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26/03/2018 FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE


FOTONOTÍCIA
DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

Jorge Pedro Sousa


TESE DE DOUTORAMENTO - 1997

INTRODUÇÃO

A fotografia é imagem. E a imagem é, no dizer de Abraham Moles, "Un soporte de comunicación visual que
materializa un fragmento de medio óptico (universo perceptivo) susceptible de persistir a través del tiempo
(…)".(1)

A fotografia é capaz de representar a aparência externa visível das coisas. Foi esta potencialidade do medium
que o jornalismo aproveitou, ao ponto de se desenvolver, no seu campo, uma forma de informação visual que é
genericamente conhecida por fotojornalismo, que, de algum modo, familiariza o receptor com a situação
imageticamente representada, aproximando-o do que aconteceu. Nas palavras de Merchán, a informação
fotojornalística é:

"(…) la notificación de acontecimientos reales, interpretados visualmente por un


fotógrafo y orientados por unos criterios de contingencia, mediatizados por varios
procesos codificadores (…) y que produce un mensage visual que es interpretado por
el receptor según su competencia icónica y su conocimiento del contexto."(2)

O fotojornalismo é importante, já que, por vezes, as imagens fotográficas têm grande impacto (basta
recordamos as fotos do Vietname ou o caso do Presidente Itamar Franco, do Brasil, surpreendido com Lillian
Ramos) e são maciçamente usadas por agências, jornais e revistas, participando também na construção da
identidade da Imprensa(3) e das agências e assumindo um papel relevante na apreensão da informação
impressa(4). Porém, o fotojornalismo é uma actividade pouco estudada(5). E é ainda uma actividade complexa,
por vários motivos.

Em primeiro lugar, o fotojornalismo é uma actividade complexa porque, enquanto actividade de mediação
simbólica, leva os receptores a consumirem determinadas representações mediatizadas da realidade.

Em segundo lugar, podemos dizer que o fotojornalismo é uma actividade complexa porque, no sentido lato da
sua definição, pode abarcar práticas que vão do fotodocumentalismo à produção diária de fotografias de vária
índole para a Imprensa. Por vezes, recorre-se até ao aproveitamento de fotografias de amadores ou de
determinadas organizações (por exemplo, foi a NASA que forneceu aos jornais e revistas as fotografias da
primeira viagem à Lua).

Em terceiro lugar, os fotojornalistas usam métodos diferenciados de abordagem dos assuntos, possuem, amiúde,
estilos próprios, às vezes assumidamente subjectivos(6), e dão à estampa as suas imagens em suportes de
difusão que não se esgotam nas páginas dos jornais e revistas. A título exemplificativo, exposições, livros e
sítios na Internet são recursos a que os foto-repórteres frequentemente deitam mão.

Em quarto lugar, há que colocar o fotojornalismo no seio do sistema jornalístico, nomeadamente quando se fala
da produção quotidiana de fotografias para a Imprensa. Neste campo, podemos perspectivar os fotojornalistas

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como entidades que se encontram no meio de um sistema de interdependências que é o seu universo quotidiano.
Funcionando no seio desse sistema, para nós ainda não é suficientemente claro por que é que os fotojornalistas
fazem as escolhas que fazem quando, por exemplo, seleccionam determinados acontecimentos para fotografar e
rejeitam outros, quando seleccionam um determinado campo visual ao enquadrar e quando seleccionam uma
fotografia entre várias. Os estudos sobre fotografia e fotojornalismo que temos lido, especialmente os de
tradição cultural europeia continental (Barthes, Dubois, etc.), reportam-se quase exclusivamente à natureza e
significação das imagens e só superficialmente tocam no primeiro dos assuntos, embora possam fornecer uma
contextualização relevante de várias das respostas possíveis às questões que no domínio em causa se colocam.

A ideia que fomos formando sobre a actividade fotojornalística é, por conseguinte, a de que se trata de um
processo realmente complexo de realização/fabricação de imagens associadas a textos, influenciado por uma
vasta gama de factores, provavelmente, na maior parte, ainda não descobertos ou até não relacionados com o
fabrico de fotonotícias, foto-reportagens e fotografia documental. O processo do fotojornalismo também nos
parece poder variar de cultura para cultura e de organização para organização, embora elementos como as
convenções e as ideologias profissionais, os géneros fotojornalísticos e a própria cultura profissional, no que
têm de transorganizacional e transnacional, constituam, para os fotojornalistas, pontos de referência que podem
ter um papel na configuração da produção.

No campo fotojornalístico, o produto das agências noticiosas é específico, uma vez que se trata, geralmente, de
um produto de profissionais para ser editado por outros profissionais, noutros órgãos de Comunicação Social
que não a agência produtora, e até, normalmente, em vários desses órgãos ao mesmo tempo. Mas, ao contrário
do que acontece com a informação escrita fornecida pela agência, que serve, frequentemente, para a elaboração
de peças mais elaboradas, não se espera que o mesmo ocorra com as fotografias (embora o mesmo já não se
passe com as legendas). Aliás, pode mesmo considerar-se um acto (pelo menos) de desrespeito para com o
fotojornalista reenquadrar ou manipular uma imagem deste sem autorização prévia, embora esta situação ocorra
amiudamente.

Sendo o fotojornalismo de agência noticiosa um fotojornalismo destinado a satisfazer as necessidades


quotidianas de vários tipos de Imprensa (diária e não diária, "popular" e "séria", etc.), o estudo do fotonoticiário
de agência ganha, por conseguinte, maior interesse, dado que, provavelmente, o fotojornalismo de agência terá
de seguir um padrão susceptível de obedecer aos níveis mínimos de qualidade fotográfica que se inscrevem na
cultura organizacional de cada um dos diversos órgãos de Comunicação Social clientes ou até terá de obedecer
às qualidades fotográficas tidas por desejáveis por parte desses mesmos órgãos. Por isso, é legítimo imaginar
que o fotojornalismo praticado em agências que dominam a distribuição fotonoticiosa num determinado espaço
corresponde, em traços gerais, às qualidades fotojornalísticas que, a nível transorganizacional, são vistas como
mínimas ou desejáveis nessa zona, isto é, corresponde aos critérios e convenções profissionais dominantes nessa
zona.

É devido às particularidades descritas que elegemos como objecto geral da nossa tese o processo
fotojornalístico numa agência noticiosa e como marco teórico o corpo de estudos sobre newsmaking, de que
relevamos como assuntos privilegiados no presente trabalho as pessoas intervenientes no processo de produção
de informação, o clima institucional, as rotinas, os valores, as convenções profissionais e os critérios de
noticiabilidade que interagem no seio de um ecossistema organizacional e extra-organizacional de carácter
socio-econo-ideológico-cultural, ecossistema esse que se tornou no que é, em grande medida, devido à evolução
histórica. A eleição desses factores deve-se ao facto de imaginarmos que —em consonância com as teorias do
newsmaking— são dos elementos mais influentes na enformação do fotoproduto da Lusa.

Propomo-nos, assim, olhar para uma organização específica, a agência noticiosa portuguesa Lusa, para um local
específico, a sede da Lusa, em Lisboa, para um único processo, a produção do fotonoticiário nesta Agência, e
também para determinados agentes do processo, os fotojornalistas da Lusa. Complementarmente, focalizamo-
nos na utilização que alguns órgãos de Comunicação Social clientes fazem das fotografias da Lusa.

Escolhemos a Agência Lusa como foco da nossa investigação devido ainda a três outros motivos:

1) A Lusa é a herdeira directa da evolução histórica das agências noticiosas em


Portugal, surgindo como a resultante de um processo que, sendo inaugurado pela
Agência Lusitânia, continuou com a Agência Nacional de Informação (ANI), a
Agência Noticiosa Portuguesa (ANOP) e a Notícias de Portugal; assim sendo, é
provável que seja igualmente a depositária histórica de elementos como as convenções

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profissionais, as ideologias e as culturas que se foram desenvolvendo nessas


organizações ao longo dos anos que medeiam entre 1944 e o presente;

2) A dimensão da empresa permite-lhe ser das primeiras entidades a usufruir das


inovações tecnológicas, pelo que a Lusa é, dentro das organizações noticiosas
portuguesas, uma das que mais rapidamente acompanha os processos históricos, como
acontece, presentemente, com a introdução das tecnologias de obtenção, geração e
manipulação digitais de imagens;

3) Por outro lado, a Agência Lusa abastece de fotografias, há uma década, quase todos
os órgãos de Imprensa de maior relevância do País, de onde a sua importância no
contexto da produção fotojornalística nacional, na difusão de imagens e, portanto, na
construção social da realidade pelos meios noticiosos.

Há ainda outras razões subjacentes à nossa escolha: as agências, individualmente consideradas, parecem-nos
menos estudadas do que jornais, estações de rádio e televisões, não obstante as suas especificidades: não têm
publicidade e têm por clientes, de uma forma geral, a maior parte dos órgãos de Comunicação Social. Além
disso, como as organizações noticiosas diferem entre si, parece-nos um método apropriado para a construção de
um corpo de conhecimentos teóricos sobre jornalismo realizar estudos de caso ao micronível de cada uma
dessas entidades. Registe-se ainda que, segundo julgamos, é nas agências noticiosas que mais se nota a
profissão de fé na ideologia da objectividade, algo que se repercute nas notícias, que cultivam a clareza, a
concisão e a precisão. Em parte, isto deve-se à necessidade de se ser rápido a difundir a informação, pelo que as
notícias aportariam consigo as marcas de uma estética da velocidade. Por exemplo, ao seleccionarem
rotineiramente uma determinada objectiva para cobrirem um determinado tipo de assuntos (por exemplo, uma
grande-angular para cobrirem conferências de Imprensa), os fotojornalistas impõem um determinado conteúdo
estético às imagens que realizam (os formatos afectam os conteúdos).

Deve ser igualmente salientado que a ideia para este trabalho veio de duas fontes. Por um lado, do prazer que
pessoalmente temos em fotografar e em ver fotografias e da apreciação que fizemos, ao longo dos anos, do
trabalho dos foto-repórteres. O fotojornalismo representa, para nós, o ramo predilecto do jornalismo e é mesmo
uma paixão. Por outro lado, se considerarmos a perspectiva científica, os estudos sobre newsmaking —marco
teórico da nossa tese— sempre foram os que mais nos seduziram no vasto campo da comunicação, talvez
devido à nossa experiência jornalística profissional e estudantil (influência da socialização). Julgamos ainda que
podemos encarar o fotojornalismo como uma necessidade social que merece ser estudada (embora nem sempre
vejamos o fotojornalismo como um veículo de socialização coesiva). Este último será, talvez, o argumento
"racionalmente" mais válido entre os que justificam a eleição do tema.

O objectivo principal da presente tese é, assim, recorrendo a um estudo de caso no sector de fotonotícia de uma
agência noticiosa —a Lusa, em Lisboa— contribuir para o conhecimento global dessa actividade tão complexa
que é o fotojornalismo, à luz simultânea de teorias e ideias sobre newsmaking e sobre fotografia. Pretendemos,
também, clarificar os processos produtivos fotojornalísticos na Agência Lusa e a forma como o
profissionalismo (como os fotojornalistas se vêm enquanto profissionais) e a profissionalidade(7) (as
expressões quotidianas das práticas, concepções, valores, crenças, expectativas, culturas e ideologias
profissionais) afectam a mediação das mensagens e se insinuam nas rotinas, esses processos mecânicos de
produção de foto-informação geralmente destinada a ser massivamente(8) difundida. Estes temas têm estado
arredados da tradição de investigação na Europa do Sul, excepto a título de discussão especulativa acerca das
relações entre os jornalistas e o sistema político(9).

Vários investigadores, como Gans (1980), Tuchman (1969, 1972, 1974, 1978) ou Villafañe, Bustamante e Prado
(1987), procuraram explicar como é que o conteúdo dos media é afectado por rotinas e convenções
profissionais, constrangimentos organizacionais, idiossincracias pessoais ou factores sociais, de uma forma
geral. Com toda a probabilidade, o conteúdo das fotonotícias depende dessas e de outras variáveis, como a
História (geral e específica do jornalismo, da fotografia e do fotojornalismo), costumes e tradições que, em
conjunto, formam a imagem do (foto)jornalismo prevalecente numa determinada cultura. Os dados deste estudo
sugerem, porém, que a tendência para uma certa padronização produtiva, que fomenta a homogeneização do
produto fotonoticioso da Lusa, é também o resultado de aplicações tecnológicas e de uma crescente procura do
lucro e da rentabilidade nas empresas de Comunicação Social, mesmo naquelas que, como a Lusa, deveriam,
pelo menos parcialmente, orbitar na esfera do serviço público. Mesmo as novas tecnologias parecem ser
principalmente encaradas como uma forma de maximizar os lucros, mais até do que como forma de "facilitar a
vida" ao fotojornalista.
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Julgamos que o estudo do fotojornalismo terá de ser feito, global, sectorial e individualizadamente, a três níveis.
Por um lado, temos a esfera da produção, em que interagem factores como os equipamentos técnicos e os
materiais, as organizações e os fotógrafos. Por outro lado, temos a esfera da difusão; finalmente, temos a esfera
do consumo e, portanto, dos usos e da significação/interpretação última. No nosso estudo, abordaremos
principalmente a primeira das áreas referidas (produção) e, complementarmente, as segundas (difusão) e
terceira (usos).

A título de advertência, recordamos também que existem diferenças confusas em relação à terminologia que
empregamos no presente trabalho. Diferentes investigadores dão diferentes significações a termos como
"valores-notícia" e "critérios", o que gera algumas discrepâncias quando se procura definir quais são. Por
exemplo, uns, como Bond (1962), focalizam-se no tema para definir os critérios de valor-notícia: teriam valor
como notícia as informações sobre sexo, dinheiro, etc.; outros, como Galtung e Ruge (1965), atendem
principalmente às "qualidades intrínsecas" da informação: seriam notícia as informações que satisfizessem
critérios como a proximidade, a magnitude de um acontecimento, etc. No presente estudo de caso, é nesta
última perspectiva que usaremos a designação "critérios de noticiabilidade" ou "critérios de valor-notícia",
enquanto categorias mentais intersubjectivas. Por outro lado, quando falamos de "rotinas" referimo-nos a
processos mecanicistas e frequentemente reactivos ("irreflectidos") de produção, e quando nos referimos a
"edição" (editing) referimo-nos, essencialmente, ao estabelecimento das prioridades a que o produto jornalístico
deve corresponder.

Apesar de os empregarmos, tememos igualmente que termos como "organizacional" ou "profissional" possam
ser problemáticos, pois não têm fronteiras bem delimitadas. De qualquer modo, mesmo sem essa delimitação,
julgamos poder usá-los como significando, respectivamente, "o que diz respeito à organização" e "o que diz
respeito à profissão". "Ideologia", um outro termo complexo, será essencialmente usado por nós como sinónimo
de "conjunto de ideias conscientes ou não que promove a coesão de um grupo em função de determinado ou
determinados interesses". No caso dos jornalistas, esse interesse seria principalmente relacionável com um
processo de autolegitimação.

É preciso advertir ainda que este estudo é de natureza essencialmente não semiótica, não retórica, não
psicossocial nem mesmo filosófica, pelo que eventuais referências e explorações nestas áreas têm por únicas
finalidades contextualizar ou fundamentar melhor as asserções que formulamos, intervir no campo do debate de
ideias sobre as práticas fotojornalísticas ou auxiliar as interpretações que fazemos.

A fechar, gostaríamos de dizer que se este texto servir para os fotojornalistas conhecerem melhor a profissão,
encontrarem formas de superar os obstáculos que se lhes deparam e exercerem uma acção mais plural e
democrática, o esforço e o empenho que colocámos na sua elaboração terá sido compensador.

As agências

Um estudo da UNESCO, de 1953, definiu as agências noticiosas como empresas "(…) que têm como objectivo
procurar notícias e, de uma forma geral, os documentos de actualidade". (10) Elas promoveriam,
posteriormente, a distribuição dessas notícias "(…) a um conjunto de empresas de informação e,
excepcionalmente, a particulares, com o fim de (...) lhes assegurar um serviço de informação tão completo e
imparcial quanto possível". (11)

O campo de actividade das agências é, assim, a recolha e venda de informações, regra geral, sob a forma de
texto e/ou imagem. Hoje em dia, raras devem ser as empresas jornalísticas que conseguem passar sem o seu
concurso.

A informação jornalística é cada vez mais um negócio. Aliás, tal como o primeiro jornal, a primeira agência
noticiosa, a Agência Havas, fundada por Charles-Louis Havas, em 1834, surge devido à existência de um nicho
de mercado: embora comece por fazer apenas traduções de jornais estrangeiros, em 1835 já produzia o seu
próprio material. Mas os problemas actuais das agências noticiosas não se esgotam no carácter mercantilístico
da informação jornalística. De facto, as agências noticiosas nacionais participadas pelos estados, como a Lusa,
têm apresentado problemas de instabilidade. O problema da independência das agências de informação é, na
realidade, bastante pertinente. Como diz Nobre-Correia, "Empresas destinadas a recolher, tratar e distribuir
informação, as agências têm uma imagem de neutralidade e de independência que os media invejam. Imagem
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exagerada e altamente condicionada por accionistas, administradores e clientes. Sobejos entraves para
arrevesar a visão que propõem do mundo."(12)

Para enquadrarmos devidamente a Agência Lusa no panorama geral das agências de informação, devemos
salientar que é usual distinguirem-se as agências mundiais, com uma cobertura permanente de todo o planeta,
das agências internacionais, especializadas na cobertura ocasional ou permanente de um determinado espaço
geográfico, das agências nacionais, cuja principal função é a cobertura de um determinado país, embora, por
vezes, seleccionem e redifundam as notícias das agências mundiais e internacionais para os subscritores dos
seus serviços no espaço nacional. Podemos também considerar a existência de agências especializadas num
determinado segmento de informação ou em meios informativos (fotografia, cartoon, etc.) e agências de texto,
cuja função consiste na difusão de textos opinativos.

A Agence France-Presse (AFP), a Associated Press (AP) e a Reuter são exemplos de agências mundiais e
também as agências dominantes no mercado da fotonotícia. Mas a Cable News Network (CNN) e a BBC World,
por exemplo, apesar de serem emissoras de televisão, não só se aproximam das características de uma agência
mundial como também, no futuro, poderão vir a fornecer mais sistematicamente imagens para a Imprensa
(escrita).

Como exemplos de agências internacionais, podem considerar-se a agência espanhola EFE, que cobre toda a
América Latina, e a Agência Nova China, que cobre o Extremo Oriente. A Lusa será uma agência nacional,
apesar da cobertura (não exaustiva) dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), de Macau e
de outros países de especial interesse.

Propomos ainda a distinção entre agências noticiosas —que normalmente possuem um serviço fotográfico— e
agências fotográficas (de informação), organizações unicamente devotadas ao fotojornalismo. A Lusa e a
Reuter, por exemplo, enquadrar-se-iam no primeiro tipo; a Magnum, evidentemente, é exemplo acabado do
segundo tipo.

A Agência Lusa

O jornalismo de agência não é uma actividade recente em Portugal. Se bem que com atraso, o País começou a
dar os primeiros passos nesse tipo de jornalismo em 1944, com a Agência Lusitânia (privada), que pouco tempo
sobreviveu à revolução de 1974. Seguiu-se-lhe a Agência Nacional de Informação (ANI), a agência estatal do
regime corporativista (1933-1974), reconvertida na Agência Noticiosa Portuguesa (ANOP), após a revolução.
Posteriormente, viria a constituir-se uma agência privada: a Notícias de Portugal (NP).

A Agência Lusa nasceu em 1987, da fusão das duas agências que então existiam em Portugal: a NP e a ANOP.
É uma cooperativa de interesse público, cujos membros fundadores são o Estado e a Notícias de Portugal. A
Lusa é principalmente uma Agência nacional que opera sobretudo em Portugal e Macau, apesar de ser a
produtora de grande parte da informação produzida sobre os PALOP. A cobertura jornalística feita nas
delegações no estrangeiro respeita, normalmente, aos temas que tenham interesse e/ou repercussão em Portugal.
(13)

A sede da Lusa é em Lisboa, mas a Agência possui delegações no Porto, em Coimbra, em Faro, em Ponta
Delgada, no Funchal e em Macau. Tem também uma rede de jornalistas-residentes em todas as capitais de
distrito, aos quais faculta um computador e equipamento de telecomunicações, e vários jornalistas-
correspondentes em sedes de concelhos de grande dimensão. Contudo, além de Lisboa, a Lusa só possui foto-
repórteres no Porto, em Faro, em Coimbra, no Funchal, em Ponta Delgada e em Macau.

No estrangeiro, a Agência tem delegações em Bruxelas, Madrid, nos PALOP (Bissau, Luanda, Maputo e Praia),
na África do Sul (Joanesburgo), em Marrocos (Rabat) e na China (Pequim). Possui ainda correspondentes ou
jornalistas-residentes nas principais capitais ou grandes cidades, como Washington, Nova Iorque, Moscovo,
Paris, Londres, Taipé, Hong-Kong, etc. Todavia, a nível fotojornalístico, a Lusa só possui uma foto-repórter
avençada em Angola.

A redacção da Lusa é composta por mais de 200 jornalistas, dos quais cerca de metade trabalham em Lisboa. A
produção diária de texto ascendia, em 1992, a perto de meio milhão de palavras por dia.(14) Difundia também
cerca de uma centena de fotos por dia, a maioria oriunda da European Pressphoto Agency [(EPA — Uma

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agência distribuidora de fotografias de que a Lusa é fundadora e que congrega também a France Press —que
com os seus cerca de 150 fotojornalistas é o principal membro da EPA—, a DPA (Alemanha), a ANP
(Holanda), a BELGA (Bélgica), a ANSA (Itália), a APA (Áustria), a EFE (Espanha), a Keystone (Suíça), a
Lethikuva (Finlândia) e, mais recentemente, a Pressens Bild (Suécia)]. A difusão diária de fotografias de
produção própria ascendia, no mesmo ano, a cerca de uma vintena, metade das quais oriundas da sede, em
Lisboa. As fotos de produção própria diziam, geralmente, respeito a acontecimentos nacionais e acontecimentos
na órbita dos PALOP.

A Agência Lusa faz também parte da AMAN, a Aliança das Agências Noticiosas dos Países do Mediterrâneo,
uma organização que visa promover a troca de informação comercial e noticiosa nos países banhados por esse
mar e da qual fazem parte, além da Lusa, agências de Espanha, Itália, França, Grécia, Tunísia, Turquia, Egipto,
Palestina, Marrocos, Argélia, Albânia, Mauritânia, Líbia, Chipre, Líbano, Síria e Jordânia.

Segundo os estatutos, a Lusa tem por objectivo principal "(…) assegurar uma informação factual, isenta,
rigorosa e digna de confiança", que ganha expressão no livro de estilo da Agência. Isto demonstra que a cultura
profissional tem vertentes manifestamente ideológicas e até míticas, ambas moldadas pela ideia de que o
discurso jornalístico pode espelhar a realidade. Um louvor ao antigo director de informação, dr. Maia Cerqueira,
datado de 30 de Julho de 1994, releva a asserção:

"O profissionalismo do Sr. Dr. Maia Cerqueira contribuiu para a consolidação e


reforço do prestígio e do bom nome da Agência, que assenta [sic] em primeiro lugar
no rigor, independência, objectividade, isenção e pluralismo da Informação
produzida."

Para prosseguir a sua "independência", a Lusa está dotada de autonomia económica e financeira. O Estado
celebra regularmente com a Agência contratos-programa anuais ou plurianuais, que procuram, essencialmente,
suportar os custos das actividades não-rentáveis de "serviço público" levadas a efeito pela Agência. As acções
assim financiadas constam de um programa de actividades.

Com uma carteira de 300 clientes directos a que se podem somar 600 indirectos, entre os quais as grandes
agências internacionais, a Lusa não elabora apenas notícias para os órgãos de Comunicação Social. A sua
produção informativa vai da fotografia à telefoto, do videotexto ao noticiário desportivo e económico
especializado, passando pelos dossiers de documentação, features, agendas e informação radiofónica ou
telefónica.

Todos os órgãos de Comunicação Social de expansão nacional e quase todos os órgãos regionais são clientes da
Lusa, tal como a administração pública, as autarquias, as embaixadas, empresas públicas e privadas, associações
de emigrantes, embaixadas e consulados de Portugal no estrangeiro, órgãos de Comunicação Social dos PALOP
e dos emigrantes portugueses e vários particulares.

O secretário de Estado da Comunicação Social, Arons de Carvalho, traçou as grandes linhas de orientação que o
Governo socialista, eleito em 1995, pretende aplicar à Agência Lusa:

"Hoje, o papel de uma agência noticiosa como a Lusa tem que ser muito mais virado
para o apoio à Comunicação Social regional, um papel que tem um interesse
estratégico para o Estado português, ou seja, pode não ser rentável para a maioria
dos jornais ter correspondentes em todos os PALOP, mas acho que a Lusa tem o dever
de os ter ou estar presente onde o interesse estratégico do Estado português impõe que
os tenha, como Macau, Norte de África, Brasil, junto de algumas comunidades
emigrantes… Penso que a Lusa se tem que orientar por aí.

Mas isso impõe uma reconversão do estatuto da Lusa. Daí que vá deixar de ser uma
'régie' cooperativa de interesse público para ser uma sociedade anónima de capitais
maioritariamente públicos. Esse modelo estava em preparação pelo anterior Governo
e essa via continuará a ser seguida."(15)

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Um dos problemas da Agência Lusa é, quanto a nós, a sua excessiva dependência face ao Estado, de onde pode
decorrer alguma governamentalização e alguma instabilidade, quer ao nível da Administração quer ao nível da
Direcção de Informação. Por exemplo, na sequência da vitória do Partido Socialista nas eleições legislativas de
Outubro de 1995, uma nova Direcção de Informação tomou posse. Depois disso, mais uma vez se registaram
mudanças nessa estrutura, tendo assumido cargos directivos —que mantinham em Abril de 1997, à data em que
desenvolvemos o segundo estudo de caso— os jornalistas Rui Avelar (director) e Serafim Lobato (subdirector).
Além disso, sendo a Lusa parcialmente subordinada aos interesses tácticos e estratégicos do Estado e do
Governo, a liberdade de acção dos seus jornalistas e a política editorial que pratica serão hipoteticamente
constrangidas. Mas, no presente caso, as variáveis de mercado concorrem com o interesse de Estado e os
interesses do Governo para a conformação das políticas editoriais e para a emergência de critérios de
noticiabilidade, os critérios empregues para determinar o que tem valor como notícia, embora haja um ponto a
relevar que diferencia a Lusa, em termos de pressões do mercado, das pressões que podem ser exercidas sobre
os órgãos de Comunicação Social: a Lusa não depende de publicidade e, portanto, não é constrangida por
eventuais interesses das entidades publicitárias.

Como agência fotonoticiosa, a Lusa não tem, em Portugal, concorrentes dignos de registo (existe uma Agência
de Serviços Fotográficos, mas sem grande expressão), excepto na cobertura de acontecimentos de impacto
internacional que ocorrem em Portugal, onde tem de contar, principalmente, com a Reuter e a Associated Press.
Podemos mesmo dizer que a concorrência que tem é a suscitada pela produção própria dos órgãos de
Comunicação Social. Tal facto é um elemento importante a considerar no presente estudo, apesar de a Lusa
apresentar semelhanças com as restantes organizações noticiosas: necessita de assegurar matéria-prima, de
sistematizar e racionalizar o processo produtivo (com alta divisão do trabalho), de prevenir e configurar os
pedidos dos clientes, de trabalhar com uma matéria rapidamente perecível sob a pressão diabólica do tempo, de
minimizar custos e aumentar os benefícios.(16) Também aqui, porém, os seus contratos anuais de serviço
público com o Estado português evitam que a organização passe pelos problemas financeiros de algumas outras
organizações (o que não quer dizer que não os tenha).

A dimensão reduzida da Lusa, quando comparada com as grandes agências, e a inexistência de concorrência ao
nível nacional (no plano internacional, a EPA, em que a Lusa se integra, sofre a concorrência da Reuter e da
Associated Press) são algumas das razões que nos parecem justificar o atraso tecnológico da organização,
especialmente no que respeita ao fotojornalismo. Por exemplo, se bem que a tecnologia de tratamento de
imagens, em 1994, fosse digital, os suportes tecnológicos de transmissão eram analógicos, ao contrário da
Reuter e da AP, que já ofereciam transmissão digital, mais rápida e fiel. Só em 1997 é que a Lusa acabou de
implementar um processo de transmissão digital para todos os clientes.

Registe-se também que a Lusa possui um serviço noticioso em inglês, elaborado em Macau e distribuído
essencialmente pelo Extremo Oriente. O serviço foto-noticioso também é distribuído pela Lusa-Macau.

Hipóteses e formulação da tese

Pretendemos provar nesta tese que uma organização noticiosa como a Agência Lusa, parcialmente sustentada
pelos contribuintes, deve, num Estado Democrático de Direito, perseguir uma lógica de serviço público que não
se esgota na produção rotinizada de foto-informação.

De facto, se a Agência Lusa é uma organização noticiosa parcialmente sustentada pelos contribuintes, então a
Agência deve aos contribuintes um serviço de verdadeira utilidade pública, que dificilmente passará, pelo
menos unicamente, pela produção rotinizada de foto-informação, independentemente de determinadas rotinas
produtivas e convenções profissionais fotojornalísticas poderem ser indutoras de conhecimentos mais ou menos
profundos sobre a realidade. Nesta base, tentaremos mostrar que uma verdadeira lógica de serviço público
fotojornalístico passa por uma série de atributos e procedimentos —que apontaremos— susceptíveis de
promover conhecimentos mais profundos sobre os processos sociais, nas suas várias vertentes, conhecimentos
esses que poderão levar à intervenção cívica dos cidadãos e, assim, ao desenvolvimento da cidadania e ao
fortalecimento de uma democracia mais genuína, porque mais participada.

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Colocando ainda por hipótese que a Agência Lusa é uma Agência constrangida na sua liberdade foto-
informativa, devido à participação do Estado no seu capital e a outros factores, como as influências
organizacionais, a cristalização de convenções, rotinas e ideologias ou outros elementos, alguns dos quais
procuraremos desvelar na presente tese, pretendemos verificar, pela análise do fotoproduto e dos processos
produtivos que estão na sua génese, se esses constrangimentos existem e, caso existam, em que grau existem. A
partir do ponto anterior, pomos por hipótese que o diagnóstico da situação (estudo de micronível) nos permitirá
ajudar a sugerir novas opções de trabalho e novas formas de actuação para a Lusa, passíveis de se inserirem
melhor na tal lógica de serviço público fotojornalístico que apontávamos: um serviço público fotojornalístico
verdadeiramente performativo será aquele que for de genuína utilidade pública, especialmente em matéria de
produção de conhecimentos suficientemente profundos sobre a realidade para permitir a tomada de decisões
responsáveis e conscientes.

A outro nível, partindo da ideia de Schudson segundo a qual as notícias são um produto de génese pessoal,
socio-organizacional e cultural(17), pomos por hipótese —e tentaremos prová-lo— que as fotonotícias da Lusa
são como são não apenas por via desses factores, mas também por força de uma acção ideológica multifacetada,
ideia que Schudson rejeita(18), de uma acção social que não se restringe aos aspectos intra-organizacionais, de
uma acção conformadora resultante da própria evolução histórica do fotojornalismo e de uma acção
conformadora decorrente do ambiente tecnológico. Precisando, é nossa intenção, na presente tese, verificar de
que forma e até que ponto essas forças se fazem sentir, partindo da hipótese de que elas se fazem realmente
sentir, no contexto organizacional da sede da Agência Lusa (Lisboa), particularmente na sua Editoria de
Fotojornalismo.

Pensamos ainda que —e buscaremos prová-lo—, apesar dos esforços para a edificação de uma Teoria do
Jornalismo ou de uma Teoria dos Conteúdos, os estudos ao micronível organizacional —como o nosso—
continuam a ser pertinentes porque oferecem visões particularizadas que permitem a verificação das partes antes
da soma e possibilitam a revisão e actualização teórica e a averiguação da aplicabilidade das construções
teóricas a casos pontuais, facilitando, assim, por exemplo, a detecção de discrepâncias ou a identificação de
novos factores de influência, que retroalimentem o processo de teorização. No nosso caso, buscaremos também
propor um articulado metodológico —a aplicar por nós— que sirva para estudos de caso sobre fotojornalismo
no âmbito do marco teórico do newsmaking.

A tese no seu marco teórico: photonewsmaking

Dentro do paradigma funcional da pesquisa em Comunicação Social, se recorrermos ao paradigma de Lasswell


para sistematizarmos os processos de comunicação mediada, verificamos que os estudos se situaram durante
largo tempo na área dos efeitos.(19) Os estudos sobre o "quem?", sejam os detentores de poder nos news media
sejam os jornalistas, são mais recentes: podemos recordar, no primeiro caso, os estudos críticos, como alguns de
Hall (1973, 1977) ou de Chomsky e Herman (1988), que tenderam, por vezes, a cair no simplicismo de
considerar os news media quase unicamente como instrumentos das classes dominantes e do statu quo; e, no
segundo caso, que nos interessa particularmente, os estudos sobre newsmaking, iniciados com a pesquisa de
White (1950) sobre os gatekeepers da informação.

Estes últimos estudos sobre a mediação profissional e processos de fabrico da informação (critérios de
noticiabilidade, rotinas e métodos de trabalho, canais hierárquicos, autoridade, democracia interna e
legitimidade, conformação organizacional, etc.), mais ou menos frequentes nos últimos tempos, pelo menos nos
Estados Unidos, a um nível microscópico, isto é, centrado em organizações particulares, raramente têm sido
aplicados ao fotojornalismo. Constatamos, consequentemente, que existe uma falha na construção do
conhecimento científico e científico-especulativo no campo da Comunicação Social que não se pode ignorar, e
que, com o presente trabalho, tentaremos ajudar a colmatar. Além disso, embora tenha sido já realizado um
excelente trabalho no que respeita aos valores-notícia, rotinas, constrangimentos organizacionais e outros
factores já referidos, a maior parte dos estudos foi realizada sem a influência de uma teoria geral do conteúdo
das notícias, unificadora do campo de estudos, que, mesmo agora, ainda não se pode considerar estabelecida.

Pensamos que o trabalho fotojornalístico desenvolvido na Agência Lusa, mesmo no campo das escolhas, tem
muito a ver com os seus contextos sociais, ideológicos e culturais de produção e consumo. Logo, a maior
preocupação que tivemos ao longo da presente tese foi situar sucessivamente as fotografias produzidas na Lusa
em dependência do sistema global que as enquadra, onde pontificam o mercado, os códigos culturais das

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próprias imagens —que brotam com força particular dos sujeitos e objectos que nela se integram e que nela se
inter-relacionam— e as práticas socio-culturais, incluindo organizacionais, em que os fotojornalistas operam.

Enveredámos pela opção do newsmaking, enquanto marco teórico da nossa tese, porque as razões pelas quais os
fotojornalistas da Agência Lusa fazem as suas escolhas dentro do processo de photonewsmaking, mesmo sendo,
em alguns casos, imagináveis, não estão suficientemente esclarecidas. É, inclusivamente, possível colocar
várias questões. Até que ponto se podem aplicar as conclusões dos estudos sobre gatekeeping/newsmaking,
entre outras, à esfera do fotojornalismo de agência a um micronível específico, o da Editoria de Fotojornalismo
da Lusa? Quais as variáveis específicas que conformam o processo de photonewsmaking, dentro dos
mecanismos de acção pessoal, social, ideológica, histórica e cultural a que já nos referimos? Variáveis
profissionais? Variáveis ideológicas? Outras variáveis? Existirão rotinas produtivas no fotojornalismo de
agência, conforme, à partida, parece provável, ou a actividade será tão pautada pela originalidade, pela
criatividade, até mesmo pela arte, que é perfeitamente a-rotineira? Se existem rotinas produtivas, quais são os
principais processos rotineiros? Por que razões foram sendo adoptados na Agência Lusa? Efectivamente,
pretendemos verificar se, conforme é lugar-comum dizer-se, a fotografia de agência noticiosa é sobretudo uma
fotografia rotineira, eminentemente constrangida pela organização mais do que pela autoria responsável e
consciente, uma fotografia expressiva e semanticamente pobre, ou se, pelo contrário, a fotografia jornalística da
Lusa não possui, frequente ou, pelo menos, ocasionalmente, esses atributos.

Outra consideração é válida dentro do mesmo objectivo da tese: se as fotografias da Lusa são como são, é,
provavelmente, também porque, eventualmente, reflectem as qualidades que a Agência, os fotojornalistas e os
clientes percebem como desejáveis nas fotos. Torna-se, portanto, necessário descobrir e descrever essas
qualidades, de forma a que o processo de produção fotojornalística e os discursos que lhe estão associados se
tornem mais claros.

Torna-se igualmente importante descobrir e descrever os valores-notícia que os fotojornalistas da Lusa infiltram
nos temas que seleccionam e nas suas abordagens desses temas. Por exemplo, será que os critérios de valor-
notícia fotojornalísticos são os mesmos que tradicionalmente se atribuem ao jornalismo escrito, isto é, os que
enfatizam, essencialmente, a proximidade, a significância, a oportunidade, o conflito ou o interesse humano?
Ou haverá valores-notícia intrinsecamente fotojornalísticos? Haverá news values que se possam inferir através
do estudo de fotografias? Será que a integração numa organização internacional —a EPA— ajuda a moldar o
processo de photonewsmaking? E os clientes? Afectam o processo produtivo e o produto fotojornalístico
fabricado na Lusa?

Outro ponto a considerar é a questão dos ensinamentos da História: estamos certos que a história da fotografia
não só providencia parte das explicações para o fotojornalismo que actualmente se pratica na Lusa como
também abre portas para uma nova performatividade na Agência Lusa. Mas é preciso verificá-lo. A que níveis
se faz, pois, sentir a influência histórica do fotojornalismo, se é que ela se sente? Nos conteúdos? Nas
abordagens? Nos temas? No estilo?

E os fotojornalistas da Lusa — quem são e como perspectivam o seu trabalho? Fazem algum género de crítica
ao produto que fabricam? Se o fazem, a que conclusões chegaram? Se chegaram a algumas conclusões, estas
modificaram de alguma maneira o processo produtivo e o produto fabricado? Será que o profissionalismo
fotojornalístico os afecta? Face às questões enunciadas, nesta área esforçar-nos-emos por demonstrar que a
organização Agência Lusa e os seus fotojornalistas exercem uma acção conformativa e seleccionadora sobre os
factos que serão convertidos em fotonotícias.

Conexamente às questões colocadas, é preciso considerar que os meios de Comunicação Social têm também
sido vistos como um instrumento de estabilidade ou mudança social.(20) Ora, se podemos assumir que os news
media, de alguma forma, reflectem os pontos de vista e os valores do contexto socio-histórico-cultural em que
são produzidos, então, pode-se tentar obter uma ideia desses pontos de vista e desses valores ao examinar o
tratamento que os órgãos de informação dispensam a subgrupos sociais como as mulheres ou as minorias
étnicas. Neste sentido, a nossa pesquisa contemplou a análise de conteúdo das fotos, numa tentativa de perceber
qual é esse tratamento e aquilo que se encontra por trás dele.

Estabelecemos igualmente como meta para esta tese concorrer para uma prática fotojornalística mais
esclarecida e performativa, na Agência Lusa e em Portugal, embora entendendo a performatividade numa
dimensão que não contempla predominantemente o "fazer rápido", mas sobretudo o "fazer bem", que
conotamos como fazer a foto não só informar mas também comunicar, promovendo a polifonia, a polivisão, a

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originalidade criativa, a autoria, a democracia, o conhecimento aprofundado, mesmo que se tenha em vista
corresponder às necessidades do mercado.

Ao nível do consumo da foto da Lusa por parte dos receptores últimos, os leitores de jornais e revistas, não cabe
nos objectivos desta tese aferir experimentalmente os efeitos da fotografia. No nosso entendimento, este será
um dos campos principais para futura investigação. Não obstante —e este é um dos objectivos da tese—
pretendemos, a partir dos conteúdos das fotos, reflectir sobre os efeitos da fotografia difundida pela Lusa nos
processos de geração de sentido e construção da realidade social e referencial.

Sem esquecer que, em grande medida, o trabalho em agência noticiosa é um trabalho de profissionais para
profissionais (embora menos na fotonotícia do que na redacção), a investigação que fizemos tentou,
evidentemente, dar resposta a, pelo menos, algumas das questões que colocámos, contribuindo, assim, para a
clarificação e esclarecimento dos processos de photonewsmaking e dos produtos dele resultantes em agência
noticiosa, numa era de inflação visual e em que emergem jornais "gráficos" que autores como Margarita Ledo
Andión classificam de "pós-televisivos".(21)

Para a elaboração desta tese partimos do princípio de que há uma grande diversidade de factores que
influenciam a realização e selecção das fotos e a maneira como estas agradam ou não aos fotojornalistas,
repórteres, editores e observadores. É importante ainda considerar que jornais e revistas —clientes fotográficos
da Lusa— tendem a representar o mundo ancorados a certas problemáticas e eventos da vida, pelo que as fotos
devem, em princípio, reflectir este ânimo. Aliás, procuraremos mostrar que a realidade social, os sujeitos e
objectos dessa realidade e as relações que estabelecem são o prato de onde se servem os fotojornalistas para
representarem fotograficamente, de forma dramatizada, fragmentada (anedótica) e hiper-realizada
(hiperbolizada), os acontecimentos que ocorrem no continuum-real.

O papel do fotojornalismo de agência, enquanto parte da indústria cultural, da indústria de produção simbólica,
na construção da realidade, também nos interessa porque decorre da pesquisa que fizemos, apesar desta se
centrar numa organização particular. Inclusivamente, tentaremos evidenciar, no seguimento daquilo que já
escrevemos, que o discurso fotojornalístico e as suas discursividades particulares não são o "espelho" da
realidade (basta pensar-se na mediação), independentemente dos valores positivistas e da ideologia da
objectividade que ainda parecem reinar no campo profissional. E, em acréscimo, tentaremos tornar claro que, tal
como as notícias escritas, também as fotonotícias são artefactos culturais que ganham expressão através do seu
uso social quando são postas em cena. Mais: procuraremos mostrar que as fotonotícias são fruto de uma herança
socio-histórico-cultural evolutiva e que nascem num contexto e podem ser lidas noutro, o que lhes poderá
alterar o sentido. E, portanto, que as fotonotícias são tanto signos como o são as palavras.

Sistematizando, então, a nossa investigação, visamos, em síntese: a) identificar e caracterizar as fontes


informativas que desencadeiam a cobertura fotojornalística dos acontecimentos e avaliar quais as fontes que são
valoradas; b) clarificar o processo de fabrico da foto-informação, identificando os seus constrangimentos e
restantes factores que o influenciam, com particular destaque para as questões do profissionalismo e da
profissionalidade e para a acção de gatekeeping com base em critérios, convenções, rotinas e valores esquivos
de noticiabilidade (que também procuraremos reconhecer); c) caracterizar o produto fabricado nas suas formas
de apresentação, procurando explicitar a geração de sentidos; e d) avaliar, parcialmente, a forma como o
produto fotojornalístico é usado pelos clientes da Lusa.

Registe-se também que, por vezes, os dados oferecidos pela pesquisa científica podem ser incomodativos,
apesar de esta predominantemente pretender descrever e clarificar comportamentos e, eventualmente, como no
presente caso, alinhavar ideias que tentem apontar soluções de maior eficácia, abrangência e compreensão nas
leituras e interpretações do mundo.

A fechar, é importante referir que a estrutura sob análise é a Editoria de Fotojornalismo da Agência Lusa em
Lisboa, em 1994, chamada de Serviço de Fotonotícia, pelo que os resultados do estudo e as considerações que
sobre esses teceremos dizem respeito a essa realidade e não ao conjunto da produção noticiosa da Agência.

Metodologia

Metodologicamente, e de uma forma genérica, recorremos, em primeiro lugar, à pesquisa bibliográfica e à


análise histórica da evolução do fotojornalismo através de vários jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, de
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forma a localizar as fontes indispensáveis à concretização da tese.

Sublinhamos que, para obviar aos problemas da tradução, transcrevemos quase sempre as citações directas na
língua em que foram escritas, mas oferecemos traduções livres nas notas inseridas antes da bibliografia.
Exceptuamos as traduções do espanhol e galego, quer porque são línguas ibéricas, quer porque a tese foi
apresentada em Santiago de Compostela.

A investigação de campo na sede da Agência teve dois períodos distintos: entre 1 e 14 de Agosto de 1994
fizemos uma investigação preliminar, em ordem a estabelecer os parâmetros pelos quais se deveria nortear um
segundo período de investigação, que decorreu entre 28 de Abril e 12 de Maio de 1997. A escolha deste último
período foi baseada na necessidade de se obterem resultados recentes e mais representativos. Os resultados das
pesquisas de campo foram abordados separadamente, relacionados e comparados.

Os períodos de tempo que permanecemos na sede da Lusa foram, infelizmente, mais motivados por
contingências financeiras e profissionais do que escolhidos por vontade própria. Isto é, concordamos que uma
investigação de campo mais prolongada permitiria uma maior validação das inferências que se fizeram sobre os
resultados. Por outro lado, em relação ao primeiro período de investigação, é preciso salientar que Agosto, o
mês em que se processou a primeira fase das investigações, não é o mês ideal para se recolherem dados
representativos da produção fotonoticiosa ao longo do ano. Contudo, procurámos ter este último factor em linha
de conta quando procedemos à comparação dos resultados obtidos em 1994 com os resultados obtidos em 1997,
visto serem períodos distintos do ano.

De facto, a investigação realizada em 1994 foi desenvolvida durante a aparente "estação morta" das notícias,
pois os políticos vão a banhos e o País entra numa espécie de letargia político-económica. Esta circunstância
teve, claro está, os seus reflexos nos resultados, nomeadamente no número e variedade dos temas abordados.
Mas, como se tratava de uma pesquisa destinada, principalmente, a delinear, em traços gerais, uma investigação
posterior de maior profundidade, decidimos mantê-la no período em causa.

É importante frisar, igualmente, que Agosto é um mês de férias, pelo que, em 1994, havia fotojornalistas de
férias. Inclusivamente, um outro fotojornalista —João Paulo Trindade— tinha sido destacado para a cobertura
da Volta a Portugal em Bicicleta e outro —Manuel de Moura— em parte do período encontrava-se na Guiné-
Bissau a reportar a campanha eleitoral para as eleições presidenciais. Agosto de 1994 foi, portanto, um mês algo
atípico em termos de actividade fotojornalística; mas foi também, por isso mesmo, um mês durante o qual era
importante estudar a produção fotojornalística.

Nos dois períodos de investigação, permanecemos na sede da Lusa, em Lisboa, geralmente das 9 horas às 20
horas, durante todos os dias em que a investigação decorreu. Em alguns dias, estivemos presentes do início
(cerca das 8 horas) ao fim (cerca das 24 horas) da jornada laboral.

Na pesquisa, fizemos uso sistemático de três métodos: 1) a análise de conteúdo (análise do discurso) da
produção regular (excluímos as encomendas de carácter pontual e a produção para arquivo do nosso estudo),
para a determinação de variáveis que vão desde os critérios de fotonoticiabilidade aos sujeitos representados nas
fotografias, de forma a podermos caracterizar o produto fotonoticioso; 2) a observação participante, para
enquadramento e compreensão geral do processo de fabrico da foto-informação na Lusa, bem como para
recolha de dados susceptíveis de oferecerem explicações ou levantarem questões, como certas frases que
recolhemos dos fotojornalistas; e 3) a entrevista — entrevistas pessoais semi-estruturadas e abertas aos
fotojornalistas, entrevistas-inquéritos, colocação regular de questões aos repórteres e conversas informais.

No que respeita à validade dos resultados (e das conclusões associadas), julgamos que são exclusivamente
representativos de uma organização específica, que pratica um tipo de fotojornalismo enformado por uma
agência noticiosa, num determinado contexto (país, cultura, tempo, etc.). Realçamos, inclusivamente, que as
eventuais insuficiências da análise de conteúdo foram compensadas pela observação participante e vice-versa;
por seu turno, o problema de o estudo de caso desenvolvido em Agosto de 1994 ter sido efectuado num período
de férias foi compensado pela realização do estudo de 1997 em Abril/Maio. Assim, para nós, e com as
condicionantes relevadas ao longo da tese, é possível intuir que, na generalidade, os processos e fenómenos que
identificámos e sobre os quais nos debruçámos nos estudos ocorrem nos restantes períodos do ano, de uma
forma geral, e que, portanto, os resultados da nossa pesquisa —temporalmente limitada— são genericamente
representativos daquilo que se passa. Concorrendo para esta ideia, registe-se que, entre Agosto de 1994 e
Agosto de 1997, procurámos seguir, embora assistematica e mediadamente, a produção fotonoticiosa da Lusa,
através das fotos publicadas nos jornais diários, não tendo constatado mudanças significativas, nomeadamente
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ao nível dos temas abordados (principalmente política nacional e desporto), personalidades representadas
(políticos e desportistas, essencialmente homens e "brancos"), valores-notícia predominantes (proximidade,
institucionalidade e previsibilidade), tipo de enquadramento ("ao baixo") e modalidades de composição
(descentramento indutor de tensão dinâmica ou, inversamente, composição com os elementos do motivo
"espalhados" a partir do centro).

A) Análise de conteúdo

Em termos metodológicos, para o presente estudo de caso, conforme já o referimos, socorremo-nos


significativamente da análise de conteúdo, que é uma técnica baseada na aferição de categorias quantificáveis
(como o número de fotos de actualidade representando situações de violência) e na sua interpretação posterior.
Uma das contingências da utilização deste método foi transformar parte da tese numa hiperdescrição, embora tal
realidade seja justificável, uma vez que o facto de os estudos de caso serem hiperdescritivos decorre da
necessidade de se avaliarem as tendências da produção fotonoticiosa da Lusa com rigor.

George V. Zito escreveu:

"Content analysis may be defined as a methodology by which the researcher seeks to


determine the manifest content of written, spoken, or published communications by
systematic, objective and quantitative analysis (…). Since any (…) communication (…)
is produced by a communicator, the intention of the communicator may be the object of
(…) research."(22)

A análise de conteúdo pareceu-nos apropriada para o nosso estudo de caso, já que é uma forma de tentar
compreender e conhecer as fotografias jornalísticas e as intenções e constrangimentos editoriais que estão por
trás delas, uma vez que "Content analysts assume that behavioral patterns, values, and attitudes found in [mass
communication] reflect and affect the bahaviors, attitudes, and values of the people who create this material."
(23)

De forma geral, para se fazer uma análise de conteúdo torna-se necessário recolher material, que será objecto de
análise sob uma forma comparativa. A decisão crucial tem a ver com a definição das categorias de análise, que
é problemática: por exemplo, na situação inicialmente referida, como definir violência? E que unidade de
medida standard se deve usar? Por isso, torna-se necessário oferecer uma definição operacional de cada
categoria, de maneira a que o receptor compreenda o objecto e os limites da pesquisa. Mas oferecer definições
já implica o observador no fenómeno, pois, como os fenomenologistas notaram, a presença do observador
"altera" o fenómeno observado. Este é, evidentemente, um problema com que se debate globalmente a
investigação científica. "The researcher himself is a variable in the research design. He influences the course of
any research he undertakes, and his actions are in turn structured by broader society in which he lives."(24)

Não ignoramos que a análise de conteúdo é problemática e limitada quando usada individualmente e mesmo se
usada com outras metodologias. No nosso caso, iremos sempre ignorar se o material recolhido é temporalmente
representativo de uma realidade menos limitada no tempo, mas, pelo menos, será representativo dos períodos
sob análise, pelo que, a partir daí, se podem extrair conclusões.

