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Serviço Público Federal

Universidade Federal do Pará


Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
Campus Universitário de Bragança
Programa de pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia

GAMALIEL TARSOS DE SOUSA

CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS: CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS PARA


COMUNIDADES TRADICIONAIS EM ÁREAS DE MANGUEZAIS,
BRAGANÇA/PA

Bragança/PA
Março-2018
Serviço Público Federal
Universidade Federal do Pará
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
Campus Universitário de Bragança
Programa de pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia

GAMALIEL TARSOS DE SOUSA

CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS: CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS


PARA COMUNIDADES TRADICIONAIS EM ÁREAS DE
MANGUEZAIS, BRAGANÇA/PA

Trabalho final da disciplina Laboratório


Social do Mestrado em Linguagens
Saberes na Amazônia, ministrada pelo
Prof. Dr. Luis Saraiva e pela Profª. Dra.
Marileide Alves, como critério para
obtenção de conceito final.

Bragança/PA
Março-2018
CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS: CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS
PARA COMUNIDADES TRADICIONAIS EM ÁREAS DE
MANGUEZAIS, BRAGANÇA/PA

Gamaliel Tarsos de Sousa.1


1. INTRODUÇÃO

Este ensaio tem como objetivo discutir o papel da ciência e das tecnologias
produzidas pelas Universidades e centros de pesquisas e sua aplicação ao
meio social, daremos foco especial às comunidades tradicionais que se servem
de áreas de manguezais, para seu sustento, dentro da Reserva Extrativista
Caeté-Taperaçú no município de Bragança/PA. Para tanto, utilizaremos como
aporte teórico as discussões travadas em sala de aula na disciplina Laboratório
Social do curso de pós-graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia, em
especial as contribuições de Ingold (2012); Latour (2004); Dagnino (2014) e
Feenberg (2003). O tema proposto objetiva mostrar a resistência de grupos de
intelectuais avessos ao emprego de tecnologia com fins sociais, principalmente
nas áreas de conhecimento oriundos das intituladas “ciências duras” e a pouca
aceitação por parte das populações tradicionais em usufruir dessas
tecnologias. Foram visitadas duas comunidades (Treme e Castelo), no
município de Bragança/PA e ouvidas lideranças comunitárias das mesmas
além da população em geral escolhidas aleatoriamente com o intuito de
verificar como estas populações entendem o papel da universidade e do
emprego ou não de tecnologias no cotidiano dessas comunidades. Percebe-se
que apesar de pouco avanço em expandir, além dos muros das universidades
as tecnologias com fins sociais, um conceito errôneo, por parte massiva das
populações tradicionais, tanto sobre o imediatismo dos resultados e da aferição
de lucros, também imediatos, sobre o uso dessas tecnologias. O trabalho não é
uma discussão fechada em si estando aberta a novas analises e contribuições
sem perder de vista às relações-tensões sobre os diversos modos de vida e
saberes que permeiam o universo Amazônico.

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia, Linha


de Pesquisa Educação, Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Pará (UFPA),
Campus de Bragança/PA.
2. CIÊNCIAS, TECNOLOGIA, TRABALHO E MEIO AMBIENTE

Por um longo período os conhecimentos produzidos nos meios


acadêmicos vêm sendo pautados exclusivamente pela Ciência Moderna
formulada e concebida no século XVII, tendo como premissa principal o
“método científico” com base no positivismo lógico. Tomando assim a Ciência
uma posição privilegiada frente às outras formas de conhecimentos,
revestindo-se de certeza absoluta e de caráter inquestionável. Relegando a
segundo plano as demais formas de conhecimentos (tradicionais, filosóficos,
religiosos, míticos, etc.), fechando um circulo sobre si mesmo como agência
provedora de verdades absolutas.

