
de Bas Jan Ader.Repare-se, a propósito da aventura do Örnen, que logo em 1930 saiu na Suécia o livro Med Örnen mot Polen,
baseado nos diários de Andrée, Strindberg e Frænkel e ilustrado com algumas das fotografias recuperadas em Kvitøya, ainda que
retocadas, de imediato publicado com sucesso em vários outros países (veja-se a versão americana em edição dirigida a um público
juvenil: Andrée’s Story: From the diaries and Journals of S. A. Andrée, Nils Strindberg, and K. Frænkel, found on White Island in the
Summer of 1930 and edited by the Swedish Society for Antrophology and Geography, Nova Iorque, Blue Ribbon Books, c. 1930).
Para mais detalhes sobre a peça de Joachim Koester em Veneza ver o catálogo Joachim Koester: Message from Andrée, Copenhagen,
The Danish Arts Agency, 2005.
Nove memórias-registos (Le Corbusier - Villa Savoye, Álvaro Siza - FAUP e Bonjour Tristesse, Mies - Pavilhão de Barcelo-
na e Neue Nationalgalerie, Steven Holl - Kiasma)
Pedro LEVI Bismarck
A MEMÓRIA
DO PRESENTE
O imprevisível DEVIR do espaço - arquitectura, liberdade e amor
É a imprevisibilidade que faz o acontecimento, mas é também a imprevisibilidade que faz o próprio conhecimento.
Não é aquilo que probabilisticamente se pode determinar mas é o ponto improbabilístico que rasga o próprio véu do
saber e mostra qualquer coisa que até aí não fomos capazes de prever.
Carlos Amaral Dias1
Prelúdio 1 : Palomar
O inquieto senhor Palomar2 está sobre o mar mas não o observa, fixa o olhar sobre uma onda,
uma apenas. Tenta prever todos os seus movimentos, a sua dinâmica inquieta. Precisa de
encontrar uma ordem, um esquema que lhe permita organizar toda essa complexidade. Não
desiste. Reduz o campo de observação, regista todos os pequenos detalhes. Se conseguir será em
breve capaz de prever todos os movimentos e passar à derradeira fase: estender esse conhecimento ao
universo inteiro. Mas a maré muda subitamente e o senhor Palomar perde a paciência, regressando
a casa ainda mais nervoso. Esta pequena metáfora que Italo Calvino nos oferece sobre os modelos
humanos de explicação do mundo é aqui tão simples como magnificamente exposta. De facto, o
homem constrói-se a partir dessa vontade de controlar os fenómenos do mundo, de nomear e de
lhes dar um sentido. Projectar, investigar, planear são os nomes desses mecanismos de domínio
da realidade. Formas, operações de organização da vida quotidiana que traçam esse percurso para
uma artificialidade especificamente humana. A casa-abrigo não é o indomável território-onda, mas
sim o pequeno campo de observação das coisas seguras e previsíveis. A casa faz-se sobre o signo da
firmitas, da permanência, de um habitus capaz de nos colocar em segurança com o mundo. Mas
cada campo de observação é apenas uma estação provisória e, tal como em Palomar, há sempre uma
maré, um distúrbio iminente e imprevisível. Toda a construção é provisional, contingente, assim é
a nossa essência humana, na morte para além da morte.
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punkto - acaso
não é um simples suporte de rotinas, mas sim que se faz na presença e na procura do outro,
o praticável7 que permite que o ser ocupe um na partilha, na constelação semântica e na
lugar no mundo, não para dele se esconder, simultaneidade provisional e única entre dois
mas para a partir daí poder comunicar com tempos e dois espaços. É um verbo mais que
ele. Que esse espaço não seja determinável na um nome, uma acção mais do que um facto,
sua forma, nem previsível no seu sentido, não um espaço aberto e indeterminado que se faz
é uma imperfeição da casa, mas a sua dádiva, mundo entre o homem e as coisas11.
a possibilidade última que possibilita a própria
arquitectura, deixando sempre que algo mais
advenha, aconteça e possa ter um lugar no 3. O espaço instante - a memória do presente
mundo, para além do mundo8.