Em segundo lugar, podemos interpretar o material como sendo o resultado das intenções do fotojornalista e dos
constrangimentos socio-culturais na sua elaboração, mas será difícil saber se realmente o que encontrámos tem
a ver com aquilo que o foto-repórter "colocou lá", isto é, com as intenções do autor.

Finalmente, nada nos indica se a nossa interpretação das fotos e as induções que possamos fazer acerca do
processo de geração de sentidos pelos observadores terá efectiva correspondência com o que se passa com estes
últimos. Inclusivamente, na actualidade concorda-se que as pessoas respondem diferentemente aos meios de
comunicação, pois têm diferentes interesses, educação, personalidade e background, factores que influenciam a
resposta aos media (reader response). Existem até estudos já não sobre o que os media fazem às pessoas, mas
sobre o que fazem as pessoas aos media. Neste campo, podemos mesmo situar a soberania da produção de
sentidos a partir de uma foto, em grande medida, no receptor.

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De facto, os recentes desenvolvimentos dos estudos sobre reader response sugerem que os "leitores"
(consumers of media) têm um papel importante na geração de sentido para as mensagens mediadas. Alguns
teóricos argumentaram até que os consumidores dos media desempenham um papel tão importante em
encontrar sentido para essas mensagens como os "criadores" desempenham ao elaborar o material
"transportado" pelo medium. Assim, é preciso ser-se cauteloso com quaisquer conclusões e, acima de tudo,
evidenciar que os resultados da pesquisa científica são abertos e, claro, relativos.

A análise de conteúdo serviu, principalmente, para procurarmos caracterizar o produto fotojornalístico da Lusa.
Mas essa análise permitiu-nos também extrair algumas conclusões sobre a influência do conteúdo das
fotonotícias no processo de produção foto-informativa, pois foi dirigida para as seguintes variáveis: critérios de
noticiabilidade, tipo de ocorrência (acontecimento imprevisto, pseudo-acontecimento, acontecimento mediático
ou outros eventos), temas, sujeitos representados (idade, sexo, papéis sociais), localização espacial, localização
temporal, conteúdo emocional, recompensa mediata/imediata, legendagem e "técnica fotográfica".
Complementámos essas análises com uma abordagem qualitativa das fotos (análise do discurso).

Recorremos ainda à análise de conteúdo, o que implicou, claro está, uma objectivação de variáveis e a
quantificação da sua frequência, para identificar os critérios de noticiabilidade que foram trazidos para o
processo de produção fotonoticiosa na Lusa-Lisboa.

A elaboração e aplicação de grelhas sobre a utilização das fotografias da Lusa em alguns jornais permitiu-nos,
por sua vez, construir uma ideia acerca da maneira como essas fotos foram (e, em princípio, são) usadas pelos
clientes da Agência.

Finalmente, apesar de a produção fotojornalística da Lusa ser parcial (1994) ou totalmente obtida e difundida a
cores (1997), para a análise de conteúdo só foi possível usar fotografias impressas a preto e branco, o que, por
consequência, impediu a análise de variáveis como o contraste cromático.

B) Observação participante

A observação participante é uma técnica em que o observador imerge no mundo social do grupo estudado,
sendo uma modalidade de pesquisa etnográfica. Esta metodologia de investigação levanta problemas de
validade externa e suscita questões sobre os eventuais preconceitos, crenças, inclinações e interesses que o
observador carregará consigo (observer bias), particularmente quando se trata de um único observador. Ou seja,
o modo como o observador observa o meio investigado depende do seu background, mas também das relações
pessoais que estabelece no contexto da investigação. Dito de outro modo, e associando a essa outras razões, a
presença do observador altera o fenómeno observado, como o fizeram notar os fenomenologistas. Ainda assim,
a observação participante parece-nos um dos poucos métodos que se podem aplicar ao estudo de um processo
interno de uma organização, conforme é o caso dos processos de fabrico de fotonotícias na Lusa, edificados
com base em mecanismos de enquadramento, selecção, processamento e difusão.

Durante o estudo, procurámos não interferir no desenrolar dos trabalhos nem emitir opiniões. A recolha de
dados foi feita através de apontamentos constantes, gravações e —até devido ao campo da tese— fotografias.

Relevamos, porém, que a validade externa não é uma questão de importância primária neste estudo, uma vez
que ele se preocupa mais com a compreensão e o conhecimento do que com a previsão. Por outro lado, o
problema de distorção involuntária por parte do observador (observer bias) pode ser atenuado com os métodos
complementares de pesquisa a que recorremos: inquéritos, entrevistas, hipóteses de trabalho flexíveis,
reajustadas a posteriori, visitas prévias à organização (prior ethnography e criação de um clima de confiança),
observação contínua e realização do estudo em duas etapas (a primeira serviu para habituação ao observador).

Em concreto, a observação participante e os dados recolhidos em conversas informais serviram, por exemplo,
para avaliarmos a valoração das fontes de informação que activaram a cobertura fotojornalística de eventos e
para deliniarmos e corrigirmos um mapa de fontes construído principalmente a partir das agendas diárias.

Recorremos ainda à observação participante para clarificarmos o processo de fabrico da foto-informação,


nomeadamente para verificarmos qual a trajectória das fotonotícias, a influência das ideologias, a forma como
era colocada ordem no espaço e no tempo, etc. Complementarmente, recorremos, como já frisámos, a

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entrevistas semi-estruturadas e inquéritos. Entre estes, o mais relevante foi o inquérito sobre profissionalidade e
profissionalismo, realizado em 1997 aos fotojornalistas da Lusa.

A observação participante (que excluiu o acto fotográfico propriamente dito) pareceu-nos um dos métodos mais
adequados ao estudo de caso proposto, já que nem a dimensão da amostra era excessiva nem o tempo disponível
para a sua concretização era insuficiente ou demasiado longo. O período de tempo eleito para as investigações
de campo (15 dias, quer em 1994, quer em 1997) diminuiu também a possibilidade de o observador incorrer no
fenómeno genericamente conhecido por go native.

Tentámos, nos períodos de investigação, recolher informação acerca das práticas e representações socio-
organizacionais e profissionais dos fotojornalistas da Lusa, com o objectivo de descrever comportamentos e
processos de fabrico fotonoticiosos. Todavia, apesar do pedido para a pesquisa ter sido formulado com
antecedência, da apresentação do observador ao Serviço de Fotonotícia ter sido feita através do director de
Informação e das explicações avançadas para a presença do autor, a observação participante, na pesquisa
preparatória realizada em Agosto de 1994, foi problemática: os fotojornalistas e operadores de telefoto,
principalmente o chefe do Serviço, não só não "digeriram" bem a presença do observador como o viram mais
como um curioso indesejado e intrometido, talvez mesmo um "espião", do que como alguém cujo objectivo era
unicamente descrever, clarificar e esclarecer comportamentos e tendências. A 3 de Agosto de 1994, o chefe do
Serviço de Fotonotícia frisou mesmo, dirigindo-se ao observador: "Não podes andar a perguntar critérios e
nem nós te vamos dizer como fazemos as coisas. Nós não gostamos de ter gente aqui a esmiuçar o nosso
trabalho e cada fotografia que fazemos. Não te vamos dizer o que enviamos para a EPA ou deixamos de enviar
e por que ou como é que seleccionamos as fotos que vão para os assinantes". Dentro do mesmo discurso de
resistência, outras afirmações foram posteriormente feitas, no mesmo sentido, principalmente pelo chefe,
raramente por outros fotojornalistas. Foram estas as primeiras manifestações que notámos reveladoras da
existência de uma comunidade interpretativa dos fotojornalistas da Lusa-Lisboa, tema que desenvolveremos
posteriormente.

A explicação para a ocorrência encontrar-se-á numa vasta gama de razões. Uma delas será, provavelmente, a
manutenção da velha ideia de que "o segredo é a alma do negócio". Operando numa esfera densamente
competitiva, os fotojornalistas encarariam o seu know how como um capital profissional, uma mais valia que
não querem divulgar, tendo medo de que se possa desvendar o que faz a hipotética diferença entre o seu
trabalho e o de outros colegas. Será também uma forma de garantir a estabilidade no emprego, o sucesso da
empresa e o sucesso pessoal no mercado altamente concorrencial da Comunicação Social.

Outra das razões que podemos avançar como hipótese explicativa tem a ver com a ideologia do
profissionalismo. Vendo-se a si próprios como profissionais responsáveis, e unidos por esse fio de coesão, os
fotojornalistas gostariam de poder mostrar ao observador muito trabalho e aquilo que eles consideram ser o seu
melhor trabalho, algo que, porventura, a ocasião do ano em que a investigação presencial foi realizada impediu.
Além disso, a investigação de Agosto de 1994 decorreu durante um período de indefinição em torno da
nomeação de um director de Informação e da estrutura futura do Serviço de Fotonotícia. Nesta perspectiva, os
foto-repórteres tinham razões para considerar que os resultados de um eventual estudo traduzissem infielmente
a sua percepção da que seria a realidade da Lusa, pois os factores atrás apontados teriam reflexos no tipo e na
qualidade do trabalho realizado. Do nosso ponto de vista, porém, pelo menos se pensarmos exclusivamente na
silly season, julgamos que, mesmo que diminuam os níveis de produção e se altere a proporção temática,
tenderão a manter-se os tipos de abordagem, os tipos de produto e os temas. Mas alguns resultados poderiam,
efectivamente, ter sido diferentes caso o estudo se realizasse noutro mês que não Agosto.

Ainda haverá, hipoteticamente, uma outra ordem de razões para os discursos de resistência à presença do
observador, em 1994: os fotojornalistas podiam não saber explicar com clareza o que faziam e por que o faziam
(por exemplo, quais os critérios de selecção de uma imagem). Daí, camuflados pela capa da defesa do espaço
profissional, "secreto", acessível apenas a iniciados (verifique-se o estatuto do fotojornalismo quase como
ordem iniciática ou mesmo religião), os foto-repórteres teriam resistido à observação participante e a dar
resposta às questões ocasionalmente colocadas.

Não podemos deixar de salientar, todavia, que, numa altura em que se produzem com regularidade estudos
sobre produção jornalística e as agências (como a própria Lusa, mas também a Associated Press ou outras)
publicitam exteriormente a forma como trabalham, lançando, inclusivamente, no mercado, manuais de estilo
redactorial (Lusa, etc.) e fotojornalístico (Associated Press), a atitude dos fotojornalistas da Lusa nos pareceu
um tanto ou quanto anacrónica e anquilosada. Ou, pelo menos, revelou algumas falhas na cultura científica de
alguns fotojornalistas, aos quais a pesquisa pareceu despropositada, provavelmente devido ao reduzidíssimo
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número de estudos de caso sobre produção jornalística efectuados em Portugal. Trata-se, afinal, de uma questão
de tradição cultural, mais precisamente, científico-cultural.

Assim, algumas perguntas do observador sobre técnicas de reportagem e manipulação digital da imagem, por
exemplo, não só não foram respondidas como também foi sugerido ao autor que se mantivesse "no seu canto",
reduzindo ao mínimo a sua intervenção. O chefe da Fotonotícia chegou mesmo a informar o observador de que
o estudo de caso tinha merecido a sua discordância e que havia referido o facto ao director de Informação antes
de a investigação ter sido iniciada. Essa reacção, porém, era já, de algum modo, esperada: se em parte a
presença do observador se dissolve na rotina quotidiana, noutros aspetos acaba sempre por chamar a atenção.
Por outro lado, há sempre que contar com a existência de "zonas permitidas" e de "zonas interditas" a elementos
estranhos ao núcleo socio-organizacional em questão, enquanto comunidade interpretativa. O receio da
observação participante também pode ser originado por algum desassossego dos fotojornalistas em relação a
conclusões do estudo que potencialmente entendessem como negativas, já que os fotojornalistas eram
confrontados com a necessidade de relegitimarem continuamente o Serviço de Fotonotícia, mesmo no seio da
Agência Lusa.

Em relação à observação participante, é, igualmente, de fazer notar que, se a presença do observador altera o
fenómeno, é possível que a nossa presença na Editoria de Fotojornalismo da Lusa tenha originado modificações
comportamentais, mais concretamente, alterações, ainda que mínimas, nas rotinas profissionais. De qualquer
modo, os dados da observação participante foram complementados ou mesmo corrigidos mediante os dados
obtidos através das outras técnicas de investigação. No mesmo sentido, tentou-se assegurar a validade e
fiabilidade dos dados da observação participante pela presença contínua e repetida do observador no local sob
estudo. Além disso, tínhamos definido o objecto e limites de investigação com antecedência (dos quais a
Agência estava informada), tal como as hipóteses de trabalho, neste último caso essencialmente em função das
interrogações que levantámos sobre a aplicação dos conhecimentos gerais sobre newsmaking a uma organização
particular: a Lusa.

Também de salientar é o facto de, em 1994, ao contrário do que sucedeu em 1997, o chefe do Serviço de
Fotonotícia nos ter negado o fornecimento de cópias laser das fotografias produzidas pela Lusa-Lisboa. Por
isso, tivemos de complementar a abordagem qualitativa do produto fotonoticioso, a que procedemos no segundo
capítulo, com as "sobras" e não com as fotografias que pretendíamos em primeiro lugar, que, inclusivamente,
eram todas da Lusa-Lisboa.

Gostaríamos de referir, finalmente, que, em 1997, em substituição do discurso de resistência notório em 1994,
fomos recebidos com cordialidade e compreensão na Editoria de Fotojornalismo da Agência Lusa
(denominação que sucedeu a Serviço de Fotonotícia). O discurso mudou radicalmente e as atitudes dos
fotojornalistas pareceram-nos mais consentâneas com a abertura das organizações noticiosas à investigação
científica que já se tornou comum nos tempos que correm (aumento da cultura científica). Porém, o discurso
conservou-se homogéneo.

Provavelmente, a mudança no discurso prendeu-se com a construção de um novo sentido para a presença do
observador na Agência Lusa por parte da comunidade interpretativa dos fotojornalistas da organização. Essa
mudança poderá estar relacionada com a saída do anterior chefe do Serviço; poderá igualmente estar
relacionada com o ingresso de novos elementos na secção e com um pequeno abrandamento da pressão sobre a
editoria que levava os foto-repórteres a moldar um discurso permanente de autolegitimação. Todavia, essa
mudança parece-nos que se deve, em primeiro lugar, à figura do novo editor, Guilherme Venâncio, que logo na
primeira conversa que mantivemos nos disse: "Nós aqui não temos segredos. Podes acompanhar-nos e fazeres
as perguntas que desejares." Face a estes dados, é provável que algum ascendente dos editores de
Fotojornalismo e dos foto-repórteres mais antigos (Manuel de Moura, por exemplo, já em 1994 nos tinha
recebido com alguma abertura) sobre os restantes membros da secção condicione a construção de sentido para
uma série de assuntos do quotidiano do grupo, inclusivamente para as fotografias (isto é, para o que é uma
"boa" e uma "má" fotografia de notícias na Agência Lusa).

Colocámos, igualmente, por hipótese que as mudanças no sentido do discurso grupal fossem relacionáveis com
a ocasião escolhida para a segunda investigação de campo, já que, à partida, seria um período de maior
actividade da Editoria de Fotojornalismo, quando comparado com o mês de Agosto. Portanto, para os
fotojornalistas o período escolhido para a investigação seria mais legitimante, porque reflectiria mais a imagem
que os fotojornalistas tinham da forma como as coisas se passam na secção. Todavia, essa hipótese não foi
confirmada porque a comunidade interpretativa dos fotojornalistas considerou que o período foi igualmente mal
escolhido, uma vez que a actividade diária da editoria estaria diminuída devido aos problemas técnicos
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decorrentes da implementação integral de tecnologias digitais para a difusão das fotonotícias. De qualquer
modo, como este segundo discurso também foi uniforme, fortalecemos a nossa ideia de que o grupo de
fotojornalistas da Lusa funciona como uma comunidade interpretativa que se procura quotidianamente afirmar,
prestigiar e autolegitimar recorrendo não só ao seu trabalho e ao produto que faz e que a Agência vende mas
também a uma retórica persuasiva, passe a redundância. Neste contexto, não é de estranhar a sintomática
exclamação de Guilherme Venâncio, que é ao mesmo tempo uma espécie de lamento temperado com orgulho:
"Esta é a única secção da Lusa a que se exige que dê lucro e que venda!"

Estrutura do trabalho

A variedade das questões colocadas e às quais tentaremos responder levou-nos a dividir a tese em cinco
capítulos, dos quais os três últimos são apresentados neste livro. Os dois primeiros eram simultaneamente
contextualizadores e minimamente reportadores do estado actual da investigação ao nível da Teoria da Notícia e
da História do Fotojornalismo. Os seguintes, que constituem o corpo deste livro, em conjunto com um ensaio
sobre o estatuto e a expressividade da imagem fotográfica (capítulo I), são dedicados ao estudo de caso que nos
propusemos desenvolver.

O segundo e o terceiro capítulos debruçam-se sobre o objecto específico da presente tese: a Editoria de
Fotojornalismo da Agência Lusa (chamada Serviço de Fotonotícia em 1994) e a produção fotojornalística que aí
tem lugar. Assim, nesses capítulos procuramos descrever os processos produtivos, as técnicas e outros
elementos que conformam o produto fotojornalístico da Lusa, definir as temáticas e os conteúdos das
fotonotícias e explorar as linhas directrizes da estilística dominante na Agência. Fazemos também referências à
utilização que alguma Imprensa diária fez das fotos da Lusa nos períodos sob investigação e tentamos traçar um
perfil sociológico dos fotojornalistas da sede da Agência. De uma forma geral, pareceu-nos que a construção
teórica já existente providencia um quadro explicativo, embora não sistemático, aplicável ao caso da Lusa. No
quarto capítulo debatem-se os estudos de caso e inserem-se os resultados no marco teórico da tese.

A presente tese encerra com as conclusões, no seio das quais fazemos propostas pessoais para a Lusa, pois,
reportando-se, na sua essência, a um estudo de caso, não se podem esperar desta tese conclusões generalistas.
Todavia, é possível que algumas dessas propostas que fazemos para a Lusa sejam aplicáveis, no geral, ao
fotojornalismo, ou a outras situações particulares, ou até que sirvam de base a outros estudos.

CAPÍTULO I

O ESTATUTO E A EXPRESSIVIDADE DA IMAGEM FOTOJORNALÍSTICA

Já em 1922 Walter Lippmann defendia que nós "(…) vivemos num pseudo-ambiente, um mundo formado pelas
percepções dos meios de comunicação de massas que influi no próprio real." (1) Tal como Lippmann, estamos
convencidos de que os meios de comunicação social influenciam a percepção e a cultura do receptor de tal
forma que, sem os media, provavelmente enfrentaríamos o vazio e o desconhecido, mesmo que os grupos
humanos continuassem a coexistir. Por isso, entender as construções simbólicas mediadas é um passo decisivo
para entender a História moderna contemporânea, a sociedade, a cultura e a civilização.

De facto, parece ser aceite pela ciência que a indústria de produção simbólica, em que o fotojornalismo se
integra, condiciona a geração de sentidos no mundo actual, até porque os meios de comunicação social
medeiam observações e informações entre autores e testemunhas e os públicos. Talvez por isso, o jornalismo,
expressão máxima da comunicação social e actividade profissional complexa, tem sido um alvo fácil de criticar.

Quanto à fotografia, nas palavras de Jose Manuel Susperregui, ela é um suporte generoso para participar nas
experiências de terceiros(2), tendo assim importância e relevância socio-culturais. Foram as suas características
específicas que levaram o jornalismo a adoptar a fotografia como um dos seus media de eleição. Ora, ao aceitar-
se, cumulativamente, a explicação de Lippmann, intui-se que o processo fotojornalístico de produção de
informação de actualidade necessita de ser estudado, até porque as fotografias jornalísticas não são simples
factos emergentes como uma série de outros. As fotografias jornalísticas, na nossa percepção, são signos sob a
forma de imagens fixas. E são tanto signos como as palavras, pelo que não podem ser tratadas como meras
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ilustrações, mas antes como um meio de comunicação capaz de gerar significados diferenciados dos
restantes(3). Todavia, não é menos certo que uma imagem tem significação porque há pessoas que se
interrogam sobre o seu significado.(4)

É por isso que o estudo da comunicação social tem sido, nos tempos mais recentes, orientado para as
"interpretações" e os efeitos. Este movimento, particularmente visível na Europa, insiste principalmente em
abordagens qualitativas que têm por base a análise dos contextos e das expressões culturais, particularmente
aplicadas às relações entre os enunciados e os seus receptores. Para que tal tivesse ocorrido, não nos parece ser
estranho o desenvolvimento dos estudos sobre a comunicação visual, dada a sua relevância nas sociedades
contemporâneas. A insistência nas "interpretações" dos actos comunicativos jornalisticamente mediados
sublinha a importância da análise da cultura e dos produtos culturais como codificações simbólicas num
determinado contexto socio-histórico-civilizacional.

A fotografia e a sua actividade decorrente que é o fotojornalismo fazem, de qualquer modo, parte do património
da humanidade, da civilização. Atrevemo-nos mesmo a dizer que fazem parte do património simbólico da
humanidade. Por vezes, a fotografia jornalística pode mesmo ler-se como uma "estória" da História, uma
"estória" do que aconteceu, transformando-se quase numa área de pendor arqueológico. E também pode ser uma
actividade de descoberta. Importa, pois, reflectir não apenas em como são fabricadas as fotografias e pseudo-
fotografias (as fotografias alteradas e as imagens fabricadas que passam por fotografias), mas também na forma
como são usadas e consumidas.

Os significados consubstanciais aos news media não advêm naturalmente. Aparentam ser construções que,
como inclusive tentámos fundamentar na tese em relação ao fotojornalismo, dependem da pessoa, do meio
social, das ideologias, da cultura e da civilização em que esta se concretiza (factores que também conformam a
esfera produtiva). Os receptores vão construir crenças, ideias e percepções sobre o mundo influenciados pelos
meios de comunicação social, embora em relação com outros tipos de comunicação, como a comunicação
interpessoal. Porém, sendo poderosos agentes no campo da construção de referências da realidade e das suas
interpretações, os meios de comunicação social, como se intui, não são os únicos agentes nesse campo, pois
concorrem com a família, a escola e outros agentes mediadores nos processos de produção significante.

Assim, para nós, a fotografia jornalística oferece ao observador um mundo em que as coisas são, de alguma
forma, diferentes da realidade, podendo esta dissonância ser aumentada quando a representação imagética é
construída como uma total e frequentemente pretendida ficção, como nos casos em que se suprimem,
modificam ou acrescentam pessoas ou objectos numa fotografia. E, mesmo quando as abordagens são realistas,
existem discrepâncias entre a aparência da realidade (o que observamos da realidade sem mediação) e a
aparência das fotos (repare-se, por exemplo, nas cores, luz, omissão de detalhes e de estímulos não visuais,
terceira dimensão representada numa superfície bidimensional, etc.). O que se vê na foto é a versão, não o real.
(5)

Por vezes, embora sendo representações, parece-nos que algumas fotos usurpam o papel da realidade que
referenciam e funcionam como as coisas ou sujeitos em si. De qualquer modo —e é preciso salientá-lo— um
observador geralmente extrai da realidade, pelo menos numa primeira abordagem, aparências da realidade. É
preciso muita insistência para se encontrarem pistas para a forma como se processam as relações entre os
fenómenos. E mesmo assim o ser humano não consegue apreender integralmente a realidade e as relações
fenoménicas. Talvez até consiga dominar mais a realidade, em certas circunstâncias, do que entendê-la,
conhecê-la, o que tem estado na génese de muitas tragédias, como Chernobyl.

Quando difundidas pelos news media, as fotografias ganham uma força inaudita, pois aliam a sua disseminação
massiva ao potencial de credibilidade-verdade que os meios de comunicação jornalísticos lhes emprestam e à
dramaturgia que encerram. Além disso, para o senso-comum ver é crer: a foto simboliza a verdade.
Verosimilitude — a simulação da verdade. A verdade, o que existe, para o senso-comum, tem sido transformada
n'"o que se pode ver".(6)

A fotografia jornalística de maior impacto será, todavia, aquela que, de alguma forma, se impõe ao observador.
Provavelmente, o impacto da foto será mesmo maior quanto maior for a sua empatia com o sistema de crenças,
valores e expectativas do observador.

Como a nossa cultura ocidental, por muito pós-moderna que seja, nos parece ser ainda marcada pelos valores do
positivismo, nas news photos esses valores confluem nas funções de "espelho do real" e de "verdade" que lhe
são encomendadas quer pelo senso comum, quer mesmo por jornalistas e fotojornalistas, influenciados pela
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ideologia da objectividade. Estamos, por isso, de acordo com Margarita Ledo Andión, quando ela afirma:

"[É esta situação que](…) nos impida liberar a foto dunha súa función de atestado, a
que nos fai negarlle á foto o direito de estilo (…), a que lle esixa, á foto,
responsabilidades (…) de semellanza e de factibilidade. De souvenir (…) e de
autopurificación, permitindo a censura sobre os comportamentos (…). Porque unha
das regras do realismo é ocultar que ten, coma calquera outro discurso, regras. Para,
así, nos agasallar coa impresión de transparencia (…)."(7)

De facto, estamos em crer que os papéis da foto-press não se esgotam no documento nem no reforço ou precisão
das imagens mentais que dos acontecimentos possa fazer um leitor, até porque os valores positivistas que se
instalaram nos meios de comunicação e nas relações que os consumidores dos meios têm com eles podem estar
em crise devido ao avanço da pós-modernidade, que se nota, entre outros aspectos, na rápida mutação
tecnológica e na emergência das tecnologias multimédia, no declínio da literacia da escrita, isto é, da capacidade
de ler e escrever, nas perturbações dos valores tradicionais e até nas incertezas da própria ciência, que cada vez
mais se revê entre o caos e a complexidade, entre o global, o total, e menos se revê no isolamento das partes.

A pós-modernidade revela-se também no surto de representação visual na cultura. Este surto transforma a
natureza do conhecimento, ao abrir novos padrões culturais que as pessoas, no seio de um determinado meio
socio-histórico-cultural-civilizacional, usam para interpretar o mundo e atribuir-lhe sentido [é por isso que para
interpretar (sem descodificações aberrantes) é preciso estar por dentro do contexto cultural]. Mas as incertezas,
aliadas à imagem, e aliadas a uma nova cultura que percebe o real como complexo, fazem ver mais essas
representações visuais como um mapa do que como um caminho para o conhecimento. De qualquer modo, do
nosso ponto de vista, aqueles que não fizerem um esforço para aprender a linguagem das imagens e das
linguagens multimédia serão os novos analfabetos do futuro.

Julgamos, porém, que não é ainda nessas percepções pós-modernas do mundo que a generalidade dos
fotojornalistas se revê. As certezas da modernidade conformam ainda, porventura, as mentes e as relações entre
fotojornalistas, bem como as culturas organizacionais e profissionais em que os fotojornalistas se inserem.

A produção fotojornalística parece-nos, assim, (ainda?) dominantemente orientada para o sentido unívoco, para
o ""dentro-de-campo"" fotográfico, para o "caminho certo". A persuasão para que se siga esse caminho faz-se,
por exemplo, através de diversos mecanismos retóricos mais ou menos conhecidos, como a retórica da
"objectividade", que alimenta o mito da fotografia como espelho do real e dele se alimenta, e que, pelo que
observamos, se traduz, principalmente, no realismo e na enfaticidade da imagem fotográfica.

Podemos considerar como realista a imagem fotográfica que se orienta para a realidade, a que tem uma intenção
e ambição de objectividade(8), a que dá sobre a realidade visualmente observável (eventualmente uma realidade
"aparente") um máximo de informações de pretensão analógica, ou seja, a que possui um elevado grau de
iconicidade. Enfáticas seriam as fotos baseadas na nitidez, na "exposição correcta" e no contraste figura-fundo.

Realismo e enfaticidade são qualidades distintas da objectividade ou da foto como "espelho do real", mas
também podem obscurecer as questões centrais da escolha e da incapacidade de reprodução do real na sua
totalidade (lembremo-nos do realismo socialista). Fotografar é conferir importância(9), escolher um tempo (há
um tempo seleccionado e um tempo omitido) e um espaço (de igual modo, existe um ""dentro-de-campo"" e um
""fora-de-campo"" espacial). Por isso, a noção de escolha é mesmo uma questão chave em fotografia.(10)

De qualquer modo, estamos convencidos de que o que é visto pode invocar o que não é. Ou seja, o "campo"
fotográfico pode invocar o (um) ""fora-de-campo"", sendo que este se estende a todo o contexto que rodeia uma
determinada fotografia e não exclusivamente ao espaço e tempo omitidos.

Talvez pelo conjunto de considerações que acabamos de fazer nos seja permitido inferir que, no novo
documentalismo, os fotógrafos tendem a não esconder, mas antes a valorizar, a sua presença no acto fotográfico,
recorrendo, até, ao arranjo "ficcional" dos objectos para gerar sentido, fazendo perceber que a sua visão é
subjectiva e contribuindo, desta forma, para a elaboração de mapas que, estimulando a polivisão democrática do
mundo, permitem ao observador construir o seu próprio conhecimento sobre o real, eventualmente, em certos
pontos, intersubjectivo. Assim, é possível afirmar que a autoria subjectiviza a fotografia, porque o autor traz
uma espécie de nova norma de abordagem da realidade.(11)
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Face ao exposto, podemos então concluir que o fotojornalismo é um dos sectores a estudar no campo dos media,
especialmente por ser um dos elementos que joga a favor da construção de imagens referenciais da realidade ou,
pelo menos, da realidade visual (que pode ser aparente): "O sentido da foto [é] (…) consubstancial á sú mesma
existencia."(12) É difícil, porém, definir o conceito e estabelecer os limites do que é o fotojornalismo.

Numa primeira aproximação, é possível considerar que o fotojornalismo é a actividade que procura prover a
Imprensa de fotografias, que, na nossa perspectiva, podem informar, emocionar(13),
explicar/contextualizar/interpretar/analisar, descrever/ilustrar,
testemunhar/confirmar/verificar/documentar/provar, conotar a informação verbal, fazer reconhecer/conhecer os
sujeitos representados, presentificar o passado e dar pistas para a interpretação significante de acontecimentos e
problemáticas.

Podemos ser puristas e não abarcar com o termo "fotojornalismo" as fotos meramente "ilustrativas". Porém, de
uma certa forma, e alargando extremamente os limites da actividade enquanto actividade, poderíamos
considerar algumas fotografias "ilustrativas" como "fotojornalísticas". Isto é, entendido numa expressão vasta,
poderíamos também falar de fotojornalismo quando abordamos a actividade de realização de fotos que possuam
como, pelo menos, um dos seus fins iniciais, a publicação na Imprensa, e que são realizadas por um
fotojornalista no seu exercício profissional. Todavia, quando se perspectiva assim o fotojornalismo, corre-se o
risco de conotá-lo com ilustração, com um instrumento funcional cuja utilização tem mais a ver com a
familiarização com o real do que com o conhecimento do real. Por isso, quando procuramos situar e definir
melhor o que é o fotojornalismo, aquele que é, afinal, o grande tema orientador do presente trabalho, a tarefa é
complexa, talvez mesmo complicada. Além do mais, no fotojornalismo a fotografia vem sempre acompanhada
de texto, e este é, ele próprio, um suporte de conotação da imagem, podendo mesmo ser um "parasita da
imagem", como salientava o estruturalista Roland Barthes.(14)

No fotojornalismo, texto (verbal) e imagem conciliam-se também de diferentes modos. Por vezes, quando
várias fotografias sobre o mesmo assunto são acompanhadas, cada uma delas, por um texto específico, o que
acontece, por exemplo, em foto-reportagens que se baseiam em fotolegendas, podemos considerar que cada
uma das unidades assim formadas constitui uma unidade narrativa nuclear de um relato. Quando se faz uma
única fotografia sobre um tema, procurando-se complementá-la com um único texto, tratar-se-á de um assunto
abordado numa única unidade narrativa. É o que se passa, usualmente, na Agência Lusa.

Outras vezes, existem uma ou várias fotografias e um texto unitário que as acompanha. Nestes casos, é mais
difícil falar de uma unidade narrativa nuclear fotojornalística. De qualquer modo, se privilegiarmos a imagem e
atendermos à função de ancoragem (não no sentido barthesiano, mas sim no de ancoragem do olhar) gráfica e
significante que ela pode assumir, poderíamos considerar cada foto como uma "unidade narrativa", embora já
não se pudesse falar de unidade narrativa nuclear.

A propósito destas tentativas de classificação, não podemos deixar de notar, em consonância com Adriano
Duarte Rodrigues, que:

"Ao contrário da linguagem verbal, as imagens não podem ser inventariadas e


catalogadas num léxico nem o seu encadeamento obedece às regras precisas de uma
gramática. Partilham com os comportamentos, as atitudes e os gestos uma certa
fluidez de formas, o que as torna particularmente difíceis de descrever e de interpretar.

A significação das imagens não é, por conseguinte, redutível a uma relação de traços
opositivos (…). Podemos por isso dizer que cada imagem (…) define as suas próprias
regras de representação.

Ao contrário dos discursos [verbais], que se desenrolam ao longo de uma linha


temporal, as imagens desdobram-se perante o olhar num espaço de representação
visual; a sua percepção não segue por isso uma linha de orientação obrigatória, mas
permite uma multiplicidade de pontos de vista em função de opções singulares mais ou
menos justificadas."(15)

O universo concepcional aqui exposto merece, consequentemente, uma problematização ligeiramente mais
aprofundada e de maior latitude proposicional, de forma a possibilitar a contextualização geral de algumas das
ideias abordadas na nossa tese e a justificar parcialmente a importância do seu tema orientador, fotografia—
fotojornalismo.
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1.1. ESTATUTO E EXPRESSIVIDADE DA FOTOGRAFIA(16)

Existem dois grandes tipos de imagens: as mentais ou naturais e as imagens técnicas ou artificiais. As primeiras
são aquelas que cada pessoa elabora interiormente, mediante a percepção directa da realidade. Podem também
ser construídas a partir das imagens da memória e das imagens imaginadas. Mas, quando se recorda uma
imagem da memória, esta é contaminada pelas distorções que mentalmente nela se repercutem. As segundas —
como a fotografia— são principalmente produzidas mediante meios mecânicos e electrónicos, possuem uma
realidade física e proporcionam sempre não os objectos, mas representações desses objectos, por muito realista
que seja a abordagem. As suas características dependem dos meios com que foram produzidas e dos suportes
em que se apresentam.(17) Por isso, antes do mais, e se atendermos à formulação mcluhaniana "o meio é a
mensagem", a fotografia comunica especificamente, e em primeiro lugar, que é fotografia.

De algum modo, aquilo que também é próprio na imagem fotográfica é a escolha, o instante, a territorialização
do tempo num determinado espaço(18), e a nossa transformação em voyeurs com a curiosidade espicaçada.

A fixação de um momento numa imagem foi uma meta perseguida pela humanidade ao longo da História, desde
que se percebeu o princípio da câmara escura, meta essa que se concretizou unicamente no primeiro terço do
século XIX, com o advento da fotografia. "De esta manera se conseguió, por vez primera, la construcción de
imágenes a través de un proceso técnico que liberaba al hombre de la dependencia de su habilidad manual
para la reproducción de las aparencias."(19)

A força da fotografia terá precisamente a ver com essa capacidade de "reproduzir aparências", melhor dizendo,
segundo julgamos, de "representar aparências", até porque as aparências de realidade captadas pelo dispositivo
fotográfico são por este distorcidas. Porém, do nosso ponto de vista, e apesar da distorção mediaticamente
introduzida, uma fotografia também pode representar "essências" — recordemo-nos, por exemplo, de algumas
fotos de Minamata, de Eugene Smith.

Roland Barthes denominou por certificado de presença o facto de o referente fotográfico se converter de algo
facultativamente real (como na pintura) em algo necessariamente real.(20) De qualquer modo, não é por isso
que o dispositivo fotográfico não deixa de ser um elemento mediador que, portanto, apenas pode, cremos,
fornecer representações da realidade. Pensemos, por exemplo, que a fotografia promove a eliminação de toda a
informação não visual, a representação bidimensional do mundo, o carácter "estático" das representações e a
selecção de um enquadramento que gera a exclusão do "fora-de-campo". Além disso, as ópticas, a sensibilidade
do filme, a abertura do diafragma e a velocidade condicionam o carácter representacional da fotografia devido à
necessidade que esta tem de utilizar a luz. O grão, por sua vez, dá à foto uma estrutura descontínua
manifestamente diferente do continuum real. Iconicamente falando, a fotografia a preto e branco afasta-se ainda
mais da realidade, uma vez que não pode dar conta da diversidade cromática do mundo. E ainda há que contar,
como diz Véron, que os universos de possíveis discursivos são determinados pela cultura.(21)

A forma como se faz fotografia revela uma aprendizagem cultural. Tomemos, por exemplo, as angulações
enquanto forma de "linguagem visual" potencialmente conferidora de um estatuto de maior ou menor
importância ao fotografado. Um contrapicado tenderá a conferir maior importância ao fotografado porque,
devido às nossas experiências do quotidiano, talvez desde que mirávamos os nossos pais do alto dos nossos
poucos centímetros, fomos, como disse Dyer, aprendendo as convenções e os códigos da expressão visual(22).

A aprendizagem cultural, reflectida na forma como se faz fotografia, em muitos aspectos entronca na pintura.
Essa aprendizagem cultural, que se concretiza no campo fotográfico, acentua o carácter representacional da
imagem fotográfica e concretiza-se em factores como a eleição do rectângulo como espaço representacional
fotográfico, na selecção temática e na subordinação às categorias e cânones pictóricos de visão do mundo.(23)
Conforme enuncia Santos Zunzunegui, "(…) la historia de la fotografia es la historia de una tensión entre dos
polos, no tan alejados como pueda parecer: la tendencia al embellecimiento y al esteticismo que tiende a
situarla como una de las Bellas Artes y la búsqueda de la veracidad —verosimilitude, a la hora de la verdad—
aunque sea una veracidad socialmente prefijada."(24) É parcialmente neste último factor histórico que o
fotojornalismo dominante terá encontrado a sua razão de existência e mesmo a sua legitimidade.

De alguma maneira, fotografar converte o mundo em observador(es)—voyeur(s) e observados. Controlar


imagens será, assim, uma forma potencial de poder.(25) Talvez seja por isso que Susan Sontag falava da
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fotografia de pessoas ou com pessoas como um acto agressivo, uma violação simbólica(26). Não obstante, o
acto fotográfico supõe, em princípio, e especialmente no fotojornalismo actualmente dominante, uma atitude de
não intervenção do fotógrafo sobre o que se desenrola na frente da objectiva. Algo paradoxalmente, porém,
muitas vezes valoriza-se mais o acto fotográfico do que o acontecimento representado, celebrando-se o papel do
fotógrafo na obtenção de uma ou várias fotos mais do que o valor dos significados, causas, consequências, etc,
desses acontecimentos. Barthes dizia até que as fotos de pessoas seriam como uma microexperiência da morte,
uma vez que uma pessoa se converteria, de algum modo, num objecto petrificado.(27)

É também Barthes quem fala do mistério da concumitância,(28), uma vez que a fotografia "(…) repite
mecánicamente lo que no podrá repetir-se existencialmente."(29) A foto aborda apenas "o que foi", ratificando
o que representa.(30) Porém, como salienta Santos Zunzunegui, o instante fotográfico não pode confundir-se
com o instante vivido(31), pois o fotógrafo trabalha numa espécie de futuro anterior(32): "Cuando se toma una
foto, el presente ya es pasado aunque aún espere al fotógrafo el momento del revelado de la imagen, lo que
lleva a aquel a vivir el presente de su experiencia como el pasado de un futuro."(33)

Sem querermos debater aprofundadamente as perspectivas que consideram a fotografia como signo e as que não
a consideram —até porque esta tese não se revê na área da semiótica—, convém tecer algumas considerações
sobre as áreas da semiótica visual que nos parecem mais pertinentes, e que são, sobretudo, aquelas que
realmente consideram a fotografia como um signo e até, regra geral, como um signo convencional, dado que a
sua interpretação dependeria da aprendizagem e da convencionalidade do aprendido.

Um artigo de Roland Barthes, de 1961, intitulado "Le message photographique", pode considerar-se o primeiro
exemplo de uma análise semiótica da fotografia.(34) No texto, o autor sustenta uma visão da fotografia em que
duas mensagens subsistiriam, o que ele denominou de paradoxo fotográfico.

A primeira dessas mensagens seria uma mensagem sem código, que corresponderia a um nível denotativo e
seria constituída pela fotografia enquanto analogon da realidade (ou seja, o conteúdo da fotografia seria análogo
ao real). Da passagem da realidade à fotografia poderia haver, na opinião de Barthes, uma redução de
proporções, perspectiva ou cor, por exemplo, mas não ocorreria uma verdadeira transformação da natureza da
mensagem.

Todavia, o semiólogo advertiu também que a "objectividade fotográfica" só existiria ao nível do senso-comum.
De facto, a fotografia comportaria também uma "segunda mensagem", isto é, uma estrutura conotativa, baseada
em códigos de natureza histórico-cultural: truncagem, pose dos sujeitos representados, (presença de) objectos,
fotogenia (embelezamento —ou o contrário— da imagem, pela iluminação, maquilhagem, etc.), esteticismo
(aplicação de cânones estéticos, principalmente da pintura, à fotografia) e sintaxe de várias fotos (note-se,
porém, que o carácter instantâneo da imagem fotográfica impede que ela possa considerar-se uma arte narrativa
se não for manipulada sequencialmente(35)). Esta segunda mensagem, codificada, contaminaria a primeira e
impediria qualquer analogia perfeita entre fotografia e real. Mas, mesmo que a partir da estrutura denotativa da
foto, conforme sustentou Barthes, se desenvolvam processos de conotação que vão atribuir sentido à fotografia,
quando se caminha no sentido da foto-choque, segundo o mesmo autor, a conotação diminui, pois "bloqueia-se
a significação"(36); ao caminhar-se no outro sentido, avança-se na comunicação, mais do que na informação, e
promove-se a polissemia, o que se atinge, sobretudo, na fotografia-arte.

Num artigo de 1964, intitulado "Rhétorique de l'image", Roland Barthes sustenta que entre significante e
significado de uma fotografia haveria uma identificação tautológica. Existiria uma espécie de repetição, em
"termos" equivalentes, entre significante e significado. Assim, para se aceder a um nível primário de leitura da
imagem bastaria a percepção. Sobre isto, Santos Zunzunegui sustenta o seguinte:

"(…) la fotografía conserva y reproduce la 'presencia' del objeto a través de una


mediación semiótica que utiliza sólo parcialmente su materialidad y que (…) la
fotografía, como todo signo icónico, no reproduce objetos sino marcas semánticas, es
decir, elementos de la forma del contenido que están vehiculadas en el plano de la
expresión en virtud de marcas convencionales."(37)

Mais tarde, Roland Barthes disse, em A Câmara Clara, que a fotografia seria um "quase real"(38), a realidade
da ficção. De qualquer modo, também é inegável que a fotografia conseguiu tocar aspectos da diversidade do
ser humano: os comportamentos, as figuras, os objectos de civilização, as posturas.

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Rudolf Arnheim, em 1969, propôs, por seu turno, uma sistematização do relacionamento entre a imagem e o
real em torno de três valores(39):

— Valor de representação: a imagem representativa seria a que representa coisas


concretas;

— Valor de símbolo: a imagem símbolo seria a que representa coisas abstractas;

— Valor de signo: a imagem serviria de signo quando representa um conteúdo cujas


características não reflecte visualmente (como certos sinais de trânsito).

Jacques Aumont, pegando na sistematização de Arnheim, que o deixa insatisfeito, refere que a maioria das
imagens encarnam simultaneamente os três valores. Para este autor, podemos descortinar nas imagens
(fotográficas) uma função simbólica, uma função epistémica (geração de conhecimento) e uma função estética.
(40)

Adaptando ao fotojornalismo uma sistematização das funções da linguagem no discurso informativo sustentada
por Jesús González Requena(41), poderíamos, pelo nosso lado, falar das seguines funções:

— Função referencial: ocorre quando a fotografia jornalística remete para a realidade


exterior à foto que a representa;

— Função expressiva ou emotiva: nota-se a sua presença quando a fotografia


jornalística gera efeitos emotivos nos observadores;

— Função fática: a fotografia jornalística estabelece e prolonga a comunicação entre


emissor e receptor, confirmando que o canal funciona. Na Agência Lusa,
inclusivamente, a comunicação prolonga-se de um emissor a um destinatário (elemento
do público), passando pelo receptor que seria um determinado órgão de comunicação
social;

— Função poética: ocorre quando fotojornalismo e arte se aliam numa exploração


estético-fotográfica dos acontecimentos, o que usualmente supera as tradicionais
formas de mediação fotojornalísticas.

Jean Baraduc, no artigo "La dénotation dans les annonces publicitaires", de 1972, propõe a existência de uma
estrutura organizativa das imagens(42) que, na feliz síntese de Zunzunegui, "(…) permitirá hablar de éstas
como un conjunto de elementos pictóricos insertos en una estrutura interna. Estos elementos serían factores
inherentes a la naturaleza de los objectos fotografiados (tamaño, color) o factores que estructuran el mensage
icónico (situación en el plano, nitidez, luminosidad)."(43)

Lorenzo Vilches, no livro Teoria de la imagen periodística, editado em 1987, apresenta como componentes
visuais da fotografia nove elementos expressivos, agrupados em torno de dois valores perceptivos básicos. No
que respeita ao valor cromático, haveria a contar com o contraste (na sua ausência total não existiria imagem), a
cor, a nitidez e a luminosidade; no que respeita ao valor espacial, os elementos a considerar seriam os planos, o
formato, a profundidade, a horizontalidade (esquerda/direita, profundidade/plano) e a verticalidade.

Para Vilches, ao plano expressivo corresponderia um plano de conteúdo que formaria o nível semântico da
imagem fotográfica. Os códigos de conteúdo promoveriam a compreensão da imagem ao transformarem a
superfície visual da fotografia em unidades de leitura.(44)

Na versão de Lorenzo Vilches, o leitor da imagem tem uma série de competências que são actualizadas em cada
nova imagem observada e que podem ser confrontadas com a emotividade e ideologia do leitor ou com as suas
paixões e os seus afectos(45); essas competências podem, logicamente, ser aplicadas à leitura da fotografia
jornalística:

a) Competência iconográfica: a redundância de certas formas visuais permite a sua


detecção, identificação e interpretação;

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b) Competência narrativa: o leitor estabelece sequências narrativas entre os diversos


elementos das fotos, baseado em experiências narrativas visuais anteriores; enquanto
observador da imagem, o leitor pode também participar numa série de fenómenos
associados à observação, de que é exemplo a identificação com os personagens;

c) Competência estética: baseando-se em experiências simbólicas e estéticas, o leitor


pode atribuir à foto determinado sentido (ou simplesmente disfrutar da sua beleza
eventual, rejeitá-la por ser "feia", etc.);

d) Competência enciclopédica: baseando-se na sua memória cultural, o leitor identifica


a foto relacionando-a com outras informações que possua sobre a situação
representada, os actantes, os objectos, o contexto, etc.;

e) Competência linguístico-comunicativa: mercê da sua competência linguística (que


baseia o pensamento), o leitor atribui à foto uma proposição do tipo "foto do primeiro-
ministro discursando na Assembleia", que confrontará ou não com o texto que lhe
esteja associado;

f) Competência modal: baseando-se na sua competência espacio-temporal, o leitor


interpretará a foto como representação de espaços e de tempos: o espaço e tempo da
obtenção, o espaço da representação (a foto em si), o espaço da difusão e o espaço e
tempo da leitura.

Sobre a leitura específica da imagem fotojornalística, Vilches é de opinião que há que contar com formas
singulares de tratamento visual que influenciariam o nível do conteúdo. Essas formas seriam os códigos ópticos
(eleição do fotógrafo, condições lumínicas), os códigos de tratamento (manipulações que a foto sofre nas
redacções) e, nos jornais, os códigos de compaginação (relação estabelecida entre texto visual e texto escrito).
(46)

Para esse mesmo autor, ao defrontarmo-nos com novas imagens, seleccionamos na nossa memória uma
estrutura perceptiva e uma cena visual que se adapte à foto ou fazemos com que a foto se adapte à nossa
estrutura perceptiva, mais ou menos estereotipada.(47) Por exemplo, ao ver uma foto do pai que se suicidou
incendiando-se, no Chile de Pinochet, para protestar contra a detenção dos seus filhos pela polícia política,
tenderíamos a recordar as fotos dos monges vietnamitas que se imolavam pelo fogo como forma de protesto
contra a guerra. De alguma forma, recupera-se um frame (um "enquadramento contextual") anterior para
aplicação ao novo acontecimento visualizado.

Registe-se que também Barthes, em 1961, no artigo "Le message photographique", propôs que o texto (suporte
linguístico) e a imagem fotográfica (suporte icónico) poderiam ter duas funções: 1) função de ancoragem,
quando o texto reduz as possibilidades significativas da imagem; e 2) função de relevo, quando texto e imagem,
relacionados numa base de complementaridade, formam como que uma unidade significante. Na fotografia de
Imprensa, as legendas insuflariam a imagem com significados secundários (seriam um suporte de conotação),
constituindo-se como uma mensagem parasitária. Em último grau, a palavra nunca poderia "reforçar" a imagem,
pois entre uma e outra estrutura o observador elaboraria sempre significados segundos.