Para que um conhecimento se torne científico é necessário que


ele seja neutro, livre de valores e extremamente positivo, sendo universal, sem
fronteiras e praticável em qualquer lugar do planeta, como se a natureza e
todos nós fossemos iguais e tivéssemos o mesmo ritmo de vida.

A maioria considera que a ciência não tem fronteiras, que é


universal, que é a mesma, e deve ser a mesma, em qualquer
parte do mundo. Esse argumento parte da constatação de que
o Homem e a Natureza são os mesmos em todo o planeta e
que a ciência é o resultado da curiosidade inerente do primeiro,
que por meio de um método tido como infalível explora solitária
e continuamente a segunda – perfeita e intrinsecamente
verdadeira – desvelando seus segredos, sua verdade. O tempo
seria a única variável na equação que explicaria o avanço da
ciência: ele só dependeria do “escoamento” linear do tempo.
Se a Ciência avança sempre, contínua, linear e
inexoravelmente, seguindo um caminho próprio, e busca a
verdade que está na Natureza, perfeita, qualquer dificuldade
dos cientistas para entender e do minar a Natureza seria
sanada com o passar do tempo. (DAGNINO, 2014, p. 27)

As universidades, centros e Institutos de pesquisas, na grande


maioria dos seus cursos, concebem essa ideia (científica) como a única e mais
viável forma de se produzir conhecimento impondo sobre as demais um
distanciamento abissal e desmoralizante.

Outra acepção, de muitos intelectuais acadêmicos, em relação à


ciência é que esta para se desenvolver de modo eficiente e neutro devendo se
autogerir como se tivesse um motor próprio e por isso deveria se manter
isolada da sociedade, sendo qualquer movimentação contrária a esta ideia
dispensável de credibilidade e aceitação.
Percebe a ciência como tendo um motor de crescimento que
guiaria seu desenvolvimento de acordo com leis próprias,
definidas endogenamente. Para que esse motor funcionasse
bem, seria necessário que se mantivesse isolado em relação à
sociedade. Essa seria a única forma pela qual a ciência poderia
se desenvolver de modo verdadeiro e eficaz. (DAGNINO, 2014,
p. 27)

Baseada nessas premissas em relação à concepção de


conhecimento dentro dos círculos intelectuais nas universidades é que são
criadas as “tecnologias”, que segundo Dagnino (2014) “nada mais é do que a
ciência aplicada, verdadeira, isto é da mesma forma que a ciência busca a
verdade, a tecnologia busca a eficiência”.

Dessa maneira a tecnologia forjada sobre a égide da ciência


neutra não permite intervenção de outras formas de conhecimentos o que
contaminaria seus resultados e alteraria sua rota, descartando o aceite dos
grupos que transformam esses conhecimentos em tecnologia convencional
como é o caso das empresas privadas que se beneficiam dos esforços
cognitivos que são transformados em bens e serviços.

Quase sempre as agências fomentadoras de pesquisas nas


universidades estão atreladas ao capital especulativo das grandes corporações
e multinacionais e dessa forma os resultados das pesquisas, que utilizam os
espaços públicos, com profissionais pagas com dinheiro público, são
destinados a interesses particulares ficando os demais entes sociais negados
de usufruir dessas tecnologias.

Romper essa armadura de aceitação e silêncio, em relação às


tecnologias, em todos os âmbitos, seja ele de parte significativa dos membros
da sociedade, dos intelectuais, dos políticos parece ser o grande desafio desse
momento, ou seja, primeiramente na superação da forma como se faz ciência
nas universidades e em seguida como essa ciência é transformada em
tecnologia e consequentemente como esta tecnologia deveria ser repatriada
para todos os membros da sociedade.
Dessa maneira, a tecnologia moderna pautada pela ciência
academicista não é concebida como algo vinculado a natureza, mas como um
apêndice dela, levanta-se como algo que a subjuga e a supera.

