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LEITURA ORAL COMO ESTRATÉGIA PARA ENSINAR A SIMBOLOGIA

MATEMÁTICA

Martha Regina Egéa Kleine (marthakleine@gmail.com.br)


Celi Espasandin Lopes (celilopes@uol.com.br)
Universidade Cruzeiro do Sul
Resumo

Este trabalho teve sua origem na dificuldade que percebemos que os alunos apresentavam
em reconhecer os símbolos utilizados na Matemática. Começamos a utilizar a leitura oral
como estratégia para detectar estas dificuldades e motivar a abordagem nas aulas.
Percebemos então que o problema era mais profundo, os alunos não só não conheciam os
símbolos da Matemática como também os símbolos da língua materna, como pontuação e
acentuação, o que dificultava a compreensão do texto. O que dizer então sobre a
compreensão de um enunciado ou um problema que utiliza a simbologia matemática? O
problema se arrasta durante sua escolaridade com o agravante de que com o decorrer do
tempo o aluno tende a “ocultar” suas dificuldades, já que aluno e professor neste nível de
ensino, consideram a habilidade de leitura já foi adquirida. Acreditamos que a leitura em
voz alta pode propiciar a passagem da linguagem matemática para a linguagem materna e
vice-versa, apoiando-se em significados dos conceitos, além de contribuir para a leitura de
uma maneira geral.
Palavras Chave: Educação Matemática; Leitura e escrita; linguagem matemática.

Introdução

Este é um trabalho desenvolvido em salas de 1º. Ano de Ensino Médio de uma


escola estadual da Grande São Paulo. Trata-se de uma escola central que abarca alunos
oriundos do Ensino Fundamental da rede municipal, Sesi, escolas particulares e de outras
escolas estaduais além de alunos do curso profissionalizante do Senai e técnico do ETE
depois de cursar o 1º. Ano do Ensino Médio.

Alunos do Ciclo I do Ensino Fundamental são encorajados a usar a oralidade nas


aulas, porém, no decorrer da escolaridade esta prática vai sendo abandonada pelos
professores até que no Ensino Médio o aluno rejeita tal prática, principalmente se for nas
aulas de Matemática.

Ler e escrever no século XXI é essencial a qualquer cidadão para o exercício de sua
profissão e em sua comunicação, pois possibilita autonomia, inserção social e cultural. O
texto, oral ou escrito, possibilita a análise crítica dos discursos para que possam ser
identificados pontos de vista, valores e mensagens nele inserido. Ler é atribuir sentido, ou
significado, ao texto. E, é a leitura do texto matemático que dá sentido e significado aos
conceitos matemáticos, que ajuda o aluno a escrever em matemática, a clarificar o
pensamento e a comunicar idéias matemáticas.

A linguagem matemática é um sistema simbólico de caráter formal que utiliza


símbolos próprios da Matemática, com sintaxe também própria. A compreensão da
elaboração dessa linguagem é indissociável do processo de construção do conhecimento
matemático. Utiliza a língua materna, muitas vezes com sentido não usual na linguagem do
cotidiano. Passar da linguagem corrente para a linguagem matemática e vice-versa é um
processo que ocorre com dificuldades e para muitos alunos não faz sentido algum.

A leitura dos símbolos, assim como, dos textos presentes nas aulas de matemática é
um processo que colabora para a compreensão dos conceitos matemáticos e se esta leitura é
feita de forma oral pelos alunos do Ensino Médio permite que seja detectada as dificuldades,
dando segurança ao aluno e ao professor quanto ao entendimento consensual dos símbolos
e textos, matemáticos ou não. O professor habituado aos termos e palavras utilizadas na
Matemática, muitas vezes, não percebe que para o aluno o mesmo termo ou palavra pode
não ter significado, ter significado diverso ou ser desconhecido.