Abraham Moles postulava, por seu turno, a existência de um acidente improvável entre imagem e texto,
consubstanciado na possibilidade de se poderem transmitir idênticas informações em estrutura icónica e em
estrutura alfabética, algo possível a partir do reconhecimento em toda a mensagem de um nível semântico
(traduzível, explícito e pro-denotativo) e de um nível estético (conotativo e carregado de valores emocionais e
sensoriais). Quando ambas as estruturas evocassem as mesmas conotações, a tradução seria efectiva.(48)

Garroni sustentou a existência de uma relação diferenciada entre expressão e conteúdo ao nível da linguagem
natural e da imagem enquanto sistemas de significação. Ao passar-se de um a outro, gerar-se-iam significados
secundários, alguns em princípio não previstos. Todavia, determinadas porções dos conteúdos seriam
irredutíveis.(49)

O texto parece, pois, ser um suporte de interpretação e conotação da imagem fotojornalística, podendo
converter-se num dos elementos contextualizadores de uma foto. Indo ao encontro de Barthes, John C. Benett
dá o exemplo de um postal fotográfico (o que se pode aplicar a uma imagem fotojornalística) que, mercê da
sobreposição do nome de uma localidade, pode criar no receptor uma ideia dessa realidade; essa ideia poderia

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ser "falsa" ou "verdadeira". Ele conclui que a legenda seria análoga ao sujeito e a foto ao predicado e que a sua
combinação originaria uma "frase" assertiva que poderia ser "verdadeira" ou "falsa". Falsas legendas e falsas
fotos (pseudo-fotos) —que na era da imagem digital são fáceis de produzir— induzem imagens diferentes da
realidade.(50) Na Imprensa, a fotografia poderá promover, por consequência, a compreensão dos enunciados
verbais a que possa estar associada, assumindo, assim, uma dimensão cognitiva e um valor comunicativo
elevado(51), especialmente saliente na sua capacidade de atrair os leitores. A fotografia pode realçar também os
valores da notícia exposta num enunciado verbal. E pode igualmente servir para expressar o que é difícil
verbalizar.(52)

Ainda a propósito do texto, num artigo publicado em 1952, na revista Aperture, Nancy Newall diferenciou
quatro tipos de legenda, tendo em atenção a articulação semântica entre texto e imagem(53):

— Legenda enigma: são frases casadas com uma imagem forte que concentra em
primeiro lugar a atenção do leitor; essas frases são, geralmente, extraídas de um texto
vasto e convidam o leitor a interessar-se por esse texto;

— Legenda mini-ensaio: legenda que complementa a informação oferecida pela


imagem; tal como a legenda ensaio, seria mais literária que visual nos seus objectivos
e técnicas;

— Legenda narrativa: legenda comum na Imprensa que estabelece uma ponte entre a
imagem e o artigo; geralmente, segue a seguinte ordem: 1) título; 2) explicação sobre o
que se passa na fotografia; e 3) comentário;

— Legenda amplificativa: texto que não se liga directamente à imagem, antes lhe
empresta conotações novas, transformando as duas entidades justapostas num novo
conteúdo com um novo sentido, por vezes inesperado.

O texto que acompanha uma fotografia, como as legendas, pode também originar o que Eco chamou de
descodificação aberrante, que ocorre quando o texto gera uma leitura contraditória da imagem: se por baixo de
uma foto de António Guterres a legenda for Cavaco Silva, quem não conhecer os personagens julgará que o
sujeito representado é Cavaco Silva e não o actual primeiro-ministro.

Sobre as relações entre texto e imagem, Adriano Duarte Rodrigues teceu algumas considerações interessantes:

"Tornou-se relativamente generalizada a ideia de que o discurso e a imagem


pertencem a dois mundos antagónicos. Mas (…), esta ideia não é inteiramente
correcta.

Quando lemos um texto, não podemos prescindir da percepção das imagens que as
palavras formam na superfície lisa do papel ou na superfície de qualquer outro
suporte, tal como não podemos deixar de conceber imagens mentais correspondentes
às sugestões que a leitura de um texto desperta em nós.

(…) Se, por um lado, a leitura de um texto implica um trabalho específico de


imaginação, por outro lado, a percepção das imagens não prescinde da capacidade de
elaboração de discursos. Não podemos observar uma imagem sem sabermos que
somos capazes de dizer aquilo que ela representa, que somos capazes de elaborar um
discurso a seu respeito. (…) Podemos por isso afirmar que é só na medida em que
podemos dizer algo a respeito de uma imagem que a percepcionamos e lhe atribuímos
uma significação."(54)

Em resumo, "La foto que publica un periódico es el resultado de múltiples actividades técnicas, mecánicas [e
electrónicas], profesionales, estruturales (por ejemplo, la obediencia a los géneros culturales y periodísticos, y,
dentro de éstos, a las secciones, y dentro de éstas, a la compaginación, a la espacialidad y superficie de la
página, etc)."(55) E, por isso,

"A imagem, na política editorial de um jornal, deveria ser pensada numa relação
dialética com o texto: não como dois discursos incomunicantes, mas na tensão
criadora que a sua vizinhança pode gerar, pela sua natureza diferente. O texto é uma

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sequência de ideias, uma linguagem diacronicamente articulada; a fotografia uma


condensação potencial, sincrónica, de uma série de emoções e pensamentos, numa
imagem fixa, que só o contexto da sua recepção pode actualizar ou mesmo desvendar."
(56)

Voltando ao campo da leitura de imagens fotográficas, Ibarra Gonzalez diz que as fotografias podem ser
analisadas em três níveis. O primeiro é o da leitura literal, que consistiria na identificação e enumeração dos
seus elementos gráficos; no segundo, leituras figurativas emergiriam das relações entre os elementos
descobertos nas imagens; finalmente, a um terceiro nível os leitores de imagens interpretariam e dariam
significado às imagens.(57) Gonzalez vai, aliás, ao encontro de Marcello Giacomantonio, que fala da existência
de três níveis de atenção na leitura de imagem: 1) um nível instintivo, realizado logo após se olhar para a
imagem, e que está ligado à percepção sumária dos elementos como a cor, as formas e as evocações imediatas;
2) um nível descritivo, em que se analisam os elementos que compõem a imagem e que determinaria o tempo de
leitura da imagem; e 3) um nível simbólico, em que o observador interpreta a imagem e dela extrai simbolismos
e sentidos.(58) A propósito, nesta área, Virilio salientou que as imagens mecânicas alteram o contexto no qual
as pessoas recebem, experimentam, armazenam e utilizam as imagens.(59)

Se quisermos sistematizar as abordagens mais ou menos semióticas que foram sendo feitas da fotografia, será
útil relevar as contribuições de Thomas. Este autor encara o processo fotográfico como um ritual conducente à
imagem fotográfica. Para ele, a fotografia representa a socialização, aculturação e reconciliação (no espaço
fotográfico) da luz e da ausência. O processo fotográfico seria marcado por três ritos: rito de separação, através
do qual se converte em portátil o tema da fotografia; rito de margem, através do qual se dá uma negatividade
física aos sujeitos e objectos fotografados; e um rito de agregação, mediante o qual se positiva o negativo e se
produz o objecto-foto, permanente e socialmente estável. Segundo Thomas, a forma como se organiza o
processo produtivo fotográfico pressuporia ainda um ritual cognitivo, concretizado na expressão paradoxal
luz=ausência.(60)

A fotografia funcionaria, para Thomas, como uma "ponte de permanência", um "eterno presente", pois seria o
resultado de uma estratégia produtiva através da qual a foto se concebe como a produção de um presente
orientado para um futuro utópico, e de uma estratégia espectoral, pela qual o objecto fotográfico emergiria
como um presente ideologicamente orientado para um passado.(61)

Thomas, indo ao encontro de Barthes(62), preconiza como via mais adequada de análise da fotografia o estudo
da força constatativa desta, pois o seu poder de autentificação sobrepor-se-ia ao poder representacional. O
processo fotográfico, enquanto estrutura transcultural, representaria a "(…) condensación simbólica de una
filosofia de la acción política —orden y permanencia—" .(63)

Philippe Dubois, por seu turno, parte da semiótica peirciana para, no seu livro O Acto Fotográfico, propor a
categorização da fotografia como índice(64), uma espécie de vestígio luminoso dos objectos reais que
referencia e que pode não ser de natureza mimética ou analógica.(65) Assim, a foto estabeleceria uma relação
de causalidade com os objectos e sujeitos representados.

Rejeitando as ideias que conferem à fotografia o estatuto de espelho ou analogia do real, mas recusando também
as teorias que conferem à foto o estatuto exclusivo de transformação do real enquanto linguagem culturalmente
codificada, Dubois vê na fotografia algo impensável fora do acto fotográfico que a faz ser e algo que encontra
sentido, antes de tudo o mais, e por contiguidade, no seu referente. Só depois desta etapa a fotografia poderia
tornar-se semelhante (possuir um estatuto icónico) e adquirir sentido.

Considerando as três posições epistemológicas, Dubois escreve:

"1) A primeira destas posições vê na fotografia uma reprodução mimética do real.


Verosimilitude: as noções de similaridade e de realidade, de verdade e de
autenticidade, compreendem-se e sobrepõem-se exactamente segundo esta
perspectiva: a fotografia é concebida como um espelho do mundo, é um ícone.

2) A segunda atitude consiste em denunciar esta faculdade da imagem em fazer-se


cópia do real. Toda a imagem é analisada como uma interpretação-transformação do
real, como uma formalização arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente
codificada. Segundo esta concepção, a imagem não pode representar o real empírico

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(…), mas apenas uma espécie de realidade interna, transcendente. A fotografia é, aqui,
um conjunto de códigos, um símbolo.

3) (…) A terceira maneira de abordar a questão do realismo em fotografia assinala um


certo retorno ao referente, mas sem a obsessão do ilusionismo mimético. Esta
referencialização da fotografia inscreve o medium no campo de uma irredutível
pragmática: a imagem fotográfica torna-se inseparável da sua experiência referencial,
do acto que a funda. A fotografia é primeiramente índice. Somente depois pode tornar-
se semelhante (ícone) e adquirir sentido (símbolo)."(66)

Para Dubois, sentido da foto e afirmação de existência (de algo a partir da foto) não se podem confundir: as
fotografias simplesmente mostrariam, dado que se trataria de signos semanticamente vazios(67), isto é, sem
relações de significação cheias. Indo ao encontro de autores como Berger e Brecht, a imagem fotográfica não
preservaria significados, ofereceria aparências credíveis tomadas à margem do seu significado, até porque a
reprodução de aparências pouco ou nada nos diz sobre a realidade.(68)

O vestígio do real consignado na fotografia também não pode entender-se, na versão de Philippe Dubois, como
um momento de um processo, pois existiria entre um antes (eleições do fotógrafo) e um depois (manipulações e
inscrição cultural da foto enquanto objecto de uso e de troca).(69)

Segundo Dubois, o dispositivo fotográfico estabeleceria uma barreira entre signo e referente, baseada na
distância entre o aqui do signo fotográfico e o ali do referente e na distinção entre o agora e o então (o passado
que a foto, em princípio, mostraria).(70)

Joan Costa, em "El lenguage fotográfico: Un análisis prospectivo de la imagen fotográfica" (1981), dirige as
suas preocupações para a formalização de uma linguagem especificamente fotográfica, tema que repete no livro
A expresividade da imaxe fotográfica.

Para ele, a particularidade da fotografia residiria na sua capacidade de produzir imagens icónicas, por acção da
luz e por meios técnicos, num suporte sensível, pelo que a sua especificidade seria tornar visível e não
reproduzir aparências do visível.(71)

Toda a foto, segundo o mesmo autor, transportaria em si "indícios" do seu referente na realidade visual, as
marcas do seu autor, signos literais (da semelhança) e abstractos (não analógicos), estes últimos —
especificamente fotográficos— subdivididos em ópticos (flou e desfoque), lumínicos (produzidos pela acção da
luz), cinéticos (decomposição do movimento, movimento escorrido, etc.) e químicos (grão, solarizações, etc.).
Portanto, Costa considera a existência na fotografia de signos ou formas sem referentes no visível que
permitiriam uma prática fotográfica baseada num universo sígnico próprio e a análise fotográfica como
expressão visual autónoma.(72) Na nossa opinião, inclusivamente, se nos dias de hoje remetêssemos a questão
para a fotografia digital, ela colocar-se-ia com mais acutilância.

Román Gubern também problematiza as ideias da fotografia como mimesis, imitação ou analogia. Para ele, a
tecnologia altera, manipula e distorce as representações fotográficas do mundo em torno de sete processos(73):

— Representação bidimensional de um espaço tridimensional;

— Delimitação do espaço pelo enquadramento;

— Abolição do movimento;

— Estrutura granular e descontínua do suporte;

— Abolição ou alteração da luminosidade, das cores, etc;

— Possibilidades de se alterar a escala de representação;

— Abolição dos estímulos não ópticos.

Em conformidade com o autor, haveria ainda de contar com a intervenção do fotógrafo no fabrico da imagem,
principalmente através de dez processos(74):

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— Eleição do filme;

— Eleição da objectiva;

— Uso ou não de um filtro;

— Eleição de um ponto de vista e de um enquadramento;

— Focagem ou desfocagem;

— Intervenção eventual sobre a luz incidente;

— Regulação da abertura do diafragma;

— Decisão sobre o tempo de exposição;

— Decisão sobre o momento do disparo;

— Intervenção nos processos posteriores de tratamento da imagem.

Gubern vê, porém, a fotografia como um documento com potencialidades autentificadoras, à semelhança, aliás,
de Roland Barthes:

(…) la fotografia no es un mero alco mecánico de la realidad visible, ni una


duplicación fiel de la percepción humana, sino una representación icónica altamente
convencional, por lo que el término realismo aplicado a la fotografía no tiene tanto
una dimensión perceptual como histórica: es decir, que lo que la foto muestra
aconteció (…), a menos que se trate de una foto trucada."(75)

John Berger também insiste em que as fotografias e os acontecimentos a que eventualmente elas respeitem não
podem ser vistos como "independentes":

"A photograph is a result of the photographer's decision that it is worth recording that
this particular event or this particular object has been seen. (…) A photograph
celebrates neither the event itself nor the faculty of sight in itself. A photograph is
already a message about the event it records. The urgency of this message is not
entirely dependent on the urgency of the event, but neither can it be entirely
independent from it. At its simplest, the message, decoded, means: 'I have decided that
seeing this is worth recording.' (…) Photography is the process of rendering
observation self-conscious.

(…) We think of photographs as works of art, as evidence of a particular truth, as


likenesses as news items. Every photograph is in fact a means of testing, confirming
and constructing a total view of reality. Hence the crucial role of photography in
ideological struggle. Hence the necessity of our understanding a weapon which we can
use and which can be used against us."(76)

Na nossa perspectiva, podemos dizer que uma fotografia pode preencher uma necessidade de confirmação
visual de um evento, pode proporcionar ao observador algum sentido da realidade (ou de uma realidade), mas
não é "objectiva". A fotografia, julgamos, parte de uma espécie de "denotação contaminada" para conotar-se,
para activar a reserva de signos do observador, podendo mesmo, no fotojornalismo, tornar-se num dos palcos
para a luta simbólica e ideológica pelo poder. A subjectividade é, nesse sentido, indissociável do medium,
embora as leituras das fotos possam permitir alguma intersubjectividade, o que explica a convergência de
sentidos que, pelo menos em parte, algumas fotos geram, explicando também que se possa falar de fotografia e
que algumas das posições interpretativas sobre a imagem fotográfica sejam aceites por várias pessoas.

Parece-nos igualmente que a fotografia é um elemento com que se tem de contar para se perceber a construção
simbólica e significante no mundo actual. David H. Fisher sugere mesmo que "The values that matter most to
individuals and cultures are figured before they are thought"(77), pelo que, por exemplo, o aborto seria primeiro
visualizado antes de se pensar sobre ele. E quais as imagens que se têm armazenadas do aborto? São, julgamos,
as que foram construídas a partir das fotografias e das imagens televisivas, porque, afinal, poucas são as pessoas
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que viram fetos abortados ou um aborto ao vivo. Mesmo as reflexões morais, a ser assim, podem, em parte, ser
dominadas pelas imagens, que são disponibilizadas, em primeiro lugar, pelos media. Consequentemente, nas
formulações morais conscientes temos de contar com as representações imagéticas que os media oferecem. No
futuro, devido à expansão das redes informáticas, como a Internet, da realidade virtual e das tecnologias
multimédia, será cada dia mais difícil exercer qualquer tipo de controle sobre as imagens, o que poderá trazer
novos problemas à moral e às ciências que a estudam.

Tal como Fisher, Gonzalo Peltzer também considera que frequentemente ideias e palavras estão próximas. Mas
este autor vai mais longe, considerando a existência de uma linguagem visual. E, se existe uma linguagem
fotográfica enquanto linguagem visual, então a foto será um signo povoado por sistemas de códigos.

"O visual implica sempre abstracção, essencialidade. As imagens estão —a seu modo
e em muitos casos— mais perto das ideias que as palavras. A linguagem visual pode
aceder ao universal e não só ao particular; dependendo do grau de iconicidade, são
palavras, conceitos, ideias. A criatividade e a conquista de imagens válidas,
privilegiadas, influiu sempre nas ideias e nas ideologias; com mais razão influirão nas
ideias e ideologias da chamada civilização da imagem."(78)

A fotografia é um medium e, portanto, sendo um instrumento de partilha, também é uma ferramenta que reduz o
potencial perceptivo da experiência humana total, já que apela unicamente à visão. A fotografia congela o
tempo, corta-o em fatias, agasalha-se no sobretudo do instante e, ao seleccionar, hiper-realiza a realidade,
apresentando aquela que Baudrillard consideraria como uma espécie de "realidade saturada"(79). A foto
repercute mensagens, ideias e sensações que, mesmo intuitivamente, podemos dizer que são diferentes
consoante ela é recebida através de jornais e revistas, livros e outras publicações, projecções de diapositivos ou
exposições. É também um intermedium, já que pode ser apresentada numa diversidade de media: Imprensa,
televisão, meios informáticos, livros, etc; e é um intermedium transdisciplinar e polifuncional, já que pode ser
usada por várias disciplinas, que vão desde o jornalismo às ciências naturais e às ciências sociais e humanas.
(80) E convém não esquecer que "One of the mysteries of the camera is that it enables one to see more in less —
more aesthetic impact in the viewfinder; less than [geralmente] what can be seen by the naked eye (…)"(81)

Enquanto medium, a fotografia gera experiências perceptivas(82) indirectas. De facto, podemos falar na
existência de dois âmbitos da experiência perceptiva humana: a experiência perceptiva directa, que corresponde
à construção de imagens perceptivas do mundo; e a experiência perceptiva indirecta ou experiência perceptiva
das representações imagéticas, ou seja, de imagens mediadoras entre as construídas pela percepção e o mundo
referencial (que, por seu turno, pode integrar também imagens mediadoras, como acontece quando se
percepciona uma fotografia de uma obra de arte).(83) Evidentemente, não se pode falar de uma percepção
passiva: a experiência perceptiva é moldada quer pelo sistema de valores e expectativas do observador, quer por
toda a carga histórico-cultural que está inscrita na reserva signíca com que as pessoas fazem leituras do mundo.
(84) A cultura modifica a percepção e cada fotografia é uma espécie de texto cultural que relaciona a forma do
conteúdo e o conteúdo com a estética e os significados. Recordando Vilches, o leitor da imagem realiza mesmo
uma série de actos de leitura de uma fotografia que passam pelo recurso a uma série de
competências/habilidades: sensoriais, perceptivas, psicológicas, culturais, históricas, cognitivas, etc.(85)

Na fotografia colaboram o conteúdo e a apresentação deste conteúdo. Desta feita, a fotografia gera sentidos em
função da sua tecno-estrutura(86) (grão, contraste, nitidez, tonalidade(87), texturas, suporte de impressão, luz,
relações fundo-forma(88), etc.), que é um dos suportes de conotação da imagem fotográfica, da organização (ou
desorganização) dos objectos e sujeitos representados no espaço fotográfico, dos planos, das angulações e dos
processos de conotação.

A máquina fotográfica ganha, por sua vez, o estatuto de uma espécie de extensão do olho, de uma prótese, como
diria McLuhan; mas é uma prótese que selecciona, distorce, oferece representações, ficções, simulacros,
independentemente da ilusão de que a foto é o espelho da realidade nela representada. Além disso, o real é
sempre percepcionado de uma determinada maneira pelo fotógrafo, e a sua percepção própria molda a forma
como se apreende a realidade.

A percepção influencia também, logicamente, o processo de leitura das fotos. Pesquisas demonstraram que
quando numa foto estão representadas várias pessoas, quem se encontra à esquerda produz uma maior
identificação com o observador, enquanto os objectos à direita são percebidos como tendo maior peso.(89) Num
segundo exemplo, se o sujeito parece mover-se da direita para a esquerda, parece também que necessita de
percorrer uma maior distância e despender, consequentemente, maior esforço, devido à resistência oferecida
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pelos nossos hábitos de leitura da esquerda para a direita.(90) Em suma, a percepção depende não só da
fisiologia humana mas também da educação, da mundivivência e da cultura.

Sabe-se, por outro lado, desde o aparecimento da Teoria da Gestalt, que percepcionamos os objectos em relação
com outros objectos; segundo a mesma teoria, as relações figura(s)-fundo também são dinâmicas e importantes
para a significação, pois, num exemplo fácil, o fundo pode submergir ou camuflar um objecto, tal como o pode
realçar.

A perspectiva e os fenómenos de concentração/distensão das linhas de força proporcionam também sentidos


diferenciados: fotografar de cima para baixo ou de baixo para cima não significa a mesma coisa, pois no
primeiro caso os sujeitos parecem tendencialmente diminuídos e no segundo caso a sua importância
tendencialmente parece crescer.

Por outro lado, se fotografarmos uma pessoa numa sala em que as linhas de força gerem a ideia de concentração
ela parecerá, eventualmente, mais constrangida, enquanto que se a fotografarmos num espaço aberto em que as
linhas de força sugiram distensão (como numa esquina) ela poderá parecer mais "livre".

A exploração das relações de semelhança (como numa foto de 1995 premiada no World Press Photo, em que
Clinton e dirigentes árabes e israelitas dão um "toque final" nas gravatas, sincronizados como um relógio, antes
da assinatura dos acordos de paz israelo-palestinianos) e de contraste (como na "Foto do Ano" de 1980 do WPP,
na qual a mão mirrada de um negro ugandês vítima da fome contrasta, por sobreposição, com a mão de um
branco bem alimentado) são também factores que podem influenciar a significação.

Um outro elemento a ter em conta nos processos de geração de sentido é a Lei da Boa Forma, uma das leis da
Gestalt; é ela que nos leva, por exemplo, a reintegrar activamente os objectos interrompidos da imagem, já que
a inércia perceptiva faz com que imaginemos a parte desses objectos que fica ""fora-de-campo"". De alguma
maneira, e consequentemente, os ""fora-de-campo"" fotográficos, tanto a nível espacial como temporal, podem
remeter para o imaginário e, portanto, para a ficção.

Pelo exposto, encontramos razões para dizer, mais uma vez, que cada fotografia é um signo e, num certo
sentido, é mesmo um lexema, uma unidade de significação. E é um signo multifacetado, já que pode assumir a
condição de ícone (devido às suas semelhanças com a realidade visível e hipoteticamente aparente), de índice
(do gosto do autor, da realidade representada,…) e de símbolo (a cultura e a mundividência jogam na hora da
produção de significados: uma pomba branca não traz idênticas conotações a um pacifista e a um columbófilo).
Porém, como a fotografia é um medium que permite registar as percepções, a sensibilidade e a intuição que o
fotógrafo tem durante uma fracção de segundo, neste sentido ela é sempre testemunha das condicionantes que
presidiram à sua obtenção, sejam elas a acção do fotógrafo ou as condições técnicas em que foi fabricada.
Consequentemente, uma fotografia é sempre, antes de mais, um índice do real.

Como quando falamos de fotojornalismo falamos de texto e imagem associados e geralmente editados na
Imprensa, para a geração de sentidos de uma foto contribuirão ainda as modalidades e contingências do registo,
do tratamento da imagem e da sua compaginação, ou, recordando a versão de Vilches, os códigos de
organização do conteúdo: códigos ópticos, códigos do tratamento e códigos de compaginação.(91)

Conforme realça Vilches, sempre que uma foto é observada, há uma actualização das suas proposições
implícitas, recorrendo o leitor da imagem à sua reserva sígnica, à sua enciclopédia cognoscitiva, armazenada na
memória, para interpretar a fotografia (exemplo: identificar personagens e objectos, etc.), fazendo, deste modo,
uso da sua competência semântica.(92) Evidentemente, a leitura da imagem dependerá, assim, do esforço que o
leitor desenvolver em função da intensidade do apelo que a imagem lhe dirige. O leitor de fotos jornalísticas,
para o ser, tem de, num determinado momento perceptivo-cognitivo, ser capaz de reconhecer, interpretar e
compreender os espaços, os objectos, as personagens e os tempos que se aglomeram no ""dentro-de-campo""
fotográfico. No fotojornalismo, a expressividade de uma imagem, em correlação com os seus aspectos formais e
linguísticos, deve contribuir para que o observador não se limite a olhar e passe a ver. Como, provavelmente, a
generalidade dos públicos não está habituada a ler as fotos, requere-se uma educação, uma pedagogia da
imagem; os meios escolares, académicos e fotojornalísticos têm, certamente, aqui, uma palavra a dizer.

Vemos assim que, por um lado, a construção de sentidos sobre uma fotografia depende do (de cada)
observador(93), possuidor de uma reserva sígnica que pode ou não activar em função dos efeitos desejados pelo
fotógrafo; um observador que carrega ainda consigo todo um conjunto de crenças, expectativas, mitos e

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ideologias que fazem parte do seu meio social e da sua cultura; um observador cuja individualidade lhe
conforma a percepção.

Por outro lado, há que contar com o fotógrafo, por vezes um autêntico predador de signos(94), um ente que
nunca apaga totalmente a sua presença efectiva na realidade (por exemplo, ao enquadrar de determinada
maneira, o fotógrafo faz uma selecção que conformará o sentido produzido). Aliás, os fenomenologistas já
advertiam que a presença do observador altera o fenómeno percepcionado (o que é fotografado muda pelo facto
de o ser), mesmo que o nómeno permaneça (um sujeito pode ter uma reacção diferente caso se aperceba da
presença de um fotógrafo, mas continuará a ser "ele").

A construção de sentido depende ainda do objecto e/ou do sujeito representado (um sujeito em pose não
originará as mesmas conotações que um sujeito captado "naturalmente"). Finalmente, há que ter também em
conta a forma como a fotografia é apresentada (ser apresentada numa exposição é diferente de ser apresentada
num jornal, inter-relacionada com títulos, outros artigos, etc.) e, claro, os suportes fotossensíveis (que não
apresentam, sequer, uma resposta constante), os processos fotográficos e a câmara fotográfica. Esta tem quer
limites quer uma capacidade analítica que confere ao fotojornalismo parte da sua capacidade de construção do
real referencial, social e pessoal.

Poderíamos, em resumo, dizer que o sentido da fotografia de Imprensa depende (a) da máquina fotográfica e
dos suportes fotossensíveis (ou outros), (b) do processo de sensação/percepção do fotógrafo e, posteriormente,
do leitor, (c) da fotoliteracidade aplicada de ambos, (d) do contexto global de produção e, finalmente, (e) do
contexto da imagem fotográfica e do contexto da sua leitura, associada ao texto e ao design global que lhe
insuflam conotações.

Como Fred Ritchin, julgamos que só o contexto nos dá informação.(95) O contexto, o ground, é uma carta
importante no jogo da construção de sentido, seja a designação referente ao conhecimento de uma situação ou
de uma problemática, seja referente a um contexto cultural —como a partilha de códigos e regras de
funcionamento num sistema comunicacional—, tal como torna saliente os modelos construídos do processo de
comunicação.

Uma foto é, de facto, fabricada dentro de um determinado contexto e é dentro desse contexto que as situações
que ela representa permitem significações ou, pelo menos, significações mais coerentes com a realidade
hipoteticamente referenciada. As fotografias antigas, por exemplo, podem ter uma leitura conotativa muito
diferenciada consoante sejam lidas por alguém que viveu essa época e a situação representada e por alguém que
não as viveu.

Ao falarmos de contexto, falamos, sobretudo, de uma espécie de contexto externo à fotografia, o contexto que
respeita à relação da imagem com a História, a sociedade, a cultura, as ideologias, a eventual organização em
que foi produzida, a profissão de fotógrafo (fotojornalista), a situação e o autor. Mas a interpretação do sentido
produzido recorrendo à semiótica é algo em que não insistiremos neste pequeno ensaio. Aliás, em matéria de
interpretação, é necessário contar com as apreciações pessoais (em última análise, não há mesmo "verdade" no
olhar e na interpretação que não seja pessoal) e com o facto de que cada imagem pode ter leituras diferentes
consoante o momento histórico e o meio socio-cultural em que foi obtida, constituindo, portanto, áreas de
estudo que escapam um pouco ao nosso tema tésico.

Uma fotografia nunca é neutra. Como vimos, ela transporta simultaneamente a mensagem do seu autor, a sua
mensagem "própria", isto é, a mensagem do que é representado no campo fotográfico (eventualmente
remetendo para fora dele), e o sentido construído pelo observador, tudo num determinado momento e num
determinado contexto. Basta reparar que, quando se fotografa, é preciso seleccionar um ângulo, um
enquadramento/plano, um momento e factores técnicos para se perceber isso mesmo. Repare-se no que diz
Michael Langfort:

"[Nas] fotografias de reportagem (…) é muitas vezes necessário encapsular um


acontecimento no que virá a ser a imagem definitiva. O momento da expressão ou da
acção deve sintetizar a situação, embora se possa colorir o registo escolhendo
quando, e de onde, se fotografa. Fotografe-se uma manifestação por detrás de uma fila
policial e poderá mostrar-se uma multidão ameaçadora; fotografe-se a partir de um
ponto diante da multidão que se manifesta, e mostraremos as autoridades repressivas.
Teremos um poder semelhante quando se fotografa, digamos, a cara de um político ou
de um desportista. A expressão de qualquer pessoa pode mudar entre a tristeza, a
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alegria, o aborrecimento, a preocupação, a arrogância, etc, tudo num intervalo de


poucos minutos. Fotografar-se um destes momentos e etiquetá-lo com uma referência
sobre qualquer evento, e não será difícil alterar a verdade dos factos reais."(96) (sic)

É neste ponto que entronca a questão da "verdade" em fotografia jornalística. Desde, pelo menos, 1839, o ano
da apresentação do daguerreótipo, que os mais argutos a colocam. Nesse ano, Daguerre fotografou o Boulevard
du Temple, em Paris. Num canto da imagem nota-se um exgraxador e o seu cliente, os únicos seres que
permaneceram mais ou menos imobilizados o tempo suficiente para serem (os primeiros humanos) captados
pela fotografia. Os outros passantes, a pé, a cavalo ou de carroças e coches não se vêem, precisamente porque
os tempos de exposição eram, à época, significativamente longos. Quer com essa quer com imagens posteriores
contempla-se o que são, afinal, construções ficcionais de mundos de referência operadas pela fotografia. Aliás,
estamos em crer que a disseminação da cultura multimédia e a nova alfabetização que lhe está associada levarão
a que a fotografia —podendo sê-lo— deixe, no entanto, cada vez mais de passar por prova testemunhal, porque
também cada vez mais e melhor se conhecem os processos de manipulação digital de imagens.

De qualquer modo —e isto é problemático— os observadores tendem a conotar a foto-press como uma
evidência, que pode não o ser. Sendo informação, importa saber de que tipo é a informação que a fotografia
jornalística traz.

Antes de mais, o acontecimento vem antes da foto. A fotografia, enquanto documento, existe porque um
acontecimento realmente se produziu, a menos que seja uma foto manipulada, truncada.(97) Mas,
singularmente, a foto publicada na Imprensa também é, ela mesma, um acontecimento, já que é notável,
singular, suscita reacções e pode ser, inclusivamente, origem de acontecimentos. E é um acontecimento que
parece que prolonga a vida de momentos de outros acontecimentos, acontecimentos estes que ela representa
centrada na "imobilidade" e fazendo uso da condensação espacio-temporal que é característica do medium.

Quando se fala de fotografia fala-se, então, de representação visual, já que se trata sempre de uma apreensão
manipulada e mediada da realidade. Com as representações audiovisuais que brotam do cinema, da televisão, do
vídeo e dos meios informáticos e multimédia, a fotografia é uma das causas da explosão visual assinalável na
cultura contemporânea.

As formas de representação visual invadem o quotidiano. Tornam-se, portanto, e cada vez mais, factores
privilegiados —embora mediadores— da relação dos sujeitos com o mundo. Aqui toca-se, aliás, no que poderá
ser um problema: a substituição das experiências perceptivas directas de leitura do mundo pelas experiências
perceptivas indirectas, a que se tem de acrescentar, já, a realidade virtual. O interessante é que o poder da
fotografia remete para os seus parâmetros visuais: ponto de vista, distância focal, tempo de pose, características
do suporte, profundidade de campo, etc. Por exemplo, as leituras das fotos de retrato podem ser influenciadas
pelo tamanho do plano e pelo ângulo da câmara. D. Zillmann, C. Harris e K. Schweitzer, em 1993, mostraram
que a percepção da personalidade e da competência profissional dos sujeitos representados modificava-se em
função dessas variáveis: planos gerais e de conjunto realçam numerosos traços positivos da personalidade; os
retratos frontais ao nível do olho tendem a ser desvantajosos; retratos laterais de baixo realçam a percepção da
inteligência e da capacidade de decisão e, consequentemente, favorecem a atribuição de competência aos
políticos, especialmente se forem homens; os retratos laterais de cima realçam a atribuição de competência
artística, especialmente no caso de sujeitos femininos.(98) Os mesmos autores concluíram também que a
atribuição de marcas de personalidade e competências não era, nos casos analisados, influenciada pelo sexo.(99)

Sendo representação, a fotografia é colonizada pela ordem simbólica que emana da retórica dos discursos
pictóricos: angulações, enquadramentos e planos, perspectiva, composição, luz, cor, gradação da definição em
profundidade, etc. Mesmo quando se coloca aleatoriamente uma máquina num qualquer local e se obtêm fotos
sem intervenção retórica, a leitura dessas fotos por um observador e as suas tentativas de geração de sentidos
serão conformadas pela carga histórico-cultural, na qual se inserem precisamente as significações associadas à
retórica da imagem. Mas também não é menos certo que, se na pintura o signo ocupa o lugar do real,
submetendo-se o analógico eventual ao simbólico, na fotografia, mesmo quando o sígnico se manifesta através
dos dispositivos retóricos, subsiste uma dimensão analógica, subsiste "(…) la ilusión de un reencuentro con las
formas perceptivas primarias"(100), subsistem, afinal, vestígios do real. Pode, também por isto, dizer-se que,
antes de ser ícone ou símbolo, a fotografia é indício do real.(101) Pelo menos, como já frisámos, é testemunha
das condições de realização do acto fotográfico (e, além disso, pode indiciar o "fora-de-campo" fotográfico). A
fotografia pode remeter para a singularidade do real precisamente por ser uma imagem potencialmente
dessimbolizada. É desta relação que vive um certo fotojornalismo, como o da Lusa. E é sobretudo dela que se
alimenta a foto-choque.
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Um outro elemento expressivo na estética fotográfica é a estética do ruído, como é designada por Luis
Gutiérrez Espada.(102) Consiste na utilização significante de elementos como o grão ou a distorção (como o fez
Kertész; ou Eugene Smith, em Minamata, na foto dos manifestantes transportando os retratos dos mortos). Tal
reconduz às questões da fiabilidade, da objectividade e da verdade em fotografia, questões essas que estão
intrinsecamente relacionadas com o grau de iconicidade/abstracção em fotografia.

Por grau de iconicidade/abstracção entendemos o grau de semelhança entre o objecto e a sua representação, isto
é, mais precisamente, entre o significante e o seu significado (por exemplo, uma fotografia a cores é mais
"realista", isto é, mais icónica do que uma a preto-e-branco). Ora, como a fotografia é representação, mediação
e manipulação na apreensão do real, está-lhe sempre associado um certo grau de subjectividade. E como,
geralmente, a câmara se relaciona com um fotógrafo, também podemos associar à foto uma instância criadora.

De qualquer modo, como releva Mitchell, as fotografias têm de possuir propriedades que as adequem ao seu uso
funcional e que limitam a sua utilização potencial em actos comunicativos(103):

a) Registam certas coisas e não outras — não existem fotografias de um electrão;


porém, as fotos podem registar mais do que aquilo que o fotógrafo esperava;

b) As limitações do medium impedem que se fotografem certos assuntos de forma tão


completa e precisa como outros — se se fotografar um lance de um jogo de futebol, a
fotografia não mostra a disposição global dos jogadores em campo;

c) As fotos têm de possuir uma relação intencional com o assunto a que se referem —
uma fotografia de Arafat não pode ser usada por um jornal para identificar outrem (se
o for, originará provavelmente uma descodificação aberrante).

As fotografias —incluindo as jornalísticas— possuem também uma certa força ilocucionária em determinados
momentos — "(…) the use of a picture in a particular act of communication gives that picture a certain
illocutionary force, and the illocutionary force given to a particular picture may vary from context to context."
(104) Tal situação verifica-se, por exemplo, quando uma foto jornalística serve para apoiar uma argumentação.

O contexto, já o dissemos, é um elemento de extrema importância para se compreender uma fotografia,


podendo o texto, no fotojornalismo, funcionar como um agente contextualizador, a par dos elementos que
devem surgir no "dentro-de-campo" fotográfico. "Photographs (…) present facts but are frequently used as
evidence. Any photograph might be used as evidence of many things, but it only becomes evidence when
somebody finds a way to put it to work."(105)

Deste universo, a responsabilidade do fotojornalista surge acrescida. Não lhe basta estar atento aos
acontecimentos que possam ser mais bem compreendidos quando fotografados, como o caso do envenenamento
por mercúrio da aldeia piscatória japonesa de Minamata, abordado por Eugene Smith. É preciso também saber
fotografar e fotografar com responsabilidade, até porque o real representado numa fotografia talvez não seja
sequer tão importante como as emoções que estão a montante e, principalmente, a jusante do acto fotográfico,
durante o qual um instante é "capturado". A fotografia pode oferecer uma relação mais ou menos estreita com
uma realidade em movimento, fugidia, mas oferece também a implicação e participação do fotógrafo e do
sujeito observador nessa mesma realidade. Aliás, a objectiva da câmara é sempre subjectiva, pois assenta no ser
humano por trás da câmara.

Como qualquer outro discurso, também os discursos fotográficos são manipuladores: podem jogar com as
ideologias, as crenças, os mitos e as expectativas, jogam certamente com os padrões culturais através dos quais
uma sociedade vê o mundo. Após a foto, nada fica como dantes. A natureza formal, a matéria informativa, o
conteúdo narrativo, a paginação, os textos que acompanham uma foto, todos estes são factores de manipulação
que, ao nível do fotojornalismo, originam percepções e imagens diferenciadas da realidade. O que é preciso é
que quer os fotojornalistas quer os observadores o percebam.

"The photographer is more a pointer than a painter"(106), disse Mitchell, realçando que a fotografia tem um
grande poder de denotação de objectos, pessoas e cenas. A fotografia jornalística, de facto, ancora-se sempre no
real visível. Talvez por isso, os observadores tendam a presumir que as fotografias só podem mostrar coisas que
existem, quando isto não se passa assim. Recorrendo-se às técnicas da imagem digital ou laboratoriais, podem
até realizar-se pseudo-fotos com objectos fictícios —como as fotos dos "americanos presos no Vietname" à

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espera que um Rambo os salve— e essa ancoragem usual da fotografia ao real vai ser a arma da pseudo-foto
para passar por foto.

O recurso às técnicas digitais permite também mais facilmente a simulação imagética de eventos que não
ocorreram, como um OVNI a aterrar no Estádio das Antas. Mas é preciso ter em atenção que a comunicação
social tem efeitos pretendidos e não pretendidos e que nunca se sabe quais os efeitos que as pseudo-fotos (e as
fotos) podem originar. Como Barthes fez notar, vários processos de conotação, tal como o texto, introduzem
conotações no "analógico fotográfico"(107) que podem ou não corresponder às ideias ou emoções que se
pretende transmitir com a imagem.

A fotografia pode também ser usada para criar falsas crenças e sentimentos desajustados, como o tentou fazer
Saddam Hussein aquando se deixou fotografar e filmar a acariciar as crianças-reféns ocidentais (visivelmente
contrariadas, pelo que veio a originar um efeito de boomerang) no período que antecedeu a Guerra do Golfo. As
fotografias podem fazer mais do que reportar acontecimentos: podem contar mentiras e ficcionar, tal como
podem servir para identificar, chantagear, contratar e conseguir contratos, ajudar a escolher roupa, comida ou
outros objectos e originar resposta sexual.

Verifica-se, assim, que a imagem fotográfica tem grandes potencialidades expressivas, inclusive porque,
geralmente, a "(…) fotografía produce una 'impresión de realidad' que en el contexto de la prensa se traduce
por una 'impresión de verdad."(108) As fotos podem usar-se para benefício do fotojornalismo e da comunidade.
Mas também podem ser uma ameaça para os cidadãos, se marcarem negativamente os processos de construção
simbólica desencadeados por acção dos news media. De qualquer modo, "Grande parte das imagens que vemos
todos os dias nos jornais revelam-nos potencialidades de informação e problematização sobre o mundo à nossa
volta que lhes conferem uma vocação muito próxima da antropologia ou da etnologia."(109) Além disso, em
fotografia é o observador que determina o tempo de leitura da imagem. Como os jornais, revistas e livros podem
ter uma vida longa, as imagens fotográficas podem ter efeitos a longo prazo.

Sem prejuízo das fotografias que o observador não esquece devido ao seu carácter inédito ou inesperado,
estamos convencidos de que, predominantemente, as fotografias de notícias cumprem tanto quanto possível
cumulativamente —por aos olhos dos fotógrafos ganharem, assim, maior força— alguns dos seguintes
requisitos(110):

a) Enfaticidade — As fotografias são nítidas, bem expostas, graficamente ousadas e


compostas de forma a tornar o acontecimento principal imediatamente reconhecível;

b) Relevância — As fotografias representam os aspectos mais significativos do


assunto, oferecendo pistas quanto à importância relativa das coisas representadas;

c) Oportunidade — As fotografias são obtidas no "instante decisivo" da acção em


curso, relevando coisas importantes e interessantes para o significado do evento.

Todavia, ver —verdadeiramente— é ler o mundo e as leituras do mundo através da fotografia não passam
apenas por esse conjunto de características que molda o discurso fotojornalístico hegemónico no Ocidente. A
fotografia pode transformar-se num local de convivência e conivência com o real, quando o observador aprende,
em verdade, a ler as fotos e o fotógrafo aprende, em verdade, a fotografar. A fotografia trata —nestes casos—
da confluência de vontades, intenções, domínio técnico e teórico, percepções.

A fotografia pode, assim, ser uma fonte de informação e comunicação que, num certo sentido, beneficia de uma
espécie de linguagem universal, que extravasa fronteiras, políticas, economias e mesmo culturas, ou, pelo
menos, beneficia do mínimo denominador comum que permite a todo o ser humano comunicar com outrem,
evitando as necessidades de tradução. Todavia, a fotografia não dispensa um auxílio eventual à leitura da
imagem fotográfica, já que nem todos possuem um índice de literacidade imagética que permita a exploração
total das imagens fotográficas. Evidentemente, porém, cada imagem não só dependerá do fotógrafo como
também será conotada em função da pessoa, do meio social em que ela se insere e da sua cultura, pelo que,
assim, igualmente poderemos recusar a ideia da existência de uma linguagem e falar de linguagens fotográficas.
Mesmo atendendo ao acto de observação, se constatamos uma crescente misceginação de culturas, também não
é menos verdade que certos traços culturalmente localizados promoverão leituras diferenciadas da representação
fotográfica, pelo que um gesto como um aperto de mão poderá eventualmente ser entendido como um gesto
agressivo em determinados locais.(111) Do nosso ponto de vista, porém, tal como podemos abarcar com a
expressão fotojornalismo o fotodocumentalismo e certos tipos de foto-ilustração, também podemos considerar
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válida a existência de uma faceta linguística de carácter universalista na fotografia, mesmo que ao nível do
olhar (e não do ver), ao nível dos mínimos denominadores comuns da comunicação, faceta esta que não exclui
as linguagens fotográficas particulares, entendidas quer do ponto de vista da produção quer do consumo.

No campo da mesclagem de culturas, é interessante notar que o fotojornalismo é uma das actividades onde mais
se nota a existência de uma certa cultura profissional mundializada, cujas raízes se podem buscar, a nosso ver,
(a) na História frequentemente compartilhada, (b) no carácter internacional da actividade e de várias
organizações noticiosas, (c) nos contactos frequentes entre profissionais de várias nações, (d) nos jornais e
revistas da especialidade, muitos deles vendidos por toda a parte e lidos um pouco por todos os profissionais, e
(e) na elevada mobilidade dos profissionais, de país para país e de organização para organização.

Partilhando, em parte, uma História comum, carregando o peso de ideologias e de uma cultura parcialmente
comparticipada que molda a civilização dominante, os news media têm valores e critérios de noticiabilidade
frequentemente comuns. É aqui que se forja a semelhança do produto e da actuação no universo do
fotojornalismo.

1.2. NOÇÕES FUNCIONAIS E UTILITÁRIAS SOBRE A IMAGEM FOTOGRÁFICA

Em função da apresentação e discussão de ideias levadas a cabo nos itens anteriores, julgamos que será útil
encontrar uma forma pragmática e funcional de caracterizar o estatuto da fotografia e abordar a questão da sua
expressividade. Mas não é nossa intenção —reafirmamo-lo— entrar profundamente nos debates que se realizam
no vasto campo da semiótica nem sequer propor definições. Aliás, em todas as posições em que fomos tocando
pareceu-nos encontrar algo de pertinente e razoável.

Para o caso da nossa tese, inclusivamente, o interesse da fotografia reside mais nos elementos configuradores da
produção e difusão e menos na técnica. Mesmo os conteúdos e o processo geral de construção de sentidos a
partir desses conteúdos são, no nosso trabalho, elementos tratados superficialmente e a título meramente
complementar, incluindo quando o medium é conjugado com outros suportes de significação, como o texto
impresso.

Dentro da esfera assim definida, quando falamos de fotografia —e não de percepções e apropriações das
imagens fotográficas— falamos de imagens técnicas ou artificiais que, no campo fotojornalístico, regra geral,
procuram registar ou representar a realidade, e nas quais há a considerar a existência de eventuais códigos de
representação ou, pelo menos, de leitura, o que impede a objectividade sem excluir a intersubjectividade.
Enquanto representação, existe sempre algum grau de deformação em fotografia, mesmo que a representação
seja o mais analógica possível.

Com uma fotografia expressa-se um espaço seleccionado num momento determinado, em função de uma
perspectiva, de um ponto de vista, de cores e/ou tonalidades e dos demais elementos que participam no jogo
fotográfico. Todos os elementos da imagem, sendo lidos, são, a priori, susceptíveis de gerar sentido. Mas todos
eles podem contribuir, à sua maneira, para introduzir dissonâncias entre a fotografia e o real que esta representa.

Acrescente-se, ainda, que a fotografia é um processo de obtenção de imagens mecânicas representativas da


realidade que lida com as qualidades expressivas da luz que, numa câmara escura, sensibiliza alguns materiais.
É como uma máquina de "fixar olhares": a fotografia "recupera" a realidade, representando-a no campo
fotográfico. Todavia, a "realidade" no campo fotográfico é uma realidade contaminada quer pela sua própria
idealização quer por todas as características que decorrem da mediação através de artefactos técnicos, como a
câmara e os filmes. O que o fotojornalismo capta, neste sentido, é sempre um real ficcionado, apesar da
impressão de realidade — a fotonotícia, tomando parte da realidade, é, para nós, um discurso sobre essa mesma
realidade, um signo.

Inter-relacionada com o texto num órgão da Imprensa, a fotografia pode aportar mais informação,
contextualizar, ajudar a explicar, interpretar, constituir um testemunho, um documento, e mesmo funcionar
como um elemento de valoração gráfica ao ancorar o olhar. A fotografia é um medium polifuncional.

Sendo um medium polifuncional, a fotografia não deixa, por isso, de ser um medium —e até porque é medium—
submetido à intervenção humana. Assim, também por aqui se vê que a fotografia não substitui o real, embora
possa representá-lo, mediá-lo.

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A foto consegue comunicar mensagens sem necessidade de codificação prévia e pretendida no acto fotográfico.
Mas o real transforma-se, pela fotografia, num referente representacional, já que, do nosso ponto de vista, a
representação fotográfica aparenta ser uma representação formulada e/ou lida através de códigos e regras, de
valores e ideologias, de pontos de vista e de culturas. Frequentemente o fotojornalismo tenta dissimular a
produtividade da (sua) linguagem imagética, tenta dissimular o que conduz à foto, mas o facto é que, na nossa
opinião, circunstâncias como a personalidade do fotógrafo e o momento técnico-cultural e ideológico
constringem o fotojornalismo e a sua evolução histórica. Como dizia Allan Sekula, a foto inscreve-se num
sistema de dependências, sendo semelhante a um produto híbrido.(112)

A fotografia vale também pelo que é, fotografia, e não apenas pelo que a ela conduz ou pelo sentido que gera.
Existe —julgamos— um território fotográfico específico. Existe mesmo uma linguagem fotográfica
representativa de uma série de processos de expressividade e geração de sentido usados em fotografia. Um
exemplo flagrante é o das fotografias que apresentam um fundo esbatido, devido a um movimento de
panorâmica ou travelling da máquina fotográfica durante o acto fotográfico, podendo ocorrer, a título
exemplificativo, quando se segue um objecto em movimento. O resultado é específico do medium, faz parte do
campo do medium. E o campo do medium não pode, obviamente, ser ignorado. Além disso, a fotografia sobre
um acontecimento, depois de difundida na Imprensa, é ela mesma um novo acontecimento que vem transformar
o mundo, que altera a realidade e o quadro de referências sobre a realidade.(113) Esta característica também é
indissociável do campo do medium.

Em suma, na presente tese vimos a fotografia jornalística como um signo que não possui um valor meramente
denotativo de representação das aparências da realidade, antes é relativamente polissémico (a conotação será até
frequentemente arbitrária, pois parece ser, em elevado grau, subjectiva), embora seja igualmente potencializador
de intersubjectividades. A realidade, complexa, surge, na foto, semantizada, sintaxizada, talvez mesmo
simplificada.

Sendo um signo, julgamos que podemos atribuir às fotos um significante, um significado e um referente.
Todavia, os códigos e contextos de leitura podem ser diferentes dos da produção, podendo até gerar-se
descodificações aberrantes.

Também não nos furtamos a considerar que a foto pode assumir, dentro da semiótica peirciana, a natureza de
índice (por exemplo, a foto de um faminto na Índia pode ser um indício da fome no Terceiro Mundo), ícone (a
maioria das fotografias de notícias tem uma ambição icónica) ou mesmo símbolo, ao mesmo tempo ou
separadamente. Além disso, enquanto signo, as fotos não terão um significado interno fixo, mas significados
potenciais que se vão actualizando com o seu uso social e individual.

De qualquer modo, a realidade fotográfica, participante, também ela, da realidade, construtora de uma nova
realidade e de novos referentes, é, ela mesma, dissonante em relação à realidade, embora possa dar pistas para a
penetração nessa realidade. É, inclusivamente, neste pormenor, que ela interessa ao fotojornalismo, até porque,
do nosso ponto de vista, existe uma realidade fora dos discursos que a falam, embora seja através da linguagem
que um sujeito consegue apreender "o real", talvez mais precisamente, imagens do real.

A fotografia partilha ainda uma linguagem própria e outra menos própria (a que decorre dos formatos da
pintura, por exemplo). É um artefacto cultural, mas não o é em exclusivo.