A tecnologia, nesse esquema de coisas, trata a natureza como


matérias-primas, não como um mundo que emerge de si
mesmo, uma physis, mas, antes, como materiais que esperam
a transformação em o que quer que nós desejemos. Esse
mundo é compreendido mecanicamente e não
teleologicamente. Está ali para ser controlado e usado sem
qualquer propósito interno. O ocidente fez avanços técnicos
enormes com base nesse conceito de realidade. Nada nos
contém em nossa exploração do mundo. Tudo é exposto a uma
inteligência analítica que o decompõe em partes utilizáveis.
Nossos meios se tornaram mais eficientes e poderosos. No
século XIX, ficou comum ver a modernidade como um
progresso interminável em direção à satisfação das
necessidades humanas através do avanço tecnológico.
(FEENBERG, 2003, p. 06).

Dentro dessa lógica tudo se transforma em objeto pela e para a


ciência, com o objetivo de transformá-lo em produto, leia-se tecnologia, que em
seguida, quase sempre obedecendo à mesma lógica, são entregues para as
agências financiadoras de pesquisas que produzem mais-valia em suas
empresas.

Nesse afã de transformar tudo em objetos, incluem-se até mesmo


comunidades e os saberes de suas populações, a ecossistemas e demais
nichos e outras categorias, deslocando-os de seus contextos e os submetendo
a análises frias e laboratoriais. Essa transformação de tudo em objeto como
ente descolado de seu contexto dificulta o entendimento de que na verdade
estamos imersos em um mundo de entrelaçamentos extremas de
acontecimentos reais ou como pensa Ingold (2012) “um certo agregado de fios
vitais”.

Seria necessária, para um entendimento mais amplo e complexo


dessa realidade, a mudança de concepção de “objeto” para “coisa”, pois o
primeiro é entendido como algo acabado, fechado em si mesmo, sem vida,
solto, sem realidade que o sustente, enquanto que “coisa” apresenta uma
vitalidade, uma anima, situada e entrelaçada no mundo.
A coisa, por sua vez, é um “acontecer”, ou melhor, um lugar
onde vários aconteceres se entrelaçam. Observar uma coisa
não é ser trancado do lado de fora, mas ser convidado para a
reunião. Nós participamos, colocou Heidegger
enigmaticamente, na coisificação da coisa em um mundo que
mundifica. Há decerto um precedente dessa visão da coisa
como uma reunião no significado antigo da palavra: um lugar
onde as pessoas se reúnem para resolver suas questões. Se
pensamos cada participante como seguindo um modo de vida
particular, tecendo um fio através do mundo, então talvez
possamos definir a coisa, como eu já havia sugerido, como um
“parlamento de fios” (INGOLD, 2007b, p. 5).

A partir dos devaneios academicista que entendem a vida exterior


como objetos inertes suspensos no mundo é que se encontra a acepção e o
entendimento de natureza e de seus agregados, entre eles as populações
tradicionais e seus saberes, vistas assim como objetos que necessitam serem
dominadas, domadas e convertidos em conceitos e tecnologias manufaturas
pelo sistema produtivo e vendida para a população.

Dentro desse emaranhado conceitual da produção tecnológica


está o aval dos órgãos do poder político, ou seja, a forma como a Universidade
faz ciência e rateia seus resultados estão intimamente ligadas às decisões
políticas de esferas superiores atreladas ao modelo político vigente que exclui
e centraliza as riquezas e por outro lado deixa os outros entes vistos e tidos
como objetos.

A lógica de entendimento de que os objetos da ciência são seres


desconexos do mundo leva-nos a refletir que há um mundo de humanos e
outro de não-humanos como assina Latour (2004), ou melhor, um mundo
político e um mundo ecológico separados por conceitos e acepções
epistemológicas permeadas por interesses distintos. Seria necessária a
conjugação desses dois conceitos, natureza e sociedade com o fim de
complexar o entendimento sobre um fim coletivo.