Por sua vez, o aluno do Ensino Médio se sente inibido perante o grupo ou perante o
professor de fazer perguntas e atribui o não entendimento à dificuldade com o raciocínio
matemático. Muitas vezes não sabe nem o que perguntar e espera a orientação sobre “qual
cálculo deve ser feito”. Segundo Cândido (2001, p. 17) “a oralidade é um recurso de
comunicação simples, ágil e direto que permite revisões praticamente instantâneas,
podendo ser truncada e reiniciada assim que se percebe uma falha ou inadequações”.

A oralidade é o único recurso quando a escrita e as representações gráficas ainda


não são dominadas. Desta forma, o aluno se sente mais à vontade para errar e o professor,
através de interferências, detecta e orienta a leitura e compreensão do texto matemático.

Um texto escrito em linguagem matemática pode ser visto como uma tradução de
pensamentos matemáticos. De acordo com Vigotski (2000b, p.160), “o enunciado mais
simples, longe de refletir uma correspondência constante e rígida entre som e significado, é
na verdade um processo”.

Na perspectiva vigotskiana, o professor não “passa” conhecimento, ou seja, ele


promove situações de aprendizagem para que o aluno adquira o conhecimento, para que o
próprio aluno venha a construí-lo. Assim, tanto o aluno quanto o professor deverão exercer
um papel (inter)ativo durante o processo de ensino e aprendizagem, deverá existir uma
comunicação entre eles de forma consensual e para isto o correto uso dos símbolos, das
palavras e seu significado deve ser o mesmo para ambos. A escrita deve ser relevante e
significativa, assim como os conceitos matemáticos. “Enfatiza-se de tal forma a mecânica
de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal”
(VIGOTSKI, 2000a, p. 139).

Experiências de Vigotski mostram a linguagem como mediadora de pensamentos e


ações. A linguagem escrita nas aulas de Matemática atua como mediadora assim como a
linguagem oral, é a linguagem que vai dar significado ao pensamento matemático. Se esta
mediação não for feita de maneira a expressar o mesmo pensamento entre professor e aluno
a comunicação ficará comprometida. Na análise que este autor faz das relações entre
pensamento e linguagem, o significado é um componente essencial da palavra e é ao
mesmo tempo, um ato de pensamento .

Para Vigotski (2001b, p.150), “uma palavra sem significado é um som vazio” e em
Matemática um símbolo representa, às vezes, mais que uma palavra, representa muitas
vezes um processo. Quando é dada voz ao aluno para que expresse oralmente o que está
escrito de forma a detectar o entendimento que ele faz do símbolo o professor consegue um
entendimento consensual.

Na formação de professores de Matemática a leitura e escrita de textos, ainda que


textos matemáticos não são tratados e em sua prática docente o professor de Matemática
tende a atribuir esta incumbência ao professor de Língua Portuguesa.

Fonseca e Cardoso (2005) dizem que o processo de leitura e a escrita em


Matemática
demandam e merecem investigação e ações pedagógicas específicas que
contemplem o desenvolvimento de estratégias de leitura, a análise de
estilos, a discussão de conceitos e de acesso aos termos envolvidos,
trabalho esse que o educador matemático precisa reconhecer e assumir
como de sua responsabilidade. (Fonseca, Cardoso; 2005, p.65)

Assim, não basta que se atribua apenas ao professor de Língua Portuguesa a


proposta de atividades de interpretação de textos pois os textos que circulam nas aulas de
Matemática são típicos da Matemática, abordam conteúdos matemáticos escolares,
simbologia matemática e textos matemáticos em que pouco predomina a linguagem verbal.
Estes textos possuem sintaxe própria com diagramação também diferenciada.
Quando o aluno efetua a leitura de maneira oral o professor tem a oportunidade de
conhecer como o aluno está organizando seu pensamento e se ele conhece a simbologia
utilizada. As interferências durante a leitura proporcionam ao aluno a oportunidade de
dominar as ferramentas da leitura, a compreender o significado dos símbolos, sinais e
notações. Muitos textos matemáticos remetem a diagramas, esquemas ou tabelas que
devem ser observados durante a leitura, sendo as interferências do professor uma
ferramenta importante para o processo de leitura de textos.
Ainda segundo Fonseca e Cardoso (2005) o texto matemático pode ser escrito de
diferentes formas, o que constitui especificidades dos gêneros textuais próprios da
Matemática. O aluno ao efetuar a leitura oral deixa claro qual é o sentido que ele está dando
àquela frase ou termo e o professor, por sua vez, pode elucidar as outras formas de escrever
o conceito.