Face ao exposto,

"Torna-se cada vez mais urgente abrir o debate sobre o que é, afinal, uma reportagem
fotográfica. A fotografia parece ser um fabuloso instrumento de exploração do mundo,
mas também revelador da nossa relação com ele.

Em grande parte dos casos —sobretudo na fotografia de actualidades, mas também


nas explorações mais etnográficas—, existe uma forte tendência para a literalidade: o
fotógrafo apenas estava lá, registou. Milhões de imagens de etíopes esfomeados, de
casas destruídas em Beirute, de sangue, são vendidas, de forma sensacionalista e por
vezes em edições de luxo, a uma multidão ávida de destruição. (…)

Esta ideia do sujeito (fotógrafo) que regista a 'realidade' política e social apenas
porque ela 'existe' (…) deve ser criticada como a mais pura das ilusões, para que o
verdadeiro (…) debate ocorra —o debate sobre as diversas 'construções fotográficas'

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do mundo, que arrasta consigo, inevitavelmente, o debate essencial do fotógrafo


consigo mesmo e com esse mundo.(…)

Agora que a fotografia devora e desmultiplica a humanidade inteira em milhões de


imagens, é necessária e urgente essa atitude crítica (…) sobre a nossa fábrica de
ilusões (…)".(114)

1.3. EM JEITO DE CONCLUSÃO: D0 QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE


FOTOJORNALISMO

O fotojornalismo é uma vertente da fotografia, a "escrita com a luz". Esta pode caracterizar-se como um meio
de comunicação autónomo dado que possui uma natureza técnica específica, um âmbito comunicativo próprio e
uma determinada linguagem básica(115):

a) Quanto à natureza técnica, a fotografia apresenta a sua própria instrumentalidade, já


que possui recursos próprios para a conservação (filmes, discos e disquetes, etc.) e
reprodução da imagem (processos de impressão);

b) Quanto ao âmbito comunicativo, a fotografia conta com a sua própria organização,


em que coexistem amadores e profissionais e uma rede de serviços fotográficos; os
profissionais podem exercer a profissão como freelances ou integrados em
organizações, como as agências;

c) A fotografia apresenta certas particularidades de linguagem e expressão, já que a


produção de sentidos a partir das imagens fotográficas se baseia usualmente em
factores como o enquadramento, os planos, a composição, a perspectiva, a
profundidade de campo, a luz, etc. Mesmo quando se coloca uma máquina fotográfica
num qualquer sítio e se realizam imagens sem qualquer preocupação expressiva que
entre em conta com os elementos da linguagem do medium (apesar de estes estarem
necessariamente presentes), estamos convencidos de que, em maior ou menor grau,
pelo menos a leitura da imagem pelo observador é também conformada pelos
elementos linguísticos intrinsecamente imagéticos que o observador vai integrando
pela mundivivência sócio-histórico-cultural; além disso, há que contar com as
limitações e as acções conformadoras técnica, temática e económica, que variam de
meio para meio; de qualquer modo, parece inegável que a fotografia apresenta um forte
ímpeto emotivo.

A fotografia também corresponde ao conceito de mass medium avançado por Blake e Haroldsen. Estes autores
argumentam que um mass medium para ser mass medium necessitaria de satisfazer dois requisitos: 1) oferecer a
possibilidade de comunicação através de um dispositivo mecânico, resultando numa relação mais ou menos
impessoal entre o comunicador e a sua audiência; e 2) poder ser usado para comunicar de uma fonte singular
para um vasto número de pessoas.(116)

Ao ser usada mediaticamente, a fotografia jornalística pode tornar-se num dos numerosos elementos que
permitem a integração e a coesão social, embora o fenómeno da segmentação das audiências que se vem
desenhando na paisagem mediática desde os anos oitenta possa lançar alguma suspeição sobre esse papel do
jornalismo.

Há cerca de 60 anos, fotografia e jornalismo escrito enveredaram, em muitos pontos, por uma relação
simbiótica, de mútuo benefício, cuja concretização encontra expressão plena no fotojornalismo (termo forjado
entre os anos trinta e cinquenta). Hoje, o fotojornalismo cobre um leque amplo de eventos, embora seja notório
um desvio historico-culturalmente assimilado para as hard news e hot news. Porém, soft news, como as feature
stories, também são frequentes.

Christian Caujolle fala de quatro grandes funções da fotografia na Imprensa: ilustração, informação, eficácia de
leitura e estética.(117) Pessoalmente, acrescentaríamos a interpretação, a explicação e a contextualização,
embora, de algum modo, sejam funções que poderíamos integrar na informação.

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A foto, na Imprensa, pode, de facto, informar, e é daqui que lhe advém o seu valor primeiro. Nas palavras de
Margarita Ledo Andión, a foto na Imprensa é predominantemente uma fotografia legível e decifrável, com um
alto grau de figuração, mas que, ao elaborar significações, dramatiza e conota o real, "(…) engádelle accion e
engádelle a cita dende cada contexto; a foto, na prensa, perfila e perfílase na composición visual e na actitude
óptica que devén dos modelos e tamén do momento tecno-cultural".(118)

Neste campo, Barbara Rosenblum escreveu:

"News photographers are generally recognizable by their specific range of content


depicting newsworthy events (…). Subject matter consists tipically of a person or a
group of people doing something in a specific situation at a specific moment in time.
Because it is situation-specific and time-specific and because it is placed in a
newspaper context, we read such pictures as data, visuals containing information."
(119)

Apesar da sua relevância no panorama mediático, o fotojornalismo tem sido pouco estudado. É um facto que,
tendo já passado mais de 150 anos sobre a invenção da fotografia e esses 60 sobre a emergência do
fotojornalismo como um subcampo genuíno do jornalismo, pouco se sabe sobre como e de que forma a
fotografia mudou o campo jornalístico, principalmente a Imprensa e as agências noticiosas com sector de
"fotonotícia".

Assim, quando se folheiam as revistas científicas na área do jornalismo e da comunicação social(120) observa-
se que os processos produtivos fotojornalísticos não são estudados com a sistematicidade de outras áreas do
campo dos media.(121) Não obstante, como escreve Karen Becker, "Photojournalism is a complex international
phenomenon shaping and shaped by individual carreers, organizations, the technologies of making and
publishing photographs, and the events recorded and distributed as news".(122) Para a complexidade do
processo contribuem também as tecnologias de geração e manipulação digital de imagem e a velocidade de
transmissão de (foto)informação suportada pelas novas tecnologias. Aliás, a era das telecomunicações e do
"tempo real", aliada à concorrência, talvez pressuponha a redefinição do (foto)jornalismo, já que não só as
fontes de informação proliferam negando grandes hipóteses de verificação dos dados (devido ao "tempo real" da
transmissão da informação) e garantindo mais facilmente a sua presença no universo imagético mediático (veja-
se, por exemplo, o incremento das conferências de Imprensa) como também os (foto)jornalistas se tornaram
numa espécie de historiadores da efemeridade, recorrendo à linguagem do instante.

O fotojornalismo é uma das mais poderosas forças industriais no campo fotográfico(123), aliando reportagem,
arte e edição comercial. Existem vários tipos de organizações que se dedicam à actividade: agências de
fotógrafos, agências noticiosas, jornais e revistas. Além disso, polulam os freelances na profissão e mesmo
alguns amadores ou fotógrafos profissionais de outros ramos por vezes realizam excelentes fotografias de
interesse jornalístico. Em outros casos, instituições e certas organizações fornecem fotografias que, enquanto
importantes documentos, se podem considerar fotojornalísticas — é o caso, por exemplo, das fotos do homem
na Lua, fornecidas pela NASA.

Contribuindo também para relevar a importância da actividade, as pesquisas feitas no campo da recepção das
mensagens escritas e das mensagens que articulam escrita e fotografia geralmente concluem que as fotos
enriquecem informativamente os enunciados verbais(124), atraem mais a atenção e são preferidas na
leitura(125), embora tal nem sempre aconteça. Em estudos separados, Woodburn, Miller e Blackwood
demonstraram mesmo que os leitores obtêm as suas primeiras impressões de uma "estória"(126) olhando
primeiro para as fotografias numa página(127) e Swanson descobriu que os formatos visuais, particularmente a
fotografia, dominavam a "leitura" da Imprensa.(128) O estudo de Woodburn mostrou também que uma
fotografia paginada a três colunas fazia parar dois terços dos leitores e que a atenção dada à imagens
fotográficas era superior à de outros elementos dos jornais e das revistas.(129) Como muito do texto que
acompanha as fotos não é processado pelo leitor(130), é lícito e razoável assumir que as fotografias por vezes
podem ser a principal representação que alguns observadores têm dos acontecimentos que ocorrem no mundo,
tornando-se agentes susceptíveis de gerar efeitos afectivos, comportamentais e cognitivos na pessoa desse
observador, especialmente no que toca à construção de referentes. O próprio estado de espírito do observador
pode determinar as conotações que este atribui a uma fotografia, pode determinar, ao fim e ao cabo, o que esse
observador "vê" numa fotografia.(131)

As pessoas gostam de fotografias(132), especialmente de fotografias a cores(133). E as pessoas costumam


gostar mais das fotografias do que dos textos nos jornais e revistas.(134) Um estudo de William S. Baxter,
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Rebecca Quarles e Herman Kosak aponta até para a constatação de que não só as pessoas "lêem" as fotografias,
mas também que uma "estória" acompanhada de fotos atinge maiores níveis de leitura do que as outras.(135)
Estes autores dizem também que uma fotografia noticiosa de grande tamanho complementa mais do que
compete com o texto de uma "estória"(136), por onde se vê que a fotografia na Imprensa pode ser de grande
importância para a orientação visual do leitor perante uma página de um jornal ou de uma revista. Rita Wolf e
Gerard L. Grotta, no mesmo sentido, mostram que as fotografias que integram acção e grandes fotografias "tipo
retrato" chamam a atenção, embora não aumentem significativamente a probablilidade de o observador recordar
e evocar informação de uma "estória"(137) (muitas das fotos de Salgado, sem "acção", hipoteticamente geram
mais recordações e evocações). Contudo, é também possível que as fotografias desviem a atenção do texto e
limitem a interpretação da mensagem, ao mobilizarem a atenção para elas próprias.(138) Por outro lado, é ainda
imaginável que uma fotografia passe despercebida se dela não se possuir uma referência que a contextualize.
Aqui, adquire particular relevância o achado de Kerrick de que os títulos das fotos podem modificar o
julgamento de uma fotografia.(139)

As fotos também podem ajudar a estabelecer o contexto, o frame (o enquadramento) de uma "estória".(140)
Tubergen e Mashman, por exemplo, demonstraram que a natureza de uma fotografia poderia influenciar as
atitudes de um observador face a um objecto fotograficamente representado.(141) Contudo, a adição de
fotografias, podendo reforçar a credibilidade, nem sempre reforça a persuasão das mensagens, embora as fotos
sejam frequentemente usadas com esse fim.(142)

Wayne Wanta chegou, por outro lado, à conclusão de que algumas fotos contribuíam para a construção da
agenda do público, isto é, algumas das fotos publicadas na Imprensa apresentam efeitos de agenda-setting ou
tematização; mostrou também que é possível incrementar os efeitos de agenda-setting por um pequeno período
de tempo simplesmente aumentando o tamanho das fotografias, o que aumenta a responsabilidade dos editores
devido ao seu papel de gatekeepers.(143) Em torno da noção de que as fotografias jornalísticas geram efeitos de
agenda-setting gravita a constatação de que a forma como se vê o mundo e o que deste se vê através da imagem
fotográfica nos discursos jornalísticos depende da estratégia enunciativa(144), de onde a importância que
devemos dar aos estudos de caso aplicados ao estudo dessas estratégias, como aquele que é o objecto da
presente tese.

As investigações realizadas dão ainda crédito à ideia de que as palavras, e, por este motivo, as comunicações
escritas, estão associadas com a racionalidade, a informação e a factualidade, e as imagens com a emoção.(145)
E há ainda que contar com o facto de a "linguagem do instante" de que o fotojornalismo vive não obedecer a
regras pré-concebidas de eficácia. Em última análise, tudo depende de quem vê: o fotógrafo e, depois, o
observador.

As news pictures são, por conseguinte, importantes, quanto mais não seja porque, como vimos, uma vez
inseridas na Imprensa, podem ajudar a estimular o interesse de um leitor por uma "estória" e até facilitar um
melhor entendimento dessa "estória". De facto, a fotografia é, entre várias, uma escrita poderosa. As
omnipresentes fotos do Chefe de Estado que ornam um número significativo das paredes das entidades públicas,
atraindo olhares, mas também emoções, são um símbolo da força do medium, aqui a sossegar os espíritos a
quem impõe a presença fictícia do "pai da nação" que por todos vela, mas também pune.

É neste grande limbo que se move a actividade ambígua que se designa por fotojornalismo, na sua ânsia de
captar, desvelar ou interpretar o mundo e sobre ele acentuar pontos de vista. Sempre através de imagens
conjugadas com um texto que as deve contextualizar e complementar, porque a imagem tem vários problemas
ontológicos: por um lado, há coisas sobre as quais não consegue dar informação, pelo que a palavra é sempre
necessária para que o sentido gerado seja o pretendido; por outro lado, a imagem, só por si, não pode mostrar
conceitos abstractos, como inflação ou paz. No fotojornalismo, conforme alertava Barthes, é preciso jogar com
elementos imagéticos que promovam uma leitura histórico-cultural que, conjugada com a palavra, oriente o
processo de geração de sentidos.

A noção de fotojornalismo é, por outro lado, também cada vez mais difícil de precisar, devido à multiplicidade
de fotógrafos que se reclamam do sector, mas que nem sempre apresentam unidade na expressão e
convergências temáticas, técnicas, de aborgagem e de pontos de vista. Mais do que isso, não só o terreno do
fotojornalismo está a ser invadido pela publicidade (repare-se na utilização frequente de foto-reportagens e spot
news com fins publicitários, sendo o caso provavelmente mais conhecido o da Benetton) como também a
fotografia publicitária contaminou o fotojornalismo (repare-se, por exemplo, nas transformações do retrato na
Imprensa). Mesmo quando se pensa no fotojornalismo como a actividade orientada para a produção de
fotografias para a Imprensa, repara-se que uma grande parte dos fotógrafos se rege realmente com base nesta
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proposição. Mas outros não: por vezes, situam-se mesmo um pouco à margem do sistema, apostando em
concepções individuais e numa fotografia mais criativa, tendo por finalidade a publicação de livros e as
exposições. A própria ambiguidade das origens do fotojornalismo pode explicar esta tensão: fotógrafos como
Kertész e Cartier-Bresson não se coibiam, já entre os anos vinte e trinta, de expor em galerias e publicar aos
mesmo tempo as suas fotos em revistas tão diferentes como a Vu e a Arts et Métiers Graphiques; por outro lado,
fotógrafos documentais como os do Farm Security Administration (ou os actuais) pretendiam e pretendem
publicar na Imprensa. Mesmo assim, pensamos que no campo fotojornalístico a intenção fotográfica, quanto a
nós, não deve ser prioritariamente "artística", mas informativa, explicativa, contextualizadora e interpretativa.
Contudo, como dizia o director do Farm Security Administration, Roy Striker, se as fotografias de notícias e
documentais forem arte, tanto melhor.(146)

De todo o modo, um observador não correrá riscos se, ao contemplar uma spot news(147) num jornal ou numa
revista, acompanhada de um texto que disponibilize informação complementar e contextualizadora, disser que
se trata de fotojornalismo. Mas, e se a observação recair sobre fotos dos projectos Farm Security Administration
ou Trabalho (de Sebastião Salgado)? Tratar-se-á de fotojornalismo? E se, num jornal, olhar para uma fotografia
de comida que acompanha uma receita, fotografia essa realizada por um fotojornalista? Ou se reparar em
fotografias de um desfile de moda, essencialmente ilustrativas, mas também realizadas por fotojornalistas para
publicação noticiosa na Imprensa?

Margarita Ledo é das autoras que julga que a foto documental tem lugar na Imprensa actual, pelo que,
criticamente, aborda a questão dos discursos que excluem o fotodocumentalismo do campo da fotografia de
Imprensa, fazendo notar quanto são incompletos:

"Adóitase illar foto na prensa e mais foto documental pois a única acepción que se lle
dá á primeira é a da fotoxornalismo en tanto xénero 'obxectivo' que reproduce as
convencións dos xéneros nos media:o retrato para a entrevista, a crónica para a
dominante temporal, a reportaxe para as historias, a noticia-bomba para o segredo, o
inagardado ou o excepcional… Para a foto na prensa déixase só o acontecemento, a
actualidade, a acción ou o descoñecido, o chocante, como valor continxente."(148)

De qualquer modo, quer as situações atrás retratadas quer a posição de Margarita Ledo Andión mostram que
existem dificuldades reais em caracterizar-se o fotojornalismo e, sobretudo, em encontrar uma definição
universalmente válida. De qualquer modo, regra geral, quando se fala em fotojornalismo fala-se, usualmente,
embora de forma incompleta, de fotos de acontecimentos ou problemáticas de "interesse jornalístico" (de
"interesse público"), mesmo que não reguladas pelos critérios dominantes de newsmaking. Quando elas são
poderosas, conseguem transportar o observador até à atmosfera do momento em que foram captadas. A isto
acresce que existe um procedimento tradicional do fotojornalista, que consiste, nas palavras de Mitchell, em
esperar "(…) for the emergence of significant patterns out of the flux of continuous action and to expose
precisely at the decisive moment."(149)

É preciso notar-se também que, por vezes, não é condição imprescindível ser-se fotojornalista para se fazer
fotojornalismo. Por vezes, há óptimas e raras fotos de amadores. Aliás, no freelancing, ao contrário do que
sucede em agências como a Lusa, é a raridade que determina o preço.

Devido à complexidade do assunto, julgamos que a melhor forma de abordar o conceito de fotojornalismo é
fazê-lo em sentido lato e em sentido restrito, sendo que, em qualquer caso, para se abordar o fotojornalismo se
tem de pensar numa combinação de palavras e imagens: as primeiras devem contextualizar e complementar as
segundas.

a) Fotojornalismo (lato sensu) — No sentido lato, entendemos por fotojornalismo a


actividade de realização de fotografias informativas, interpretativas, documentais ou
"ilustrativas" para a Imprensa ou outros projectos editoriais ligados à produção de
informação de actualidade. Neste sentido, a actividade caracteriza-se mais pela
finalidade, pela intenção, e não tanto pelo produto; este pode estender-se das spot news
às reportagens mais elaboradas e planeadas, do fotodocumentalismo às fotos
"ilustrativas"(150) e às feature photos(151). Assim, num sentido lato podemos usar a
designação fotojornalismo para denominar também o fotodocumentalismo e algumas
foto-ilustrativas que se publicam na Imprensa.

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b) Fotojornalismo (stricto sensu) — No sentido restrito, entendemos por


fotojornalismo a actividade que pode visar informar, contextualizar, oferecer
conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista ("opinar") através da
fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico. Este
pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem necessariamente
a ver com os critérios de noticiabilidade dominantes.

Em sentido restrito, o fotojornalismo distingue-se do fotodocumentalismo. Esta


distinção reside mais na prática e no produto do que na finalidade. Assim, o
fotojornalismo viveria das feature photos e das spot news, mas também, e talvez algo
impropriamente, das foto-ilustrações, e distinguir-se-ia do fotodocumentalismo pelo
método: enquanto o fotojornalista raramente sabe exactamente o que vai fotografar,
como o poderá fazer e as condições que vai encontrar, o fotodocumentalista trabalha
em termos de projecto: quando inicia um trabalho, tem já um conhecimento prévio do
assunto e das condições em que pode desenvolver o plano de abordagem do tema que
anteriormente traçou. Este background possibilita-lhe pensar no equipamento
requerido e reflectir sobre os diferentes estilos e pontos de vista de abordagem do
assunto. Além disto, enquanto a "fotografia de notícias" é, geralmente, de importância
momentânea, reportando-se à "actualidade", o fotodocumentalismo tem
tendencialmente uma validade quase intemporal. De qualquer modo, o
fotodocumentalismo não apresenta uma prática única: os fotógrafos podem ter métodos
e formas de abordagem fotográfica dos assuntos que os distinguem.

O documentalismo social, enquanto forma mais comum de fotodocumentalismo,


procura abordar, mais ou menos profundamente, quer temas estritamente humanos
quer o significado que qualquer acontecimento possa ter para a vida humana ou ainda
as situações que se desenvolvem à superfície da Terra e afectam a mundivivência do
Homem. Enquanto o fotojornalista tem por ambição mais tradicional "mostrar o que
acontece no momento", tendendo a basear a sua produção no que poderíamos designar
por um "discurso do instante" ou uma "linguagem do instante", o documentalista social
procura documentar (e, por vezes, influenciar) as condições sociais e o seu
desenvolvimento. Mesmo que parta de um acontecimento circunscrito temporalmente,
o documentalista social tende a centrar-se na forma como esse acontecimento revela
e/ou afecta as condições de vida das pessoas envolvidas. É preciso, porém, não
esquecer que, como disse Szarcowski a propósito do eventual carácter documental da
fotografia, "Se puede mentir exactamente igual en un sistema documental que en
cualquier otro sistema".(152)

Apesar da tentativa de destrinça, mesmo no sentido restrito o fotojornalismo continua a ser uma actividade larga
e ambígua, já que inclui fotografias de notícia, foto-reportagens e até fotografias documentais. Apesar de tudo,
parece-nos que, mesmo na actualidade, a sua ambição máxima corresponde à mais antiga vocação da fotografia:
testemunhar, com um elevado número de cópias a preço acessível.

À primeira vista, fazer fotojornalismo significa contar uma "estória" com fotografias, acompanhadas de texto,
embora o peso relativo de cada um desses factores seja variável. No entanto, como é nítido pelas dificuldades
que acompanham as tentativas de definição e delimitação do que é o fotojornalismo, quando se procuram
integrar certas imagens dentro de uma definição, a tarefa torna-se difícil. Além dos problemas abordados, há
ainda a considerar que existem fotografias que nasceram longe da intenção informativa, mas que possuem um
grande potencial informativo; e há as que nasceram com o fim de "reportar a realidade" e se autonomizaram ou
pela sua beleza estética ou pelo potencial simbólico que encerram e que as conceptualiza e universaliza.(153)

O fotojornalista —especialmente nos jornais, revistas, agências noticiosas e mesmo nalgumas agências
fotográficas— é, assim, basicamente, a pessoa que produz fotografias para as notícias, entrevistas e reportagens
de Imprensa. Lida, por conseguinte, não apenas com os acontecimentos, mas também com as pessoas
envolvidas nesses acontecimentos.

Há autores que propõem outras distinções, por exemplo, entre fotojornalismo e foto-reportagem ou foto-ensaio.
Num catálogo de uma exposição sobre dez anos de fotojornalismo, realizada em Paris, em 1977, Pierre de
Fenoÿl distingue assim as actividades:

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"Le reportage suppose une approche photographique dans sa durée. Il y a travail dans
le temps, enquête approfondie (…). À la limite, deux reportages pourraient, à partir
d'une même situation, bâtir des suites d'images entièrement différentes: ce sont
l'approche, les opinions, la personalité qui 'font' la photo de reportage. (…) Au
contraire, dans le cas du photojournalisme, la différence de point de vue ne serait pas
ou peu sensible. Le photojournaliste est envoyé par l'agence à un moment précis, dans
un pays donné. Il doit ramener 'la' photo, le document-choc. Le mérite du
photojournaliste est sa présence, son sang-froid."(154)

Porém, se alguns "instantâneos" podem ser algo "impessoais", o que é provado até pela sua semelhança —como
tende a acontecer nas fotografias de agência noticiosa— outros há, como os de Cartier-Bresson, os de Larry
Burrows ou os de Robert Capa, em que se nota a presença do fotógrafo, pelo menos no que respeita à mestria
com que manipulam o medium. Mesmo assim, Henri Cartier-Bresson chegou a dizer que "Le photojournalisme
est de la fontaise [sic]. Seul compte l'essai photographique."(155)

Seja qual for a maneira pela qual categorizemos o fotojornalismo, de qualquer modo a actividade será sempre
um tipo de "escrita", de discurso, que procura resumir, condensar e representar situações em imagens.

Ao longo da tese, usamos quase sempre o termo "fotojornalismo" no seu sentido mais amplo. Quando
destrinçámos, por exemplo, entre "fotojornalismo" e "fotodocumentalismo", pensamos que a forma como o
fazemos é explícita em relação ao que nos referimos.

Antes de avançarmos, há um assunto a que devemos fazer referência: a ética e a deontologia profissional,
especialmente no caso das situações-limite.

O fotojornalista Philip Jones Griffiths disse um dia acerca do trabalho do foto-repórter: "Não podemos ficar
com medo no olhar. Não podemos envolver os nossos sentimentos. Temos, no entanto, de ser nós mesmos. O
nosso trabalho é reportar os eventos da história."(156)

A afirmação de Grifitths mostra bem as dificuldades com que se deparam os fotojornalistas ao cobrirem
acontecimentos traumáticos e violentos. Por vezes, a tarefa envolve mesmo dilemas morais. Ao recordar o
instante em que fotografou um monge budista vietnamita que se imolou pelo fogo para protestar contra a guerra,
um dos fotojornalistas presentes afirmou: "Como ser humano, devia ter evitado a imolação, imobilizando o
monge e afastando a gasolina; como repórter, não podia!"(157)

Bernardo Pinto de Almeida põe o acento tónico no paradoxo que existe em se mostrarem os horrores da guerra
através da fotografia: "(…) não apenas se banalizam esses horrores que se pretende denunciar como, sobretudo,
se resvala (…) para o território incerto de uma fascinação, de uma estetização."(158) Devido a isto, seriam
necessárias doses cada vez mais fortes de violência para despertar a sensibilidade.

O fotojornalista consciente necessita, consequentemente, de nortear-se pela inquietude. Quanto a nós, ele deve
colocar-se pelo menos duas questões no instante em que vai fotografar acontecimentos potencialmente
traumáticos ou em que se prepara para difundir fotos-choque(159): Terá o acontecimento a dimensão socio-
histórica suficiente para justificar o choque do observador? A violência será um elemento necessário para a
compreensão do acontecimento? Se é positiva a resposta a pelo menos uma destas questões, então julgamos que
a violência pode ser abordada fotojornalisticamente — é inútil negar que ela existe no meio social. Contudo, ao
olharmos para fotos como as de McCullin nos campos da fome, fica sempre a interrogação: até que ponto é que
a observação das imagens violentas não diz ao leitor mais do que ele quer saber sobre a violência? E o detalhe,
até que ponto é justificável? Ou a invasão da privacidade das vítimas, através da sua identificação?

Instintivamente, talvez se possa afirmar que fotografar um corpo nu numa morgue, sem razão de monta, parece
ser uma ideia de mau gosto, quer se trate do corpo de um delinquente abatido pela polícia quer seja o corpo de
uma vítima de um acidente, especialmente se for alguém conhecido pela sua beleza. Mas mostrar como se mata
facilmente, como no caso da famosa fotografia do chefe da polícia de Saigão a abater fria e rapidamente, com
um tiro na cabeça, um presumível guerrilheiro vietcong, já parece ser de interesse editorial.

Em todo o caso, os códigos deontológicos tentam fornecer algumas regras básicas de conduta a seguir pelos
(foto)jornalistas aplicáveis a uma generalidade de situações, entre as quais se inscreve a cobertura de
acontecimentos violentos, entendendo-se a violência no sentido amplo do traumático, quer para os envolvidos

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quer para o observador. No caso do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, alguns artigos são
aplicáveis:

a) O jornalista deve combater (…) o sensacionalismo. (artº 2)

b) O jornalista deve usar meios leais para obter (…) imagens (…). A identificação
como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de
incontestado interesse público. (artº 4)

c) O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes


sexuais e os delinquentes menores de idade, assim, deve proibir-se de humilhar as
pessoas ou perturbar a sua dor. (art. 7)

d) O jornalista deve recusar o tratamento discriminatório das pessoas. (art. 8º)

e) O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos (…). O jornalista obriga-se,


antes de recolher (…) imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e
responsabilidade das pessoas envolvidas. (artº 9)

Não é de ignorar, também, que o fotojornalista, na cobertura de certos acontecimentos violentos, se transforma
ele próprio num objecto de acções violentas. Muitos (foto)jornalistas arriscam a vida no exercício da sua
profissão. Um exemplo bem conhecido é o de Robert Capa, para muitos um dos paradigmas do fotojornalismo
moderno, que morreu na Indochina francesa (actual Vietname), vítima de uma mina, ao sair de um trilho para
fotografar uma patrulha militar (a sua última foto). E no Líbano, durante a guerra civil, era comum ameaçar os
fotojornalistas: "Se disparar, eu disparo!" ("You shoot, I shoot!"). Mais recentemente, na Bósnia, na Argélia e na
Tchechénia vários fotojornalistas perderam também a vida. É que a máquina fotográfica é frequentemente
perigosa, uma arma quando usada por mãos habilidosas.

CAPÍTULO II

O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA LUSA EM 1994

O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa foi criado em 1987, tendo, nesse mesmo ano, sido realizada a
primeira reportagem internacional. Desde essa altura até 1997, foram vários os chefes do serviço (Alberto Frias,
Manuel de Moura, Acácio Franco, Guilherme Venâncio, etc.) e também vários os fotojornalistas que
ingressaram e sairam da Agência, entre os quais a primeira das duas repórteres que a Agência admitiu: Cristina
Duarte Fernandes. Podemos, portanto, dizer que nesses dez anos o Serviço não primou pela estabilidade.

Em 1994, a Lusa possuía 268 trabalhadores, maioritariamente homens (173, 65%). Destes trabalhadores, 227
(85%) pertenciam ao quadro da empresa e 41 (15%) eram contratados a termo certo. Os 24 trabalhadores do
sexo masculino contratados a termo certo representavam 59% destes funcionários, mas entre o pessoal
permanente, 149 (65,6%) eram homens. Podemos, portanto, afirmar que os homens têm mais fortes
probabilidades de transitar aos quadros e que a gestão de recursos humanos da empresa favorece, de igual
modo, a contratação de pessoas do sexo masculino.

Nesse ano, a Lusa empregava 170 jornalistas (63%), 55 funcionários administrativos (21%), 21 técnicos (8%) e
22 funcionários de apoio (8%). O grosso do efectivo concentrava-se em Lisboa (217, isto é, 81%). Os
funcionários das delegações nacionais atingiam 13% (31 pessoas) e das delegações estrangeiras, incluindo
Macau, 6% (16 pessoas). O maior número de admissões, em 1993, registou-se entre os jornalistas (22 pessoas
em 33 contratados); porém, a precaridade no emprego dos novos contratados era grande, já que somente quatro
integraram logo o quadro permanente (29 foram contratados a termo certo).

64,6% dos trabalhadores concentrava-se, em 1994, na classe etária entre os 30 e os 50 anos, sendo a média de
idades de 38,5 anos. A média de antiguidade na empresa situava-se nos nove anos (tendo em consideração o
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trabalho na ANOP e na NP), o que pode indiciar alguma satisfação laboral e segurança no emprego. Para esta
asserção concorrem os factos de que, em 1994, 27,6% do efectivo tinha entre dois e cinco anos de casa e 20,9%
entre dez e quinze anos de trabalho na Lusa e nas agências que lhe deram origem.

Como era previsível, em 1994 a maior parte dos funcionários da Lusa (67%) era altamente qualificada ou, pelo
menos, qualificada, seguindo-se-lhe as chefias (18%) e os profissionais semiqualificados (5%). Imprevisto foi
verificar que nenhuma mulher fazia parte dos quadros médios e superiores da sociedade cooperativa Lusa e que,
no campo oposto, entre o grupo "praticantes e aprendizes", as mulheres eram mais do que os homens. A maioria
relativa do efectivo tinha como habilitações o ensino secundário (42,5%) e só 16% tinha cursos superiores
universitários.

Em 1993, apenas sete das 40 promoções (que atingiram 15% do efectivo) foram por mérito (17,5%); as
restantes foram por antiguidade (13; 32,5%) e por nomeações (20; 50%). A maior parte dos promovidos eram
jornalistas (37; 92,5%).

Só 113 dos 170 jornalistas da Agência estavam sindicalizados em 31 de Dezembro de 1993, o que representa
66,5%.

Em 1994, a distribuição da informação era feita recorrendo-se às linhas telefónicas, telegráficas e de dados,
estando em estudo a recorrência a redes de distribuição noticiosa por satélite (VSAT). Todavia, a implementação
de tecnologia digital VSAT ao nível da fotonotícia poderia representar um acréscimo de custos no serviço que
os poucos clientes poderiam não estar preparados para suportar (um problema que não se põe às grandes
agências, cujo número de clientes, muito superior, faz recair os custos de investimento em pequenos aumentos
dos preços do produto, já que essas organizações noticiosas fornecem muitas entidades). Uma solução apontada
na altura era usar o circuito VSAT da EPA, o que traria custos financeiros mais moderados. Porém, além do
inconveniente de não ser um circuito próprio, dependia de negociações.

Em 1993/94, a Agência Lusa encontrava-se num ponto de viragem. Pretendia ajustar a sua produção às
necessidades do mercado, mormente do mercado nacional. A nível do serviço fotonoticioso, a inovação passou
pela diversificação: a par da cobertura tradicional do desporto e do "institucional", segundo o director de
Informação passou-se a tentar fazer também fotografia de sociedade, features e fotografia temática para arquivo.
Além disso, em 1994 a Lusa deixou de distribuir em Portugal o serviço da Associated Press, para passar a
distribuir exclusivamente o da EPA (anteriormente já tinha distribuído o da Reuter). Por seu turno, a diminuição
dos custos do serviço fotográfico, difícil até aí pela dificuldade em se controlarem os gastos de materiais, foi
algo facilitada, em conformidade com Maia Cerqueira, pela introdução das novas tecnologias digitais.

Da lista de clientes do Serviço de Fotonotícia, em 1994, tal como nos foi informado oralmente pelo chefe da
editoria e se pode verificar pelo quadro 1, fazia parte a maioria dos órgãos de Comunicação Social de maior
representatividade a nível nacional. Os que, de entre eles, possuíam maior poder económico, são os que
assinavam o serviço na totalidade.

__________________________________________________________________________________________

Quadro 1

Clientes principais e regulares do Serviço de Fotonotícia da Lusa

Órgão de Tipo de serviço contratado


comunicação
A Capital Serviço total

O Comércio do Cinco fotos a preto e branco diárias, do serviço geral (lista diária ou
Porto arquivo)

Correio da Manhã Serviço total


Diário de Notícias Serviço total

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O Dia Dez fotos a preto e branco diárias (do serviço geral)


Jornal de Notícias Serviço total

O Primeiro de Não comunicado


Janeiro
Público Serviço total

Expresso Dez fotos a preto e branco por semana (do serviço geral)
O Independente Dez fotos a preto e branco por semana (do serviço geral)

Semanário Dez fotos a preto e branco por semana (do serviço geral)
Diário Regional Cinco fotos a preto e branco diárias (do serviço geral)
de Aveiro

Diário Regional Cinco fotos a preto e branco diárias (do serviço geral)
de Coimbra
Diário do Sul Cinco fotos a preto e branco diárias (do serviço geral)

Diário de Notícias Cinco fotos a preto e branco diárias (do serviço geral)
(do Funchal)
Jornal da Madeira Cinco fotos a cor diárias (do serviço geral)

A Bola Não comunicado


O Jogo Serviço total de desporto

Duas Rodas Três fotos a preto e branco por semana (do serviço geral)
Revista de Atletismo Dez fotos a preto e branco mensais (do serviço geral)
Gazeta dos Dez fotos a preto e branco por semana (do serviço geral)
Desportos
Record Serviço total de desporto

_________________________________________________________________________________________

Em 1994, a cultura de empresa na Lusa sustentava-se —como veremos— na rapidez e na velocidade. A


performatividade parecia ser essencialmente entendida como a capacidade de, vencendo o tempo (prazos
apertados), fabricar um produto informativo de qualidade média a custos módicos. Não é inocente, sob este
prisma, a entrega de bips e telemóveis aos fotojornalistas. Isto associa-se à capacidade de vencer o tempo, com
o contacto rápido quando acontece algo de imprevisto. Mas os fotojornalistas eram também gente que gostava e
vivia intensamente a velocidade, segundo nos afirmaram. Alberto Frias, por exemplo, em certa ocasião
conduziu de Lisboa a Bremen em vinte e uma horas.

Organização informativa

Em 1994, o Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa dependia da Direcção de Informação (o então director
interino era Fernando Cascais), e estava organizado em duas "secções": a Fotonotícia (propriamente dita) e o
Departamento de Processamento e Arquivo (ver quadro 2). À data, o esquema organizativo fazia um ano.

Segundo o então director-interino de Informação, Fernando Cascais, o esquema organizativo não era o melhor,
pelo que avançou com duas hipóteses para a sua reestruturação, das quais damos conta nos quadros 3 e 4. Estas
hipóteses de reestruturação passariam pela constituição de um Departamento de Fotografia, que, sob a
responsabilidade de um director, integrasse as três grandes áreas da "Fotonotícia" —produção, arquivo e
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comercialização— ou por uma coordenação tricéfala da produção, arquivo e comercialização por,


respectivamente, a Direcção de Informação, uma direcção a criar para os arquivos e a Direcção Comercial.

Do nosso ponto de vista, julgamos que a solução apresentada no quadro 3 seria a melhor, desde que um eventual
director de fotografia fosse (pelo menos) um dos subdirectores da Direcção de Informação e que, como tal,
tivesse assento e voz activa nas reuniões de coordenação editorial. Na nossa perspectiva, a necessidade de
reconhecimento que os fotojornalistas da Lusa evidenciaram nas conversas informais que mantivemos poderia
também ser satisfeita, através da criação de um departamento autónomo, aos níveis do reconhecimento (a)
pessoal, (b) profissional, (c) organizacional e (d) do trabalho que desenvolvem, que os foto-repórteres
perspectivam como sendo em prol da Agência, mas que entendem como não sendo suficientemente
reconhecido. Estamos convencidos de que, com a integração das três áreas —produção/distribuição, arquivo e
comercialização— numa só entidade, facilitar-se-ia a fluidez e consonância da gestão e dos canais de
comunicação, criar-se-ia um maior espírito de corpo e clarificar-se-iam a hierarquia e os canais de decisão.
Poderão, porém, gerar-se conflitos e problemas de rejeição se a Lusa contratar alguém exterior à Agência ou
novo nela para funções desse tipo, pois os fotojornalistas "da casa" poderão sentir-se ultrapassados. Foi isto,
aliás, que ocorreu aquando das mudanças na Direcção de Informação em 1995: alguns jornalistas com mais
anos de casa sentiram-se ultrapassados por alguém com menos tempo de Agência.

A dimensão da Lusa foi o único argumento invocado pelos fotojornalistas para explicarem (e compreenderem) a
inexistência de uma direcção de fotografia, mas, pela insistência com que colocavam a questão durante o
período de pesquisa, percebia-se, nitidamente, que as suas expectativas iam no sentido oposto: o da criação de
uma direcção de fotografia.

O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa, em Lisboa, era constituído, em 1994, por quatro operadores de
telefoto (três do segundo grupo e um estagiário) e cinco fotojornalistas, estes últimos todos em situação de
exclusividade: Alberto Frias (o chefe do Serviço, a nível nacional), Manuel de Moura, António Cotrim, João
Trindade e Inácio Rosa. A Lusa possuía ainda fotojornalistas em Coimbra (Marcos Borga), Porto (João Miranda
e Francisco Neves), Faro (Luís Forra), Funchal (Homem de Gouveia) e Macau, tendo também um colaborador
(do qual não vimos trabalhos) em Luanda.

O reduzido número de fotojornalistas da Lusa, especialmente quando comparado com o número de redactores,
diz bem da importância (pequena) que a Lusa devotava ao fotojornalismo no panorama mediático e comercial e,
portanto, das expectativas (fracas) que a Agência depositava num tão pequeno grupo. Tal reflectia e, ao mesmo
tempo, contribuía para enformar as concepções organizacionais sobre as formas de noticiar (fotonotícia ou
notícia verbal) e as políticas que lhe davam corpo.

Numa outra dimensão, parece-nos que o facto de os fotojornalistas (e, de uma forma geral, os decisores) da
Agência serem homens poderá ter influências nos conteúdos do produto fotonoticioso. Por um lado, a hipotética
sensibilidade fotográfica feminina estará ausente de toda a foto produzida; por outro lado, a própria selecção
temática (por exemplo, o destaque dado ao desporto profissional, masculino por excelência) poderá ser afectada
pela decisiva influência masculina nos canais de decisão, nomeadamente na construção da agenda.

Fig. 1 — Aspecto geral da Fotonotícia, na Lusa, em Lisboa, vendo-se um operador de telefoto (sentado) em
conversa com o foto-repórter Inácio Rosa. Em primeiro plano, um telex debita o noticiário da Lusa, o que
permite aos fotojornalistas coordenarem o seu serviço com a redacção. O mapa-mundo possibilita não apenas a
localização de países e locais como acentuará a sensação de ubiquidade dada pelo potencial tecnológico, a
sensação de que se está em sintonia com o mundo (sensação de ubiquidade fotojornalística). Ao fundo, a
exposição de troféus ganhos em encontros desportivos pelos membros do Serviço de Fotonotícia é um dos
elementos que cria identificação entre as pessoas que aí trabalham, fazendo crescer o espírito de grupo. Todavia,
a identificação forte entre as pessoas de um grupo pode levar também a que, em parte, vejam o mundo de
formas semelhantes, já que se tendem a transformar numa comunidade interpretativa.

Fig. 2 — Os recuerdos expostos conjuntamente acentuam o espírito de corpo, realçam a existência de uma
comunidade interpretativa de fotojornalistas e exploram a mística profissional e a auréola romântica do
fotojornalismo como um espaço de aventura, mas também de "ostentação" dos triunfadores. Além disso, os
cartões de acreditação (independentemente dos problemas suscitados por este mecanismo de controle dos
jornalistas) funcionam como prova não só de que se"esteve lá" mas também de que os fotojornalistas da Lusa e
o Serviço de Fotonotícia têm prestígio. Ao funcionarem como prova das viagens em reportagem, os cartões de
acreditação conferem também status, já que a capacidade de viajar parece ser um dos elementos que conferem

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estatuto, à semelhança da participação em peregrinações cristãs na Idade Média ou na distinção islâmica entre
os crentes que fizeram a peregrinação a Meca e os que não a realizaram.

Conforme notámos, a estrutura organizativa fotojornalística adoptada pela Lusa que encontrámos em 1994 era
simples, linear e pouco fragmentada, embora bicéfala, já que a Direcção de Informação era responsável pela
Fotonotícia (propriamente dita) e distribuição de fotografias enquanto a Direcção Comercial era responsável
pela comercialização (ver quadro 2). Todavia, os resultados obtidos levaram os responsáveis da Agência a
imaginar soluções (quadros 3 e 4) que rentabilizassem os custos/benefícios de um serviço que, segundo nos
asseverou o ex-director de Informação, dr. Maia Cerqueira, não era rentável para a Agência. O conhecimento
desta última realidade pode, aliás, ser uma das razões pelas quais se nota um esforço constante dos
fotojornalistas no sentido da legitimação da sua existência e da existência da sua secção, expressa em
comentários como o seguinte, que recolhemos de Alberto Frias: "Há um problema com a unidade de contagem
de trabalho. Um fotojornalista pode, sem ter saído para fotografar, ter trabalhado durante um dia tanto ou
mais do que um colega da redacção que fez 15 notícias, mas isso não é reconhecido!"

O facto de a direcção do serviço global de Fotonotícia ser bicéfala, porém, pelo que nos apercebemos, não
motivava grandes descoordenações ou perdas de tempo, devido, entre outras razões, à proximidade dos
departamentos Comercial e Fotonotícia no edifício ("porta com porta"). Em termos de observação participante,
no campo em causa não nos apercebemos de que as coisas estivessem mal organizadas nem contemplámos
atitudes de dúvida ou de conflito de competências. Pelo contrário, funcionários comerciais, operadores de
telefoto e fotojornalistas pareciam dar-se e cooperar bastante bem. O Arquivo também ficava no mesmo andar,
também "porta com porta" com a Fotonotícia, e de igual modo não notámos quaisquer conflitos de
competências, dúvidas ou similares no relacionamento entre a Fotonotícia (propriamente dita) e o Arquivo. Os
fotojornalistas estavam, porém, um pouco desorientados com um equipamento novo de digitalização que iria ser
instalado, já que permanecia sem uso, pois havia alguns meses que esperavam pela formação adequada.

Como vimos também, o Serviço de Fotonotícia, em 1994, dependia directamente do director de Informação e
tinha à sua frente um fotojornalista que era chefe de serviço. Este era reponsável pela elaboração da agenda
diária da Fotonotícia, tendo assento nas reuniões editoriais com a chefia de redacção, director de Informação e
editores de área. Sob as suas atribuições estava também a coordenação geral do serviço, incluindo a gestão dos
recursos humanos (fotojornalistas e operadores de telefoto). Colocámos a hipótese de haver conflitos entre um
ex-chefe de serviço e fotojornalista de grupo superior, Manuel Moura, e o chefe de serviço, Alberto Frias, mas
não constatámos problemas graves, pois a atitude de ambos era eminentemente profissional. O chefe do serviço,
ao construir a agenda final da Fotonotícia, poderá considerar-se como um dos principais reguladores dos fluxos
de foto-informação oriundos da Lusa e o coordenador principal da acção do grupo.

Em termos hierárquicos, há a considerar vários tipos de hierarquias. Em primeiro lugar, poderíamos, pareceu-
nos, distinguir uma ténue hierarquia de competências, ligeiramente conferidora de maior status,
reconhecimento e respeitabilidade a Manuel Moura e Alberto Frias, os foto-repórteres de maior antiguidade e
categoria profissional. Colocámos a hipótese de subsistirem hierarquias de amizade, resultantes de laços
especiais de amizade entre determinadas pessoas do grupo, mas tal não nos pareceu, já que a pequena dimensão
do grupo promove a coesão, a formação de uma comunidade interpretativa e a igualdade no relacionamento
interno.

Já no campo da hierarquia organizacional, a legitimação das posições hierárquicas decorrentes de nomeações


na secção de Fotonotícia e a ausência de conflitos de lealdade pareceram-nos basear-se em quatro factores:

1. Carácter institucional das nomeações, o que dá peso aos actos (argumento de


autoridade);

2. Perspectivas de sansões para quem desobedecesse ou se mostrasse contrário à


hierarquia, e de recompensas, no caso contrário, nomeadamente no campo da
progressão na carreira e não no campo do "castigo" directo;

3. Ordem interna naturalizada com que os fotojornalistas se deparavam quando


ingressam na organização; consequentemente, os canais hierárquicos e a progressão na
carreira eram perspectivados como "normais";

4. Chefia do serviço por um fotojornalista, o que trazia implicações: a) Se é um


fotojornalista a dirigir o serviço, os outros fotojornalistas também poderiam vir a
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ocupar essa posição (perspectiva de progressão na carreira); b) Solidariedade


profissional, alimentada pelo sentido de corpo da comunidade interpretativa dos
fotojornalistas, pelo carácter agradável do trabalho (contactos diversificados, gosto por
fotografia, trabalho mais aliciante do que o executado anteriormente, etc) e pelas
relações de amizade ou, no mínimo, de entendimento, estabelecidas nas relações
diárias entre os repórteres do serviço.

A linearidade do esquema de coordenação, a convivência diária e a atitude profissional restringem as possíveis


ambiguidades e problemas do serviço e das suas inter-relações e intra-relações. Essa linearidade hierárquica, na
qual o director de Informação e o chefe de serviço assumem relevo especial, tem menos a ver com
autoritarismo, ausência de democracia interna, manipulação, censura ou qualquer outro factor desse tipo do que
com a eficácia do processo produtivo, pois a hierarquização ajuda a prever o caos e é um factor que assegura a
performatividade na produção face às personalidades e perspectivas próprias dos fotojornalistas, aos eventuais
pedidos directos aos fotojornalistas, às influências externas, à irrupção aleatória dos acontecimentos, à
variedade e à natureza entrecruzada e, por vezes, contraditória, dos critérios de noticiabilidade, à ambiguidade e
natureza problemática dos acontecimentos, em muitos casos desmerecedores de confiança, e à fragmentação do
real imposta pelos diversos tipos de especialização existentes.(1) Porém, a hierarquização também tem as suas
inonveniências: a) diminui, apesar de tudo, a democracia interna e, portanto, pode gerar descontentamento e
restringir o potencial criativo que pode levar a Agência a "outros voos"; b) pode transformar-se num canal de
transmissão de influências externas ou outras e promover a utilização do jornalismo como um elemento
sustentador do statu quo; c) pode descambar para o autoritarismo; e d) diminui o número de interpretações do
mundo, e portanto a polifonia (ou a polivisão, se quisermos remeter-nos a termos mais visuais), o que, em
último grau, é negativo para o sistema democrático.

Ordem no espaço e no tempo

Gaye Tuchman fez notar que os news media tecem uma rede no espaço para capturar o acontecimento (ordem
no espaço). Essa rede, como era visível na Lusa, tecer-se-ia em três vectores: especialização geográfica
(delegações e correspondentes), especialização redaccional/temática (divisão da redacção em secções) e
especialização organizacional (sistema de "vigias" nas organizações).(2) Por outro lado, a necessidade de fazer
face à irrupção temporalmente aleatória de acontecimentos sustentava-se no serviço de agenda da Agência: as
ocorrências previsíveis eram agendadas e ficavam na retaguarda jornalistas que podiam a todo o momento ser
enviados para os locais onde ocorressem factos jornalisticamente notáveis (ordem no tempo).

A) Especialização temática

Na Lusa, em 1994, não notámos ao nível do Serviço de Fotonotícia qualquer especialização temática dos
fotojornalistas. Tal realidade só ocorria na redacção. Assim, o fotonoticiário era mais desordenado do que o
noticiário verbal. A inexistência de fotojornalistas especializados podia, eventualmente, ser um dos factores que
contribuía para a fraca participação dos fotojornalistas na definição da agenda e das políticas fotojornalísticas
(com consequências negativas para o reconhecimento que os fotojornalistas buscam e, portanto, para a "moral"
da secção), já que, sendo generalistas, os repórteres fotográficos tinham, tematicamente, de dominar as
abordagens de um pouco de tudo, o que podia afectar a sua credibilidade face aos responsáveis da Agência,
devido à sua eventual falta de domínio extremo de uma determinada área. Contudo, o facto de serem
generalistas promovia a polivisão do mundo que defendemos para uma organização noticiosa que, devido à sua
comparticipação pelo Estado, deve, na nossa óptica, prestar um serviço público verdadeiramente democrático e
promotor da cidadania interventiva. Além disso, não existiam na Fotonotícia "editores de área" que
influenciassem a construção da agenda durante as reuniões de coordenação editorial, ao contrário do que
acontece na redacção. Aliás, o peso da redacção nas reuniões de coordenação editorial é de molde a privilegiar a
informação verbal em detrimento da foto-informação.