Para Latour, é absurda a divisão de humanos políticos, de um


lado, e não humanos apolíticos, de outro, afinal ambos fazem
parte da mesma sociedade ou do mesmo coletivo, como o
próprio autor costuma definir. Sua proposta é a de um trabalho
conjunto na “articulação do mesmo coletivo, definindo como
uma lista sempre crescente de associações entre atores
humanos e não-humanos”. Para ele, toda proposta relacional
entre “natureza” e “sociedade” (sobretudo as inúmeras
tentativas tecidas pela ecologia política), continuam
demasiadamente rígidas em certo nível de abstração – sua
proposta não contempla uma “totalidade na qual a natureza
não social e a natureza humana se encontrariam”.
(CORNETTA, 2004, p.131)

Talvez esse seja o entendimento de muitos de nossos cientistas


que produzem tecnologias, permeadas por ideias distantes das realidades e
inacessíveis a grande maioria da sociedade. Sob esse panorama traçado é
fácil perceber que a ciência, produzida em nossas universidades, e que
alimenta as tecnologias servem mais para um seleto grupo de investidores do
que para a grande parcela da sociedade, que se ver alijada desse processo por
uma política que tende sempre a beneficiar e dar guarida a este primeiro grupo.

Ressalte-se o esforço de alguns minoritários cientistas que tem


um olhar dissonante da grande maioria dos seus pares e que com abnegados
esforços estendem suas experiências acadêmicas para a produção de
tecnologias sociais corroborando para a superação, pelo menos em parte, das
injustiças sociais.

Algumas experiências nesse sentido vêm sendo colocadas em


práticas em algumas comunidades do município de Bragança/PA, onde
tecnologias oriundas dos laboratórios das universidades são empregadas para
resolução e a diminuição de esforços dispendidos na produção de bens e
serviços, principalmente, os de origem do mangue e do mar.

As comunidades onde essas experiências foram apresentadas, no


município de Bragança/PA, estão localizadas em espaços de unidades de
conservação ambiental que abrange áreas de manguezais. Essas
comunidades se encaixam na categorização de comunidades tradicionais, que
pode ser assim entendido como espaços que:

Representam etnias, grupos sociais que construíram sua


territorialidade em um meio ambiente específico, por isso é um
pressuposto condicional levar em consideração a forma
peculiar de apossamento da terra dessas populações, assim
como sua forma especial de utilizar os recursos naturais;
assegurando deste modo, o seu modo de fazer e viver em
comunidade e a sua identidade cultural. (BENATTI, 1998, p.
38).
Dessa forma, essa categorização de organização social é
permeada por saberes tradicionais vistos como o conjunto acumulado e
dinâmico do saber teórico, a experiência prática e as representações que
possuem os povos com vasta história de interação com seu meio natural. A
propriedade desses conhecimentos, que estão estreitamente vinculados à
linguagem, às relações sociais, à espiritualidade e à visão de mundo, é
geralmente mantida coletivamente.

2.2 Tecnologias em comunidades tradicionais

Na lógica definida acima estão às comunidades do Treme e do


Castelo, onde experiências com tecnologias de cunho social foram
experiencializadas por alguns cientistas com a finalidade de estender os
resultados do campo acadêmicos subvertendo à lógica dos fins destas
pesquisas.

A comunidade do Treme fica localizada a 10 km da sede do


município de Bragança/PA numa região de fonte influência de manguezais,
tendo sua economia baseada, dessa forma, na coleta e beneficiamento de
caranguejos e em parte da pesca. O beneficiamento para retirada da massa do
caranguejo-ucá (Ucides cordatus) por muito tempo foi feito de maneira manual
e familiar sem nenhum ou pouco controle de higiene.