Trabalho desenvolvido

O trabalho foi desenvolvido com alunos da rede estadual de educação do Estado


de São Paulo, em classes do 1º. Ano do Ensino Médio. Estes alunos receberam, em 2010, o
Caderno do Aluno que é um material consumível desenvolvido em 2009 para cerca de 3,3
milhões de estudantes de 5ª. a 8ª. série do Ensino Fundamental e de Ensino Médio. Este
material traz exercícios, mapas, tabelas, indicadores bibliográficos e dicas de estudo. O
Caderno do Aluno é um complemento ao Caderno do Professor lançado em 2008. Com este
material em mãos o aluno reduz o tempo de transcrição, porém, o material não é suficiente
para a compreensão dos conteúdos, necessitando de complementação pelo professor e de
outros materiais.
Iniciamos o trabalho no início do ano letivo, quando o grupo de alunos ainda não
estava muito integrado. Notamos que no início eles consideravam a leitura oral como formalidade
e não como estratégia pedagógica. Depois de explicar o porquê do trabalho, quais os objetivos que
poderíamos atingir e os benefícios que traria para o coletivo muitos deixaram de recusar a leitura
oral, a esperar intervenções ou a ler primeiro e questionar depois para verificar se estava correto ou
se poderia ser diferente. Outros ainda, passaram a ajudar o colega quando ele não sabia como fazer
a leitura.
Depois de algumas aulas os alunos já estavam habituados com a estratégia e passamos a
questionar o grupo antes de fazer intervenções. Notamos que isto melhorou a concentração dos
alunos, por que qualquer um poderia ser questionado. Novamente a participação do grupo foi
importante para o prosseguimento das atividades.
Inicialmente imaginamos que as dificuldades com compreensão do texto, dos
símbolos e da dinâmica de leitura eram somente de alguns alunos, porém, a prática mostrou
que poucos sabiam ler com o objetivo de dar sentido ao texto para o ouvinte. Além de não
respeitar a pontuação da Língua Portuguesa os alunos não faziam distinção de algumas
palavras da língua materna que tem sentido específico em Matemática, como as palavras
mais e diferença.

Algumas dificuldades encontradas

1. Leitura de símbolos
Os símbolos e (menor e maior), ≤ e ≥ (menor ou igual e maior ou igual), assim
como outros símbolos característicos da Matemática, causam confusão e desconforto
quando de sua leitura. Muitos alunos memorizaram o significado sem relacioná-lo com o
crescimento ou decrescimento da reta numerada, no caso do símbolo de maior ou menor,
esquecendo ou confundindo após algum tempo. Outros utilizam truques mnemônicos, sem
no entanto, saber o verdadeiro significado.

2. Várias designações para o mesmo símbolo


O símbolo para multiplicação, por exemplo, pode ser lido como multiplicado por, vezes,
produto, dobro, triplo, etc. Muitas vezes ao enfatizar a palavra durante a leitura somos
remetidos ao conceito do texto matemático. Dizer que alguma coisa é tantas vezes a outra
coisa, ou é o dobro de algo é muito mais claro que dizer o produto deste por aquele. Aliado
ás várias palavras para o conceito de multiplicação estão os símbolos (.) e (x) que ainda no
Ensino Médio não está bem claro para o aluno. Quando o conceito não está bem formado o
aluno apenas lê as palavras e símbolos não resgatando seu conceito.