Mas não será também o agio essa
indeterminação nos limites de cada objecto
2. O espaço-por-vir: agio que Yago Conde procurava; os espaços
brancos entre as frases de Mallarmé; o silêncio
Na paisagem tecnificada e impositiva da imperscrutável da música de John Cage ou
realidade qualquer discurso arquitectónico o infra mince de Duchamp? Esse momento
sobre a casa terá de reconhecer que esta é, ínfimo e imprevisível que faz do encontro
acima de tudo, um processo aberto, uma entre a obra de arte e o espectador um evento
táctica provisória para uma conquista do lugar. plenamente individual e inter-subjectivo, para
E que o último reduto do privado não deve além de qualquer sentido universal. A obra de
e não pode ser uma submissão aos ditames arte abre-se ao acaso, à abertura e à aventura
burocráticos das leis, dos mercados ou das da interpretação, e é o interprete-criador
imagens, mas deve ser sempre e cada vez que dá o seu sentido último, possuindo-a,
uma reflexão-digressão sobre a construção da destruindo-a, refazendo-a. E quando esse
liberdade individual no mundo e a construção instante único se faz casus e se faz casa, dá-se
de um espaço de relação com o outro. É esse precisamente aquilo a que podemos chamar
o sentido da palavra agio (à vontade), utilizada o facto estético. Baudelaire escrevia que era a
por Giorgio Agamben, que «indica de acordo passagem imediata da experiência à memória
com o seu étimo, o espaço ao lado (ad-jacens, que concretizava o momento estético (a
adjacentia), o lugar vazio em que cada um se memória do presente12); mas não será esse
pode mover livremente, numa constelação momento o instante único onde a experiência
semântica em que a proximidade espacial é simultaneamente já memória, isto é, onde
confina com o tempo oportuno (ad-agio, ter o presente é já o ausente, onde aquilo que
agio) e a comodidade com a justa relação»9. vejo é simultaneamente aquilo que recordo?
Agio é o lugar do livre uso do próprio, é o A sincronização absoluta e imprevisível de
espaço do porvir, daquilo que não estando dois tempos, o ínfimo paradoxo que faz
determinado, nem estando destinado, apenas com que algo se escape da escuridão e seja,
a nós cabe cumprir e realizar10. É o espaço enfim, belo – não pela sua forma, pela sua
do nosso ser que é deixado em suspenso, um proporção, mas por nos pôr frente a frente
espaço-acaso, um espaço-casa, que permanece com essa impossibilidade humana: recordar
por fazer e por vir. Não é o lugar do casuístico o que ainda posso tocar e tocar aquilo que sei
ou do fortuito, mas o espaço adjacente, que vou recordar, que quero recordar. Que
indeterminado nas suas margens e imprevisível esse momentum súbito, esse instante ínfimo
na sua natureza, que se abre no limite do ser e possa acontecer e tomar lugar, disturbando
permite que este conquiste a sua singularidade, os limites da nossa linguagem e interrogando
esse seu lugar no mundo. Ter agio é fazer(- a nossa quotidianidade, abrindo um espaço -
se) casa, é conquistar a intima fragilidade do um agio - de aproximação e de encontro em
mundo, mas é acima de tudo, o lugar-encontro direcção ao mundo, é esse o sentido último
19
punkto - acaso
da obra arquitectónica. Que isso aconteça condição, cada edifício subverte a essência de si
imprevisivelmente, indeterminadamente e até mesmo e interroga a natureza da nossa relação
no mais ínfimo pormenor, apenas reforça a com o espaço, com os programas, com o
nossa confiança na capacidade e no valor da quotidiano. Na paisagem distraída das rotinas
arquitectura. diárias, Siza faz do espaço arquitectónico
uma experiência por vir, interrogando-nos e
provocando-nos, subvertendo o mais ínfimo
4. O espaço imperceptível – desvelando, pormenor e exigindo de nós toda a atenção
interrogando o real e disponibilidade, mas sobretudo, toda a
vontade – agio. O traço negro que circunda
Toda a produção artística exige de nós atenção o Pavilhão Carlos Ramos; as escadas-percurso
e vigília, há sempre algo a des-velar, a des- que dão acesso à Casa de Chá da Boa Nova;
cobrir. Mas o verdadeiro conteúdo da revelação o vermelho-cor das paredes interiores do cubo
não é aquilo que é por si próprio revelado, mas de entrada na Faculdade de Arquitectura, mas
aquilo que esta, no seu silêncio, deixa ainda por também essa perspectiva acelerada do corredor,
dizer. Isto é, não o que em si é inexpugnável à e em Berlim, o olho invisível do Bonjour
compreensão, mas o que é deixado a mim para Tristesse, guardam essa precisa indeterminação
poder dizer. Também na obra de arquitectura da arquitectura, essa capacidade de provocar
assim o é: se nada tiver sido deixado por dizer o imponderável, de interrogar, de abrir um
(e por vir), então significa que nada afinal espaço na memória do presente, rasgando o
foi dito. Como escreve Agamben, «o único véu do saber e trazendo sempre algo novo,
conteúdo da revelação é aquilo que é fechado impossível e belo.