Dentro dessa cadeia produtiva de beneficiamento para obtenção


de massa de caranguejo toda família estava envolvida, dos homens que
adentravam os manguezais para capturarem os crustáceos, o que geralmente
ocorria nas primeiras horas da manhã em seguida esses mesmos coletores
faziam o transporte e entrega dos produtos para as mulheres de suas famílias
que o cozinhavam e posteriormente retiravam a massa nas suas próprias
residências. O produto obtido (massa) era entregue para os homens que eram
responsáveis por sua comercialização, o lucro obtido servia para manter
financeiramente o lar, ficando sob tutela geralmente dos maridos.

Com a cobrança dos órgãos de saúde e de Meio Ambiente para


que essa produção familiar se adequasse aos níveis de exigências legais de
produção procuraram-se parcerias das Instituições acadêmicas, ou de
tecnologias elaboradas dentro desses centros de pesquisas que dessem
respostas a essas novas demandas.

Foram implantadas algumas fabricas dentro dos padrões exigidos


pelos órgãos públicos. Agora a produção deixa de ser familiar e ganha
proporção industrial retirando as “mulheres catadoras” de suas residências e as
confinando em um ambiente fabril. Dessa maneira essas mulheres passam a
perceber financeiramente por sua produção o que de certa forma traz um
“empoderamento” para as mesmas e um olhar diferente por parte dos homens
outrora único provedor financeiro do lar, sobre “empoderamento das mulheres”
podemos assim conceituar:

(...) o empoderamento de mulheres, é o processo da conquista


da autonomia, da autodeterminação. E trata-se, para nós, ao
mesmo tempo, de um instrumento/meio e um fim em si próprio.
O empoderamento das mulheres implica, para nós, na
libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero,
da opressão patriarcal. Para as feministas latino-americanas,
em especial, o objetivo maior do empoderamento das mulheres
é questionar, desestabilizar e, por fim, acabar com o a ordem
patriarcal que sustenta a opressão de gênero. Isso não quer
dizer que não queiramos também acabar com a pobreza, com
as guerras, etc. Mas para nós o objetivo maior do
“empoderamento” é destruir a ordem patriarcal vigente nas
sociedades contemporâneas, além de assumirmos maior
controle sobre “nossos corpos, nossas vidas”. (SARDENBERG,
2006, p.02).

Valendo-se dessas exigências legais alguns empresários


instalaram na comunidade do Treme, galpões para o beneficiamento do
caranguejo e trouxeram as mulheres, que faziam o beneficiamento do
crustáceo em suas casas, para servirem de mão-de-obra e estas passaram a
serem remuneradas conforme suas produções. Está “nova” condição
trabalhista trouxe também conflitos em diversas áreas da comunidade,
primeiramente porque há uma limitação de vagas para trabalhadoras nas
fábricas de beneficiamento que é inferior às de mulheres que o faziam em suas
residências desalojando-as essas últimas do processo produtivo e as
relegando a uma condição marginal.

Dentro do contexto familiar também houve uma alteração


relacional significativa, pois a mulher/esposa/catadora que no modo de
produção familiar, além da ocupação produtiva, também cuidava dos afazeres
domésticos agora está exclusivamente dedicada ao seu ofício na fábrica o que
levou a diversos conflitos familiares por parte dos homens que não aceitam
essa nossa condição laboral.

Outra problemática é que a quantidade de caranguejos


capturados na comunidade por seus coletores fica abaixo da demanda
necessária para a rotatividade produtiva e dependendo da época do ano e de
fatores climáticos fica mais viável comprá-los em outras comunidades e até
municípios o que leva os coletores a não obterem um preço viável e justo por
sua mercadoria.

Por último, mas não menos importante, repousa sobre a questão


ambiental e de saúde pública, principalmente, sobre o destino das carapaças
dos caranguejos que ficam após a retirada da massa dentro das salas de
beneficiamento. Geralmente esses substratos são depositados às margens das
ruas da comunidade ou mais comumente alocados nas águas do rio que
margeia a localidade trazendo com o passar dos dias um mau odor e atraindo
animais vetores de doença que transitam o território da comunidade.