Para o nosso estudo, uma consequência da situação relatada é a seguinte: só se poderá situar com alguma
segurança a valorização temática da Fotonotícia através de uma análise de conteúdo.

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B) Especialização territorial

Como se disse, a Lusa possuía, em 1994, dentro do País, fotojornalistas em Coimbra (Marcos Borga), Porto
(João Miranda e Francisco Neves), Faro (Luís Forra) e Funchal (Homem de Gouveia). Como se vê, a rede
fotojornalística organizada para capturar o acontecimento era deficitária e a descentralização informativa
reduzida, já que nem sequer havia fotojornalistas em todas as delegações da Agência. A coordenação fazia-se a
partir de Lisboa, sendo o chefe de serviço (que exercia as suas funções a nível nacional) a fixar, usualmente, a
agenda. Como é evidente, a situação era problemática devido à concentração decisória.

De igual modo, os fotojornalistas da Lusa em Lisboa, além de terem a seu cargo Lisboa, arredores e, por
sistema, o Alentejo, eram os destacados para as reportagens no estrangeiro e para as reportagens de grandes
eventos, mesmo que estes se realizassem em território nacional. Assim sendo, a situação era susceptível de
originar eventuais fenómenos de insatisfação laboral entre os restantes fotojornalistas, que, na nossa opinião,
sem prejuízo de uma supracoordenação centrada em Lisboa, deveriam (a) ter maior autonomia, (b) ter voz mais
activa na tomada de decisões e na elaboração da agenda e (c) ser tidos em conta na distribuição de serviço para
o estrangeiro e para os grandes eventos ocorridos em território nacional. Não esqueçamos, inclusivamente, que,
em alturas de recessão económica, ganhar mais algum dinheiro ou poder viajar podem afigurar-se como formas
de recompensa significativas.

Também parece ser de salientar que a atenção fotojornalística que era depositada em determinadas áreas
geográficas, mais ou menos estáveis ao longo do tempo, indicia a perspectiva que a organização noticiosa tem
do País ("há sítios onde há notícias e sítios onde não as há"), embora tal tenha de se conectar com o facto de os
principais órgãos de Comunicação Social, clientes da Agência, estarem localizados em Lisboa e no Porto, pelo
que as solicitações comerciais se dirigirão, provavelmente, para o que ocorre na faixa litoral portuguesa devido
aos interesses da maioria do público (valoração do news value da proximidade). É interessante notar ainda que
Macau é fotojornalisticamente mais importante para a Lusa do que Bragança, por exemplo, e que dos PALOP só
Luanda tinha direito a um colaborador foto-repórter.

A insistência num determinado tipo de cobertura fotojornalístico-geográfica do País, em função provável das
solicitações comerciais, modelava e reforçava os valores-fotonotícia da organização, co-determinando uma
maior frequência de fotonotícias dessas áreas.

C) Especialização organizacional

Ao contrário do que sucedia na redacção, os fotojornalistas da Lusa não teciam a sua rede de captura do
acontecimento ao nível das organizações. Logo, a rede que teciam para capturar o acontecimento era uma rede
previamente, mas não pretendidamente, esburacada, e o buraco era maior devido à inexistência de
especialização temática. O scoop, desta maneira, torna-se difícil. Todavia, a especialização também nem sempre
é o melhor dos caminhos, pelo que os buracos na rede também poderiam ser uma oportunidade.

D) Agenda

A construção da agenda, enquanto tentativa de conferir alguma ordem ao tempo, fazendo face à irrupção
aleatória de acontecimentos, é o processo que se encontra antes da construção da fotonotícia e da sua difusão
para os clientes. Corresponde à fase de planificação da fotonotícia.

Tal como, em princípio, sucede noutros locais, a eleição de temas para a agenda da Lusa passava por um
processo complexo que poderíamos segmentar em quatro etapas, adaptando uma proposta de Jesús González
Requena(3):

1) Conceptualização — É dada significação aos factos notáveis (enquadramento);

2) Narrativização — Os factos notáveis são inseridos numa cadeia de acontecimentos


interligados;

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26/03/2018 FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

3) Valoração — É avaliado o interesse informativo potencial dos factos notáveis e das


suas representações fotojornalísticas para os receptores (órgãos de Comunicação Social
clientes) e destinatários (público em geral);

4) Selecção e agendamento — Seleccionam-se e elegem-se para a agenda factos


susceptíveis de se tornarem fotonotícias.

Na Lusa, a agenda do Serviço de Fotonotícia era elaborada com base na agenda da redacção. Tratava-se, assim,
de uma agenda de apoio, de uma agenda subordinada à agenda da redacção, que era mensal, semanal e diária.
Raramente os fotojornalistas cobriam, de moto próprio, determinados acontecimentos que não figuravam na
agenda da redacção, apesar de considerarem que a sua agenda era uma agenda independente. As raras ocasiões
em que tal acontecia eram principalmente os serviços especiais para clientes, como, por exemplo, a cobertura de
um evento específico —como uma tourada— ou a fotografia de determinados monumentos para elaboração de
dossiers para arquivo. Em Agosto de 1994, só por uma vez vimos ser aceite uma sugestão de um fotojornalista
(Inácio Rosa) para a produção de foto-informação sobre alguma coisa, e foi para produção para arquivo.

A agenda subordinada da Fotonotícia, embora elaborada essencialmente pelo chefe do serviço —o principal
gatekeeper do processo— a partir da agenda definida no final do dia anterior nas reuniões de coordenação
editorial, raramente levava em linha de conta as contribuições dos restantes fotojornalistas para a sua
construção, as contribuições do próprio chefe de serviço (em termos de propostas próprias) e a abordagem de
certos temas que poderia ser mais proveitosa sob o prisma da foto-reportagem (ver quadro 5). Diariamente,
pelas 21 horas, era distribuída aos assinantes do Serviço de Fotonotícia a previsão da cobertura para o dia
seguinte (isto interessa aos clientes, que podem rentabilizar melhor os seus próprios recursos humanos).

A agenda da Fotonotícia, devido, entre outras razões, à escassez de recursos humanos, era significativamente
mais reduzida do que a agenda da redacção, de onde se pode concluir que, nesse campo específico, a mediação
fotojornalística sobre o real era elevada, já que vários acontecimentos não eram convertidos em fotonotícia.

Na construção da agenda vingava um certo princípio da autoridade e do papel social que dentro da organização
os gatekeepers tivessem. A agenda da Fotonotícia estava, em último grau, dependente da Direcção de
Informação, embora, na prática, as decisões fossem do chefe do Serviço de Fotonotícia, com base na agenda
prévia fornecida pela Secretaria de Redacção e debatida, em conjunto com outras propostas, nas reuniões de
coordenação editorial em que o chefe de serviço participava. A Direcção de Informação, nas palavras de
Alberto Frias, só intervinha "quando havia dúvidas" (não especificadas, apesar do nosso pedido). Na agenda,
por vezes eram incluídos pedidos especiais da EPA, solicitações da Direcção de Informação (nomeadamente
fotografias para dossiers de arquivo) e encomendas de clientes, frequentemente através da Direcção Comercial,
mas, neste caso, sempre na dependência última da Direcção de Informação e na dependência prática do chefe do
serviço (ver quadro 5).

A natureza linear e hieráriquica dos canais de construção da agenda (agenda-building), bem como a
subordinação da agenda da Fotonotícia à agenda geral da redação, levavam a um maior controle rotineiro do
processo produtivo e asseguravam aos responsáveis da Lusa a saída em contínuo de um manancial de
fotonotícias, mesmo perante o natureza caótica do real. Mas a ausência de formas mais democráticas de
construção da agenda gerava efeitos menos pretendidos, como o desagrado e uma menor abertura do leque
temático de abordagem do real.

Parece-nos, portanto, que na Lusa de 1994 havia, assim, que abrir espaços para a intervenção dos fotojornalistas
não apenas no que respeita às negociações jornalistas-actores sociais para a passagem de determinados
"enquadramentos" (frames) mas também no que respeitava às negociações dos fotojornalistas no seio da
Agência Lusa, por exemplo no que respeita à elaboração da agenda. De outro modo, julgamos difícil que se
alcançasse uma prática fotojornalística de agência verdadeiramente performativa.

A subordinação do serviço de agenda fotojornalístico à agenda da redacção era um dos factores que promovia a
excessiva concentração da produção fotojornalística no institucional, em pseudo-acontecimentos, como as
conferências de Imprensa, e em acontecimentos mediáticos, como os eventos desportivos, e que,
consequentemente, assegurava a determinados actores sociais uma proeminência que crescia em exponencial,
pois quanto maior era a sua presença nos news media mais estes últimos tenderiam a reportar as acções e o
discurso desses actores, num círculo vicioso e retroalimentado até ao momento em que os actores sociais
perdessem o poder ou o protagonismo.

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26/03/2018 FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

É de notar, ao nível da cobertura do institucional, que as relações instituições-Lusa passavam pela programação
(veja-se o serviço de agenda, em parte alimentado pelas informações institucionais que chegam à secretaria de
redacção) e, por vezes, pela acreditação e pela limitação directa à actuação do fotojornalista, mesmo no que
respeita à selecção do equipamento. O repórter fotográfico, condicionado, tendia a transformar-se em mais um
espectador e não no agente cuja missão em democracia é ser instrumento de controle dos poderes e de
disseminação de informação que possibilite às pessoas agir e decidir. Se bem que, num Estado de Direito, os
jornalistas —todos— devam ser controlados pela lei e se bem que o papel social que os jornalistas
desempenham em democracia tenha sido conquistado e posteriormente autolegitimado, em parte, cremos,
através do próprio discurso jornalístico, mecanismos como o da acreditação e da limitação de equipamentos a
usar podem facilmente descambar para o abuso.

Antes de mais, para uma nova agenda seria necessário aumentar o número de fotojornalistas. Além disso, uma
nova agenda para a fotonotícia deveria contemplar as seguintes vertentes:

a) Contribuição maior dos fotojornalistas na construção da agenda;

b) Figuração na agenda dos temas que fotojornalisticamente pudessem ser melhor


abordados, independentemente da sua inclusão na agenda da redacção;

c) Instalação de um sistema de fotojornalistas-vigias nas organizações;

d) "Rebeldia" —o que poderia passar mesmo pela ausência de cobertura, como já uma
vez sucedeu no boicote que os jornalistas fizeram ao Parlamento— contra as limitações
atentatórias da dignidade e do papel social do jornalista numa sociedade democrática;

e) Jogada na antecipação e na contextualização (tentar saber o que é que as


conferências de Imprensa vão abordar, quais as leis em debate e votação no
Parlamento, etc., por forma a elaborar foto-reportagens que contextualizassem as
questões: por muitas fotos dos intervenientes nas conferências de Imprensa ou em
outros actos similares que se possam fazer, isso pouco ou nada contribui para a
contextualização dos assuntos);

e) Construção da agenda do Serviço de Fotonotícia contando também directamente


com os inputs informativos a partir dos quais se constrói a agenda da redacção, de
forma a que seja possível avaliar "na origem" o maior, menor ou nulo interesse da
cobertura especificamente fotojornalística de um tema;

f) Abertura temática em torno da verdadeira missão de serviço público, isto é, de uma


missão que tivesse em vista corresponder não só ao interesse das minorias detentoras
de poder (devido ao papel que a Lusa outorga às manifestações do poder,
principalmente do poder político), mas sobretudo aos interesses da maioria dos
cidadãos, pois são os cidadãos comuns —e contribuintes— que compõem
maioritariamente o Estado, que devia existir para os servir e não para servir-se deles.

Para a implementação de uma nova agenda, de uma agenda que se abrisse a novos critérios de noticiabilidade,
era preciso, porém, que os (foto)jornalistas estivessem preparados, que soubessem o que se passa no mundo,
que soubessem investigar e que tivessem uma formação sólida suficiente para "lerem" o mundo e
compreenderem melhor o sistema em que estão inseridos. Aliás, parece-nos que a selecção de temas para a
construção da agenda era mais baseada no senso-comum do que em estudos de mercado (o que os clientes e o
público querem) ou em conhecimentos sociológicos, políticos, económicos ou outros bastante aprofundados.
Afinal, o mundo não é directamente focável na sua abrangência por cada pessoa, pelo que cada um de nós
necessita de agir com frequência com base no senso comum. Só que, como as agendas jornalísticas têm um
determinado papel na conformação do sentido no processo de construção social da realidade, então podemos
também dizer que o sentido para o mundo outorgado fotojornalisticamente pelo produto fotonoticioso da
Agência Lusa era moldado pelo senso-comum.

Resta dizer que o serviço de agenda não é tudo. De facto, independentemente de alguma ordem no tempo que a
agenda possa impor, há que contar com o facto de numa agência não haver deadlines definidas, ou antes, a
deadline tende a fundir-se com a ocasião em que o acontecimento irrompe, pelo que o índice de
performatividade do trabalho será (também) aferido por essa relação. O factor tempo afecta os jornalistas de

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agência de formas ainda mais tirânica: (a) é preciso fazer o mais rápido possível; e (b) é preciso fazer antes dos
outros, inclusivamente dos clientes, pois, de outra forma, estes prescindirão do serviço.

Photonewsmaking na Lusa

Como ponto de partida para a presente pesquisa tivémos em conta as conclusões dos principais estudos sobre
newsmaking e a contextualização que fizemos do assunto no âmbito da história da fotografia e do
fotojornalismo. Diríamos, assim, que equacionámos a priori o caso da produção fotojornalística do Serviço de
Fotonotícia da Agência Lusa num contexto social, histórico e cultural, que, hipoteticamente, e de forma
independente das particularidades organizacionais da Lusa, promoveria uma aproximação inter-organizacional,
por exemplo, no que respeita às categorias jornalísticas (géneros jornalísticos, temas seleccionados, secções das
organizações de Imprensa em que se taxonomiza o mundo, etc.).

Em termos sociológicos, Barbara Rosenblum sintetiza bem o nosso ponto de partida:

"We know that the division of labor, especially in an assembly-line organization [tal
como a Lusa pode ser considerada], depends on bureaucratic organization and
management, one major feature of which is reliance on rules and regulations. We also
know that bureaucratic organizations generate their own classification systems, one
consequence of which is that shorthand categories come to strand for ways of doing
things. On the organizational level alone, a bureaucraticaly organized [organização
noticiosa] (…) relience on their own category system tends to homogenize
photographic imagery simply through the mechanism of rejection of images which do
not fit the existing category system. But each (…) system of categories is shaped, by the
journalistic categories [para o caso, categorias temáticas —desporto, política, etc.— e
fotográficas —fotografia de notícias, fotografia documental, etc.]. In fact, the
organization of the division of labor (…) is partly shaped by the institution of
journalism."(4)

Se pensarmos no estilo como a manifestação particular da realização de um determinado acto ou de uma certa
actividade, podemos considerar que o "estilo" da fotografia de notícias deverá ser, à partida, constrangido por
convenções organizacionais, por aquilo que o fotógrafo pensa das fotografias jornalísticas e por aquilo que as
pessoas pensam do fotojornalismo. Mas é necessário verificá-lo.

O primeiro constrangimento que identificámos no processo de fabricação da foto-informação da Lusa foi o


horário: o Serviço de Fotonotícia funcionava, regra geral, das 8 horas até cerca das 21/22 horas, período
alargado quando ocorriam jogos de futebol nocturnos até cerca da meia-noite. Porém, dentro do período 8
horas-21 horas, só a partir de por volta das 10 horas é que se marcavam serviços, concentrando-se estes no
período 14 horas-18horas. Assim sendo, um largo período do dia e quase toda a noite não eram objecto de
grandes preocupações fotojornalísticas, apesar dos exemplos de fotojornalismo que ao longo da História nos
mostraram que a noite é um terreno fértil para o "caçador de imagens".

O segundo constrangimento ao processo de produção fotonoticioso que identificámos foi a construção da


agenda.

A Secretaria de Redacção e os participantes nas reuniões de coordenação editorial, entre os quais o chefe da
Fotonotícia, eram, em 1994, os gatekeepers de base do processo de fabrico da foto-informação na Lusa, devido
à forma de estruturação da agenda fotojornalística.

A agenda mensal, a agenda semanal e as agendas diárias eram construídas a partir das propostas da Secretaria
de Redacção, das chefias e da Direcção de Informação, em reuniões de coordenação editorial que, em certa
medida, são como um espaço de brainstorming, embora a criatividade (entendida como "o que cobrir?) em
relação às agendas temporalmente menos extensas fosse, de algum modo, limitada pelo pré-agendamento (ou
seja, parece-nos que à partida que se caminha para uma restrição temporal maior no agendamento a criatividade
diminui). A agenda de um dia era prevista e divulgada ao fim da tarde do dia anterior. A agenda do fim-de-
semana era divulgada ao fim da tarde de sexta-feira. Em 1994, por vezes efectuava-se semanalmente uma

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reunião entre as chefias e o director de Informação para elaboração do agendamento semanal, mas no período
analisado essa reunião nunca se realizou.

Segundo o chefe do Serviço de Fotonotícia, a Direcção de Informação não intervinha no trabalho dos foto-
repórteres nem na elaboração final da agenda da Fotonotícia, "excepto em caso de dúvidas". Tal facto revela
uma certa autonomia, com a consequente dose de responsabilidade, do serviço fotonoticioso. Aliás, conforme
nos revelou Alberto Frias, o trabalho da redacção e da fotografia é muitas vezes separado, a tal ponto que "por
vezes redactor e fotojornalista não se conhecem". Podemos diagnosticar, porém, a partir deste pormenor, uma
certa falta de coesão entre os colaboradores-jornalistas da empresa Lusa, o que pode ser prejudicial para a
organização enquanto corpo orgânico.

O chefe do Serviço de Fotonotícia, ao elaborar, em definitivo, a agenda do Serviço de Fotonotícia, era o


principal gatekeeper de base no que respeita à selecção temática fotonoticiosa. Em certas ocasiões, conforme
nos afirmou Alberto Frias, a agenda da Fotonotícia incluía temas que a redacção não cobria, "pelo interesse do
assunto, pelo valor das fotografias ou devido a pedidos especiais de clientes".

Pelo que pudemos constatar, raramente os fotojornalistas propunham temas para a agenda. De 1 a 14 de Agosto
de 1994, a única ocasião em que verificámos que tal sucedeu foi quando a Inácio Rosa foram pedidas fotos do
edifício da Caixa Geral de Depósitos e ele propôs que se realizassem também imagens da Torre do Tombo, para
arquivo.

Os fotojornalistas, ao seleccionarem determinadas imagens em detrimento de outras do mesmo assunto e ao


fazerem reenquadramentos (quando os faziam), eram agentes de um processo de gatekeeping que gerava a
redução dos conteúdos da foto-informação. Em certas ocasiões, como nas alturas em que faziam reportagens no
estrangeiro, eram os fotojornalistas que seleccionavam os subtemas a cobrir e a forma de o fazerem, pelo que os
processos de gatekeeping ficavam deles mais dependentes. Fora da Agência, nos órgãos de Comunicação Social
clientes, o processo de gatekeeping continuava até que uma fotonotícia se tornava pública: as fotografias eram
seleccionadas, por vezes reenquadradas, as legendas eram alteradas (aliás, as legendas assumiam um carácter
meramente instrumental, pois limitavam-se a identificar o assunto da foto, sem mais pretensões, já que era
esperada a sua substituição).

Em parte, parece-nos que entre os principais vectores de selecção das imagens se incluíam a visibilidade, a
legibilidade e a lisibilidade dos motivos face aos elementos que pudessem perturbar o equilíbrio da composição
ou ofuscar a clareza de sentido. A fotografia produzida na Lusa tinha como expoentes a perspectiva
(racionalismo na visão), o momento e o controle sobre a profundidade (que dá à imagem os códigos da
perspectiva e que é "(…) uno de los componentes de la estética realista (…)"(5)). O enquadramento era, então,
modelado pela percepção e por um ponto de vista sobre o espaço, que corresponde, ao fim e ao cabo, a uma
tentativa de racionalização do mesmo. Em suma, podemos mesmo dizer que a própria busca da objectividade
fotográfica, sustentada predominantemente por um realismo "isento" de ponto de vista que se alimenta das
convenções profissionais e que é praticado rotineiramente, é, ela mesma, uma fonte de distorção. Basta
atentarmos, aliás, conforme verificaremos a seguir, na focalização extraordinária da Lusa no desporto e no
institucional para percebermos que os discursos fotojornalísticos não são o espelho fiel da realidade. A situação
exposta não significa, porém, que pretendamos atingir o brio profissional dos fotojornalistas da Lusa, mas tão só
tentar analisar a realidade para a melhor a compreender. De alguma forma, inclusivamente, uma maior ou
menor distorção involuntária (unwitting bias) é uma contingência de qualquer discurso sobre o real, já que este
último é demasiado complexo para ser integralmente gramaticalizado.

Importa destacar igualmente que as fotonotícias, sendo uma "versão" de fenómenos reais, configuram-se como
uma espécie de "ficção", sem que sejam ficção no sentido mais literal do termo, uma vez que os acontecimentos
a que se reportam sucederam-se. Todavia, não sendo ficcionais tout court, as fotonotícias são convencionais.
São convenções. E as convenções ajudam a tornar as mensagens fotojornalísticas —e não esqueçamos que os
meios de Comunicação Social são primordialmente mensageiros— rapidamente apreensíveis por uma
determinada sociedade, no seio de uma determinada cultura e num dado momento histórico, devido,
precisamente, à consonância que promovem com a gramática da cultura em vigor.

Conforme se pode ver pelo quadro 6, as fotos difundidas para os clientes dentre as enviadas pela EPA para as
agências associadas eram usualmente seleccionadas pelo chefe do Serviço de Fotonotícia ou por operadores de
telefoto com experiência. As restantes fotos eram sempre seleccionadas pelo autor a partir das imagens que
tinha de um acontecimento, embora nos tivesse sido dito que, ocasionalmente, o chefe do Serviço intervinha
nessa selecção (ocorrência que não presenciámos no período sob análise, pelo que, em princípio, deve ser rara),
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particularmente nos casos em que o serviço era feito em Lisboa, pois era mais difícil controlar o serviço das
delegações. De qualquer modo, o chefe da Fotonotícia poderia sempre evitar a colocação on line de fotos
enviadas das delegações.

As fotos enviadas pelas delegações, pelos fotojornalistas da Lusa em trabalho no estrangeiro e pela EPA eram,
na maioria, tratadas electronicamente pelos operadores de telefoto antes de serem colocadas em linha.

Para a EPA eram, por sua vez, enviadas fotos que, pela "intuição" dos fotojornalistas da Lusa, especialmente do
chefe do serviço, pudessem ter importância internacional, especialmente para os países com agências associadas
à organização. Funcionando com base na intuição, em princípio a aprendizagem "do que interessa" far-se-ia por
acerto/erro.

__________________________________________________________________________________________

Quadro 6

Selecção de imagem após o acto fotográfico

Fotos
SELECÇÃO Chefe do serviço

provenientes e operadores

da EPA com
experiiência
Reportagem
SELECÇÃO Fotojornalistas e

(Lisboa) ocasionalmente

o chefe do
serviço
Reportagem
SELECÇÃO Fotojornalistas e
ENVIO ON LINE Clientes e

(delegações) ocasionalmente ou entrega EPA (fotos


em mão a seleccionadas)
o chefe do clientes
serviço
Reportagem
SELECÇÃO Fotojornalistas e

no ocasionalmente
estrangeiro
o chefe do
serviço

__________________________________________________________________________________________

Registe-se que alguns clientes, pela sua dimensão e estrutura económica, não possuíam equipamento de
recepção de telefotos da Lusa nem sequer assinavam todo o serviço. Para estes, as fotos eram impressas a laser
e entregues em mão.

A escassez de recursos humanos limitava, à partida, as possibilidades de cobertura de uma grande variedade de
ocorrências. Por vezes, um fotojornalista necessitava de fazer vários serviços, com pouco tempo de intervalo, o
que lhe restringia a abordagem dos assuntos e o impedia de "ficar até ao fim, para o que desse e viesse" (para
um grupo pequeno de fotojornalistas de agência noticiosa, o tempo de presença num local será um capital de
elevada importância). Uma das principais razões para que na Lusa se tendesse a fazer somente uma foto por
assunto era essa imposição de limites de tempo. A pressão do tempo —já de si tirânica pela especificidade do
trabalho em agência noticiosa— fazia-se sentir entre os fotojornalistas de uma forma ainda mais acentuada do
que acontecia com os redactores. Consequentemente, pode dizer-se que nem sempre a reportagem que se fazia
era a que se pretendia e que as reportagens podiam, dentro desta ideia geral, considerar-se reportagens

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incompletas. A escassez de recursos humanos levava até a que o chefe de serviço se auto-destacasse para a
cobertura dos acontecimentos.

Após receberem as suas incumbências diárias, os fotojornalistas faziam e editavam individualmente as


fotonotícias, incluindo as legendas. Nunca notámos qualquer interferência directa do chefe de serviço ou da
Direcção de Informação nestes processos, apesar de nos ter sido dito que ocasionalmente havia intervenções.
Podemos, assim, concluir que, dentro do contexto organizacional, os fotojornalistas tinham, individualmente,
uma certa autonomia quanto ao tratamento da foto-informação.

Ao contrário dos seus colegas na Imprensa, os fotojornalistas não necessitavam de lutar por espaço no
fotonoticiário, pois quanto mais produzem "melhor" (as fotos seleccionadas são todas distribuídas). Daí que
nem sempre haja a considerar como mecanismo directamente regulador do fotonoticiário da Lusa a tendência
para o equilíbrio temático que ocorre nos jornais e revistas devido à competição entre as secções das redacções.
Todavia, como a agenda da Fotonotícia é, em grande medida, uma agenda subordinada à agenda da redacção da
Lusa, os equilíbrios gerados na construção da agenda redactorial podem repercutir-se na agenda da Fotonotícia.

A escolha do filme recaía normalmente sobre o Fuji Super G de 400 ASA (NHG 135 Profesional). Em certas
ocasiões (desporto nocturno, principalmente), conforme nos foi revelado, os fotojornalistas da Agência
seleccionavam película de 800 ASA ou até de 1600 ASA.

Todos os fotojornalistas, com excepção de João Paulo Trindade, usavam equipamento Nikon. João Paulo
Trindade preferia a Canon EOS 5, devido ao mecanismo de regulação rápida da autofocagem. De qualquer
modo, todos usavam equipamento com motor, o que, acelerando a obtenção de imagens, também contribuía
para a manutenção das convenções profissionais e de uma estética da velocidade e para a rotinização dos
processos produtivos.

A "paixão pela fotografia" (que identificamos essencialmente como o prazer de fotografar e o prazer em dar a
conhecer as fotografias), nas palavras de Alberto Frias, levava os fotojornalistas a fotografar mesmo fora do
trabalho. Frias gostava, nessas ocasiões, de usar a sua Leica. Moura fazia macrofotografia. Inácio Rosa gostaria
de vir a possuir uma Konica Exar, ultra-silenciosa. "É pena —diz ele— que só tenha uma objectiva fixa de
35mm".

Se excluirmos o desporto, em que se empregavam frequentemente teleobjectivas, a reportagem quotidiana era


feita recorrendo-se a grandes-angulares, principalmente de 24 mm e 28 mm. Guy Gauthier fornece uma
explicação para isso:

"Se anteponen razones prácticas: la imagen de los sujetos al infinito es clara, sin tener
que regular mucho y minuciosamente; el campo es más amplio, lo que hace el
enquadre más rápido y permite esperar el laboratorio [diríamos, agora, esperar pelo
computador], para reencuadrar sin precipitación. De hecho, (…) este discurso de la
funcionalidad enmascara 'el discurso ideológico del grande angular', 'el espacio de la
escena adquiere mecánicamente una profundidad y una perspectiva dramática' (A.
Bergala).

Si la fotografia en gran angular juega con todas las possibilidades de la profundidad y


especialmente del contraste tan apreciado por los periodistas (un personage en primer
plano se hace más patético o más digno de compasión, ó más aterrador al ser
confrontado a todo un contexto legible en segundo plano), modifica, sin embargo, el
punto de vista requerido por la perspectiva lineal. (…) La fotografia en gran angular
(…) empuja al espectador hacia adelante, lo introduce en los límites des espacio de la
imagen, negada más que nunca en su estatuto primordial de superficie plana de dos
dimensiones. El efecto realidad está en su cenit, y mientras que el ojo del espectador
está situado en un espacio reducido en el que todos los puntos están a igual distancia,
todo se pone en juego para hacerle creer que se acomoda según la distancia de los
diferentes objectos representados."(6)

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Nem sempre os fotojornalistas recorriam à programação. Este recurso utilizava-se normalmente no desporto e
em ocasiões em que o fotojornalista necessitava de dissimular o acto fotográfico. Noutras ocasiões, a
programação ou a utilização das máquinas em modo manual eram ambas frequentes.

O filme, após ser revelado numa máquina automática (minilab), era introduzido directamente num digitalizador
de negativos. As imagens passavam a estar disponíveis no ecrã de computador, para tratamento, edição,
selecção ou difusão. Ao evitar o processamento laboratorial tradicional, o processamento da informação
imagética tornou-se também mais rápido.

Nem todo o filme era revelado. Como o sector de Fotonotícia, ao que nos foi asseverado pelo antigo director de
Informação, Maia Cerqueira, era deficitário, os fotojornalistas sentiam a pressão do controle de custos, pelo que
só revelavam o filme efectivamente exposto (só em ocasiões de grande relevo se faziam mais do que uma dúzia
fotos). A preocupação pela poupança denota uma atitude profissional, mas pode ser prejudicial a uma
abordagem mais exaustiva e multiangular dos acontecimentos.

O tratamento electrónico das imagens, tanto quanto nos pudemos aperceber, nunca se afastou do que se faria em
qualquer laboratório: ajustes na cor, na tonalidade, no contraste para o serviço on line (à noite, altura em que
não estava ninguém de serviço, havia um ajuste automático do contraste) e, por vezes, no enquadramento,
embora sem supressão de actantes ou objectos. De qualquer modo, o fotojornalista-autor tem, julgamos que sem
contestação, o direito de tratar as suas imagens dentro dos limites reportados. Alterar as imagens através de
processos de manipulação digital é que se torna problemático e ético-deontologicamente discutível.

É interessante notar, a propósito da questão da manipulação computacional de imagens, que um dos operadores
de telefoto, José Relvas, intuiu, como poucos, a fase de transição que o fotojornalismo atravessa na pós-
modernidade, que leva autores como Mitchell a falar já do post-fotojornalismo. Exclamou ele, a 10 de Agosto
de 1994, sobre os novos equipamentos informáticos que estavam a ser instalados: "Agora é que já não vão ser
precisos fotojornalistas para nada!" E se, no seu sentido exacto, a frase pode não ter grande fundamento, pelo
menos para os tempos mais próximos, por outro lado, também é certo que podemos estar a caminhar para uma
situação em que se fundam os ofícios de foto-repórter, de repórter de imagem (TV) e de designer gráfico, pelo
que, neste sentido, o fotojornalismo, em sentido estrito, tal como o conhecemos hoje, poderá hipoteticamente vir
a desaparecer.

A propósito das novas tecnologias, colocámos a hipótese de, em 1994 ou no futuro, os fotojornalistas poderem
tornar-se mais descuidados no momento do acto fotográfico, pois as oportunidades de tratamento digital das
imagens oferecer-lhes-iam possibilidades de reparar o mal feito. A resposta, que não sabemos se provisória se
definitiva, é a de que isso não se passava nem se passará, ao que julgamos devido, principalmente, à influência
da ética e deontologia profissionais, mas também ao campo ideológico e mítico profissional. De qualquer modo,
o assunto será um tema de preocupação e reflexão, pelo menos nos tempos mais próximos, até porque a
demonstração de competência no acto fotográfico poderá ser desvalorizada em relação à competência no
tratamento electrónico das imagens e porque se poderá estar a caminhar para uma fusão entre fotojornalistas e
repórteres de imagem televisiva (os americanos até já chamam ENG photographers a estes últimos
profissionais).

Em 1994, a maior parte das fotografias era distribuída a preto e branco (maior velocidade), apesar de os
negativos serem a cores. Talvez não se justificasse o envio a cores, pois este, ao mobilizar um maior volume de
informação diminui a rapidez de transmissão. Por outro lado, os jornais, principais clientes da fotonotícia da
Lusa, ainda trabalham principalmente com o preto e branco.

Uma determinada gama de acontecimentos merecia processos de aceleração da difusão de foto-informação.

Para acontecimentos como o Grande Prémio de Portugal, as conferências internacionais (como o Conselho
Europeu da Presidência Portuguesa da União Europeia) e outras ocorrências de grande projecção mediática, os
fotojornalistas montavam um minilaboratório nos locais e depois enviavam, por telefone, as fotografias para a
sede da Agência, onde um operador de telefoto finalizava o seu tratamento antes de colocar as imagens on line
para distribuição aos clientes. Na Volta a Portugal em Bicicleta e acontecimentos similares, o foto-repórter
destacado também montava diariamente um minilaboratório para enviar as suas fotos por linha telefónica para a
sede da Agência.

No estrangeiro, por vezes, recorria-se casuisticamente, e após pedido prévio, ao apoio das agências locais,
nomeadamente quando se travata de agências da EPA, mas este procedimento era "usado com cautela, devido à
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sobrecarga de trabalho a que poderia dar origem", disse Inácio Rosa. Frequentemente usava-se também um
minilab próprio e enviavam-se as fotos por linha telefónica para a sede da Agência.

O espírito de entreajuda que podemos diagnosticar entre os fotojornalistas das agências associadas da EPA, a
partir da frase de Inácio Rosa, diz bem da natureza transorganizacional e transnacional de certas facetas da
cultura profissional, como o espírito de corpo que tende a animar os membos de uma mesma profissão, apesar
da natureza extraordinariamente competitiva que se tem vindo a desenhar na paisagem mediática. Também
podemos colocar a hipótese de se tratar de um processo subtil de estabelecimento de laços inter-agências através
de modalidades de recompensa/punição ("ajudar agora para ter ajuda depois; se não ajudar, arrisco-me a não ser
ajudado"), até porque a Lusa apoia, de igual modo, fotojornalistas estrangeiros das agências associadas na EPA.

Há também uma certa beleza nesse espírito de entreajuda e companheirismo inter-agências que pode facilitar a
atracção pela profissão (contactos diversificados com colegas de diferentes nacionalidades e culturas) e,
consequentemente, os processos de socialização do fotojornalista no meio socio-profissional e na organização.

No ano do estudo, pensava-se em adquirir equipamento para transmissão de telefotos por satélite a partir do
local da sua realização, embora os fotojornalistas da Lusa já tivessem operado com esse tipo de equipamento,
alugado, nos casos do Lusitânia Expresso e das eleições angolanas.

Também só em acontecimentos de projecção mediática relevante é que se destacavam dois ou mais


fotojornalistas. Para os jogos de futebol mais importantes, por exemplo, eram, por vezes, destacados dois foto-
repórteres, um para cada baliza, de forma a controlar o inesperado, como uma equipa jogar "enfiada" no seu
meio-campo. Mas, regra geral, os fotojornalistas ficavam no local apenas por vinte ou trinta minutos, de
maneira a anteciparem-se na difusão de foto-informação. Contudo, esta forma de trabalhar acentua a ideia de
que, mesmo na Lusa, a fotografia era tratada como um produto destinado a ilustrar jornais e revistas, mais do
que como um produto susceptível de aportar informação e gerar conhecimento.

Em 1994, a Lusa não possuía nenhum editor de imagem ou editor fotográfico, embora um dos projectos de
reestruturação do serviço englobasse um director da fotonotícia com essas atribuições. A edição das fotografias
enviadas on line pela EPA ou pelas delegações era feita pelos operadores de telefoto ou, mais raramente, pelos
fotojornalistas, mas limitava-se praticamente a ajustes de tonalidade, luminosidade, contraste e pouco mais, que
em parte se deviam, inclusivamente, à natureza analógica do sistema de distribuição (menor velocidade e
qualidade). Nunca vimos fazerem-se reenquadramentos nas fotos que chegavam via EPA. Posteriormente, as
fotos da EPA ou das delegações eram enviadas, também on line, para os clientes, ou impressas para os jornais e
revistas que não possuíam serviço de recepção de telefotos. A edição das fotografias realizadas pelos
fotojornalistas de Lisboa era feita pelos próprios. Por telefone, faziam-se contactos posteriores para verificar se
as fotos chegadas aos órgãos receptores estavam em boas condições.

Havia ainda alguns procedimentos de rotina de que vale a pena frisar no que respeita à abordagem fotográfica
dos assuntos. O primeiro de entre eles é, sem dúvida, a eleição do rectângulo como formato "normativo" do
enquadramento. Este fenómeno tem raízes históricas, não é algo "natural", apesar de o poder parecer — o visual
é (também) condicionado pelo cultural e, portanto, pela aprendizagem do mundivivente. De facto, o rectângulo
só se vai usar como formato de eleição a partir do século XIV, devido, provavelmente, ao privilégio outorgado
pelos pintores ocidentais à pintura de cavalete. Pelo que vemos, é até tardia a sua aparição e domínio na história
das imagens e da maioria das civilizações.(7) Assim sendo, em parte a fotografia vai buscar as suas atitudes
tanto (ou mais) à história das imagens e à cultura como ao real. Talvez seja mesmo esta uma das razões que
levaram Baudrillard a referir que as imagens mass-mediáticas, travestindo-se com o falacioso código da
"naturalização", tendiam a substituir o mundo real pela perpetuação de uma cadeia de simulacros(8) (embora,
no nosso entendimento, não se possa falar de simulacro sempre que falamos de uma foto-Lusa — apesar do
carácter representacional e dissonante da realidade que as fotos da Lusa apresentam, elas podem funcionar
como um índice para manifestações visíveis da realidade).

Posta a advertência, retomando o tema dos simulacros, fotografar um retratado em pose, por exemplo, era um
procedimento levado, por vezes, a efeito. Mas a conotação que assim era insuflada à imagem não nos pareceu
ser nitidamente percepcionada pelo fotógrafo.

Fotografar "ao baixo" era também um procedimento rotineiro na Agência Lusa. Os fotojornalistas tendiam
mesmo a integrarem-se nas rotinas sem grande inquietação. Aliás, eles já trabalhavam "ao baixo" com o intuito
de isso permitir quer a publicação da foto como estava quer o reenquadramento das imagens por parte de jornais

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e revistas, pois, principalmente estas últimas, necessitam frequentemente de enquadramentos "ao alto". O
grafismo (a forma) conformava o fotojornalismo (o conteúdo).

Preencher o espaço (não deixar grandes espaços vazios, especialmente a meio da foto) e dar uma margem entre
o motivo e o limite das fotografias para facilitar os reenquadramentos das fotos nos órgãos de Comunicação
Social clientes também se podem considerar procedimentos de rotina, tal como a abordagem realista e cheia de
ambição de objectividade dos acontecimentos ("isenção" de ponto de vista). Neste último caso, poderíamos
mesmo falar da existência de uma ideologia defensiva no campo dos fotojornalistas, no sentido que Tuchman
(1972) dava à "objectividade como ritual estratégico".

O aparecimento das rotinas estará ligado a factores como a pressão do tempo. Ora, uma das explicações para a
manutenção de determinadas rotinas será, talvez, a redução de incerteza que elas facultam ao fotojornalista.
Estes podem enveredar rapidamente pela forma "certa" de enquadrar e transformar rapidamente um
acontecimento em fotonotícia, sendo essa forma "certa" entendida, parece-nos, como o que foi feito antes e
"resultou" (isto é, o trabalho foi difundido e publicado).

Se bem que, nas conversas, se notasse algum incómodo pelas amputações a que as suas fotos eram submetidas,
pois os autores raramente ou mesmo nunca eram consultados sobre os reenquadramentos das suas imagens
depois de sairem da Agência, nunca notámos uma atitude revoltada por parte dos fotojornalistas da Lusa, o que
se pode explicar pela ideologia do profissionalismo. De qualquer modo, a questão é que o reenquadramento por
vezes descontextualiza, tira da imagem personagens, objectos e "ambientes" que por vezes são necessários para
a compreensão global da "estória" fotograficamente representada.

As legendas que se elaboravam para as fotografias eram extraordinariamente similares aos leads de sumário
incompletos de notícias redactoriais (mas não a leads de impacto), o que evidencia a socialização numa agência
noticiosa a que os fotojornalistas foram sujeitos, com a consequente interiorização das rotinas narrativas e da
ideologia da objectividade. Repare-se mesmo numa frase do chefe de serviço, Alberto Frias, que reforça a nossa
asserção: "tentamos obedecer ao 'quem?', 'o quê?', 'quando?' e 'onde?', usando uma linguagem objectiva e
simples".

É possível que a forma consagrada e rotineira de fabricar legendas também tenha a ver com o espaço disponível
para o texto no suporte de difusão. As contingências de espaço promoveriam legendas curtas (média de 28
palavras, entre as 123 legendas de fotos da Lusa-Lisboa que foram produzidas entre 1 e 14 de Agosto de 1994)
que não deixavam espaço à contextualização textual dos assuntos fotograficamente representados. As legendas
eram também vistas como um aspecto contingencial do fotojornalismo por parte dos fotojornalistas, já que eram
frequentemente os operadores de telefoto a redigi-las. A questão das legendas não deixa, porém, de ser uma das
áreas em que poderão ser quebradas as rotinas, através da abertura de portas à imaginação e à criatividade.

Num outro campo, esperava-se dos fotojornalistas que tivessem a percepção do que interessava ao mercado,
uma vez que eram eles que tinham a missão e a responsabilidade consequente de seleccionar as fotografias que
eram distribuídas no serviço nacional e através da EPA. O respeito pela autonomia dos fotojornalistas, neste
campo, era positivo, mas esse respeito existe porque a socialização, ideologização e aculturação de que os
fotojornalistas foram sofrendo na Agência os levava a orientarem a produção dentro das linhas da
convencionalidade imposta pelos constrangimentos organizacionais, nomeadamente pelas rotinas. Sob o prisma
da obediência aos interesses (ainda?) dominantes do mercado, os fotojornalistas da Lusa não podiam ser
acusados de negligência. Pelo contrário: as suas fotografias eram, como veremos, relativamente aceites e usadas
pelos órgãos de Comunicação Social nacionais (principalmente as de desporto) e frequentemente difundidas
pela EPA (90% das fotos enviadas para a EPA eram distribuídas, segundo estimativa do operador de telefoto
Valter Aguiar).

Face às pressões do mercado, na maior parte dos casos, portanto, o fotojornalista, para fotografar, procura intuir
o que observador gostaria de ver. Foi, por exemplo, essa a explicação que Inácio Rosa nos deu sobre as fotos
que realizou, a 6 de Agosto, na Ponte 25 de Abril, fotos essas que são marcadas por uma intenção artística
(acção pessoal) que dificilmente passa despercebida. Na composição, à ponte são associados os barcos de
recreio, o ambiente marítimo-fluvial e partes de Lisboa. "Eu acho que qualquer lisboeta gostaria de ver a sua
cidade e o rio, além da ponte", disse-nos o foto-repórter. E, realmente, as fotos mostram todos esses elementos,
funcionando como um signo condensado, o espaço onde necessariamente têm de confluir os diversos elementos
susceptíveis de formarem o sentido pretendido. Isto passa-se um pouco à semelhança do que acontece com o
texto jornalístico escrito, pois, através de mecanismos de selecção e condensação (síntese), também na foto se
hierarquizam estruturas de relevância.
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As fotografias provenientes da EPA e distribuídas aos clientes do serviço nacional pela Lusa, após serem
tratadas informaticamente e impressas a laser, eram, no dia seguinte, fotografadas, usando-se filme Kodak de
100 ASA, a preto e branco, para serem arquivadas em negativos. O processo, como se vê, era um pouco
artesanal e deteriorava a qualidade da imagem, mas previa-se que a informatização geral do serviço e a
digitalização do arquivo viesse transformar a situação. Pensava-se, em 1994, na criação de um banco de
imagens digital, a formar essencialmente a partir da selecção de cerca de uma dezena de fotografias por dia,
entre as nacionais e as internacionais. Isto significa, porém, que a Lusa estava um par de anos atrasada no que
respeita à instalação e ao aproveitamento integral das novas tecnologias de tratamento e armazenamento de
imagens, pois a digitalização permite aumentar a velocidade de pesquisa e, portanto, a satisfação dos clientes.

A selecção de entre todas as fotografias que a EPA colocava à disposição das agências associadas daquelas que
seriam enviadas para os clientes da Lusa era feita "por intuição", disse-nos o operador de telefoto Valter Aguiar.
Alberto Frias acrescentou — "tentamos perceber aquilo que os clientes querem antes de colocarmos as fotos no
circuito".

Ao fotojornalista era igualmente cobrada a capacidade de improviso e iniciativa ("desenrascanço"). Esta


capacidade, na nossa opinião, era mesmo vista como um elemento denotador de profissionalismo. Manuel
Moura, ao fotografar o barco que explodiu numa instalação militar guineense, ou Inácio Rosa, ao fotografar
"estrelas" de cinema na rodagem de uma cena de um filme no Convento de Mafra, são dois dos exemplos que
poderíamos citar. Vinque-se, porém, que o recurso à capacidade em causa foi sempre de carácter excepcional,
embora tal também se deva às características dos serviços que incumbem aos foto-repórteres da Lusa. Em suma,
a criatividade, no meio fotojornalístico da Lusa, tinha a ver menos com as qualidades "artísticas" das fotos do
que com a capacidade de improviso e iniciativa.

O assunto anterior leva-nos para outro: o que os fotojornalistas da Agência Lusa valorizam numa máquina
fotográfica. Todos os entrevistados (quatro dos cinco foto-repórteres da Lusa-Lisboa) nos afirmaram que a
qualidade das ópticas era fundamental, tal como a boa funcionalidade das máquinas, uma boa abertura máxima
dos diafragmas (profundidade de campo/luminosidade) e uma velocidade máxima de obturação elevada
(principalmente por causa do desporto, estamos em crer). A possibilidade de programação revela-se, para os
fotojornalistas Manuel de Moura e Inácio Rosa, fulcral aquando da cobertura de eventos em que a actuação dos
fotojornalistas necessita de ser discreta. Manuel de Moura revelou-se ainda um apreciador do número de
acessórios e da intermutabilidade dos mesmos.

Falámos, aqui, várias vezes, dos operadores de telefoto. Eles não podem ser desprezados no estudo, pois
desempenham um papel relevante e frequentemente incompreendido. Várias vezes ouvimos até de Valter
Aguiar a afirmação de que os operadores de telefoto deveriam ser, isso sim, editores fotográficos, "como nas
outras agências". Para nós, porém, a verdadeira questão não é essa, pois parece-nos que as funções de operador
de telefoto e editor de fotografia, podendo assemelhar-se em alguns pontos, especialmente ao nível do
tratamento de imagem, não obedecem aos mesmos níveis de responsabilidade. A grosso modo, poderíamos
dizer que as funções de editoria ultrapassam em número, qualidade e responsabilidade as atribuições de um
operador de telefoto e que não se podem transformar instantaneamente operadores de telefoto em editores
fotográficos. Estes têm de ser pessoas com elevado conhecimento de fotografia, tratamento de imagem,
processos de fabrico de foto-informação e jornalismo, mesmo que não sejam foto-repórteres. De qualquer
modo, poderíamos identificar uma certa tensão e algum descontentamento entre os operadores de telefoto.

As atribuições principais desses profissionais podem sistematizar-se em cinco pontos:

1. Tratamento da imagem para difusão on line;

2. Pedido de fotos à EPA (por exemplo, Valter Aguiar pediu à EPA, a 1/8/1994, o envio
de uma foto a cores da reunião do Conselho de Segurança da ONU que autorizava uma
intervenção militar no Haiti, pois o operador de telefoto verificou que não existia
qualquer foto a cores dessa reunião no serviço já enviado);

3. Alertar a EPA para o eventual interesse das agências associadas em determinadas


fotos da Lusa (por exemplo, a EPA foi alertada do eventual interesse das agências
associadas, nomeadamente da italiana ANSA, numa fotografia de um ciclista italiano a
cortar a meta quando ganhou uma etapa da Volta a Portugal em Bicicleta);

4. Fotografar as fotografias recebidas e enviá-las para o arquivo de negativos;


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5. Redacção das legendas, principalmente das fotos da EPA, para difusão pelos
clientes.

Podemos entender como ideológicas as práticas quotidianas que encontram expressão nas rotinas.(9) Como
vimos, pareceu-nos que, na Lusa, as ideologias da objectividade e do profissionalismo subsistiam. Em
consonância com o que Schlesinger escreveu, pareceu-nos, contudo, que a forte dependência das rotinas
profissionais que os fotojornalistas evidenciavam prende-se também com o escasso feed-back que tinham do
público(10), até porque a audiência está mais longe dos fotojornalistas de agência do que está dos repórteres
fotográficos dos órgãos de Imprensa que publicam fotos da Lusa. A hipótese do acerto/erro desenvolvida por
Gomis(11) parece-nos ter aqui aplicação: quando as suas fotos eram publicadas, os fotojornalistas
considerariam ter acertado, e guiavam por aí a sua produção futura; quando não viam as suas fotos publicadas,
os fotojornalistas considerariam ter errado, pelo que evitariam fabricar esse tipo de fotografias no futuro. Daí,
em parte, a semelhança do produto.

As rotinas de colheita, selecção e apresentação da foto-informação (as três fases em que Mauro Wolf segmenta
o processo de fabrico das notícias) pareceram-nos, de facto, serem, na Lusa, o resultado de factores relativos (a)
à característica empresarial da organização (necessidade de gerar benefícios que sejam superiores ou, pelo
menos, equilibrem os custos), (b) à natureza da matéria-prima e do produto fabricado (rapidamente perecível,
imaterial), (c) à divisão do trabalho devido à sistematização e racionalização das tarefas do processo de fabrico,
e (d) à necessidade de prevenir e configurar as necessidades dos clientes.

Face aos dados recolhidos, fomos ainda obrigados a Concordar com Villafañe, Bustamante e Prado, quando
estes autores salientam que as rotinas são uma forma subtil de mediação "(…) habilmente disfrazada y
identificada con criterios de eficacia, productividad, profesionalismo, etc., y que responde primariamente a una
ideologia profesional que predetermina, desde sus proprios valores, la visión del mundo que los medios
ofrecen."(12) A submissão às rotinas, porém, assegura ao fotojornalista que consegue rapidamente enquadrar
um acontecimento e convertê-lo em fotonotícia sem parar para pensar. O pedido será sempre satisfeito. E a
capacidade de satisfazer o pedido, que ao fim e ao cabo significa a capacidade de um fotojornalista se adequar
às rotinas, é tido por verdadeiramente profissional, por uma atitude denotadora de profissionalismo.

O controlo diário da publicação do seu trabalho por parte dos fotojornalistas fazia-se, em 1994, por observação
simples dos jornais. Não havia lugar a tratamento estatístico ou outro.