em si, o que é velado – a luz é apenas a chegada
do escuro a si próprio»13. Os poetas provençais fazem do agio um «terminus
Na digressão-em-viagem pelos espaços de technicus» da sua poética, que designa o lugar próprio
Álvaro Siza há sempre algo que fica por dizer, do amor. Ou melhor, não tanto o lugar do amor,
há sempre um significado indeterminado, quanto o amor como experiência do ter-lugar de uma
singularidade qualquer.
um gesto imprevisível que pede um outro
sentido. A lição fundamental de Siza não Giorgio Agamben, A comunidade que vem
está no desenho ou no método, naquilo que
imediatamente vemos, mas naquilo que fica
por ver. Para Siza a arquitectura é, acima de
Pedro Levi Bismarck (Praia da Granja, 1983). Arquitecto
tudo, um dispositivo crítico e irónico sobre pela FAUP. Estudou e trabalhou em Berlim. Está actualmen-
o exercício da quotidianidade. Cada edifício te a desenvolver a sua tese de doutoramento na FAUP. Vive
é em si uma reflexão sobre a sua própria no Porto. spacingzyx24.blogspot.com
1 Carlos Amaral Dias, programa Alma Nostra, Antena 1 (20 de Abril de 2010).
2 Italo Calvino, Senhor Palomar.
3 Casus está etimologicamente ligado ao verbo cadere. San Isidoro de Sevilla, Etimologias.
4 Idem.
5 Domus é o domínio do senhor, daquilo que foi domesticado. Ibidem.
6 Para Heidegger, compreender/pensar os nomes que se ocultam por detrás das palavras é compreender/pensar a relação imemo-
rial do homem com o mundo. CF. Heidegger, Das ding.
7 Termo convocado por Manuel Mendes.
8 Giorgio Agambem. Cf. A ideia do ter-lugar é desenvolvida no livro A Comunidade que vem.
9 Idem, pp. 27.
10 Agamben chama a isso a nossa possibilidade ética - o ethos - a nossa segunda natureza. Ibidem, pp. 30.
11 A expressão sentir-se em casa assinala a forma verbal que faz a casa e amplifica o sentido provisional desta como algo que
acontece, através da produção momentânea de um espaço-em-que-se-pode-estar.
12 Charles Baudelaire, Critique d’art suivi de critique musicale. A memória do presente revela, em Baudelaire, o sentido efémero do
próprio presente, mas também retém a importância da experiência do presente como construção de uma memória singular.
13 Giorgio Agamben, Ideia da Prosa, pp.117.
20
Stéphane Mallarmé, Un coup de dés, 1897 (página da edição francesa, 2003)
O número / se existisse / diverso da alucinação esparsa da agonia / começasse ou findasse / ensurdecedor e não negado e
preso quando aparecesse / enfim / através duma profusão ampliada e rara / se contasse / como evidência da soma pouca uma
/ se iluminasse / o acaso / cai / a pena / rítmica suspensa do sinistro / para se afundar / na espuma original / recente onde
explode o delírio até ao cimo / desvanecido / pela neutralidade idêntica do abismo.
Nove variações sobre uma mesma casa.
A B C
D E F
G H I
ATELIER DA BOUÇA
E G G
H H I
punkto - acaso
24
punkto - acaso
1 Gonçalo M. Tavares in Pedro Pacheco e Luís Santiago Baptista (curadores), Falemos de Casas... em Portugal (exposição), Trienal
de Arquitectura de Lisboa, 2010.
2 Le Corbusier, Prologue Américain, in Précisions, Collection de L’Esprit nouveau. Altamira, 1997.
25
classificados
SRU DEMOLIÇÕES
JÁ JÁ JÁ
ER ER ER
A A A
POR CIMA.....OU.....POR BAIXO!
Punkto Nº1
Novembro 2010
Porto
26
punkto - acaso
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A revista Punkto é uma publicação irregular, imprevisível e indisciplinar sobre limites: da prática, da teoria, da arte e da arquitectura.
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