Uma possibilidade viável para resolver a situação dos resíduos


passa por uma proposta de tecnologia social, apresentada por uma Professora
de Química, oriunda da Universidade Federal do Pará, Faculdade de
Engenharia de Pesca do Campus Universitário de Bragança, que apesar das
duras críticas recebidas de seus pares apresentou a possibilidade de submeter
esses resíduos a tratamento químico e a partir daí triturá-los para a obtenção
de pó que poderá ser agregado na fabricação de concreto que poderá se
destinado a diversos fins, ratificando assim a necessidade premente dos
conhecimentos científicos aplicados a tecnologias com fins sociais, pois
possibilitaria um controle maior do processo produtivo por parte dos próprios
trabalhadores.

Ela, Tecnologia Social, seria o resultado da ação de um coletivo


de produtores sobre um processo de trabalho que, em função
de um contexto socioeconômico (que engendra a propriedade
coletiva dos meios de produção) e de um acordo social (que
legitima o associativismo), os quais ensejam, no ambiente
produtivo, um controle (auto gestionário) e uma cooperação (de
tipo voluntário e participativo), permite uma modificação no
produto gerado passível de ser apropriada segundo a decisão
do coletivo. (DAGNINO, 2014, p. 144, grifo nosso).

Outra proposta que ratifica essa ideia foi sistematizada na


Comunidade do Castelo, localizada a 12 km da sede do município de
Bragança/PA e que tem sua atividade econômica assentada na pesca, numa
região recortada de manguezais, mas diferentemente da Comunidade do
Treme não pratica comercialmente atividades baseadas na coleta de
caranguejos.
A proposta levada à comunidade visava à fabricação de joias a
partir de substratos da pesca, mais especificamente das escamas de peixes,
principalmente de pescada amarela (Cynoscion acoupa), Camurim
(Centropomus undecimalis) e da pirapema (Megalops atlanticus). Após a
imersão em efusão química por alguns dias, que objetivava diminuir os odores
característicos do pescado, as escamas recebiam um tratamento artesanal e
eram transformados em joias vendidas como produto exótico.

Também foi disponibilizado para a essa comunidade tecnologia de


processamento de couro de peixe, que deveria ser submetido a processos
químicos, curtido e manufaturado em bolsas e eventualmente em sapatos.

O público-alvo para os empreendimentos foi um grupo de


mulheres da própria comunidade, que no início viu a possibilidade de sucesso
financeiro e se empenhou nesse intento. O papel da universidade seria de
fornecer o aporte cognitivo e tecnológico, sobretudo ligado ao processo
químico e outro Órgão seria o agente de capacitação e de promoção do
desenvolvimento dando apoio ao empreendimento possibilitando-o transformar
em um pequeno negócio.

Sem financiamento oficial para custear as despesas, a cientista


que apresentou a proposta foi quem também patrocinou os apetrechos
necessários para a confecção das joias (biojoias) tais como os produtos
químicos, agulhas, arames, etc. Por ser um “produto” novo e exótico atraiu
atenção de diversos clientes e teve repercussão na mídia falada e impressa
dando notabilidade para as envolvidas no processo e visibilidade para a
comunidade.
Havendo a consulta, por parte de empresários, sobre a
possibilidade de elevar a produção a uma escola industrial, o que foi negada,
tendo em vista a limitação de matéria-prima e, em parte, pela resistência dos
sujeitos que poderiam ser envolvidos no processo de produção industrial, em
participar dos eventos de formação de qualificação de mão-de-obra.

Dessa forma, a produção continuou sendo mínima e não se


formou um capital de giro necessário para custear as despesas envolvidas no
processo de produção. A rotatividade exigida, o tempo demandado e o trabalho
despendido para esses processos, aliado a frustação de retorno financeiro
imediato acabou desanimando os sujeitos desses grupos produtivos, levando-
os a sua total derrocada.