Finalmente, embora tal situação não fosse vincada, podemos dizer que a Administração da Lusa funcionava
como agente de gatekeeping devido aos seguintes factores:

— Controle orçamental, que afectava a capacidade de cobertura dos assuntos;

— Poder de definição da política comercial, que igualmente afectava a cobertura dos


assuntos;

— Poder de apresentação de ideias e sugestões, designadamente através da Direcção


Comercial.

Face ao exposto, reunimos condições para concluir que as dinâmicas económicas e os critérios subjacentes
(gestão de recursos humanos, etc.) codeterminam os processos de produção fotojornalística na Agência Lusa
("capacidade de pagar").

Relações fotojornalistas-fontes de informação

Como os fotojornalistas da Lusa eram generalistas e não tinham de lançar a rede para a captura dos
acontecimentos através de um sistema de vigias junto das organizações, e uma vez que a agenda era
principalmente elaborada através das informações trocadas durante as reuniões de coordenação editorial, em
grande medida aportadas pela Secretaria de Redacção, os fotojornalistas, ao contrário dos seus colegas
redactores, não necessitavam de cultivar relações especiais com determinadas fontes. Embora através da agenda
geral fossem institucionalizadas como fontes activadoras da cobertura fotojornalística determinadas
organizações e figuras-públicas, só a frequência nos contactos para fotografia poderia gerar relações

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problemáticas de amizade e interesse fotojornalista-fotografados com reflexos nas fotonotícias, mas mesmo
estas hipotéticas relações eram mitigadas pelo facto de os fotojornalistas serem generalistas e pela distribuição
mais ou menos aleatória dos serviço em agenda (recorde-se que muitas vezes os fotojornalistas tinham de
fotografar mesmo o que não gostavam).

Produtividade

Ao avaliarmos o que designamos por "produtividade" não pretendemos ajuízar da qualidade e do empenho dos
fotojornalistas, mas unicamente apresentar dados sobre a produção quantitativa da Agência de 1 a 14 de Agosto
(quadro 7). Não é de mais referir que as coisas podem passar-se assim em Agosto, mas serem substancialmente
diferentes nos meses em que as actividades políticas, económicas e outras do País se encontram em fases de
maior pujança.

Quando nos referimos a fotos realizadas não nos referimos às exposições feitas, mas, sim, às fotos
seleccionadas para os clientes, na maior parte dos casos a serem transmitidas on line.

A partir dos dados expostos, é possível concluir que:

a) Os fotojornalistas da Lusa tendem a realizar uma fotografia por assunto (1,47


fotos/assunto, excluindo a Volta a Portugal em Bicicleta), o que poderá trazer
problemas para a contextualização de certos temas que provavelmente poderiam ser
melhor abordados através de uma reportagem mais desenvolvida; cumpre, aliás, realçar
que a média não é estritamente de uma foto por assunto devido à cobertura das eleições
na Guiné (com frequência, a produção diária atingia duas fotos) e de certos
acontecimentos desportivos, como o Torneio de Futebol Cidade de Lisboa e outros
jogos de futebol (duas ou até três fotos por jogo); sobre este último ponto, cumpre até
referir que só para a Volta a Portugal em Bicicleta a Lusa destacou um foto-repórter
que produzia diariamente cinco fotografias.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 7

Fotos realizadas e número de assuntos cobertos pelos fotojornalistas da Lusa

Seg. Ter. Qua Qui Sex. Sab. Do. Seg. Ter. Qua Qui. Sex. Sab. Do. Total Média

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Assuntos 3,57

cobertos temas/dia

(Lusa-
4 3 3 7 4 4 3 2 3 5 3 4 2 3 50*
Lisboa)
Fotos 8,8

realizadas fotos/

(Lusa- dia
8 9 8 12 8 9 10 6 7 9 7 8 12 10 123**
Lisboa)
Assuntos
2 2 3 2 2 4 2 1 3 1 2 1 2 1 28 2

cobertos temas/
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(delegações) dia
Fotos realizadas
4 3 3 3 5 11 6 2 4 1 2 1 4 1 50 3,57

(delegações) fotos/

dia

* Se excluirmos a Volta a Portugal em Bicicleta, o número total de assuntos cobertos pelos fotojornalistas da
Lusa (Lisboa) baixa para 36.

** Se excluirmos a Volta a Portugal em Bicicleta, o número total de fotos realizadas pelos fotojornalistas da
Lusa (Lisboa) baixa para 53. Segundo informações dos operadores de telefoto, 33 (26,83%) das 123 fotos foram
enviadas para a EPA, uma média de 2,36 fotos/dia.

— Média de fotografias realizadas por assunto (Lusa—Lisboa) — 2,46 fotos/assunto (incluindo a Volta a
Portugal em Bicicleta)

— Média de fotografias realizadas por assunto (Lusa—Lisboa) — 1,47 fotos/assunto (excluindo a Volta a
Portugal)

— Média da produção diária de fotos por fotojornalista da Lusa (Lisboa) — 2,2 fotos/dia (incluindo a Volta a
Portugal em Bicicleta)

(Nota: O queficiente de divisão usado foi quatro (4), número mais comum de foto-repórteres da Lusa-Lisboa em
actividade diária, devido às férias)

— Média da produção diária de fotos por fotojornalista da Lusa (Lisboa) — 1,26 fotos/dia (excluindo as cinco
fotografias diárias da Volta a Portugal em Bicicleta)

(Nota: O queficiente de divisão usado para os fotojornalistas foi três (3), já que, se excluirmos o fotojornalista
destacado para a cobertura da Volta a Portugal em Bicicleta, o número mais comum de repórteres presentes
diariamente na Fotonotícia foi três, devido, como se disse, às férias)

— Média de assuntos cobertos diariamente por um fotojornalista (Lusa-Lisboa) — 0,89 (incluindo a Volta a
Portugal e usando o queficiente quatro (4) como número de fotojornalistas)

— Média de fotografias realizadas por assunto (delegações) — 1,79 fotos/assunto

— Média da produção diária de fotos por fotojornalista da Lusa (delegações) — 0,5 fotos/dia

— Média de assuntos cobertos diariamente por um fotojornalista da Lusa (delegações em conjunto) — 0,4
assuntos/dia

— Peso da Lusa-Lisboa na produção nacional (assuntos) — 64,1% (inclui a Volta a Portugal)

— Peso das delegações na produção nacional (assuntos) — 35,9%

— Peso da Lusa-Lisboa na produção nacional (fotos) — 71,1% (inclui a Volta a Portugal)

— Peso das delegações na produção nacional (fotos) — 28,9%

___________________________________________________________________________________________

b) O peso da produção fotojornalística centrada em Lisboa (64,1 % dos assuntos e


71,1% das fotos) revela a existência de buracos na rede de captura do acontecimento
("Lisboa é Portugal e o resto é paisagem") e o que consideramos ser um excesso de
protagonismo dos fotojornalistas de Lisboa em relação aos seus colegas das
delegações; aliás, se os fotojornalistas das delegações da Lusa vierem a ter estes

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sentimentos, a situação vivida poderá originar problemas laborais. A descentralização


na construção da agenda e da rede de captura de aconteciments gerariam,
inclusivamente, um menor índice de mediação nas fotonotícias, já que as decisões
sobre a cobertura de certos assuntos passariam por um menor número de pessoas.

c) A discrepância de valores entre a produção da Lusa-Lisboa e das delegações


demonstra que, globalmente, as representações fotojornalísticas do real não são, de
forma alguma, a cópia deste, mas antes um elemento que induz uma dissonância
(ficcional) entre o real e as percepções que se tem da realidade; o fotojornalismo e a
fotografia jornalística nos seus usos sociais tornam-se em factores de construção social
da realidade referencial e da realidade em si. Afigura-se-nos também importante
contratar mais fotojornalistas para diversas zonas do País (quadros de delegações,
correspondentes, etc.), mais do que para Lisboa (embora em Lisboa também sejam
necessários mais fotojornalistas), de forma a garantir uma cobertura mais homogénea
de Portugal.

d) Se noutras alturas do ano o trabalho pode sobejar, em Agosto os tempos mortos


parecem ser significativos, o que podemos afiançar não só pela observação participante
que realizámos mas também pelos números [0,89 assuntos cobertos por dia por
fotojornalista da Lusa-Lisboa (0,4 nas delegações) e 1,47 fotos por assunto (0,5 nas
delegações)]. Assim, deixar passar o Verão parece-nos ser uma oportunidade perdida
para o projecto fotojornalístico, as grandes reportagens e a fotografia de autor. A silly
season seria, do nosso ponto de vista, uma boa ocasião para, até dentro da mística
profissional, "procurar a notícia", mas isso exigiria um jornalismo não acomodado, ao
contrário do que ocorria na Lusa em 1994. Por "procurar a notícia" entendemos até,
mais especialmente, a abordagem de temas que andam mais ou menos arredados das
páginas dos jornais: a vida da "outra metade", as questões de fundo da democracia (da
ditadura?) de partidos, as questões ambientais de fundo, a fome, a seca, a
desertificação, a quem servirá de facto a barragem do Alqueva, ou os "tipos sociais"
portugueses, entre variadíssimos outros assuntos que poderiam ser tratados.

Quando conciliamos os dados anteriores com as questões e informações debatidas quando tratámos da agenda,
verificamos ainda que era elevado o número de inputs de informação a partir do qual se construia, por selecção,
a agenda da Fotonotícia. Por exemplo, no dia 1 de Agosto, a agenda da redacção continha 21 assuntos, dos
quais, para a agenda fotojornalística, foram unicamente seleccionados cinco (e já não contabilizamos sequer os
inputs informativos que chegaram à Agência Lusa para cobertura eventual nesse dia). De 2 a 14 de Agosto de
1994, a proporção foi: 29-5 (2 Ago.); 40-6 (3 Ago.); 24-7 (4 Ago.); 44-6 (5 Ago.); 61-8 (6 Ago.); 48-5 (7 Ago.);
23-3 (8 Ago.); 37-6 (9 Ago.); 48-6 (10 Ago.); 48-5 (11 Ago.); 49-5 (12 Ago.); 58-4 (13 Ago.); e 37-3 (14 Ago.).
Em termos globais, dos 567 temas constantes da agenda da redacção no período, a Lusa tratou
fotojornalisticamente apenas 74 (13,05%).

Assim, devido especialmente, estamos em crer, à escassez de recursos humanos e à pressão do tempo, a
possibilidade de todos os temas que a redacção aborda serem abordados fotojornalisticamente é reduzida.

Fontes activadoras da cobertura fotojornalística

Torna-se difícil de definir o que é uma fonte de informação, excepto no seu contorno: "lugar" de onde procede a
informação. Existem até fontes de diferentes naturezas: pessoas, organizações, documentos, órgãos de
Comunicação Social, etc.

De qualquer modo, para o presente caso não é possível considerar unicamente as "fontes" dos fotojornalistas
como fontes tradicionais, no sentido de "lugar" de onde procede a informação que o fotojornalista vai tratar, já
que a função (principal) deste é realizar representações visuais dos acontecimentos (não vamos aqui discutir se
devem ser realistas e sem ponto de vista ou não). O foto-repórter não vai, assim, usar directamente a informação
que uma fonte, no sentido tradicional do termo, possa dar, excepto no que respeita a dados sobre a localização
espacial e temporal da ocorrência. Mesmo as informações que possa obter sobre o contexto dos acontecimentos
só serão indirectamente usadas quando o fotojornalista pensar na abordagem a que vai recorrer. Como nos

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parece evidente, também não podemos considerar os sujeitos actantes nas fotografias como fontes de
informação no sentido tradicional do termo, embora aportem informação (conotações) para o receptor.

Para o nosso estudo, vamos, então, considerar por "fontes" as entidades activadoras da cobertura
fotojornalística dos eventos. Estas, em vários casos, acabam por estar representadas nas fotografias. Por
exemplo, um partido político pode informar da ocorrência de uma conferência de Imprensa; se o fotojornalista
fizer a cobertura da conferência, são grandes as probabilidades de os políticos desse partido serem fotografados
durante o acto.

Como verificámos, é, no mínimo, raro serem os fotojornalistas da Lusa a incluir assuntos na sua agenda diária,
já que esta é, basicamente, uma agenda subordinada e decorrente da agenda geral da redacção, pelo que as
"fontes" de uma e de outra agendas geralmente coincidem.

Para elaboração do mapa de fontes, classificámos estas em catorze classes, que suposémos, por ponto de
partida, terem o mesmo nível de acesso aos news media. Sem que o número de ordem atribuído pretenda sugerir
qualquer valoração, essas classes são as apresentadas no quadro 8.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 8

Fontes de activação de cobertura fotojornalística pesquisadas

1. Presidência da República

2. Governo

3. Assembleia da República

4. Administração Pública

5. Autarquias

6. Partidos políticos

7. Fontes patronais e similares

8. Sindicatos

9. Organizações sociais

10. Escolas e outras entidades ligadas à educação/formação

11. Polícia e bombeiros ou outras organizações de emergência

12. Outros órgãos de Comunicação Social, incluindo agências

13. Agência Lusa

14. Outras fontes

___________________________________________________________________________________________

Enquanto órgãos de soberania, a Presidência da República e o Governo, até devido ao princípio de publicitação
dos actos públicos, funcionam frequentemente como fontes dos órgãos de Comunicação Social. A Assembleia

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da República é por nós considerada fonte quando age como organização global, independentemente dos
partidos, dos deputados, dos seus funcionários ou de outros dos seus elementos constitutivos.

Tem de se prever a hipótese de os organismos e serviços da Administração Pública nacional, regional e local,
como uma direcção-geral ou uma comissão de coordenação regional ou um gabinete coordenador local,
poderem funcionar como fontes, tal como as autarquias locais, enquanto organizações. Todos estas entidades
estão subordinadas ao princípio da publicitação dos actos públicos.

Partidos políticos são, para nós, todos os que constam como tal nos serviços competentes do Estado. Os
políticos individualmente considerados são reconduzidos à fonte partidos políticos sempre que os assuntos em
que figuram como fonte sejam de natureza política, nomeadamente político-partidária.

Por fontes patronais e similares consideramos as pessoas ou entidades que estão relacionadas em posição de
domínio com as empresas e o comércio, sendo exemplos os empresários ou as confederações patronais e
comerciais.

Os sindicatos e associações similares, tal como são definidos por lei, têm de ser considerados fontes prováveis
devido ao seu papel nas sociedades industriais ou mesmo pós-industriais contemporâneas, apesar de alguns
autores, como Toffler, preverem uma diminuição gradual da sua influência e algum esvaziamento da sua razão
de ser, em certas circunstâncias. Nesta classe, incluímos as associações de estudantes, as associações socio-
profissionais de polícias e sargentos, etc., devido ao seu papel convergente com o dos sindicatos em várias
áreas, mas principalmente na reivindicativa.

As organizações sociais —como as associações de cidadãos— costumam ser uma fonte habitual dos meios de
Comunicação Social, de onde a sua inclusão nesta lista. Excluímos aqui as organizações já incluídas noutras
classes.

O papel que a escola e outras entidades ligadas à educação/formação, quer por força das políticas nacionais e
da União Europeia quer devido às suas funções nas sociedades contemporâneas, levaram-nos a considerá-las
como fontes hipotéticas.

Polícia, bombeiros e outras organizações de emergência, como por exemplo o Instituto Nacional de
Emergência Médica, são, para a Comunicação Social, fontes habituais, até porque frequentemente são elas que
referenciam a ocorrência dos verdadeiros acontecimentos, pela sua natureza imprevistos.

A Agência Lusa é por nós considerada por fonte quando a activação da cobertura fotojornalística de um assunto
tem origem no seu seio, por proposta de jornalistas ou de fotojornalistas, da Direcção de Informação, da Chefia
de Redacção, da chefia de serviço, da Secretaria de Redacção, etc. A activação de projectos específicos de
fotografia para arquivo inclui-se nesta classe. Em alguns casos (Volta a Portugal em Bicicleta, jogos de futebol
do campeonato ou de determinados torneios, campanhas eleitorais, etc), atribuímos à Lusa o estatuto de agente
despoletador da cobertura fotojornalística porque os acontecimentos em causa ocorrem geralmente todos os
anos ou periodicamente e não precisam de uma comunicação ou de um contacto imediatamente anterior à sua
ocorrência para serem cobertos (são até agendados com muita antecedência). Nos restantes casos, apesar de
também passar pela Lusa a decisão de se cobrir um acontecimento, a cobertura é despoletada por um contacto
(por exemplo, um press-release) "imediatamente" anterior que pode até envolver uma negociação (por exemplo,
nas visitas de Estado), isto é, a cobertura do acontecimento é mais provocada por uma força externa à Agência
do que pelos canais de decisão e pelas rotinas existentes no seio da Agência.

As informações prestadas por ou recolhidas de outros órgãos de Comunicação Social podem gerar a cobertura
fotojornalística dos acontecimentos.

A grande variedade de fontes de informação levou-nos a incluir a classe outras fontes para integrar aquelas que
não se podem enquadrar em nenhuma das classes anteriores.

No quadro 9, podemos observar uma panorâmica geral das fontes activadoras da cobertura fotonoticiosa da
Lusa, de 1 a 14 de Agosto de 1994.

Face aos dados dos quadros anteriores, podemos concluir que, durante o período de Agosto de 1994 em análise
(e que, como já dissemos, será algo incaracterístico) :

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a) A principal fonte activadora da cobertura fotojornalística foi a própria Lusa (30


assuntos em 50, correspondendo a 60%); evidentemente, poderá sempre argumentar-se
que a fonte activadora última, em casos particulares mas repetidos, não era a Lusa, mas
determinadas entidades, como a organização promotora da Volta a Portugal em
Bicicleta ou o Estado da Guiné-Bissau (eleições); todavia, estas não eram a fonte
activadora directa e imediata. É importante referenciar igualmente que dessas "fontes
últimas" não faziam parte, a nível nacional, instituições governamentais, políticas,
autárquicas, presidenciais ou da Administração Pública, embora existissem agentes
desportivos;

b) Apesar da principal fonte activadora da cobertura fotojornalística ser a própria Lusa,


parte dos temas abordados repetiram-se ao longo de vários dias, como a campanha
eleitoral para a presidência guineense, ou de todos os dias, como a Volta a Portugal em
Bicicleta; por um lado, esta ocorrência inflacionou o número total de assuntos cobertos
e agendados cuja fonte mais directa era a Lusa; por outro lado, releva o valor-notícia
da continuidade;

c) Existia um alto grau de foto-informação prevista entre a seleccionada (46 assuntos


em 50, ou seja, 92%), o que torna saliente o valor-notícia da previsibilidade; por aqui
se vê que a Lusa raramente se concentrava no (ou que raramente capturava o)
"verdadeiro" acontecimento, que é imprevisto e notável; de qualquer modo, a previsão
ajudaria a racionalizar a gestão dos parcos recursos humanos e financeiros da Lusa e
tornaria a organização capaz de produzir sem contratar mais gente, além de tender a
contornar o problema de os fotojornalistas tenderem a operar com base em julgamentos
e avaliações rápidas, mais ou menos "intuitivas" (sem desconsiderar que muito do que
os foto-repórteres possam considerar intuição tem muito a ver com as rotinas e
convenções profissionais, etc.);

d) Só em quatro assuntos a cobertura fotonoticiosa foi despoletada por fontes


governamentais (8 %), dois pela Assembleia da República (4 %), um pela
Administração Pública (2 %) e dois por partidos políticos (4 %); por aqui, nota-se que
as actividades política e político-administrativa ficaram adormecidas em Agosto, pelo
que somente 10,57% das fotos se reportam a essas fontes. Pelo menos no período
analisado de Agosto de 1994, o conteúdo da foto-informação não teve por referente
principal a política institucional ou oficial, excepto se ignorarmos as fotos de desporto;

e) No contexto espácio-temporal referenciado e dos dados apresentados, sindicatos,


fontes patronais e similares têm uma cotação digna de registo (seis assuntos e seis
fotos, 12% do total de assuntos fotojornalisticamente cobertos e 4,88% das fotos),
especialmente quando comparados os seus números com os do sistema político e
político-administrativo (ponto d);

f) Polícias, bombeiros e similares não funcionaram, contrariamente às nossas


expectativas, como agentes activadores de cobertura fotonoticiosa, especialmente,
como intuíamos, no que respeita a temas não agendados;

g) Como Agosto é mês de férias, era previsível que as escolas não funcionassem como
um agente relevante em termos de activação de cobertura fotojornalística; encontra
também aqui justificação parcial o facto de as organizações sociais só terem sido fonte
activadora de cobertura fotojornalística na abordagem de um único assunto (2%),
embora possamos conjuntamente colocar a hipótese de não lhes ser outorgada grande
importância, pois, na maior parte dos casos, não constituem agentes com acesso
rotineiro e institucionalizado aos news media (o acesso aos news media é um bem
socialmente estratificado);

h) Outros meios de Comunicação Social só indirectamente (enquanto clientes)


aparentam ser fonte activadora de cobertura fotojornalística de determinados eventos,
pois, no período estudado, não foram feitos pedidos que alargassem a agenda ou que
levassem à cobertura de acontecimentos não agendados; todavia, alguns temas foram
fotojornalisticamente abordados para arquivo (por exemplo, uma tourada), de forma a
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que a Lusa pudesse, em datas futuras, satisfazer pedidos; contudo, é preciso salientar
que, em dias posteriores de Agosto de 1994, assistimos a alguns pedidos especiais que
foram satisfeitos pela Lusa (por exemplo, a Cambio 16 pediu fotos do novo edifício-
sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa), pelo que, como decorre, aliás, das
expectativas que tinhamos, existem ocasiões em que os órgãos de Comunicação Social
funcionam como entidades activadoras de determinados eventos;

i) Convém assinalar que em nenhuma ocasião as "Outras fontes" foram cidadãos


anónimos, testemunhas ou especialistas, mas determinadas organizações estáveis e de
fácil acesso para os fotojornalistas, como a representação em Lisboa do movimento
político-militar angolano UNITA em Portugal (aniversário da fundação) e o Jardim
Zoológico de Lisboa (operação a uma Chita, um perfeito fait-divers, e também uma
das raras ocasiões em que nos parece que o interesse humano se sobrepôs ao interesse
informativo-noticioso enquanto critério de agendamento);

j) Em número de temas, o Governo e o partido do Governo sairam beneficiados na


cobertura fotojornalística face à Oposição (cinco temas, 62,5%, contra três, 37,5%).
Porém, se excluíssemos a visita de John Major a Cavaco Silva, os números seriam
semelhantes (quatro conta três). Esta repartição quase milimétrica, do nosso ponto de
vista, deve-se à luta pela ribalta no seio do sistema político, principalmente no sistema
político-partidário. A competição entre forças políticas na produção e interpretação
(produção de significação) de acontecimentos será, provavelmente, uma das razões de
tal equilíbrio (a outra será, hipoteticamente, a própria acção da Lusa e dos seus
jornalistas, empenhados em dar de si uma imagem de isenção entre os principais
agentes da luta política). Tal facto indicia, pensamos, que, mesmo no terreno do
fotojornalismo, se jogam estratégias de conquista do poder, de luta simbólica em torno
dos processos de significação e de legitimação por parte das forças políticas. A
confluência destas estratégias de comunicação do sistema político no espaço-tempo
mediático promoveria, então, a criação de um novo espaço público, que é
simultaneamente um novo espaço político.(13)

Pelo quadro 10, verificaremos o destaque dado, em número de fotos, a cada fonte activadora da cobertura
fotojornalística.

Pelos números do quadro 10, por vezes comparados com o quadro 9 e com outros dados disponíveis, somos
levados a concluir que:

a) Em todos os temas cuja fonte activadora não foi a própria Lusa, e com a excepção
da cobertura da visita do primeiro-ministro britânico John Major ao então primeiro-
ministro português, Cavaco Silva (7 de Agosto), que mereceu quatro fotos, algumas
das quais difundidas via EPA, especialmente para o Reino Unido, apenas foi
seleccionada uma fotografia por assunto coberto; seleccionar uma fotografia por tema
era, portanto, uma prática rotineira e a selecção incaracterística de quatro fotos do
encontro entre Cavaco e Major pode encontrar fundamento: 1) nos pedidos de clientes
britânicos via EPA; e 2) na percepção de que aquele seria um evento institucional que
imporia uma acção mais consentânea do fotojornalista com os interesses publicitários
do(s) Governo(s), ou, mais precisamente, dos governantes;

b) A ideia de que na Lusa existia uma prática rotineira que levava a que só se tendesse
a seleccionar uma fotografia por tema ganha maior expressão quando se repara que os
temas não agendados cuja fonte activadora de cobertura era a Lusa também só
mereceram uma fotografia por tema;

c) Os acontecimentos que motivaram a selecção de mais do que uma fotografia por


assunto foram os eventos desportivos; neste campo, a Volta a Portugal em Bicicleta,
com as suas cinco fotos diárias seleccionadas (devido ao interesse dos clientes e a
clientes especiais), e o Torneio de Futebol Cidade de Lisboa, com as suas duas ou três
fotos seleccionadas por jogo, adquirem particular relevância na ponderação dos
resultados apresentados; a situação reportada indiciava também, para nós, a existência
de rotinas, pois nestas, em parte, residirá a razão de se consagrarem várias fotos aos
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eventos desportivos (o outro factor explicativo teria a ver com os pedidos dos clientes,
como se disse);

d) O maior número de fotos seleccionadas referia-se a temas agendados (118 fotos, isto
é, 95,9%), o que mostra, também por aqui, não só a relevância do critério de
noticiabilidade da previsibilidade como a fraca capacidade da Lusa para capturar o
"verdadeiro" acontecimento, que é imprevisto e notável; uma das razões será a rede
esburacada que a Lusa tinha para capturar fotojornalisticamente o acontecimento;

e) Em número de fotos, o fosso entre a Oposição e o Governo e o partido do Governo


aumenta: três fotos para a Oposição (25%) e nove para o Governo e partido do
Governo (75%); aparentemente, poderia falar-se de uma hipotética
governamentalização da cobertura fotojornalística da Lusa, mas é preciso contar que
quatro fotografias dentre as que associámos ao Governo dizem respeito à visita de John
Major a Cavaco Silva. Se excluíssemos este particular, os números seriam
semelhantes.

Em geral, podemos, portanto, na linha das conclusões de vários estudos na área da Comunicação Social,
concluir que os fotojornalistas da Lusa cobrem preferencialmente e destacam em número de fotografias
acontecimentos previstos e agendados com um agente activador definido, estável, de fácil acesso e com
presença rotineira nosnews media (instituições, organizações políticas, político-administrativas, sindicais,
patronais ou desportivas, etc.). As características que atribuímos ao agente despoletador da cobertura
fotojornalística dos acontecimentos ("fonte") promovem também a figuração na agenda dos acontecimentos por
si activados, em detrimento dos restantes.

Os critérios de fotonoticiabilidade

Desde a pesquisa original de White, a partir da ideia de Kurt Lewin, que se começou a considerar a selecção de
informação como um processo complexo e de natureza frequentemente esquiva e opaca. Sob a pressão do
tempo e de outras pressões eventuais (público/audiência, chefias/hierarquia, poderes, fontes, espaços a ocupar,
etc.), os jornalistas necessitam de seleccionar alguns acontecimentos de uma gama enorme e heterogénea para
os transformar em notícia. Para tal, como se constatou principalmente através do estudo pioneiro de Galtung e
Ruge, os jornalistas recorrem, conscientemente ou não, aos chamados critérios de noticiabilidade, relevância ou
de valor-notícia, que correspondem, ao fim e ao cabo, às características valorativas de certos factos que
permitem a sua transformação em notícia.

Um dos objectivos da nossa investigação foi, então, a partir do produto fabricado (as fotonotícias), procurar
descobrir quais são os news values relativos ao conteúdo que são valorizados e integrados no processo de
fabrico fotonoticioso da Lusa e que os fotojornalistas aportam para o seu trabalho. Tornou-se, evidentemente,
também necessário levar em linha de conta que a especificidade do medium e da Agência Lusa enquanto
organização poderiam gerar critérios de noticiabilidade específicos, bem como que critérios comuns noutros
campos jornalísticos poderiam não surgir associados ao fotojornalismo tal qual a actividade é empreendida na
Lusa.

Definir critérios de fotonoticiabilidade não é tarefa fácil. Eles têm uma natureza esquiva e opaca que, para os
fotojornalistas, por exemplo, tem a ver com as imprecisas ideias "do que é importante" e da "intuição (do 'faro')
para a fotonotícia". Na nossa perspectiva, a socialização, a aculturação e a aprendizagem pelo acerto/erro e pela
imitação levam os fotojornalistas realmente a intuir, sem saberem explicar muito bem, aquilo que deles se
pretende.

As questões que nortearam este espaço de pesquisa foram, então, as seguintes: será que os valores-notícia
nessas fotografias são os que tradicionalmente se atribuem à actividade jornalística, os que enfatizam qualidades
como o momento, a intensidade, a proximidade, a consequência, a proeminência social ou o interesse humano?
E, pelo facto de a Lusa ser uma Agência em parte dependente do Estado, será que as fotos e as situações nelas
representadas apresentam valores-notícia específicos, como a institucionalidade?

Para o presente item foram estabelecidas categrias a priori, mas não se excluiu, de início, a eventual
necessidade de estabelecimento de categorias de análise a posteriori. De facto, os critérios de noticiabilidade
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são algo voláteis e, como referimos, quer a especificidade do medium quer a especificidade da Lusa enquanto
organização podem originar valores-notícia específicos que escapariam necessariamente às categorizações mais
tradicionais. As categorias estabelecidas (isto é, os critérios de valor-notícia pesquisados) são as indicadas no
quadro 11.

Pensámos, em incluir nos critérios de noticiabilidade especificamente fotojornalísticos a emoção. Porém, a


emoção tende a mesclar-se demasiado com o interesse humano para poder ser considerada um critério
fotojornalístico de valor-notícia.

Intensidade ou magnitude Um acontecimento de grande dimensão, em que os actores sejam personalidades


notórias, cujas consequências sejam importantes ou que implique grande número de pessoas, por exemplo, tem,
à partida, bastantes hipóteses de ser coberto.

Surpresa Um acontecimento surpreendente e inesperado, original, é potencialmente mais noticiável.

Proximidade A proximidade, entendida de forma geral (geográfica, cultural,…), é provavelmente o mais


referenciado dos critérios de noticiabilidade.

Continuidade É provável que os desenvolvimentos de um acontecimento fotonoticiado também sejam cobertos.

Previsibilidade Quando um acontecimento é previsível, tem mais hipóteses se ser noticiado, já que os órgãos de
Comunicação Social lhe podem afectar recursos humanos.

Redundância A repetição de determinados actos ao longo dos anos (por exemplo, as comemorações do Dia de
Portugal) tornam os acontecimentos passíveis de serem noticiados.

Curiosidade A curiosidade peculiar de um determinado acontecimento (por exemplo, ser excêntrico) pode levar
à sua cobertura.

Proeminência social Os news media tendem a atentar nas figuras públicas, enquanto as figuras não públicas têm
de se fazer notadas para que as suas acções e ideias sejam reportadas.

Interesse humano A definição do interesse humano enquanto critério de noticiabilidade é difícil, mas
corresponde à informação que é poderosa pelas suas qualidades humanas e não pelo seu valor noticioso em si.

Institucionalidade O carácter institucional do assunto parece ser um critério de noticiabilidade na Agência Lusa.

Conflito Reportar o confronto, sejam os intervenientes pessoas, outros seres vivos, forças da natureza ou
objectos inanimados, parece ser um critério de noticiabilidade.

Oportunidade Definimos oportunidade em fotojornalismo como a captação da acção no instante visualmente


"forte" e irrepetível em que os elementos na foto se conjungam num todo significante.

Exclusividade A exclusividade tem a ver com o scoop que todo o foto-repórter pretende obter: neste caso, a
fotografia exclusiva, em primeira mão.

Valor da imagem É provável que o valor imagético de um acontecimento possa ser um critério especificamente
fotojornalístico (ou dos media visuais) de noticiabilidade. Por valor da imagem entendemos a valorização do
conteúdo visual da foto, mesmo em detrimento do conteúdo informativo.

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Como método específico de análise, foram registados para cada fotografia e cada tema os valores-notícia que
nos pareceram que a foto apresentava em função do acontecimento representado. Como cada fotografia pode
apresentar mais do que um critério, a frequência total destes é superior ao número de fotos. Os números e
percentagens constam dos quadros 12A e 12B.

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Quadro 12A

Valores-notícia usados na selecção fotonoticiosa (em número de fotos seleccionadas)

Número de vezes
Percentagens
em que o critério

foi usado
Intensidade ou magnitude 80 (em 65% das fotos) 17,13%

Surpresa 3 (2,43%) 0,64%

Proximidade 123 (100%) 26,34%

Continuidade 84 (68,29%) 17,99%

Previsibilidade 118 (95,93%) 25,28%

Redundância 2 (1,62%) 0,43%

Curiosidade 1 (0,81%) 0,21%

Proeminência social 24 (19,51%) 5,14%

Interesse humano 7 (5,69%) 1,50%

Institucionalidade 6 (4,88%) 1,28%

Conflito 15 (12,2%) 3,21%

Oportunidade 2 (1,63%) 0,43%

Exclusividade 1 (0,81%) 0,21%

Valor da imagem* 1 (0,81%) 0,21%

TOTAIS 467 100%

*Não aplicámos o critério às fotos de desporto espectaculares e fortes. Mas, se o aplicássemos o critério a essas
fotos, o valor da imagem teria sido usado para a selecção de mais quinze fotos (12,19% das fotos) e a
percentagem ascenderia a 3,31%.

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Face aos dados apresentados no quadro 12A, estamos em condições de concluir o seguinte:

a) A proximidade, seja temporal (momento do acontecimento), geográfica, psico-


afectiva ou social foi um critério usado para valorar os eventos representados em todas
as fotografias, tendo sido, assim, usado 123 vezes; a proximidade era, desta forma, o
principal critério de noticiabilidade usado no processo de fabrico da foto-informação
da Agência noticiosa nacional, o que vai de encontro às expectativas que tinhamos;

b) Em segundo lugar, verificamos que a previsibilidade de um acontecimento era o


segundo mais importante critério de noticiabilidade (inversamente, a surpresa só foi
usada como critério de valor-notícia em três ocasiões); o fotonoticiário da Lusa
assentava assim, principalmente, em acontecimentos próximos e previsíveis; tal facto
indicia não só que a rede de captura do acontecimento (verdadeiro: notório e
imprevisto) era realmente defeituosa como também demonstra a existência de rotinas:
"(…) cuando se dispone de un conjunto de valores de noticiabilidad y, además, se tiene
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prevista la mayor parte de las noticias que de acuerdo con esos valores se han de
producir, aquella árdua tarea que consistía en discriminar los acontecimientos de la
realidad, obtener un principio de permanencia, y seleccionar un número finito de los
mismos, queda reducida a una operación mucho más simple y menos arriesgada; con
ello, además, se gana en eficiencia y velocidad, dos de las más acendradas virtudes de
un periodista (…)"(14); acresce ainda que a dominância da previsibilidade permite aos
fotojornalistas encarar a jornada produtiva mais sossegadamente e assegurar à empresa
um menor número de custos na produção diária, que lhe é exigida, de um fotonoticiário
para os clientes; é importante também realçar que toda a foto-informação prevista na
agenda foi realizada, pelo que, pelo menos no período em análise, não houve lugar à
exclusão de assuntos previstos;

c) Os desenvolvimentos de um acontecimento também tenderam a ser valorizados


como elemento conferidor de valor-notícia; daí que em 84 fotos esteja presente o
critério da continuidade; de qualquer modo, é de assinalar que essa relevância do
critério da continuidade se deveu quase exclusivamente a dois acontecimentos: a
campanha eleitoral e as eleições presidenciais na Guiné-Bissau e a Volta a Portugal em
Bicicleta;

d) As fotografias que avaliámos como remetendo para o critério da intensidade ou


magnitude de um acontecimento coincidiram, grosso modo, com as fotos da campanha
eleitoral na Guiné Bissau, um evento que disse respeito a todo um povo e que envolveu
milhares de pessoas, e a Volta a Portugal em Bicicleta, que envolveu muitos indivíduos
de vários locais; estivemos indecisos em considerar certos jogos de futebol como
acontecimentos que remeteriam para o valor-notícia em causa, mas não o fizemos
porque os jogos de futebol de Agosto tiveram pouco público e tratava-se, na sua
grande maioria, de jogos de preparação e de pequenos torneios, embora alguns deles
envolvessem equipas como o Sporting;

e) Contrariamente às nossas expectativas, ao iniciarmos a pesquisa, a


institucionalidade e a proeminência social não foram critérios de relevância foto-
informativa significativamente usados, embora este resultado possa estar deformado
pelo peso que teve a cobertura da Volta a Portugal em Bicicleta no conjunto da
produção e pela época do ano em que se realizou a investigação; se tal não tivesse
ocorrido, seria, hipoteticamente, verificável que o carácter institucional da informação
era, na Lusa, um critério de noticiabilidade;

f) O conflito foi um critério de selecção usado essencialmente nas fotografias de


futebol, nas quais se representam quase sempre jogadores das duas equipas que se
opõem; não houve, por este prisma, uma espectacularização da foto-informação;

g) O interesse humano, um valor muito peculiar das feature photos, também não é um
news value significativo no que respeita ao conjunto da produção fotonoticiosa da
Agência;

h) Os critérios de valor-notícia podem conjugar-se de várias maneiras e terão


igualmente uma hierarquia flexível, excepto, provavelmente, no que respeita à
proximidade (que nos parece ser o mais importante) e, de algum modo, à
previsibilidade; estes parecem-nos os critérios mais importantes, pois estão quase
sempre presentes;

i) Os restantes critérios de noticiabilidade investigados tiveram, durante o período,


aplicações meramente residuais; mesmo o critério valor da imagem, se não
ponderarmos algumas fotos de desporto, foi usado uma única vez, o que demonstra que
o interesse visual foi tendencialmente subordinado a um interesse puramente noticioso-
ilustrativo.

A dominância de certos critérios de noticiabilidade contribui para racionalizar o processo produtivo


fotonoticioso e para que este decorra sem grandes sobressaltos e complicações, mas, em contrapartida, gera uma
certa padronização, uma certa homogeneização do produto oferecido aos clientes. Contribui também para que,
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na prática, seja sempre oferecido um fotonoticiário mais ou menos tematicamente diversificado aos clientes,
mais ou menos independentemente das circunstâncias da realidade social.

Se existem critérios de noticiabilidade, entramos, por outro lado, na órbita das ideologias, no presente caso das
ideologias profissionais. O desejo da Agência é servir os interesses dos órgãos de Comunicação Social seus
clientes, oferecendo um produto que agrade não só aos responsáveis editoriais dos jornais e revistas mas
também ao público destes. Logicamente, isto impõe determinados limites (o produto tem de ser concebido para
agradar ao Público, mas também ao Correio da Manhã), que, segundo pensamos, se foram cristalizando, em
parte, na prevalência de certos news values sobre outros. A integração destes valores por parte dos
fotojornalistas teria decorrido por força da socialização e aculturação destes na empresa. A socialização e
aculturação dos fotojornalistas na Lusa teria-os feito abrir-se aos valores e ideias que encontraram na
organização.

Os fotojornalistas da Lusa trabalhavam, assim, com o fito de fabricar um produto adaptado àquelas que eles
consideravam ser as exigências dos responsáveis editoriais dos clientes e do público, poupando dinheiro à
Agência (aliás, pudemos, no período de observação participante, constatar o cuidado dos elementos do Serviço
de Fotonotícia em não gerar custos acrescidos à Lusa: chegaram até a fazer comentários à utilização do telefone
do serviço pelo observador). O que se passa, porém, é que os interesses dos clientes e das audiências inferidos
pelos fotojornalistas nem sempre coincidem com os seus interesses reais, embora o grau de dissonância deva
variar de órgão para órgão de Comunicação Social e de público para público. Daí que nem todas as fotonotícias
oferecidas pela Agência sejam publicadas nos news media clientes, embora haja que contar também com a
produção própria destes e com as organizações noticiosas concorrentes da Lusa. Além disso, no mesmo campo,
é possível ainda que os valores-notícia que a comunidade interpretativa dos fotojornalistas concebe como sendo
os do público sejam, antes de mais, os próprios valores dessa comunidade interpretativa.

Parece-nos, ainda, que a tensão pode constituir-se como um news value dificilmente quantificável, mas
especificamente fotojornalístico, já que valoriza imagens com mais-valia de efeito. Porém, não se pode
confundir esta tensão com a representação da acção. Quando falamos em tensão, referimo-nos à atmosfera
criada, isolada ou simultaneamente, por expressões faciais, por certos gestos, ou pela oposição entre forças de
sinal contrário ou entre pessoas (jogos de futebol, etc.). Por vezes, a acção funcionará mesmo como um suporte
da tensão e da emoção, por vezes traumática (certos acidentes, por exemplo), que emana das fotos.

Também poderíamos falar de outros valores-notícia, em consonância com as ideias que Gans transmitiu no seu
livro de 1980, Deciding What's News.

Pelo menos em três fotografias da Volta a Portugal, por vezes nota-se uma intenção de o fotojornalista João
Trindade partilhar com o leitor a viva paisagem campestre, cuja tranquilidade é rompida pela passagem dos
ciclistas. É possível falarmos, então, de um valor fotonoticioso que poderíamos denominar por nostalgia
campestre, à semelhança do valor do small town pastoralism que o sociólogo norte-americano identificou
(Gans, 1980).

A atenção dada aos protagonistas dos acontecimentos, particularmente no caso das figuras-públicas, sugere-nos
o valor do individualismo, pelo menos no que respeita ao culto da individualidade nas sociedades
contemporâneas. Mas também nos sugere o valor da liderança e o desejo de ordem social, devido ao destaque
dado aos governantes e líderes partidários, sindicais e empresariais.

Por outro lado, a cobertura de negociações, como as negociações entre a central sindical CGTP e a
confederação patronal CIP, parecem decorrer de um desejo de moderação, que se transfigura num critério de
fotonoticiabilidade.

Finalmente, a cobertura fotográfica das eleições guineenses revela alguns indícios de etnocentrismo: o repórter
fotográfico Manuel de Moura, apesar da qualidade que se reconhece ao seu trabalho, procurou reportar quase
em exclusivo exactamente os mesmos actos que se passariam em qualquer país democrático: o momento dos
votos, os comícios, os líderes discursando, etc. Provavelmente, porém, haveria muito mais a transmitir pelas
imagens do que a repetição das representações fotográficas do mesmo tipo de ocorrências. Mas Manuel Moura
terá sido constrangido pela organização Lusa ("as eleições cobrem-se de uma determinada maneira e não de
outra"), pela percepção que ele tinha do tipo de fotografias que os clientes desejavam e pela tirania do factor
tempo.

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Para terminar, julgamos que se a Volta a Portugal for coberta de ano para ano, e apesar de a cobertura ter
também a ver com o impacto da "passagem dos ciclistas" em todo o País, o fenómeno poderá estar relacionado
com uma concepção cíclica do tempo e com o mito do eterno regresso — o que se repete ciclicamente, coberto
uma vez, tenderá a ser sempre coberto.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 12 B

Valores-notícia usados na selecção fotonoticiosa (em número de assuntos)

Número de vezes Percentagens


em que o critério

foi usado
Intensidade ou magnitude 23 (46% dos temas) 10,95%

Surpresa 3 (6%) 1,43%

Proximidade 50 (100%) 23,80%

Continuidade 23 (46%) 10,95%

Previsibilidade 47 (94%) 22,38%

Redundância 1 (2%) 0,48%

Curiosidade 1 (2%) 0,48%

Proeminência social 21 (42%) 10%

Interesse humano 5 (10%) 2,38%

Institucionalidade 6 (12%) 2,86%

Conflito 6 (12%)* 2,86%

Exclusividade da cobertura 1 (2%) 0,48%

Valor provável das imagens 23 (46%) 10,95%

TOTAIS 210 100%

*Se incluíssemos a Volta a Portugal, o número ascenderia a 20 temas (40% dos temas), mas não nos parece que
a Volta a Portugal em Bicicleta, ao contrário do futebol, por exemplo, evoque o conflito, apesar do espírito
competitivo que lhe está associada.

___________________________________________________________________________________________

Se avaliássemos a utilização dos critérios de noticiabilidade em função dos eventos seleccionados para
cobertura, verificamos que continua a ser a proximidade aquele que é mais valorizado (100% dos temas),
embora a previsibilidade não fique muito atrás (94%). Contudo, verificamos igualmente que, avaliando a
fotonoticiabilidade pelo número de assuntos seleccionados, cresce em importância o critério do valor (provável)
das imagens que sobre esse assunto poderão ser feitas (46% dos temas), o que vem dar força à ideia que, mesmo
seleccionando assuntos a reportar em função do seu interesse visual, os fotógrafos da Lusa, devido às rotinas, à
hipotética indigência visual dos eventos e aos constrangimentos, nomeadamente aos constrangimentos
temporais, bem como a outras eventuais razões, fabricam foto-informação visualmente empobrecida. Assim,
alguns assuntos podem ser seleccionados em função do seu potencial de visualidade, mas as fotografias sobre
esses mesmos temas raramente oferecerão expressividade visual suficiente para serem seleccionadas.

Em função dos dados expostos no quadro 12B, nota-se também que critérios como a intensidade e a
continuidade baixam significativamente em importância, quando se trata da variável "selecção dos assuntos", ao

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contrário da proeminência social, principalmente, mas também da institucionalidade e do interesse humano.

Conteúdos

As análises de conteúdo a que seguidamente procederemos, os números e percentagens são baseados nas fotos
realizadas pelos fotojornalistas da Lusa (Lisboa), embora, por vezes, façamos referências às fotografias
enviadas pelas delegações, para comparação. De qualquer modo, deixámos para investigação posterior a
comparação que poderá fazer-se entre a produção fotojornalística da sede da Agência e a produção das
delegações.

Aproveitamos para relembrar, a título recontextualizante, que o objectivo geral das presentes análises de
conteúdo é, a partir do produto, descrever as tendências que conformaram e orientaram a produção fotonoticiosa
na Agência Lusa nos primeiros catorze dias de Agosto de 1994.

É preciso ter em atenção que estudos como este respeitam somente ao conteúdo das fotos, não à forma como
estas são usadas em relação com o texto e integradas na solução global de design na Imprensa. As tabelas
sistematizam apenas os dados obtidos durante os períodos entre 1 e 14 de Agosto de 1994 (fotos) e entre 2 e 15
de Agosto de 1994 (jornais), neste último caso porque as fotografias produzidas no dia 14 de Agosto só foram
publicadas, quando o foram, no dia 15.

A) Tipologia das ocorrências cobertas

Podemos considerar que nem todos os factos notáveis e jornalisticamente percepcionados como devendo ser
objecto de cobertura são "verdadeiros" acontecimentos. Os "verdadeiros" acontecimentos distinguir-se-iam pelo
seu carácter de imprevisibilidade. Ao contrário, os pseudo-acontecimentos, na designação de Boorstin, são
acontecimentos fabricados, provocados, preparados para serem objecto de cobertura jornalística. As
conferências de Imprensa seriam um tipo de pseudo-acontecimentos. Existiriam ainda, na versão de Katz, os
acontecimentos mediáticos, isto é, os acontecimentos preparados para serem objecto de cobertura mediática (ou
em que a cobertura mediática é um objectivo, sendo concedidas facilidades de trabalho à Imprensa) mas que
ocorreriam mesmo sem a presença da Comunicação Social.

Interessa, assim, averiguar quais os tipos de ocorrências, ou, de uma forma geral, de acontecimentos, a que o
fotojornalismo-Lusa se encontra mais vinculado. Para o efeito, distribuímos as fotos e os temas pelas categorias
"Acontecimentos Imprevistos" (os "verdadeiros" acontecimentos), "Pseudo-acontecimentos", "Acontecimento
Mediáticos", e "Outros Eventos" (acontecimentos de difícil enquadramento em qualquer das restantes
categorias), dando conta, a partir daí, da sua relevância.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 12

Tipos de ocorrências cobertas pela Lusa

Aconteci- Aconteci- Pseudo- Pseudo- Aconteci- Aconteci-

mentos mentos acontecimen- acontecimen- mentos mentos

imprevistos imprevistos tos tos mediáticos mediáticos

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL DE
3 2,43% 5 4,07% 115 93,5%
FOTOS

(123,100%)
TOTAL DE
3 6% 5 10% 42 84%
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TEMAS

(50, 100%)
Nota: todas as ocorrências puderam ser categorizadas em "Acontecimentos imprevistos", "Pseudo-
acontecimentos" e "Acontecimentos Mediáticos"; nenhuma ocorrência foi classificada em "outros eventos".

__________________________________________________________________________________________

No período analisado, a cobertura da Lusa centrou-se nos acontecimentos mediáticos, embora a relevância deste
tipo de ocorrências esteja directamente relacionada com o destaque dado ao desporto profissional (disputa
simbólica). Em segundo lugar, mas a uma muito grande distância, surgem-nos os pseudo-acontecimentos, todos
eles conferências de Imprensa de responsáveis políticos e de dirigentes económicos e sindicais. Os
"verdadeiros" acontecimentos, que, apesar de tudo, se impõem à burocracia jornalística por força da nossa
cultura, são quase insignificantes no leque do produto, o que pode denotar menos um desprezo intencional do
que a incapacidade de dar resposta ao imprevisto, devido à insuficiência dos recursos humanos e aos "buracos"
na rede organizada para capturar os acontecimentos.

B) Conteúdo temático

___________________________________________________________________________________________

Quadro 13

Fotos por área temática

Número Percenta- Posição Número Percenta- Posição


gem gem
de hierárquica de hierárquica
fotos temas**
NACIONAL/POLÍTICA 12* 9,76% 3 9,5*** 19% 2

INTERNACIONAL 14* 11,38% 2 9,5*** 19% 2

ECONOMIA/ 6 4,88% 5 6 12% 5

TRABALHO

SOCIEDADE/DIVERSOS 10 8,13% 4 7 14% 4

CULTURA 0 0 6 0 0 6

DESPORTO 81 65,85% 1 18 36% 1

*Inclui a repartição de quatro fotos (Nacional: duas fotos; Internacional: duas fotos) sobre a visita de John
Major, em férias, a Cavaco Silva. Se considerassemos o assunto como sendo unicamente "Nacional", esta
última categoria trocaria com "Internacional" todos os valores.

Uma das fotas de "Nacional" é de importância local.

**Os números desta coluna incluem temas únicos tratados em dias sucessivos, como a Volta a Portugal em
Bicicleta (todos os dias, pelo que este tema único tem um contributo de catorze para o total de temas de
"Desporto") e a cobertura da campanha eleitoral e eleições na Guiné-Bissau (nove dias, pelo que este tema
único tem um contributo de nove para o total de temas de "Internacional").

***Inclui "meio-tema", pois resulta da visita de John Major, em férias, a Cavaco Silva.

___________________________________________________________________________________________

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Da análise dos dados, a primeira impressão que nos chega é o destaque desproporcionado que foi dado ao
desporto no seio da produção fotonoticiosa de Verão da Lusa. É provável que este destaque se tenha devido aos
pedidos dos clientes, graças ao crescendo da função de "entretenimento" dos órgãos de Comunicação Social:
como existiam um elevado número de manifestações desportivas, algumas de longa duração (o que tornaria
inclusivamente cara a sua cobertura constante), e como parte dos fotojornalistas estaria de férias, os órgãos de
Imprensa necessitaram eventualmente de atribuir a cobertura de alguns desses eventos à Agência. A
desproporção temática pode ter trazido ainda um outro inconveniente: sustentar o mito absurdo de que "no
Verão não há notícias" (notícias sobre o sistema político-institucional, esclareça-se).