3. Leitura de monômios: x2 (x ao quadrado), x3 (x ao cubo)


A leitura da potência quadrada como sendo o quadrado cujo lado é x, ou da potência
cúbica como o cubo cujo lado é x resgata, entre outras coisas, o conceito de área do
quadrado e volume do cubo, ao passo que “x elevado a dois” ou “x elevado a três”, leitura
usual nas aulas de Matemática, é a leitura simples dos símbolos sem associação ao conceito.

4. Confusão entre os termos com índices, termos com potências e multiplicações


Os termos a2 (a ao quadrado), a2 (a índice 2), 2a (dois a) e 2.a (dois multiplicado por a)
causam, além da confusão de leitura, dificuldade de registro e transcrição. Se o aluno
consegue distinguir o conceito de cada um deles percebe também a maneira diferente de
escrevê-la, deixando de fazer um registro automático. A leitura formal, ao invés de “a dois”
ou “dois a” remete ao conteúdo utilizado no momento.

5. Dificuldade com a leitura de decimais


Notamos que muitos alunos não sabem fazer a leitura de decimais, utilizam, por exemplo para
0,8, a leitura “zero virgula oito” ao invés de “oito décimos”. Isto não traria nenhum problema, pois
esta leitura é usual na matemática da rua, porém, isto deve ocorrer depois de formado o conceito de
decimal, o conceito de partes e de associação com outros decimais equivalentes. A leitura linear
dos símbolos desvincula o significado do decimal.

6. Dissociar o significado da palavra daquele usado na língua materna


O aluno, muitas vezes não percebe que nos conceitos matemáticos usamos palavras
com o mesmo sentido que aquele utilizado na língua materna, como o caso de “variável”,
“dependente”, “inter-relacionados”, “notáveis”. Com isto os termos “produtos notáveis”,
“variável dependente”, “valores inter-relacionados” são considerados pelo aluno como
sendo próprios da Matemática, não relacionando com o próprio sentido da palavra na língua
materna.

Considerações finais

A prática de leitura oral com os alunos de Ensino Médio não garante que o aluno
aprenda mais ou com mais facilidade, mas garante que haja um consenso de linguagem
entre aluno e professor, permite que o professor detecte falhas de comunicação, falhas de
compreensão da simbologia e definições. Além disso, alerta o professor se a leitura que ele
está utilizando gera ambigüidade ou incompreensões.

Apropriar-se da linguagem matemática é um processo que não ocorre da mesma


forma nem ao mesmo tempo para todos os alunos e no Ensino Médio o professor tende a
supor que determinados termos já foram assimilados e o aluno, por sua vez, tende a ocultar
que ainda não aprendeu. A leitura oral e as devidas intervenções pelo professor permitem
que os alunos se tornem leitores autônomos em Matemática.

O professor pode atuar como mediador para que o aluno se expresse


matematicamente, para que ele tenha domínio verbal dos símbolos matemáticos, para que a
comunicação matemática possa ocorrer sem ambigüidade. De acordo com Pimm (1999, p.
22) “a Matemática constitui uma atividade social, relacionada de maneira profunda com a
comunicação”

Referências

CÂNDIDO, Patricia. Comunicação em matemática. In: Smole, Katia S.; Diniz, Maria Ignez
(org). Ler, escrever e resolver problemas: Habilidades básicas para aprender matemática.
Porto Alegre: Artmed, 2001.

FONSECA, Maria da C. F.; CARDOSO, Cleusa de A. Educação matemática e letramento:


textos para ensinar Matemática e Matemática para ler o texto. In: Lopes, Celi A. E.;
Nacarato, Adair M. Escritas e leituras na educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica,
2005

PIMM, David. El lenguaje matemático en el aula. Madrid, Espanha. Ediciones Morata S.


L., 1999

Vigotski, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000a

___________ . Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000b

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