Por fim, as comunidades voltaram a se comportar dentro de sua


dinâmica peculiar tradicional. Uma com sua produção econômica baseada na
coleta de caranguejos, a outra com base na pesca, expondo assim diversos
questionamentos para os cientistas: temos o direito de alterar a dinâmica
dessas comunidades com tecnologias pensadas sem a discussão a priori com
os sujeitos que as utilizarão? As comunidades realmente necessitam e estão
receptivas para a inserção dessas tecnologias? Qual o papel da educação no
processo de apresentação dessas novas tecnologias? Como fica o aspecto
cultural sendo exposto a uma nova dinâmica relacional entre seus membros?
Finalmente, o discurso de inserção tecnológico em comunidades tradicionais
não estará sendo apenas uma possibilidade de aproximação com a produção
econômica convencional?

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se, nas comunidades visitadas (Treme, Castelo), certa


resistência e desconhecimento, por parte de grande maioria dos moradores,
principalmente, em relação ao papel dos órgãos governamentais, pois essas
comunidades se encontram em áreas de Reservas protegidas e recebem
benefícios do Governo Federal e a visita de pessoas desconhecidas que
quebram a rotina da comunidade são entendidas como que porta-vozes de
novas benesses. Não sabem distinguir as atribuições e intuitos das Instituições
que transitam nessas comunidades.

As inovações apresentadas às comunidades sejam elas a


inserção de tecnologias ou o empreendorismo têm inevitavelmente que
apresentarem lucros financeiros imediatos sob pena de serem desprezados, os
discursos ambientalistas, de saúde, educação e bem-estar social parece não
apresentar uma aceitação significativa pelos membros da comunidade que
estão presos a essa bolha capitalista que há muito vem superado a forma
tradicional de organização comunitária.

Apesar da produção econômica dessas comunidades está


caracterizada como tradicional, as diversas relações estabelecidas entre seus
membros tem uma tessitura alinhada pelo anseio de lucro imediato e fácil,
denotando uma inserção que não foge a lógica cíclica capitalista, ou seja,
trabalhar, lucrar, consumir.

Finalmente, apesar dos poucos cientistas que se predispõem a


ultrapassarem os muros das universidades com ciência e tecnologias sociais.
Grande maioria dos membros das comunidades tradicionais ainda resiste em
colocar em prática essas inovações, por questões sociais, educacionais e
principalmente culturais, pois existe a necessidade preeminente do imediatismo
no retorno via bens-materiais e financeiros sob as expectativas criadas pelo
“novo”.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORNETTA, André. LATOUR, Bruno. Políticas da natureza. Como fazer


ciência na democracia. Trad. de Carlos Aurélio Mota de Souza. Bauru, SP:
Edusc, 2004. 411p. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/agraria/article/viewFile/156/156. Acessado em
05/04/2018.

DAGNINO, Renato. Tecnologia Social: contribuições conceituais e


metodológicas. Campina Grande, PB: EDUEPB; Florianópolis, SC: Ed.
Insular, 2014.

FEENBERG, Andrew. O que é Filosofia da Tecnologia? Disponível em:


https://www.sfu.ca/~andrewf/FeenbergOQueEFilosofiaDaTecnologia.pdf.
Acessado em 05/04/2018.
INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos
num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n.
37, p. 25-44, jan./jun. 2012.

LATOUR, Bruno. Politicas da natureza: como fazer ciência na democracia.


Tradução Carlos Aurélio Mota de Souza. -- Bauru, SP: EDUSe, 2004. 412 p.; 21
em. -- (Coleção Ciências Sociais).

SARDENBERG, Cecília M.B. Conceituando “Empoderamento” na


Perspectiva Feminista. I Seminário Internacional: Trilhas do Empoderamento
de Mulheres – Projeto TEMPO’, promovido pelo NEIM/UFBA, em Salvador,
Bahia, de 5-10 de junho de 2006.

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