A importância de "Nacional" e "Internacional" foi similar, mas a valoração do "Internacional" foi relativa, já
que uma ocorrência excepcional, as eleições presidenciais na Guiné-Bissau, foi coberta durante vários dias pela
Lusa. De qualquer modo, e como se verifica pela importância dada ao "Nacional", que seria ainda mais
substancial se ignorássemos os eventos "Volta a Portugal" e "Eleições na Guiné", o fotojornalismo era usado,
pelo menos em parte, como um instrumento funcional do poder, providenciando, em grande medida,
representações desse mesmo poder, amplificando-o e naturalizando-o. É preciso, porém, fazer igualmente notar
que esta apetência pelo poder político se inscrevia parcialmente num quadro de racionalização e rotinização do
sistema produtivo fotojornalístico na Agência Lusa, já que facilitava a selecção dos temas a cobrir, auxiliava a
manter um fluxo constante de fotonoticiário e credibilizava a foto-informação. Esta credibilização, em parte,
decorria, estamos em crer, da chamada Lei do Emissor, segundo a qual quanto mais "elevada" for a fonte aos
olhos do receptor (neste caso, quanto mais "elevada" fosse a posição dos actantes representados nas fotos aos
olhos do receptor) mais credível é a mensagem. A atenção dada ao "Nacional", com especial destaque para
assuntos políticos, alguns mais ou menos inócuos (como visitas protocolares), pode ter também a ver com a
proximidade da Lusa em relação ao sistema político-institucional.

Verifica-se igualmente que os protagonistas do star system político-institucional mantiveram, mesmo no Verão,
um acesso facilitado aos news media. Aliás, é comum jornais e revistas "perseguirem" mesmo esses
protagonistas em férias, recheando o seu conteúdo de crónicas sociais e fait-divers sobre o descanso desses
beneficiados do sistema.

Poder-se-á prever ainda, face aos dados apresentados, que a falta de recursos humanos e a "falta de tempo"
tendencialmente afectariam menos a cobertura de "Desporto" e "Nacional" do que outras áreas temáticas.

Algo marginalizados foram os assuntos e protagonistas do sistema económico, incluindo sindicalistas e


dirigentes industriais e comerciais, e os assuntos culturais não mereceram mesmo qualquer abordagem
fotojornalística durante o período analisado. Como se vê também por aqui, o universo fotonoticioso
protagonizado pela Lusa não era o único possível, embora a sua manutenção o possa naturalizar como tal. E,
por outro lado, a imagem que o fotonoticiário da Lusa dava do mundo, além de fragmentada e tematicamente
desproporcionada, e também por isto mesmo, era uma imagem distorcida. Essa distorção, involuntária em maior
ou menor grau, radicava parcialmente, como vimos, nas rotinas existentes na fábrica de fotonotícias Agência
Lusa.

A avaliação temática, de uma forma mais detalhada, pode ser aferida em função das categorias que
apresentamos no quadro 14.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 14

Categorias para aferição temática

I - Fotografias violentas

Crime, polícia Actos criminosos e suas consequências, criminosos e suspeitos, polícias no exercício da sua
função, vítimas e cenas de crime, etc.

Terrorismo Actos terroristas e suas consequências, terroristas e suspeitos de terrorismo, acções policiais e
judiciais anti-terroristas, vítimas de terrorismo, tribunais destinados a julgar acções terroristas, etc.

Acidentes Desastres ocasionados pela acção humana, directa ou indirecta, em que intervenham ou não
instrumentos materiais, como automóveis ou aviões.

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Catástrofes naturais Desastres naturais devido às forças e imponderáveis da natureza, como terramotos e
incêndios, ainda que, neste último caso e em situações similares, possa haver acção humana.

Fotos relacionadas com a guerra Guerras, exercícios militares, militares em actividades militares ou
relacionadas.

Conflitos sociais e políticos Greves, manifestações, acções de protesto relacionadas com problemas sociais,
como cortes de estrada devido a salários em atraso, etc.

II - Fotografias não violentas

Assuntos políticos e diplomáticos Eventos relacionados com política, como reuniões do Governo, conferências
de Imprensa de políticos, campanhas eleitorais, eleições, negociações, reuniões em instâncias internacionais,
visitas de trabalho e representação, líderes políticos, etc. Incluem-se aqui as acções relacionadas com a
actividade político-económica do Governo e dos políticos de forma geral, bem como os actos e cerimónias
públicas, como inaugurações, etc.

Economia, trabalho e emprego Actividades sindicais não violentas, como negociações e conferências de
Imprensa, trabalhadores em actividade, actividades comerciais e industriais, actividades financeiras, turismo
enquanto actividade económica, agricultura, etc. Empresários, comerciantes, trabalhadores, economistas.
Actividades sindicais de professores, profissionais de saúde, etc, quando principalmente relacionadas com
salários e carreiras. Concertação social e acções similares.

Assuntos sociais Assuntos relacionados com a vida em sociedade, como a acção de organizações sociais
(grupos de moradores, associações, etc), quando não se enquadrem melhor noutras categorias.

Justiça e tribunais Fotos não violentas de assuntos de justiça, como julgamentos.

Desporto Actividades desportivas e para-desportivas e desportistas profissionais.

Viagens e turismo Fotografias de viagens ou que apelam às viagens e turismo (paisagens de lugares mais ou
menos exóticos, etc), do tipo das que invadem cada vez mais as revistas.

Eventos e figuras sociais Eventos da alta-sociedade, "figuras-bem", aniversários, casamentos, festas sociais, etc.
Inclui actores, desportistas, artistas, políticos, etc, desde que desempenhando um papel social.

Eventos culturais e de entretenimento Artes e letras e figuras relacionadas no exercício de actividades artísticas
e culturais: música, teatro, dança, cinema, etc. Incluem-se aqui certames do tipo "feira do livro".

Educação/escolas/formação Tudo o que se relaciona com o sistema educativo e a formação, incluindo


actividades reivindicativas e similares das associações de estudantes. Actividades dos sindicatos de professores
relacionadas com o processo educativo. Congressos, seminários, etc.

Saúde/medicina Hospitais, médicos e outros profissionais de saúde, intervenções médicas e cirúrgicas e tudo o
que, de uma forma geral, tem a ver com a saúde individual e pública.

Religião Serviços religiosos e outras actividades relacionadas com a religião. Indivíduos religiosos.

Ciência e tecnologia Descobertas científicas e técnicas, actividades relacionadas com a investigação científica e
tecnológica, etc. Cientistas.

Interesse humano Fotos de luto, luta contra a adversidade, problemas sociais não relacionados "directamente"
com o desemprego, como a prostituição, lazer (ocupação de tempos livres, desporto amador, hobies,etc), vida
diária, obituários, etc.

Moda Desfiles de moda e actividades relacionadas com a moda. Estilistas e costureiros.

Ambiente/ecologia/meio Poluição, ameaças ao meio ambiente e equilíbrio eológico, população, etc. Animais e
plantas selvagens nos seus habitats.
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Arquitectura e meio urbano Edifícios, ruas, etc.

Animais Animais domésticos, animais abandonados e sem dono nas ruas, animais em jardins zoológicos, etc,
mesmo quando a intenção é a denúncia. Animais apreendidos por venda ilegal.

Plantas Plantas domésticas ou presentes em jardins botânicos, parques urbanos, etc, mesmo quando a intenção é
a denúncia.

Paisagens e natureza Paisagens não industriais ou urbanas, natureza "selvagem", parques naturais, montanhas,
termas, etc.

Máquinas (excepto meios de transporte) Máquinas industriais e outras como motivo principal .

Automóveis Automóveis como motivo principal.

Meios de transporte motorizados Meios de transporte não automóvel como motivo principal: barcos, navios,
autocarros, camiões, aviões.

Objectos e produtos de consumo Todo o tipo de objectos e produtos de consumo.

Objectos/produtos apreendidos Droga, armas, etc, apreendidas pela polícia. Objectos e produtos apreendidos
pela Inspecção das Actividades Económicas.

Singularidades e excentricidades Motivos cujo interesse se deve unicamente à sua singularidade. Pessoas
excêntricas.

Não categorizados

___________________________________________________________________________________________

Vejamos, então, pelo quadro 15, a partir da página seguinte, o peso relativo de cada um dos temas.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 15

Fotos por tema

Número Percentagem Posição Número Percentagem Posição

de fotos hierárquica de temas* hierárquica


Crime, 0 0% — 0 0% —
polícia
Terrorismo 0 0% — 0 0% —

Acidentes 2 1,63% 4 2 4% 3
Catástrofes
0 0% — 0 0% —
naturais
Fotos relacio-
0 0% — 0 0% —
nadas com

guerra
Conflitos
2 1,63% 4 2 4% 3
sociais e

políticos
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Assuntos 26 21,13% 2 18** 36% 1


políticos e

diplomáticos
Economia,
6 4,88% 3 6 12% 2
trabalho

e emprego
Justiça e
0 0% — 0 0% —
tribunais
Assuntos
1 0,81% 5 1 2% 4
sociais

Desporto 81 65,85% 1 18 36% 1


Viagens
0 0% — 0 0% —
e turismo
Eventos e
0 0% — 0 0% —
figuras

sociais
Eventos culturais e de
0 0% — 0 0% —
entreteni-

mento
Educação/
0 0% — 0 0% —
escolas/

formação
Saúde e
0 0% — 0 0% —
Medicina
Religião 0 0% — 0 0% —
Ciência e
0 0% — 0 0% —
tecnologia
Interesse
0 0% — 0 0% —
humano

Moda 0 0% — 0 0% —
Ambiente/
0 0% — 0 0% —
ecologia/

meio
Arquitectura
2 1,63% 4 2 4% 3
e meio

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urbano
Animais 1 0,81% 5 1 2% 4
Plantas 0 0% — 0 0% —
Paisagens e
0 0% — 0 0% —
natureza

Máquinas 0 0% — 0 0% —
Automóveis 0 0% — 0 0% —
Meios de
0 0% — 0 0% —
transporte

motorizados
Objectos e
0 0% — 0 0% —
produtos de

consumo
Objectos e
0 0% — 0 0% —
produtos

apreendidos
Singularidades
2 1,63% 4 0*** 0% —
e
excentricida-

des
Não
0 0% — 0 0% —
categorizados

*Os números desta coluna incluem temas únicos tratados em dias sucessivos.

**Recorde-se que foi incluída aqui a cobertura da campanha e eleições presidenciais guineenses, que decorreu
ao longo de vários dias.

***Em singularidades/excentricidades foram incluídas duas fotografias de pessoas comuns envolvidas em


cobertores enquanto viam passar os ciclistas perto da Torre, na Serra da Estrela, assumindo posturas peculiares,
castiças e até mesmo pitorescas. Essas fotos contabilizaram-se no tema "Volta a Portugal em Bicicleta".

___________________________________________________________________________________________

Pelo quadro atrás, nomeadamente se comparado com o anterior, verificamos que, na maior parte dos casos, as
análises coincidem. Todavia, pensamos que é importante chamar a atenção para os seguintes pontos:

a) O desporto, por esta divisão temática, continua a ser um dos assuntos com maior
relevância fotojornalística no que respeita ao número de fotos. Todavia, o tema
"Eleições Presidenciais na Guiné-Bissau" inflacionou a relevância temática de
"Assuntos políticos e diplomáticos", ao ponto de este último tema igualar a
importância temática do desporto.

b) Os acontecimentos "verdadeiros", imprevistos, estão algo alheados da cobertura


fotojornalística da Lusa, hipoteticamente devido aos "buracos" na rede destinada à sua
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captura. É por isso que a categoria "acidentes", por exemplo, é quase insignificante,
especialmente quando comparada com temas que indiciam pseudo-acontecimentos ou
acontecimentos mediáticos, como os temas políticos e desportivos.

c) As representações de violência são também em número reduzido. Daí que a


cobertura fotojornalística da Lusa construa um mundo referencial e simbólico mais ou
manos pacífico e tranquilo. De qualquer modo, é preciso que se note que esta imagem
do mundo talvez seja menos dissonante da realidade do que o mundo (simbólico)
extraordinariamente violento que é oferecido nos telejornais e em certos órgãos da
Imprensa (escrita).

d) A economia, talvez o principal motor de desenvolvimento de um País, e os temas


correlacionados do trabalho e do emprego não mereceram uma cobertura relevante, ao
contrário das nossas expectativas. De facto, pensávamos que a Lusa, dado o seu
carácter de Agência participada pelo Estado, teria um papel mais relevante nesse
campo, inclusivamente como elemento destinado a incutir confiança nos agentes
económicos. Todavia, como o mundo simbólico construído pela cobertura
fotojornalística é, na sua essência, não violento, é provável que tal possa promover a
confiança dos investidores e empresários.

e) Os temas que poderiam ser tratados e não foram constituem uma lista demasiado
extensa para que se possa falar em diversidade e variedade temática. Assim sendo, pelo
menos no período analisado, a cobertura fotojornalística do "mundo" pela Lusa foi,
pelo menos, algo "monótona", "monocórdica", o que não é auspicioso para o
desenvolvimento polifónico do sistema democrático. Sob este prisma, a total
ignorância fotojornalística da educação/formação, outro dos motores de
desenvolvimento dos países, a acreditar nas análises que têm vindo a ser dadas à luz,
especialmente pela Imprensa, parece-nos ainda mais prejudicial aos interesses de
Portugal e da própria democracia;

f) A atenção fotonoticiosa foi concentrada em notícias respeitantes a acontecimentos


(hard news) cuja divulgação deveria ser rápida (hot news), como as referentes aos
acontecimentos desportivos e aos acontecimentos políticos e económicos, como visitas
protocolares, conferências de Imprensa, inaugurações, reuniões negociais, etc.; por
vezes também se realizaram soft news "frias" (isto é, de importância relativa em torno
do conceito de actualidade), de que são exemplo as feature photos dos casos singulares
das pessoas envolvidas em cobertores na Serra da Estrela e outros fait-divers, como a
Chita operada no Jardim Zoológico de Lisboa; acidentes, conflitos sociais e outras
hard news fortes e "quentes" só tiveram expressão em quatro fotografias.

De qualquer modo, é preciso notar que, se ignorássemos o desporto, a produção fotonoticiosa da Lusa, no
período analisado, denotaria principalmente uma hegemonização da política e da economia no campo
fotojornalístico. Por um lado, tal revela a importância do sistema decisório nas sociedades democráticas. Por
outro lado, porém, as negociações permanentes entre o poder jornalístico e os poderes político e económico não
evitam uma certa subalternização do primeiro aos segundos, e, assim, a manutenção do espectro da fotonotícia
dentro da esfera de interesses do poder, do statu quo. O domínio do político-institucional decorre também do
uso como campo de batalha que os poderes políticos fazem dos news media: na Lusa. O jornalismo vai-se
tornando o "quarto do poder", atenuando-se o seu papel de contrapoder, de agente de vigia dos poderes.

É por essa razão que pseudo-acontecimentos como as conferências de Imprensa da generalidade dos partidos
são para cobrir, mesmo que pouco ou nada adiantem e não se inscrevam senão numa estratégia de não deixar
sem resposta questões acusatórias levantadas em conferências de Imprensa dos adversários. Isto não é mais do
que uma forma de manipulação ideológico-cultural, porventura incompreendida e não notada, mas que deixa
pouco espaço para os problemas profundos do Estado, das pessoas e do mundo, mesmo do mundo que nos é
próximo.

Ao promover um fotojornalismo centrado nas figuras-públicas do sistema político (em termos latos) e político-
institucional (se excluirmos o desporto), a Lusa oferece modelos de imitação, os que conseguiram "subir ao
cimo do pau de sebo", contibuindo, assim, para legitimar e sustentar o statu quo. A banalização discursiva é
relevada por essa atenção prestada às figuras do star system.
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26/03/2018 FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

No que respeita aos temas, nem o editor da fotonotícia nem os fotojornalistas controlam a ocorrência da maioria
dos eventos noticiáveis. Além disso, eles apenas cobrem, dos acontecimentos "disponíveis", os que eles julgam
que, à partida, terão espaço nos órgãos de Comunicação Social.

O desporto é um caso típico e resume-se sobretudo à cobertura do futebol profissional, de acontecimentos


tradicionais que mobilizam gente em muitos pontos do País, como a Volta a Portugal em Bicicleta, e de
acontecimentos de grande afluência, como o Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1. Resume-se, assim, à
cobertura do desporto profissional que envolve avultados meios financeiros, desprezando o desporto amador, o
desporto académico e o desporto-lazer.

A temática das viagens e turismo está estranhamente ausente na fotografia de uma Agência que, embora
noticiosa, pretende triunfar no mercado. Estamos convencidos de que a Lusa poderia satisfazer alguma procura
nacional de fotografias nesse domínio, já que as revistas outorgam-lhe grande relevo. O turismo e as viagens
funcionam na actualidade talvez quase como uma revivência das antigas migrações ou das peregrinações
medievais e tornaram-se num conferidor de status.

Temas profundos, como o impacto social do desemprego, as mudanças nos estilos de vida ou o equilíbrio
ecológico rompido, raramente ou mesmo nunca são abordados, a acreditar na amostra.

Há, pelo menos, um assunto que nos faz pensar nos efeitos das fotos da Lusa após a sua publicação. É que as
fotos têm efeitos, podendo estes ser pretendidos mas também não pretendidos. O que vamos referir não é,
portanto, uma crítica do tipo "preso por ter cão e preso por não ter", mas antes uma exploração exemplificativa
de uma aparente insignificância. O assunto é a constância das representações de ameaças à segurança (e a
segurança é um novo paradigma, um bem de primeira necessidade), bem patente nas fotos de acidentes ou
incêndios, por exemplo. Esta constância pode acentuar a ideia de insegurança e levar os cidadãos a reclamá-la.
Em excesso, as representações fotográficas de situações que sugiram insegurança pode, portanto, ser
problemática. Aliás, é forçoso notar que, usualmente, nas fotos difundidas de situações susceptíveis de gerar
insegurança se encontram representados ou os agentes da ordem ou os "socorros". A presença da "autoridade"
tem o condão de tranquilizar as pessoas, transformando-se, portanto, num elemento de apaziguamento
psicossocial. Todavia, as fotos violentas, como vimos, encontravam-se, pelo menos entre 1 e 14 de Agosto de
1994, algo ausentes da produção-Lusa. Ora, se é uma tendência do mercado da Comunicação Social prestar
cada vez mais atenção à violência, a orientação da produção da Lusa rema contra a corrente. E, se aqui rema
contra a corrente, também o poderá fazer prestando atenção a temas relevantes que raramente ou nunca são
abordados.

Sigal (1986, 12), em "Sources make the news", sustentava que as notícias são fundamentalmente sobre pessoas,
num valor que que pode ultrapassar os 90%. Logo, como conclui Rogério Santos (1997, 139), em A Negociação
entre Jornalistas e Fontes, de algum modo podem considerar-se que as "estórias" de interesse humano (num
sentido lato) são a personificação da notícia. Essa tendência parece também visível nas fotos fabricadas na Lusa
durante o período analisado, já que só uma fotografia (0,81%) não dizia directamente respeito a pessoas, mas a
um animal.

C) Papéis sociais dos sujeitos representados

Neste item, procuramos, através de uma análise de conteúdo, averiguar de que forma eram os diversos tipos de
sujeitos representados nas fotografias produzidas na Lusa. Visamos, sobretudo, perceber quais as representações
dos homens e das mulheres em sociedade que nos eram oferecidas pelo produto fotojornalístico da Lusa, e
damos conta dos resultados no quadro 17.

Atentar no sexo dos sujeitos fotografados mostrará, em princípio, se os fotojornalistas da Lusa e os critérios
editoriais da Agência valorizam de forma similar os homens e as mulheres. O objectivo desta análise é,
portanto, verificar até que ponto homens e mulheres têm direito a um tratamento equitativo e proporcional ao
seu peso social.

As categorias usadas para análise foram "Homens" e "Mulheres", por um lado, e os papéis sociais que
definimos no quadro 16, por outro. Optou-se por avaliar o número de sujeitos fotografados e não de fotos, pelo
que o primeiro número é superior ao segundo.

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Os resultados encontram-se expressos no quadro 17.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 16

Definição do papel social dos sujeitos fotografados*

Político/Funcionário público superior Políticos e funcionários da administração pública de grau superior, locais
ou nacionais, fotografados enquanto agentes activos nessas áreas. Inclui: políticos, em campanha, conferências
de Imprensa, actividades governativas e administrativas, representação, etc; juízes; directores-gerais, sub-
directores gerais, embaixadores e outros funcionários superiores no exercício das suas funções.

Profissionais Profissionais ou para-profissionais fotografados enquanto tais. Inclui: religiosos em actividades


religiosas, artistas, militares, estudantes em actividades académicas, professores dirigentes de escolas, reitores e
voluntários, remunerados ou não, em actividades que se possam associar à ideia de profissão, como ecologistas
no exercício de uma acção que não seja de protesto de uma associação de defesa do ambiente.

Desportistas Desportistas profissionais e não profissionais praticando desporto. Inclui os treinadores e


agentes/dirigentes desportivos.

Celebridades em sociedade Celebridades e figuras públicas em actividades sociais ou de recreação pessoal.

Activistas/manifestantes Pessoas que protestam, representantes de manifestantes, lutadores por uma causa e
similares, grevistas, fotografados em conferências de Imprensa, discursos, manifestações e outras acções de
protesto/apoio. Inclui sindicalistas em actividade sindical, mesmo que negocial.

Dirigentes económicos Dirigentes comerciais, industriais, patrões, etc, em exercício de funções para-
profissionais, como negociações de concertação social, congressos, feiras, etc.

Criminosos ou suspeitos de crime Pessoas presas ou procuradas por violação ou suspeita de violação da lei.

Interesse humano Sujeitos fotografados enquanto "noticiáveis" por motivos de interesse humano: doentes,
deficientes, grávidas, vítimas de acidentes, familia e amigos de acidentados, testemunhas de crimes e similares.

Cônjuges Sujeitos fotografados unicamente devido a serem cônjuges de sujeitos noticiáveis. Inclui, por
exemplo, a Primeira-Dama e a esposa do primeiro-ministro no exercício de funções de representação do Estado,
actividades de beneficência, etc., quando acompanhantes dos maridos. De outra forma são categorizadas em
"políticos".

Crianças Sujeitos aparentemente com menos de 13 anos em actividades associadas à infância.

Outros Sujeitos não passíveis de inclusão nas restantes categorias, incluindo espectadores e passantes quando
protagonistas da foto.

*Adaptado de: Susan H. Miller (1975) — "The content of news photos: Women's and men's roles", 71.

Notas ao quadro 16:

1. Os sujeitos susceptíveis de incluir em várias categorias, como, por exemplo, os patrões, sindicalistas e
governantes que tomem parte numa reunião da Concertação Social, ou manifestantes e grevistas presos no
decorrer de actividades de protesto como corte de estradas e linhas férreas, são integrados nessas categorias
fraccionados em função da unidade foto. Exemplificando, se um trabalhador grevista for preso por organizar
uma acção de protesto que passe pela ocupação ilegal de uma fábrica, a classificação será 0,5 para a categoria
"activistas/manifestantes" e 0,5 para a categoria "criminosos e suspeitos de crime".

2. Os seguintes tipos de sujeitos não entraram na análise: espectadores e passantes, multidões não significantes,
excepto quando protagonistas.

Quadro 17

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Papéis sociais dos sujeitos representados nas fotografias produzidas

Homens Homens
Mulheres Mulheres

(Número) Percentagem (Número) Percentagem


em relação ao em relação ao
total de sujeitos total de

representados* sujeitos
representados*
TOTAL (390) 373 95,6% 17 4,36%

(100%) (100%)
Político ou
27** 6,92% 0 0%
funcionário
público
(7,24%)
superior

Profissionais 12 3,08% 4 1,03%

(3,22%) (23,53%)

Desportistas 295 75,64% 0 0%

(79,09%)
Celebridades
0 0% 0 0%
em

sociedade
Activistas
17 4,36% 7 1,80%

manifestantes
(4,55%) (41,18%)
Dirigentes
10 2,54% 0 0%
económicos

(2,68%)
Criminosos ou
0 0% 0 0%
suspeitos

de crime
Interesse
7 1,80% 0 0%
humano

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(1,88%)
Cônjuges 0 0% 1 0,26%

(5,88%)
Crianças 0 0% 1 0,26%

5,88%
Outros 5 1,28% 4 1.03%

(1,33%) (23,53%)

*Em baixo, entre parênteses, surgem as percentagens relativas ao número de homens ou ao número de
mulheres, conforme o caso.

**Entre eles, treze do Governo ou do partido do Governo (56,52%) e dez da Oposição ou dos partidos da
Oposição (43,48%).

O fosso representacional que durante a quinzena em que o produto fotojornalístico da Lusa foi analisado
separou os homens das mulheres é demasiado profundo para não ser notado. Uma percentagem de 4,36% dos
sujeitos representados nas fotografias não mostra minimamente os válidos contributos do sexo feminino na
consolidação e reconstrução contínuas da sociedade portuguesa. Pelo que vemos através do quadro 17, o género
masculino foi sobredominantemente tratado no produto fotojornalístico da Lusa.

Assim, as fotos construiram, simbolicamente, um mundo referencial em que as mulheres eram praticamente
inexistentes e, quando existiam, é porque se fizeram notar por uma qualquer razão (manifestantes) e mais
raramente devido à sua profissão. Inclusivamente, não pareciam existir mulheres na política, mulheres
desportistas e mulheres dirigentes económicas. Parece, deste modo, terem-se aceite, na Lusa, determinadas
fórmulas jornalísticas e conceitos de noticiabilidade que levaram a que se privilegiassem acontecimentos em
que a participação de mulheres foi diminuta. De facto, as mulheres envolvidas nos eventos que têm cobertura
privilegiada —o desporto profissional, a política institucional, a economia— são em pequeno número, o que as
prejudica em termos de representatividade fotojornalística. De qualquer modo, é importante frisar que a
distribuição ocupacional das personagens não reflecte as estatísticas sobre a ocupação das pessoas e, neste
sentido, o produto fotojornalístico da Lusa representa uma hiperbolização ficcional da realidade social, uma
versão da realidade social.

Verificamos, por outro lado, que os desportistas profissionais homens foram, esmagadoramente, os
protagonistas das fotos. Provavelmente, este facto deve-se aos seguintes factores: 1) decréscimo da actividade
política e económica durante o Verão, o que traz como consequência a perpetuação do mito de que "no Verão
não há notícias"; e 2) destaque dado a manifestações desportivas com grande número de participantes, como a
Volta a Portugal em Bicicleta ou as apresentações de equipas de futebol (nas "fotos de família" destas, é vulgar
contarem-se 30 ou mais desportistas).

É curioso notar que o desporto profissional foi sobrevalorizado. Ao invés, o desporto amador, que movimenta,
provavelmente, mais participantes, foi praticamente desprezado. Mas essa sobrevalorização do desporto
profissional e, consequentemente, dos seus ídolos, parece-nos que promove o "mito do herói", algo que nos
parece vivo nas sociedades pós-modernas. A frequência com que se cobre o desporto profissional e se dá relevo
aos seus protagonistas pode também alimentar esse mito: a massificação dilui o indivíduo e impede o "culto" de
um grande número de personagens, pelo que apenas alguns destes, os "verdadeiros heróis", os vencedores, é que
se tornam ídolos.

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O "herói", principalmente nas fotos de desporto, tendia a ser captado em pleno esforço, ou, então, no momento
de consagração depois do esforço, em fotos individualizadas (por exemplo, todos os dias havia uma foto do
vencedor da etapa da Volta a Portugal, fosse a celebrar a vitória com espumante, transbordando de alegria e
vivacidade, fosse a cortar a meta, esboçando um gesto de triunfo). A "humanidade" dos heróis do nosso tempo
era realçada porque, apesar do culto da competição que as fotos de desporto protagonizam (e que dão bem conta
dos valores actuais da nossa sociedade), em outras tomadas (pontos de vista) o esforço era visivelmente um
esforço colectivo — consequentemente, não havia inimigos, mas adversários, que se supõem tão correctos e
íntegros omo os "heróis", até porque podiam, por sua vez, ter acesso à glória e à efémera condição de "heróis".
A fotografia jornalística pode contribuir para criar sujeitos notórios.

Concentremo-nos na palavra efémera. De facto, os "heróis" e "anti-heróis" (os "figurantes" das fotonotícias)
são, maioritariamente, efémeros. A rapidez e voracidade consumista do mundo moderno impedem que a glória
ou a sua recordação sejam mais do que momentâneas, excepto quando ocorre redundância, isto é, a presença
sucessiva dos mesmos protagonistas no campo mediático, e, para o caso, no campo fotojornalístico. Nesta
perspectiva, o fotojornalismo-Lusa orbita dentro do espírito dos tempos pós-modernos. Basear-se-ia na
efemeridade e importância momentânea dos temas, na rapidez, na velocidade e na oportunidade (a captação do
gesto ou do "instante decisivo"). Inclusivamente, a oportunidade acentuaria, no fotojornalismo de agência, a
vertigem da rapidez e da velocidade, e geraria, conotativamente, a percepção, pelo fotojornalista e pelo público,
de que só a rapidez de reflexos e o "calo" profissional são susceptíveis de legitimar e qualificar um
fotojornalista e conferir qualidade ao que este produz. Mas isto é uma falácia: não só há temas demasiado
importantes (a política, que afecta de sobremaneira os cidadãos, é um deles) para que deles, pelo menos na
nossa perspectiva, se possa dar (apenas) imagens de validade momentânea, como também muitos fotógrafos-
autores apresentam material que não se enquadra nessas rotinas e até vai contra essas rotinas (recordemos, por
exemplo, Sebastião Salgado). E é por isso que, pelo menos questionando as práticas, os produtos, e o uso e
consumo destes, gostaríamos de dar um contributo pessoal, através da presente tese, para um fotojornalismo
mais contextualizado e contextualizador, explicativo e interpretativo, um fotojornalismo que trabalhe na
paisagem mediática em prol da democracia genuína e não de uma "democracia" de simulacros.

As representações fotojornalísticas das mulheres concentraram-se em dois grupos: profissionais e


activistas/manifestantes.

As mulheres profissionais representadas eram, em três dos quatro casos, jornalistas que surgiram nas fotos
porque se encontravam nos locais dos acontecimentos, ao contrário dos homens, que surgiram não apenas como
jornalistas mas também como membros de outras classes profissionais.

O número de activistas e manifestantes mulheres também foi claramente inferior ao dos homens. Aliás, a maior
parte dos sindicalistas é do sexo masculino, razão que explica, parcialmente, a desproporção entre homens e
mulheres representados nas fotos na categoria em causa.

As representações fotográficas dos homens nas fotografias distribuídas pela Lusa no período analisado, se
ignorarmos a sobre-relevância dos desportistas profissionais, foi relativamente equilibrada no que respeita às
figuras-públicas (31 actantes em 68; 45,6%) e não-públicas (37; 54,4%). A maior ênfase entre as figuras-
públicas foi posta nos políticos. Porém, é preciso sublinhar, em primeiro lugar, que na sociedade existem mais
figuras não-públicas que públicas, pelo que, por este prisma, o pretenso equilíbrio não existia; em segundo
lugar, as figuras não-públicas, quando surgem nas fotos, surgem frequentemente de uma forma massificada
(manifestantes, etc), ao contrário das figuras públicas, que surgem tendencialmente individualizadas. Tal terá à
possibilidade de conferir às figuras-públicas uma maior carga impositiva em relação ao observador.

As figuras não públicas, homens mas também mulheres, tiveram de se fazer notar para terem sido objecto de
cobertura (manifestantes, singularidades) ou necessitaram de possuir um enquadramento organizacional-
burocrático de relevância jornalística (activistas, designadamente alguns sindicalistas — outros são já,
manifestamente, fuguras-públicas). Aliás, parte dos elementos que jogam no campo das organizações
burocráticas (estruturas de que o sistema burocrático jornalístico necessita para assegurar o noticiário) já se
tornaram figuras-públicas pela frequência com que surgem nas (foto)notícias e fontes "institucionalizadas".

Pelo que dissemos, podemos concluir que, devido à limitação dos papéis sociais que representam, a presença
das figuras não-públicas nas fotos não reflecte o seu contributo social nem oferece garantias de polifonia, que
um serviço financiado por um Estado que se pretende democrático deveria apresentar.

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As celebridades em sociedade, de cuja vida, à partida, contariamos ver representações fotográficas, até por força
das exigências do mercado, particularmente no Verão, não se encontram representadas. Na quinzena sob análise,
o crime também parecia inexistente em Portugal, se recorrêssemos somente às fotografias jornalísticas da Lusa.
O interesse humano, mas também a violência, estiveram relativamente ausentes do fotojornalismo-Lusa, pelo
menos se contarmos com a presença do elemento humano (só em quatro ocasiões, um acidente de viação na
Segunda Circular, em Lisboa, um barco que explodiu numa instalação militar na Guiné-Bissau, e duas fotos
representando conflitos sociais, é que se pode falar de situações relativamente violentas).

A atenção dada aos políticos, mesmo em tempo de Verão, pode representar várias coisas: 1) um genuíno
interesse pelo processo político, devido às suas consequências para a generalidade dos cidadãos; 2) os políticos,
figuras-públicas, são, mesmo sem questionação, vistos como alguém que, devido ao seu estatuto, tem acesso
"normal" aos news media; evidencia-se, portanto, um tratamento de favor alicerçado nas rotinas; e 3) os
políticos, geralmente, querem ser vistos, ou, pelo menos, não querem não ser vistos, tal como o jet set oito,
nove, pelo que promovem ou favorecem ocasiões em que sejam vistos e fotografados. O círculo é vicioso,
porque quantas mais vezes uma pessoa tem acesso aos media mais esse acesso se institucionaliza. Em Portugal,
no Verão de 1996, aconteceu até um caso curioso com o segundo director do semanário O Independente, um
homem da direita que abandonou o jornalismo para se dedicar à política, tendo sido eleito deputado pelo Partido
Popular. Ora bem, o deputado Paulo Portas teve direito a nada mais nada menos do que dez fotografias no
Primeiro Caderno de O Independente de 8 de Julho desse ano. Além disso, como grande parte da classe política
e do jet set, Paulo Portas escolheu o Algarve para passar férias, pois é daí que, em plena silly season, se faz
parte da "informação jornalística", o que é "estranho", a menos que o deputado procurasse alguma publicidade,
já que o Algarve, a acreditar-se no que se disse na altura, nunca foi um destino de eleição no coração do
deputado.

Em termos de actores políticos do Governo e da Oposição representados nas fotografias, os números são muito
similares. Por este prisma, não é lícito falar de uma governamentalização da cobertura fotojornalística da vida
política nacional, embora a hipótese tivesse sido por nós equacionada (a governamentalização directa geraria
tensões decorrentes do profissionalismo dos fotojornalistas; aliás, ela não será vista como estritamente
necessária, uma vez que o produto se mantém nas fronteiras do "aceitável").

Um elemento com que também se tem de contar é a postura dos actantes representados nas fotografias. Parte
deles (31, ou seja, 7,95%) encontram-se a esboçar gestos ou expressões tidos por significativos pelo fotógrafo.
Como é provável que entre as fotos de pessoas as que mais impacto têm sejam aquelas em que os actantes nos
parecem falar directamente, é de uma hipercodificação gestual, quase de uma anáfora visual, que falamos,
devido à repetição da abordagem. Nestes casos, por vezes, a legenda (da Lusa ou do órgão de Comunicação
Social que insere a foto) pode alterar o sentido que o fotógrafo (ou até, eventualmente, o fotografado) pretendeu
transmitir.

A maior parte dos actantes é representada em movimento (335, isto é, 85,9%), particularmente no caso das
fotografias de desporto. Todavia, dentre os 55 sujeitos representados em pose ou de forma aproximada, 35
(63,64% destes últimos) surgem numa única foto, a da apresentação pública da equipa de futebol do Belenenses
para a época 1994/95. Face aos resultados, concluímos que a representação da acção se traduz num critério de
noticiabilidade na Lusa genuinamente (unicamente?) fotojornalístico.

Face ao exposto, julgamos que a Lusa deverá enveredar por uma actuação que dê relevo similar aos dois sexos e
que conceda maior atenção a assuntos e pessoas que provavelmente tendem a ser ignorados no processo de
selecção fotonoticiosa.

A encerrar, salientamos que estamos convencidos de que a sucessão de fotonotícias sobre um tema ou um
determinado sujeito contribuirá para o retoque, isto é, para a reconstrução sucessiva da imagem que se tem
desse tema ou desse sujeito. Mas, ao contrário do que diz González Requena(15), parece-nos que,
tendencialmente, o momento singular de um sujeito representado numa fotografia nos evoca mais o sujeito na
sua plenitude (António Guterres, o primeiro-ministro…) do que uma particularidade momentânea desse sujeito
(António Guterres, o homem risonho…). Todavia, não nos esquecemos que aspectos peculiares das
representações imagéticas podem contribuir para orientar a reconstrução da imagem mental que um observador
possua de uma determinada pessoa — lembremo-nos de "O homem que ri nos cemitérios", a legenda da foto
usada para denegrir o Presidente Poincaré, em 1922.(16)

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D) Idades dos sujeitos fotografados

Como é óbvio, reparar na idade dos sujeitos fotografados mostrará, à partida, se a Lusa atenta também nas
idades tendencialmente marginalizadas nos media mas que nem por isso deixam de ser importantes fatias da
população, com problemas específicos: infância e terceira idade. O objectivo desta análise é, portanto, avaliar a
percentagem das representações dos sujeitos fotografados segundo a idade destes, verificando se existe alguma
discrepância entre a percentagem de representações fotográficas e a percentagem real de cada classe etária na
população nacional.

As categorias de análise foram estabelecidas a priori em função dos grupos em que tradicionalmente se divide a
população: infância (até aos 13 anos), juventude (dos 14 aos 25 anos), idade adulta/idade activa (dos 30 aos 65
anos, sendo esta última idade a correspondente à idade de reforma nos homens) e terceira idade (dos 66 anos em
diante). A principal limitação desta análise prende-se com a dificuldade com que, pelas fotografias, se pode
avaliar a idade de certos sujeitos.

Os resultados, que se apresentam na página seguinte, mostram uma concentração da atenção na idade activa e,
em segundo lugar, na juventude, embora no caso das mulheres o peso da categoria "Juventude" seja idêntico ao
de "Terceira Idade". O peso superior das representações fotográficas da juventude em relação à terceira idade
demonstrará a transferência de valores na sociedade ocidental: do culto do idoso passou-se, quanto a nós, ao
culto da juventude e de tudo o que lhe está associado: força, vigor, beleza, empenho, saúde, graça, prazer, risco.

Quadro 18

Idades aparentes dos sujeitos representados

Homens Homens
Mulheres Mulheres

(Número) (Percentagem (Número) (Percentagem


em relação ao em relação ao
total de total de

sujeitos sujeitos
representados)* representados)*
TOTAL (390) 373 95,6% 17 4,36%

(100%) (100%)
Infância
0 0% 1 0,26%

(até 13 anos)

(5,88%)
Juventude 156**
40% 2 0,52%

(de 14 a 25
anos)
(41,82%) (11,76%)
Idade adulta activa 216**
55,39% 13 3,33%

(de 26 a 65
anos)
(57,91%) (76,47%)
Terceira Idade
1 0,26% 2 0,52%

(mais de 65
anos)
(0,27%) (11,76%)

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*Em baixo, entre parênteses, surgem as percentagens relativas ao número de homens ou ao número de
mulheres, conforme o caso.

**A idade dos desportistas é, em quase todos os casos, dificilmente distinguível. Como se devem distribuir pela
faixa etária entre os 19 e os 35 anos, optámos por dividir o grupo (295) a meio e contabilizar 148 na categoria
"Juventude" e 147 na categoria "Idade adulta activa".

___________________________________________________________________________________________

É preciso considerar que o elevado número de fotografias de acontecimentos desportivos inflacionou o peso das
categorias "Juventude" e "Idade adulta activa". Aliás, o culto do desporto contribui para o culto da juventude a
que fizemos referência, pois associa-se aos elementos referidos, como a força, o vigor e a saúde.

E) Grupos humanos representados nas fotos

Portugal é um país que abriu as portas à imigração e que historicamente manteve contactos com diversos povos.
O nosso objetivo com esta análise particular é avaliar da relevância de outros grupos humanos que não os
"brancos" tiveram nas fotografias produzidas pelos fotojornalistas da Lusa.

Para a avaliação, não foram contabilizados os espectadores e passantes nas fotografias, mas apenas os
protagonistas.

Cumpre igualmente frisar que, como várias fotos são compartilhadas entre sujeitos de vários grupos humanos,
alguns valores são quebrados, devido à divisão das fotos pelos protagonistas.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 19

Grupos humanos

Fotos realizadas em Portugal

Brancos Brancos Não brancos Não brancos

(N.º) (%) (N.º) (%)


FOTOS
108,5 97,75% 2,5 2,25%
PROTAGONIZADAS

(111, 100%)
SUJEITOS
365 98,38% 6* 1,62%
PROTAGONISTAS

(371, 100%)

*Um político da UNITA em Lisboa, um cantor angolano, quatro jogadores de futebol, todos negros.

Quadro 20

Grupos humanos

Fotos realizadas no estrangeiro

Brancos Brancos Não brancos Não brancos

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(N.º) (%) (N.º) (%)


FOTOS
0,5 4,17% 11,5 95,83%
PROTAGONIZADAS

(12, 100%)
SUJEITOS
3 15,79% 16* 84,21%
PROTAGONISTAS

(19, 100%)

* Os protagonistas foram homens, políticos (Kumba Iala e Nino Vieira), negros, excepto em três fotos. Numa
delas, duas mulheres negras guineenses, apoiantes do Presidente Nino Vieira, são as protagonistas da foto; nas
restantes duas, Nino Vieira e Kumba Iala partilham o protagonismo com outros sujeitos, principalmente
jornalistas (todos os brancos representados são jornalistas) e apoiantes.

___________________________________________________________________________________________

No que respeita às fotos realizadas em Portugal pelos foto-repórteres da Lusa-Lisboa, de 1 a 14 de Agosto


de1994, verifica-se que existe uma enfatização representativa dos "brancos" em detrimento de portugueses ou
estrangeiros residentes em Portugal com outra cor de pele. Falamos de enfatização porque os não-brancos na
população portuguesa são,. provavelmente,. superiores a 2,5%.

A representatividade dos grupos não-brancos portugueses ou de residentes em Portugal foi prejudicada porque
praticamente não possuem figuras-públicas relevantes nos cenários políticos e económicos. Aliás, é
significativo que o único político não-branco fotografado em Portugal, durante o período analisado, pelos
fotógrafos da Lusa-Lisboa, tivesse sido um angolano da UNITA.

Pelo contrário, o peso proporcional dos jogadores de futebol não-brancos (particularmente negros) em clubes
portugueses levou a que, nas fotografias de futebol, os grupos não-brancos se tivessem evidenciado.

De qualquer modo, tal como acontecia com as mulheres e as figuras não-públicas de uma forma geral, os grupos
não-brancos não tinham, no produto fotojornalístico da Lusa-Lisboa, uma representatividade à altura do seu
peso na sociedade portuguesa actual e do seu contributo para a construção contínua dessa sociedade.

As fotografias realizadas no estrangeiro por repórteres da Lusa-Lisboa, no período analisado, foram relativas
unicamente à campanha e eleições presidenciais guineenses. Assim sendo, é natural que a maior parte dos
actantes nas fotos fossem negros. Mas o peso dos brancos protagonistas nessas imagens é superior ao seu peso e
ao seu papel na sociedade guineense. Lá como cá, porém, as figuras-públicas (homens) foram os principais
protagonistas das fotos.

Concluímos, então, que o fotojornalismo-Lusa necessitava de se abrir a novos temas e a novas formas de
actuação, de maneira a que o produto fotojornalístico reflectisse os contributos e o peso dos grupos não-brancos
e da diversidade das suas figuras (públicas e não-públicas), particularmente na sociedade portuguesa.

F) Localização espacial e temporal das fotos

No capítulo da localização temporal, possuímos a ideia que a cobertura fotojornalística do mundo tende a fazer-
se no "horário de expediente", excepto quando acontecimentos particularmente importantes ocorrem
imprevisivelmente. O objectivo da presente análise é, então, verificar até que ponto tal corresponde à realidade
da Lusa. As categorias definidas a priori para aferir da localização temporal das fotos foram "Noite" (21 horas
—8 horas) e "Dia" (8 horas—21 horas), na perspectiva que daí pudessem ser extraídos dados eventualmente
significativos.

Em termos de localização espacial, procurámos, em primeiro lugar, avaliar a distribuição das fotos entre espaços
interiores e espaços exteriores e, em segundo lugar, sistematizar os tipos de meio espacial em que as fotos foram

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obtidas, sob duas formas: 1) área Metropolitana de Lisboa, outro local do País, estrangeiro; e 2) meio urbano,
meio industrial, meio rural, meio natural e meio militar.

Os resultados encontram-se expressos nos quadros 21 e 22 (A, B e C).

Quadro 21

Localização temporal das fotos produzidas pela Lusa (Lisboa)

Noite Noite Dia Dia

(Número de (Percentagem Número de Percentagem de


fotos) de fotos) fotos
fotos
TOTAL (123 fotos) 13* 10,57% 110 89,43%

(100%)

*12 respeitam a jogos de futebol nocturnos.

Quadro 22 A

Localização espacial precisa das fotos produzidas pela Lusa (Lisboa)

AML AML Estrangeiro Estrangeiro Outro local Outro local

(N.º) (%) (N.º) (%) nacional nacional

(N.º) (%)
TOTAL
27 22% 13 10,6% 83 67,4%
(123 fotos,

100%)

Quadro 22 B

Localização espacial precisa das fotos produzidas pela Lusa (Lisboa) — O Meio*

Meio urbano Meio urbano Meio rural Meio rural

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL 41* 33,33% 82 66,67%

(123 fotos,
100%)

*12 fotos (9,76%) foram realizadas num cenário institucional. Se não contássemos as 81 fotos de desporto, 12
fotos nas quarenta e duas restantes equivale a uma percentagem de 28,6% de fotografias realizadas em cenários
institucionais. 25 fotos (20,33%) foram realizadas em cenários desportivos, como estádios e podiuns.

Nota: como não existiram fotos realizadas no meio militar, no meio indústrial e no meio natural, não
apresentamos os respectivos resultados (0) na tabela.

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Quadro 22 C

Localização espacial precisa das fotos produzidas pela Lusa (Lisboa) — O Espaço

Espaço interior Espaço interior Espaço exterior Espaço exterior

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL
13 10,57% 110 89,43%
(80 fotos,
100%)

Face aos resultados, em primeiro lugar, cumpre esclarecer que não existe qualquer relação entre as fotos
realizadas à noite e as fotos realizadas em interiores e as fotos realizadas durante o dia e as fotos realizadas em
exteriores. Foi uma coincidência os números serem iguais.

Sobre a localização temporal, podemos dizer que o "mundo" coberto pela Lusa é o "mundo do dia". A noite
exclui-se, é como se não existisse, de tal maneira é ignorada. Aliás, é sintomático que os únicos assuntos que
mereceram cobertura nocturna foram jogos de futebol, como se a noite não produzisse dramas humanos
gritantes, como o problema dos sem-abrigo, que nos parecem de maior relevância social e de maior importância
para o país do que "a bola".

No que respeita à localização espacial, os resultados apresentam uma grande discrepância entre fotos realizadas
em exteriores e em interiores devido à ênfase que a Lusa colocou no desporto, designadamente no futebol e na
Volta a Portugal em Bicicleta.

A Volta a Portugal em Bicicleta e a campanha e eleições guineenses constituiram duas das raras ocasiões em
que os fotojornalistas da Lusa-Lisboa realizaram e difundiram fotografias representando eventos ocorridos fora
do meio urbano e lisboeta. Tal significa que, se efectivamente são os fotojornalistas da sede da Lusa que têm a
seu cargo a cobertura do Alentejo, Ribatejo e demais regiões próximas da capital, estas foram
significativamente desprezadas.

A Volta a Portugal em Bicicleta é também o acontecimento responsável para que no período sob análise as fotos
em meio rural fossem em número superior às fotos em meio urbano, situação que, provavelmente, é invertida no
resto do ano.

G) Conteúdo emocional e forma de recompensa

Será que o fotojornalismo da Agência Lusa envolve uma tendência para a negatividade, a exemplo do desvio
para a negatividade enquanto critério de valor-notícia na generalidade da Imprensa? Será que as fotografias
positivas, isto é, aquelas que representam coragem, beleza, esforço positivo (exemplo: esforço físico no
desporto), simpatia ou ternura, por exemplo, e que são agradáveis e evocam sensações como alegria e aceitação,
serão menos frequentes do que as negativas, isto é, aquelas que causam dor e evocam emoções como desgosto e
cólera? Ou haverá um predomínio de uma certa "neutralidade" fotojornalística, em abono do que poderíamos
chamar de carácter "objectivante" da imagem, em torno da concepção da objectividade como ritual estratégico,
que Gaye Tuchman (1972) apresentou? Será o prazer mais mobilizador do que a dor, como dizem Dyck e
Coldevin?(17)

Para respondermos às perguntas efectuadas, verificámos o número e percentagem das fotos que, na nossa
perspectiva, gerariam emoções (a) tendencialmente negativas, (b) tendencialmente positivas, e (c)
tendencialmente neutras. Definimos ainda a categoria "Outras" para incluir as fotos não categorizadas nas
restantes categorias e a categoria "Emoções dependentes" para integrar fotos como algumas dos jogos de
futebol, em que um jogador de uma equipa domina um ou mais jogadores de outra equipa. Em casos como este,
a leitura gerará emoções positivas, negativas ou mesmo neutras, em função das simpatias do leitor ou até do seu
eventual desinteresse por um jogo ou pelo futebol em geral.
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Por outro lado, Schramm (1949) propôs a existência de dois tipos de gratificação no consumo de informação: a
recompensa imediata, relacionada com fait-divers, desporto, notícias de crimes e acidentes ou similares; e a
recompensa mediata, relacionada com o consumo de informação sobre matérias como a saúde, educação,
ciência, problemas sociais e da governação. Avaliámos este item, definindo, a priori, a divisão proposta por
Schramm como categorias de análise de conteúdo.

Fazemos notar que classificámos em "recompensa imediata" fotos de manifestações, mesmo que decorrentes de
problemas sociais, e de certos temas político-diplomáticos, como a passagem de John Major, em férias, pela
vivenda algarvia de Cavaco Silva, já que a situação fotografada era de convívio ameno.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 23

Conteúdo emocional

Emo- Emo- Emo- Emo- Emo- Emo- Emo- Emo-


Outras Outras
ções ções ções ções ções ções ções ções (N.º) (%)
positi- positi- neutras neutras negati- negati- depen- depen-

vas vas (N.º) (%) vas vas dentes dentes

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL
45 36,58% 59 47,97% 4 3,25% 11 8,94% 4 3,25%
(123

fotos)

(100%)

Quadro 24

Forma de recompensa

Recompensa Recompensa Recompensa Recompensa

imediata imediata mediata mediata

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL
91 73,99 32 26,01
(123 fotos)

(100%)
Ao contrário da que poderá ser uma das tendências do mercado, o privilégio concedido à violência, o
fotojornalismo da Lusa é um fotojornalismo que vê as coisas pela positiva ou de uma forma mais ou menos
neutra. O prazer parece ter mobilizado mais os fotojornalistas e a organização-Lusa do que a dor, embora não se
saiba qual poderá ser a reader response.

Não houve, de facto, uma tendência para a negatividade, entre 1 e 14 de Agosto de 1994. Houve até uma certa
tendência para a neutralidade emocional das fotos. Esta aparente neutralidade emocional ancora-se, em parte, na
recusa do fotojornalista, enquanto profissional, em tomar um partido e em favorecer ou desfavorecer o
acontecimento ou os sujeitos representados. Esta questão remete-nos para o universo mítico e ideológico
profissional e para a ideia da objectividade como ritual estratégico.

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A emoção, particularmente a emoção positiva, parece ser um dos elementos presentes em parte das fotografias
da Lusa. Mas, além da emoção, há a considerar dois elementos que parecem ser de difícil categorização e
quantificação: a) uma certa tensão que envolve algumas das fotos da Lusa, como aquelas em que duas forças se
tendem a confrontar, como as pessoas "contra" outras (especialmente nas fotos de desporto colectivo) ou as
pessoas "contra" forças da natureza, como o mar ou o fogo; e b) o trauma emocional que decorre de certas
fotografias em que a acção representada é secundária face à soberania da traumaticidade (acidentes).(18)

No que respeita à forma de recompensa, os fotojornalistas da Lusa centraram-se em tópicos favorecedores de


recompensa imediata, de uma forma desequilibrada. A isto não será alheia a atenção inusitada conferida ao
desporto profissional no período de análise.

H) Legendagem

Para a pesquisa sobre o tipo de legenda que os fotojornalistas da Lusa redigem para as suas fotos foram usadas
três das quatro categorias formuladas por Nancy Newall (1952), a saber:

— Legenda enigma: são frases casadas com uma imagem forte que concentra em
primeiro lugar a atenção do leitor; essas frases são, geralmente, extraídas de um texto
vasto, e convidam o leitor a interessar-se por esse texto;

— Legenda narrativa ou fotolegenda: legenda comum na Imprensa que estabelece


uma ponte entre a imagem e o artigo; geralmente, segue a seguinte ordem: 1) título; 2)
explicação sobre o que se passa na fotografia; e 3) comentário;

— Legenda amplificativa: texto que não se liga directamente à imagem, antes lhe
empresta conotações novas, transformando as duas entidades justapostas num novo
conteúdo com um novo sentido, por vezes inesperado;

Incluímos, porém, cinco outras categorias a posteriori, após a primeira fase de observação participante,
realizada em Agosto de 1994:

— Legenda lead completa: texto informativo que complementa a fotografia como se


fosse um lead de sumário de uma notícia, proporcionando respostas às questões
"quem?", "o quê?", "quando?", "onde?", "como?" e "porquê?";

— Legenda lead incompleta: texto informativo que complementa a fotografia como se


fosse um lead de sumário incompleto de uma notícia, proporcionando respostas às
questões "quem?", "o quê?", "quando?", "onde?";

— Legenda descritiva: texto que se limita a descrever, redundantemente, a imagem,


sem lhe acrescentar informação;

— Legenda provocação: texto provocatório, por vezes humorístico ou até sarcástico,


que, explorando a imagem, tenta provocar reacções entre o(s) sujeito(s) representado(s)
ou referenciado(s);

—Legenda comentário: texto que tenta interpretar e/ou explicar a situação


fotograficamente representada, podendo assumir a forma de ensaio ou mini-ensaio.

Os dados obtidos constam do quadro 25.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 25

Legendas

Enigma Narrativa Amplifica- Lead Lead


Descritiva Provoca- Comentá-

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tiva completa incomple- ção rio

ta
NÚMERO
4 110* 9*
DE (3,25%) (89,43%) (7,32%)
VEZES
0 0 0 0 0
USADA

(123,
100%)

*Em 18 fotos, as legendas podem considerar-se simultaneamente legendas-descritivas e legendas-lead


incompletas. Por isso, contabilizámos 0,5 por cada foto, de onde resultou o valor de 9 para cada uma categoria.
Só deste modo é que foram contabilizadas legendas na categoria legenda-descritiva.

Verificamos, pelos dados expostos na tabela, que os fotojornalistas da Lusa (ou os operadores, quando eram eles
a redigir as legendas) adoptavam legendas semelhantes aos leads de notícias para as fotografias que produziam.
Provavelmente, o fenómeno deve-se à socialização organizacional e profissional: os fotojornalistas integraram
os mecanismos de escrita formal, quase automática ou até reflexa, dos seus colegas da redacção, inclusivamente
porque se trata de uma solicitação do próprio Livro de Estilo da Agência(19). O facto também salienta, segundo
nos parece, um constrangimento organizacional próprio de uma agência noticiosa onde subsiste a ideologia da
objectividade, apesar de a ideia da notícia (de a fotonotícia) ser o espelho da realidade denotar algum
empiricismo ingénuo.

É preciso também fazer-se notar que responder, nas legendas, às questões a que tradicionalmente se dá resposta
nas notícias, por um lado nem sempre assegura a eficácia da escrita e, por outro, é fruto de uma aprendizagem
histórico-cultural no âmbito da qual podemos recuar até ao género epistolar romano ou à antiga narrativa
homérica.

I) Técnica fotográfica

O editor fotográfico Larry Nighswander, da National Geographic World, de Washington, identificou quinze
elementos susceptíveis de promover o controle visual do fotojornalista sobre a imagem. Esses elementos, que se
podem inserir nas convenções profissionais, uma vez que são aconselhados no livro de estilo da Associated
Press Photojournalism Stylebook (1990, 39), são os seguintes:

— uso da regra dos terços;

— perspectiva linear;

— enquadramento;

— silhueta;

— momento decisivo;

— nitidez selectiva/foco selectivo;

— primeiro plano (foreground) dominante/plano de fundo (background) contributivo


para a geração de sentido e para o relevo outorgado ao motivo;

— controle da profundidade de campo;

— introdução de desordem numa situação controlada;

— textura;

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— justaposição;

— reflexos;

— perspectiva;

— luz como dispositivo criativo;

— dar um aspecto panorâmico às cenas.

Pelo seu lado, Rosenblum notou que as fotografias de notícias possuem, usualmente, quatro características
marcantes:

— Centro de interesse como centro da composição, uma vez que o conteúdo da


imagem geraria o seu impacto primário;

— Posicionamento frontal dos sujeitos;

— Verticalidade;

— Proporções realistas e escala natural (construção do espaço linear e planar — linhas


paralelas ao plano da imagem).(20)

Neste campo, pretendemos caracterizar o produto fotojornalístico da Lusa sob o ponto de vista "tecno-
estilístico", tentando aferir da existência de abordagens padronizadas que possam traduzir a existência de rotinas
tecno-processuais e constrangimentos de ordem histórica, organizacional ou outra. Além disso, como vimos na
introdução, quando se fazem variar (ou não) os enquadramentos, os planos, as angulações, os pontos de vista ou
quaisquer outros dos factores sob os quais recaiu a nossa investigação, joga-se no campo da significação. A
variação do plano, por exemplo, pode dar ideia da variabilidade da importância do conteúdo.

A perspectiva, isto é, a maneira como o fotojornalista capta a situação, foi codificada em função das seguintes
variáveis:

1) Enquadramento

1.1) Ao alto ("rectângulo" da foto na vertical)

1.2) Ao baixo ("rectângulo" da foto na horizontal)

2) Plano (campo visual enquadrado pelo fotógrafo)

2.1) Plano geral (campo visual largo)

2.2) Plano de conjunto (campo visual largo, mas mais restrito do que no plano geral)

2.3) Plano médio (campo visual pequeno, salientando objectos ou personagens, por
exemplo, cortando-as pela cintura)

2.4) Grande plano (campo visual muito pequeno, salientando pormenores, como uma
pessoa a partir dos ombros)

3) Angulação do plano

3.1) Plano picado (a situação é captada de cima para baixo, gerando, normalmente, a
ideia de inferioridade do fotografado);

3.2) Plano contrapicado (a situação é captada de baixo para cima, possuindo,


geralmente, efeitos opostos ao picado);

3.3) Normal (a situação é captada sem inclinação da máquina).

4) Dominância do ponto de vista


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4.1) Planos frontais dominantes

4.2) Planos de perfil dominantes

4.3) Planos semifrontais dominantes

4.4) Planos de costas

5) Profundiddade de campo (zona de nitidez da imagem em profundidade)

5.1) Grande

5.2) Pequena

5.3) Média

6) Grão

6.1) Fino

6.2) Médio

6.3) Grosso

7) Luminosidade

7.1) Foto lumínica (zonas de sobre-exposição na foto — efeitos de luz)

7.2) Foto não lumínica (exposição "normal" similar em toda a foto)

8) Fundo

8.1) Tendencialmente neutro

8.2) Com elementos susceptíveis de desviar a atenção do motivo e do contexto

8.3) Com elementos susceptíveis de favorecer a atenção no motivo e/ou a


contextualização do representado

9) Contraste

9.1) Foto contrastada

9.2) Foto matizada

10) Direcção prevalecente das linhas de força (linhas com a propriedade de conduir o
olhar numa imagem)

10.1.)Horizontalidade/Verticalidade/Obliquidade

10.1.1) Horizontalidade (esquerda/direita e/ou profundidade/plano)

10.1.2) Verticalidade

10.1.3) Obliquidade/sinosoidade

10.2) Convergência

10.2.1) Convergindo para o motivo

10.2.2) Não convergindo para o motivo

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11)Equilíbrio/Desequilíbrio

11.1)Equilíbrio estático

11.2) Equilíbrio dinâmico

11.3) Desequilíbrio

12) Composição

12.1) Recurso à Regra dos Terços

12.2) Recurso a outras modalidades de composição

12.3) Motivo

12.3.1) Regra dos Terços — Colocação do tema principal

12.3.2) Outras modalidades de composição — Colocação do tema principal

13) Cor

13.1) Fotos difundidas a cor

13.2) Fotos difundidas a preto e branco

Gostaríamos de ter aferido uma outra variável, o contraste cromático, mas como só nos forneceram cópias das
fotos a preto e branco a pesquisa foi impossibilitada.

Os dados obtidos são apresentados nos quadros de 26 a 39.

___________________________________________________________________________________________

Quadro 26

Enquadramento

Enquadramento Enquadramento Enquadramento Enquadramento

ao alto ao alto ao baixo ao baixo

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL DE FOTOS
18 14,63% 105 85,37%
(123)

(100%)

Quadro 27

Plano

Plano Plano Plano de Plano de Plano Plano Grande Grande

geral geral conjunto conjunto médio médio plano plano

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

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FOTOS 5 4,07% 17 13,82% 101 82,11% 0 0%

(123)

(100%)

Quadro 28

Angulação

Plano Plano Plano Plano Plano Plano

picado picado contrapicado contrapicado normal normal

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
2 1,63% 1 0,81% 120 97,56%
(123)

(100%)

Quadro 29

Ponto de vista dominante dos sujeitos representados

Plano Plano Plano Plano Plano Plano Plano Plano

frontal frontal semi- semi- de de de de

(N.º) (%) frontal frontal perfil perfil costas costas

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
115 93,5% 4 3,25% 2 1,625% 2 1,625%
(123)

(100%)

Quadro 30

Profundidade de campo

Pequena Pequena Média Média Grande Grande

profundidade profundidade profundidade profundidade profundidade profundidade

de campo de campo de campo de campo de campo de campo

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

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DE

FOTOS 110 89,43% 8 6,5% 5 4,07%

(123)

(100%)

Quadro 31

Grão

Grão Grão Grão Grão Grão Grão

fino fino médio médio grosso grosso

(N.º) (%) (N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
0 0% 123 100% 0 0%
(123)

(100%)

Quadro 32

Luminosidade

Fotos Fotos Fotos Fotos

lumínicas lumínicas não-lumínicas não-lumínicas

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
0 0% 123 100%
(123)

(100%)

Quadro 33

Fundo

Fundo Fundo Fundo Fundo Fundo Fundo

tendencial- tendencial- desviante desviante favorecedor favorecedor


mente
neutro mente da atenção da atenção da atenção da atenção
neutro
(N.º) (N.º) (%) (N.º) (%)
(%)
TOTAL

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DE

FOTOS
98 79,67% 4 3,25% 21 17,08%
(123)

(100%)

Quadro 34

Contraste

Fotos Fotos Fotos Fotos

contrastadas contrastadas matizadas matizadas

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
118 95,93% 5 4,07%
(123)

(100%)

Quadro 35

Linhas de força

Horizontali- Horizontali- Verticalidade Verticalidade Obliquidade ou Obliquidade ou

dade dade dominante dominante sinosoidade sinosoidade


dominante
dominante (N.º) (%) dominantes dominantes
(N.º)
(%) (N.º) (%)
TOTAL

DE

FOTOS
17 13,82% 42 34,15% 64 52,03%
(123)

(100%)

Linhas Linhas Linhas Linhas

convergentes convergentes não não


convergentes convergentes
para o motivo para o motivo
para o motivo para o motivo
(N.º) (%)
(N.º) (%)
TOTAL

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DE

FOTOS 17 13,82% 106 86,18%

(123)

(100%)

Quadro 36

Equilíbrio e desequilíbrio

Equilíbrio Equilíbrio Equilíbrio Equilíbrio Desequilíbrio Desequilíbrio

estático estático dinâmico dinâmico (N.º) (%)

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
24 19,51% 39 31,71% 60 48,78%
(123)

(100%)

Quadro 37

Composição

Recurso à Regra dos Terços Outras modalidades de composição

(N.º/%) (N.º/%)
TOTAL DE FOTOS
36 (29,27%) 87 (70,73%)
123

(100%)

Quadro 38

Regra dos Terços — Colocação do tema principal

Terço Terço Terço Vários Terço Terço Terço Vários

vertical vertical vertical terços horizontal horizontal horizontal terços

esquerdo central direito (N.º/%) superior central inferior (N.º/%)

(N.º/%) (N.º/%) (N.º/%) (N.º/%) (N.º/%) (N.º/%)


TOTAL DE

FOTOS

(REGRA
5 6 2 13 4 6

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DOS (13,89%) (16,67%) (5,55%) (36,11%) 0 0 (11,11%) (16,67%)


TERÇOS)

(36)

(100%)
PERCEN-

TAGEM

NO
4,06% 4,88% 1,63% 10,57% 0 0 3,25% 4,88%
TOTAL

DE
FOTOS

(123)
(100%)

Nota: em 12 casos, os temas foram colocados nos pontos definidos pela intercepção das linhas imaginárias que
definem os terços verticais e horizontais, que, como se sabe, são pólos de atracção visual

Quadro 40

Fotos difundidas a cor e preto-e-branco

Cor Cor P/B P/B

(N.º) (%) (N.º) (%)


TOTAL

DE

FOTOS
48 39,02% 75 60,98%
(123)

(100%)

Os dados apresentados nos quadros anteriores contribuem para mostrar que o produto fotojornalístico da Lusa
obedecia a normas implícitas que indiciam a existência de constrangimentos organizacionais e convenções
profissionais (acção social) no que respeita às técnicas e aos processos usados. As fotonotícias não são, por
conseguinte, informação pura, mas também forma.

De facto, notamos uma predominância de vários factores que nos parece ser fruto de uma acção social e cultural
(cultura organizacional da agência) que se impõe à acção pessoal dos fotojornalistas. Se as coisas se passassem
de forma diferente, numa agência que respeitasse e encorajasse mais as expressões de individualidade e autoria,
estamos convictos de que o produto analisado ofereceria uma maior diversidade tecno-processual.

As características sobrepredominantes das fotos, no que respeita aos seus processos de fabrico, são, conforme se
verifica pelos quadros:

— Enquadramentos ao baixo;

— Planos médios;

— Angulações normais;

— Planos frontais;

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— Pequena profundidade de campo (registe-se, neste ponto, que a pequena


profundidade de campo resultará, principalmente, da estética da proximidade ao
"objecto" e, secundariamente, do uso de grandes aberturas do diafragma; impõe-se este
esclarecimento porque a utilização preferencial de grandes-angulares deveria originar
uma dominação das grandes profundidades de campo);

— Grão médio;

— Fotos não-lumínicas (exposição "normal" por todo; não exploração de efeitos


conotantes de luz);

— Fundo tendencialmente neutro;

— Fotos contrastadas;

— Linhas de força não convergentes para o motivo.

Acrescentamos ainda que todas as fotos mantinham proporções realistas e que em todas elas também a
construção do espaço se fazia a partir de uma perspectiva linear e planar.

Em relação às características da fotografia noticiosa apontadas por Rosenblum (1978), as nossas conclusões são
idênticas apenas no que respeita às proporções realistas e ao posicionamento frontal dos actantes, já que nem
sempre o centro de interesse foi colocado no centro da composição nem se privilegiou a verticalidade. Estas
divergências talvez tenham origem na evolução histórico-cultural que se registou desde o ano do aparecimento
do livro de Rosenblum (1978), evolução essa que, ao nível do fotojornalismo, terá passado pela busca de novas
expressividades fotojornalísticas no seio de uma atmosfera concorrencial e competitiva.

O foto-repórter, num ambiente padronizado, normalizado, não necessita de pensar muito na abordagem a
realizar, não precisa de pensar muito na melhor forma de gerar conhecimento. A forma de actuar já está pré-
definida na sua mente, devido à socialização que sofreu dentro do Serviço de Fotonotícia da Lusa. A
personalidade do fotojornalista tende a "apagar-se" no acto fotográfico, a arredar-se de um momento que
poderia ser de criação, devido à omnipresença das rotinas. A uniformidade relativa das formas de fazer constitui
um dos factores que pesa quando identificamos e avaliamos uma tendência da fotografia da Agência Lusa para
a pobreza expressiva.

A prática corrente do enquadramento ao baixo obedece aos ditames da difusão das fotos para o maior número
de clientes possível. Esta forma de enquadrar permite reenquadramentos vários sem afectação do que possa ser
considerado como o "principal motivo significante". Assim sendo, facilita a adaptação das fotos às várias
formas de paginar de diferentes jornais e revistas. Todavia, esta utilização utilitária das fotos não deixa de ser
danosa para os direitos de autoria que devem, na nossa óptica, assistir aos fotojornalistas. Mas também permite
baixar os custos de produção, já que, como vimos, um mesmo produto satisfaz vários clientes. E acelera o ritmo
produtivo, já que oferece aos fotojornalistas padrões rotineiros de actuação que lhe permitem rapidamente
transformar o acontecimento em fotonotícia e difundir esta última.

A insistência nos planos médios e de conjunto demonstra que o aspecto central do fotojornalismo da Lusa é a
pessoa humana. Além disso, esse tipo de planos acentua a noção de proximidade (estética da proximidade). Nos
planos médios, os sujeitos impõem-se na foto. Como a identificação dos actantes é facilitada pelos planos
frontais, pela pequena profundidade de campo, pelo contraste e pelo fundo tendencialmente neutro, o efeito
agudiza-se.

A valorização dos sujeitos nas fotos e a frequência com que nelas são representados contribui, no caso das
figuras-públicas, para a criação simbólica de um mundo dividido em protagonistas e pessoas aparentemente sem
voz activa. Trata-se, assim, de uma forma de alimentação do star system, nomeadamente do star system político
(político-partidário, político-institucional, político-económico, político-sindical) e, por consequência, o
fenómeno contribui para a estabilização e solidificação do statu quo social.

O uso quase constante das angulações normais, fundos neutros, contraste, etc corresponderá, julgamos, a uma
tentativa de facilitar a leitura da foto. Mas também estará correlacionado, provavelmente, com a ambição,
mesmo que não intencional, de neutralidade, isenção e objectividade fotográficas. O mito da foto como espelho
do real alimenta-se de e alimenta as ideologias, mitos e cultura profissional dos fotojornalistas, reunidos numa

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comunidade interpretativa. A não exploração de efeitos de luz ou de angulação terá, igualmente, a mesma
explicação.

Registe-se que nem sempre uma foto contrastada pode ser lida sem problemas. É que a "neutralidade" do fundo
também é relevante, já que frequentemente o ground altera ou mesmo usurpa o sentido que se pretende dar à
foto através do motivo principal e da hierarquização dos restantes motivos representados (zona de colocação,
etc), quando existem.

Os planos gerais foram, ocasionalmente, usados nas fotografias de desporto. Porém, mesmo nestes casos o
contexto, mesmo o contexto físico do evento, não foi significantemente aproveitado. A sua função é mais
emoldurar o motivo do que participar na geração de sentido. Os efeitos de luz, ao contrário, por exemplo, do
que fazem documentalistas como Salgado, nunca foram aproveitados.

Os planos frontais, embora sejam tendencialmente unívocos, podem originar conotações significativas, devido,
não só aos sujeitos representados (se for caso disso) mas também a factores como a iluminação, embora,
geralmente, não seja este último o caso da Lusa.

Quase todas as fotos produzidas na Lusa são contrastadas. É raro, por exemplo, o fundo submergir a figura. Tal
é provável que tenha a ver com o mercado, já que é sabido que, inclusivamente por motivos de impressão, os
jornais pedem fotos contrastadas. É (ou era) até comum, na época em que os laboratórios de jornal eram usados,
subrevelar as fotos, porque a impressão escurecia-as.

As fotos apresentam —todas elas— um grão médio porque os fotojornalistas da Lusa aplicam a uma vasta gama
de situações o filme de 400 ASA.

Essa opção denota, por um lado, uma grande preocupação profissional em fazer face ao imprevisto, já que a
sensibilidade do filme permite a sua utilização quer em interiores quer em exteriores e quer em assuntos que se
movimentam rapidamente quer em assuntos animados de um movimento lento ou até em assuntos imóveis. Por
outro lado, porém, evidencia que na Lusa não se planeia cada tarefa.

Poderá argumentar-se que a aplicação geral do filme de 400 ASA se trata de uma contingência indissociável do
trabalho numa agência noticiosa, em que cada fotojornalista faz vários serviços de diferente natureza durante o
dia e ainda precisa de estar preparado para corresponder ao imprevisto. Mas, do nosso ponto de vista,
corresponde, sobretudo, a um constrangimento organizacional que compromete a autoria ao impedir a
autonomia criativa e planificadora dos jornalistas-fotógrafos.

Nas fotos da Lusa produzidas entre 1 e 14 de Agosto de 1994, só se encontra variedade e equilíbrio no que
respeita a:

— Direcção das linhas de força (horizontalidade/verticalidade/obliquidade e


sinosoidade);

— Modalidades de composição;

— Difusão de fotos a cor ou a preto e branco.

O domínio relativo das linhas de força oblíquas e do desequilíbrio pode ter a ver com a necessidade de conferir
tensão dinâmica às fotos para dar ritmo à sua leitura. Linhas verticais e horizontais e equilíbrio, inversamente,
podem favorecer a sensação de estatismo.

Contrariamente às nossas previsões, os fotojornalistas da Lusa raramente aproveitaram as linhas de força para
relevar o motivo ou o motivo principal entre vários. Consequentemente, poderíamos, talvez, dizer que os
fotojornalistas da Lusa raramente exploram as contribuições das teorias da estética e das teorias da imagem, o
que pode revelar senão alguma impreparação, pelo menos um certo desinteresse pela área ou pela formação
nesta área. Em alguns casos, será possível argumentar também com a "falta de tempo" para compor, como
acontece em algumas fotos de acontecimentos desportivos. Todavia, em grande número de casos os
fotojornalistas têm, de facto, algum tempo para compor as imagens, já que, raramente tendo a sorte de estar no
local certo no momento certo para fotografar o "verdadeiro" acontecimento, fabricam essencialmente imagens
de substituição ou imagens de pseudo-acontecimentos ou de acontecimentos mediáticos. Inclusivamente, estes
eventos tendem a desenrolar-se de forma similar (conferências de Imprensa, jogos de futebol, etc), tornando
possível alguma planificação da cobertura e previsão do que ocorrerá. A alegada "intuição" ou "olho" do foto-
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repórter para a informação visual estaria, assim, relacionada principalmente com o "calo" profissional
desenvolvido pela socialização nas rotinas. Além disso, o recurso a modalidades evidentes de composição de
algum modo vai contra a ideia de que o fotojornalista raramente tem rempo para se preocupar minimamente
com a composição imagética.

A variedade das formas de composição permite, inclusivamente, concluir pela existência de mecanismos de
acção pessoal que se sobrepõem aos constrangimentos de ordem social, mais especificamente socio-
organizacionais. Mesmo trabalhando numa agência, os fotojornalistas da Lusa tinham algum espaço de manobra
criativa. Assim sendo, é a partir desse espaço que importa alargar o leque de liberdade de acção, de forma a que
os jornalistas-fotógrafos se tornem crescentemente em factores de estimulação de uma cidadania mais
participada e interventiva, o mesmo é dizer, em pessoas que pela sua acção mediadora possam promover o
aprofundamento da democracia.

A maioria relativa da colocação de temas ao centro é relacionável com a atenção dada às pessoas enquanto
protagonistas das fotos. A figura humana é simétrica e, portanto, é um dos temas que se prestam à colocação no
centro visual (mais do que no centro geométrico) de uma fotografia.

O recurso, em quase um terço das fotos, à Regra dos Terços permite considerar que os fotojornalistas dominam,
pelo menos, os rudimentos da composição imagética. Inclusivamente, o aproveitamento dos pontos definidos
pela intercepção das linhas definidoras dos terços para colocação do motivo em um terço das fotos compostas
segundo a Regra dos Terços contribui para justificar a nossa asserção.

O peso relativo das fotos a cor no conjunto do produto distribuído está provavelmente relacionado com o uso
progressico da cor nos jornais, inluindo os diários, a partir de meados dos anos Oitenta, com a introdução
massiva das novas tecnologias e o apareciemnto dos jornais pós-televisivos, cuja influência no design de
Imprensa foi geral e notória.

Globalmente, parece-nos que as características do produto fotonoticioso oferecido pela Lusa são as de um
produto multifuncional, padronizado, normalizado, predominantemente ilustrativo, altamente utilitário, e,
portanto, adaptado às exigências de um mercado pequeno e contaminado pelas tendências dos jornais pós-
televisivos, bem como pela competição que cada vez mais parece ocorrer entre forma (cada vez mais
valorizada) e conteúdo (cada vez mais desvalorizado).

Uma abordagem qualitativa do produto fotonoticioso

Pelas conversas que tivemos, pelos elementos da ideologia da objectividade que encontrámos (ver entrevistas) e
pelo produto fabricado (fotos altamente legíveis, realistas, tendencialmente sem ponto de vista, etc.), podemos
concluir que os fotojornalistas da Lusa julgavam, mais ou menos convictamente, que a realidade visualizável
que se estende ao seu lado podia ser objectivamente registada e que esta era a sua "missão". Este é um dos
elementos mais consequentes da ideologia da objectividade que parecia reinar no seu campo profissional, e que
vai buscar parte da sua força à aparência de realidade da fotografia. De qualquer modo, na actualidade, a
fotografia é, tanto como a palavra, vista como um elemento (um signo) susceptível de conotações e de
subjectividade, provando que a reportagem objectiva é, na sua essência, um mito e um vector ideológico-
profissional. Tal como a Gaye Tuchman, parece-nos que a análise da produção fotonoticiosa num contexto
socio-organizacional enquadra a "objectividade" na cultura, nos valores profissionais e nas estratégias e tácticas
comunicativas empregues pelos fotojornalistas para se defenderem de críticas e prevenirem as distorções
(unwitting bias).

Ora, é na foto que entronca o ânimo de objectividade suscitado pela ideologia que insufla o campo profissional.
A foto é a estrutura interpretativa e representativa de uma realidade percepcionada pelo fotógrafo e o local onde
essa estrutura adquire sentido. Ao estudar a produção socio-organizacional de fotografia jornalística devemos,
assim, quanto a nós, atentar na eventual homogeneização do produto fabricado, na existência de regularidades e
padrões que nos levem a deduzir do grau de conformação produtiva suscitada pela organização noticiosa no seu
todo, pela cultura profissional nas suas diversas instâncias, e que são, principalmente, a organização e a
profissão. Seria uma abordagem essencialmente estruturalista se não reconhecêssemos a autonomia relativa dos
fotojornalistas dentro das suas organizações e nas relações com os sujeitos fotografados.

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A homogeneização do produto poderá, eventualmente, ligar-se também às estratégias e tácticas que as


burocracias que fornecem a burocracia jornalística adoptam para que os temas que lhes interessa ver cobertos o
sejam efectivamente, como o envio atempado de press-releases, entre outros. Ao fazê-lo rotineiramente,
levariam a que determinadas categorias temáticas fossem mais cobertas do que outras. Por outro lado, é
imaginável que um maior domínio da linguagem visual leve, por exemplo, participantes em conferências de
Imprensa a tentar dar de si a imagem que pretendem que as câmaras (fotográficas e televisivas) representem,
através do domínio de factores como a linguagem gestual.

Também pelas entrevistas posteriormente inseridas verificaremos a existência de padrões de cobertura


fotojornalística dos eventos protagonizados pelos repórteres da Lusa. Os fotojornalistas da Agência queixavam-
se da semelhança dos assuntos e das fotos e das dificuldades que tinham para conseguir "virar o bico ao prego".
De qualquer modo, a sua vontade criativa fez-nos reconhecer que eles têm um certo grau de autonomia e que,
nas suas fotos, estava presente sempre um pouco de si, um pouco da sua acção pessoal, independentemente dos
constrangimentos organizacionais, da acção ideológica e da acção cultural.

Repare-se, por exemplo, nas figuras 3, 4 e 5, de três fotojornalistas diferentes da Lusa (apesar de Marcos Borga
ser da Lusa—Coimbra). Há, em todas elas, um padrão de abordagem de raízes histórico-culturais (as
fotografias são artefactos culturais), por sua vez estimulador da reprodução posterior das fotos: concentração no
actante principal, no gesto (activo), na expressão, nos objectos que identificam a acção como uma conferência
de Imprensa ou similar (microfones); curiosamente, não é dada grande atenção ao local, independentemente do
que os fotojornalistas entrevistados afirmaram nas entrevistas. A semelhança entre as figuras 3, 4 e 5 faz-nos
pensar que os fotojornalistas da Lusa operavam sob um discurso da familiaridade com o conteúdo das imagens,
como diria Bourdieu(21), uma série de regras que funcionam como o princípio organizador por trás das suas
escolhas(22): a semelhança das imagens asseguraria aos repórteres que o que faziam era bem feito e estava
certo, pelo que as abordagens tendiam a ser repetidas num círculo vicioso. Mais: as abordagens padronizadas
instalar-se-iam "naturalmente" no seio da cultura organizacional e ajudariam a estabelecer limites à acção dos
fotógrafos. Mas também há, na figura 3, um elemento que, embora não seja histórico-culturalmente novo, dá
um certo ar de leveza, graça e novidade à foto, que, não o esqueçamos, é uma foto de agência. Esse elemento é
a utilização de uma pequena profundidade de campo para identificação de um entre vários dos protagonistas de
uma conferência de Imprensa, quando a situação mais corrente é a identificação de todos eles, e tanto mais que
no acontecimento fotograficamente representado estava também presente o então secretário-geral do PS e actual
primeiro-ministro, António Guterres. Esse elemento é, dessa feita, um indício da acção pessoal do
fotojornalista.

Enquanto estivemos na Lusa, várias outras fotos nos mostraram que, independentemente de valorarem as suas
fotografias, quase em exclusivo, como um produto informativo de importância momentânea, a arte estava
frequentemente presente nas fotos realizadas pelos fotojornalistas da Lusa, constituindo exemplos de fuga às
rotinas e de acção pessoal de cada fotojornalista. Foi o caso, por exemplo, de Inácio Rosa e as suas fotos com
efeitos de arrastamento (uso de flash e velocidade lenta) de uma tourada ou as suas simétricas fotos da Ponte
sobre o Tejo. Um outro exemplo foi o de João Paulo Trindade, que, na Volta a Portugal, frequentemente compôs
imagens em que o motivo principal se transferia dos ciclistas para espectadores peculiares, como uma ciança no
seu triciclo ou uma camponesa a acenar, tudo enquadrado por paisagens rurais que nos levam a ter uma certa
nostalgia pelo campo e pela vida simples (trata-se, aqui, da nostalgia do campo como valor-notícia, a exemplo
do que Gans (1980) apontava sobre o valor do small town pastoralism nos media americanos).

Beleza, arte, estética. Ambiente e planos gerais ou de conjunto, profundos e constrastantes, a aumentar, pela
verosimilitude, a noção de veracidade da imagem. E, se quisermos procurar razões históricas para a sua fusão
em fotos noticiosas de agência, podemos recuar até à estética grega, em que as noções de belo e verdadeiro se
fundiam.

A um diferente nível, o discurso de familiaridade de que o fotojornalismo desenvolvido pelos repórteres da


Lusa dava provas, na generalidade, poderia dar a ideia de que existe uma espécie de consenso social e que a
fotografia jornalística não fazia mais do que reflecti-lo, quando tal poderia não ocorrer. Consequentemente, o
fotojornalismo-Lusa pode ter-se tornado, em certas ocasiões, um elemento promotor do consentimento (dos
governados a serem governados pelos governantes e a serem usados pelos poderes).(23)

Parece-nos nítido que o texto acompanhante e o contexto socio-histórico-cultural em que se faz a leitura de
qualquer foto e desse texto reorientarão o sentido do produto e que é através do apelo que a imagem fotográfica
enquanto artefacto cultural faz aos códigos histórico-culturais nela embebidos (e que assim adquirem
relevância) que a foto pode ser lida e interpretada. Os gestos, a acção e as expressões orientam, como regras,
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em conjunto com outros elementos (objectos, texto,…), o interpretante na sua descodificação da foto,
previamente codificada pelo fotojornalista, e na (re)form(ul)ação da sua imagem mental do(s) actante(s) da foto,
que se reflectirá nos seus comportamentos e nos seus afectos. Isto funciona, na prática, como sugere Tagg:

"What lies behind the paper or behind the images is not reality —the referent— but
reference: a subtle web of discourse throught which realism is enmeshed in a complex
fabric of notions, representations, images, attitudes, gestures and modes of action
which function as everyday know-how, practical ideology, norms within and throught
which people live their relation to the world."(24)

Fig. 3 — Almeida Santos em conferência de Imprensa. Manuel de Moura, Lusa-Lisboa, 8/7/94. Em grande
medida, as conferências de Imprensa dos políticos são cobertas provavelmente porque, salienta Teun A. van
Dijk (1990), em La noticia como discurso (p. 162), tal como a evidência experimental demonstra, confere-se
maior atenção às acções de pessoas ou grupos quando estas acções confirmam ou são coerentes com os
esquemas do grupo (neste caso, da comunidade interpretativa formada pelos jornalistas da Lusa). Não podemos,
porém, excluir que as conferências de Imprensa se possam enquadrar nos processos de "tornar público" (going
public) que, em parte, são usados pelos políticos para procurar obviar à simplicidade dos news media. Inclusive,
o jornalismo opera, frequentemente, no campo lógico do senso-comum e usa o senso-comum naquilo que este
mais tem de superficial; isto é, com frequência o jornalismo não busca possibilitar um conhecimento de tal
forma profundo que promova as "mudanças sociais" (social change) eventualmente necessárias e que contribua
para a intervenção cívica responsável de cidadãos bem informados.

Noutro campo, repare-se, que o poder das fotonotícias do campo político, podendo, embora, ser grande, será,
igualmente, algo "inerte", pois as fotonotícias necessitam dos actores políticos para lhes darem concretização.
Isto não significa, porém, negar que as imagens, por vezes, não se possam tornar mais importantes do que o seu
próprio referente.

Esta fotografia mostra também que o processo de liderização-personalização entra bem na lógica mediática,
popularizando os actantes mais comuns nas imagens. Porém, uma maior popularidade não significa
necessariamente um maior consenso por parte do público em relação às personagens imageticamente
representadas, até porque, em última instância, tudo depende da resposta do receptor da mensagem (reader
response).

Registe-se, igualmente, a título de hipótese, que os formatos fotojornalísticos (as fotonotícias não são
unicamente conteúdo, são também forma, e em elevado grau) podem ter contribuído para a definição dos
formatos do espectáculo da política (photo opportunities, encenações para as câmaras, aspecto visual das
conferências de Imprensa, etc.). Os formatos fotojornalísticos são, por conseguinte, problemáticos. Aliás, como
adverte Schudson (1995, 71), a forma jornalística é autoritária e tem o extraordinário poder de controlar os
actantes políticos, os jornalistas e, através destes últimos, o público.

A nível estético-compositivo, registe-se que a pequena profundidade de campo permite o enfoque dos
personagens, mas, em casos como o da foto, atraiçoa o realismo. Por outro lado, dá-nos a sensação de que
quanto mais se enche o enquadramento maior poder parece emanar do sujeito representado (não há forma
ideologicamente neutra de fotografar). De qualquer modo, a elaboração na abordagem que a foto documenta
não representa as formas mais convencionalizadas e rotineiras de obtenção de imagens, se excluirmos a
captação do actante num ângulo de 45°.

No que respeita às legendas, é interessante notar que elas vão directamente ao conteúdo manifesto das imagens:
quem são os sujeitos representados, o que estão a fazer, quando e onde o estão a fazer. Elas reforçam, por
consequência a importância do conteúdo, não do fotógrafo. Stuart Hall (1981) sugeriu mesmo que as legendas
são consonantes com uma interpretação particular que insere as fotografias não apenas nos critérios que
determinam o que é notícia e o que tem valor como tal mas também na esfera mais ampla da cultura. Por outras
palavras, o autor diz que as legendas se condicionam ao que uma fotografia mostra, tendo implícito aquilo de
que se trata: os problemas, as crenças, os mitos, etc.

Fig. 4 — Manuel Monteiro em conferência de Imprensa. Alberto Frias, Lusa-Lisboa, 3/8/94. Não só o gesto
travado pela câmara funciona como um gesto para o leitor como também os microfones, em primeiro plano,
http://bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo-tese.html 107/133
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funcionam como um registo da importância do actante, à luz da nossa cultura e da lógica mediática que nela se
inculcou. Todavia, essa forma de operar leva também a uma certa dramatização dos acontecimentos, porém sem
que a sua representação fotojornalística tenda, na Lusa, a abandonar o superficial, a descrição, em vez da
procura da explicação, que, provavelmente, só na contextualização se poderá encontrar. Saliente-se, porém, a
propósito da codificação gestual e expressiva, que as fotos das pessoas são muitas vezes usadas contra os seus
legítimos interesses e desejos,pois, provavelmente, são frequentes os casos em que as pessoas se sentem
desvalorizadas nas fotografias, até porque estas passam, de alguma forma, pelo espelho da realidade.

Embora levemente atraiçoada pela pequena profundidade de campo, a abordagem realista e sem ponto de vista
da situação (as convenções profissionais, os valores-notícia, etc., independentemente da sua variação inter-
organizacional ou outra, estão há muito tempo inculcados na profissão de foto-repórter) leva-nos a pensar no
auto-controle do produto por parte do fotojornalista, enquanto forma de este evitar críticas e fugir às pressões
(ritual estratégico). O realismo e a "isenção" de ponto de vista serão também formas de buscar a credibilidade e
o reconhecimento pelos pares de ofício.

Por outro lado, a atenção fotojornalística dada ao espectáculo político torna, em certa medida, os fotojornalistas
da Lusa numa espécie de gestores da arena mediática-simbólica da luta pelo poder — os meios jornalísticos, em
certa medida, fomentam a campanha eleitoral permanente das forças políticas. Só que a Lusa e a maior parte
dos meios de Comunicação Social centram-se naqueles que Gans (1980, 91) chama running actors (o primeiro-
ministro, o Presidente, os líderes partidários, etc.), fomentando a dramatização da realidade pela selecção de
determinados momentos da actuação dos actores políticos para representação fotojornalística [(processo de
highlighting, de acordo com Gans (1980, 91-92)]. Por via de tal facto, parece-nos que, no seio de uma lógica de
serviço público, o fotonoticiário deve providenciar informação importante para os diversos sectores sociais. Isto
é, em conformidade com a noção de multiperspectivismo de Gans (1980), parece-nos que a Lusa deve, através
das fotonotícias, procurar trazer para a arena simbólica dos news media os diversos sectores da sociedade, seus
actores, actividades e mensagens, para que as imagens que se possam formar a partir do produto fotonoticioso
da Agência possam ser mais representativas da realidade social. Na nossa opinião, os media, operando na esfera
pública, deveriam promover o debate aberto, bem como os fluxos livres e equilibrados de informação, uma vez
que a democracia depende do mercado livre das ideias.

Registe-se também que como nem todos os "poderosos" têm o mesmo poder, as relações de poder podem ser
indiciadas nos media (é provável, por exemplo, que o PSD e o PS sejam mais cobertos que o PP, por exemplo).
De qualquer modo, é preciso fazer notar que os próprios discursos mediáticos competem no espaço público por
visibilidade e legitimidade: os news media não são simples correias de transmissão das ideologias dominantes,
até porque há que contar com a resposta dos consumidores.

Foto 5 — Marques Mendes fala aos jornalistas. Marcos Borga, Lusa—Coimbra, 8/7/94. A presença dos
microfones no enquadramento pode corresponder à intenção do fotojornalista de mostrar os propósitos do
governante (fama e espectáculo), como acontece frequentemente (a menos que corresponda à convenção pela
convenção). Porém, uma legenda mais incisiva e conotativa poderia, em casos como este, conduzir mais
proveitosamente o processo de significação.

Repare-se também que a fragmentação e a taxonomização fotojornalísticas do mundo podem favorecer a ideia
de uma categoria "outros" (os políticos, os sindicalistas, os sociais-democratas, etc.) oposta à categoria "nós" (o
resto do povo). Por outro lado, o fotojornalismo praticado na Lusa parece igualmente trabalhar em favor daquilo
que Hall dizia ser a ideologia do consenso, pois as fotonotícias aparentam sustentar determinadas crenças (o
poder político, os socorros, a diplomacia, etc.).

Para Hall —recorde-se— a ideologia do consenso assume que para um determinado grupo (neste caso, os
fotojornalistas da Lusa, por exemplo) é um facto que os interesses de toda a população são comuns e que toda a
população percepciona as coisas de maneira idêntica a esse grupo, que partilha uma série de crenças (os
"portuenses", os "portistas", o "povo português", etc.), um conceito que vai ao encontro do de comunidade
interpretativa. A ideologia do consenso, no seio da Lusa, favoreceria a padronização na selecção e na
abordagem fotojornalística dos acontecimentos. Por outro lado, as imagens obtidas, como já se disse,
favoreceriam a perenidade de várias crenças, em maior ou menor grau dissonantes da realidade.

Em acréscimo à anterior afirmação de Tagg, poderíamos afirmar: "(…) when an individual looks at a
photograph, he or she creates a meaning for that photograph, in part, by establishing an identity with the
images presented."(25) Haverá, assim, dentro de um contexto determinado, uma espécie de apropriação da foto
através dos códigos socio-histórico-culturais que nela existem e que funcionam como elementos susceptíveis de
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estabelecer a identidade (não apenas a identificação) dos sujeitos e a relação destes entre si e com os objectos, o
fundo e o acontecimento representado.(26)

Ora, a propósito do exposto, podemos também considerar que as imagens produzidas na Lusa eram geralmente
imagens para serem vistas num único contexto socio-histórico-cultural. Mais precisamente, o contexto da sua
obtenção correspondia, de modo geral, ao contexto da leitura e interpretação (figuras 3, 4 e 5). O mesmo já não
ocorria, porém, quando os fotojornalistas trabalhavam fora do seu contexto cultural (como Manuel de Moura na
cobertura da campanha eleitoral para a Presidência da Guiné-Bissau, em 1994). Nestes últimos casos, as
imagens são como que apanhadas entre dois contextos, podendo mesmo o contexto da leitura, no caso de o
leitor não conhecer o contexto do local e do acontecimento, subverter o sentido original das fotos e dar uma
perspectiva dissonante do contexto socio-histórico-cultural local, independentemente da literacia visual que o
leitor possa ter (o conhecimento e domínio da "linguagem" fotográfica, do sistema sintáctico-semântico da
fotografia, é independente do conhecimento do contexto de produção) e das capacidades do fotógrafo. É um
pouco o que Hall denomina de translation.(27) Daí a necessidade de, antes de fotografar, e tal como evidenciou
Manuel de Moura na entrevista, o repórter compreender o acontecimento, o seu contexto e o que nele se joga.
Aliás, talvez devido quer à proximidade afectiva ou talvez mesmo cultural de Portugal e da Guiné, forjada
durante a colonização, quer ao conhecimento do tema, nas fotos que Moura realizou nesse PALOP não nos
parece que o contexto socio-histórico-cultural do fotógrafo tenha, em si, gerado uma representação manifesta e
pretendidamente dissonante do contexto socio-histórico-cultural guineense, para quem o conhecesse. Mas o
contexto da leitura poderá distorcer o contexto da produção. Veja-se, por exemplo, a figura 49. O que dirá ao
leitor português uma imagem de um comício africano em que o orador, Kumba Iala, candidato da oposição
guineense, se encontra vestido com roupas tradicionais? Não poderá ser visto como uma excentricidade? E o
que é que a foto dirá também do "conflito" guineenses-muçulmanos vs. guineenses-cristãos e politizados a um
português desconhecedor do contexto da campanha eleitoral para a chefia do Estado guineense? E se, em vez
das fotos de Kumba Iala, um jornal português tivesse publicado apenas fotografias do Presidente Nino Vieira,
mesmo que fizessem parte da série de fotos da reportagem de Manuel Moura, ou se apenas seleccionasse as
fotos em que um se vestia à ocidental e o outro com roupa tradicional? É que, publicadas isoladamente, as
fotografias de uma série podem gerar interpretações descontextualizadas e, portanto, dissonantes, dos
acontecimentos.

Através das fotografias posteriormente inseridas (fig. 6 a 25), tentaremos sistematizar algumas das
características do produto fotojornalístico da Lusa, entre as quais a "imagem única", "altamente legível" e
"contrastante", mas também salientamos desde já a imagem fragmentada do mundo e concentrada em
determinados espaços geográficos e temporais (dia) que as discursividades fotojornalísticas da Lusa trazem
consigo e que relevam o papel que têm na construção social da realidade. Destacamos igualmente, nas imagens
que seleccionámos, o cumprimento dos cânones discursivos (estética, informação, expressão, etc.) comuns no
fotojornalismo e mencionados nos manuais de estilo.

Fig. 6 — Kumba Iala em comício. Manuel de Moura, Lusa-Lisboa, 5/8/94. Kumba Iala tornou-se conhecido,
depois de se ter candidatado à presidência guineense, devido, em parte, à acção dos meios de Comunicação
Social. Neste campo, a fotografia jornalística pode contribuir para tornar desconhecidos em conhecidos, mas tal
passa por uma certa sistematicidade na cobertura.

Neste caso, é preciso salientar que podem ocorrer fenómenos de não-identificação dos observadores da imagem
com os sujeitos representados, devido a diferenças culturais e a questões de fotoliteracia, entre outros
obstáculos. Tal facto levaria à taxonomização do "nós" e do "eles" como categorias contrapostas (aliás, é o
mesmo que acontece com fotografias de pessoas com determiando vestuário ou com determinados penteados,
etc.).

Sob o ponto de vista técnico, repare-se que o uso de uma grande angular dá coesão à imagem devido ao grupo
que é fotografado como uma massa quase indistinta perante o líder.

Fig. 7 — O Presidente da República, Mário Soares, nos festejos de São João, no Porto, acompanhado pelo
presidente da Câmara, Fernando Gomes. João Miranda, Lusa-Porto, 23/6/94. Devido às rotinas, ao interesse
(jornalisticamente retroalimentado) do público e, consequentemente, ao interesse do mercado, as figuras-
públicas têm um acesso normalizado à foto-informação, mesmo em feature photos de fait-divers, apesar desse
acesso ser estruturado, isto é, há uma espécie de acesso estruturado aos news media (Schlesinger, 1992, 90),
pois mesmo as personalidades oficiais e poderosas têm desigual acesso à Comunicação Social (Curran, 1996).
Todavia, o destaque dado a Gomes e Soares no meio da multidão está também relacionado com os padrões
culturais pré-existentes através dos quais uma sociedade vê e dá sentido ao mundo: desde os tempos pré-
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históricos em que a evolução humana gerou a chefia que os chefes foram tidos em maior consideração do que as
restantes pessoas. No nosso contexto socio-cultural, seria anormal que o fotojornalista não realizasse a foto do
motivo principal.

A expressão fotográfica (gesto, expressão facial, caída da máscara de estadista) vai beber em grande medida à
candid photography, pelo que apresenta também ela uma carga histórico-cultural significativa.

Verifica-se também, pela imagem, que a fotografia jornalística é dos espaços mediáticos onde os "anti-heróis"
(as figuras não-públicas) têm uma presença mais regular, embora, regra geral, por força dos heróis (as figuras-
públicas), sendo remetidas a um papel de mero enquadramento do assunto. Assim, podemos considerar a
existência frequente de uma convergência socio-cultural e discursiva entre fotojornalista e fotografado. Por
outro lado, também poderemos dizer que a fotografia alimenta determinadas crenças colectivas (o que são os
portuenses, por exemplo), mais ou menos dissonantes da realidade, pelo que podemos concluír que trabalha no
sentido da implementação de uma ideologia do consenso, se recorressemos à noção avançada por Stuart Hall.

A convergência socio-cultural radica, no presente caso, no destaque dado ao Chefe de Estado, a primeira
personalidade da Nação. Tal serve os interesses do sistema, que se pretende auto-perpetuar, como todo o
sistema, sendo a continuidade de conceitos —para o caso, o de Presidente da República— um dos instrumentos
pró-autoperpetuação passíveis de ser jogado; e serve também os interesses de Soares, que procura publicidade
positiva, como todo o "animal político".

A convergência discursiva baseia-se, por exemplo, nos gestos e expressões de Soares, que servem os propósitos
do Presidente (ser "popular"), bem como os do fotojornalista, que anseia por ter fotos vivas e cheias de acção,
com as personalidades fotografadas de forma expressiva.

O sorriso do Presidente dá conta da sua complacência e da sua confiança, mas também mostra o "Soares
bonacheirão". A câmara capta, assim, um Presidente Soares, embora este Presidente Soares seja posteriormente
integrado na imagem e conhecimento que as pessoas possuem desse político. A espontaneidade que emerge do
instantâneo, dando à cena um elevado carácter de verosimilhança, e a selecção do momento por parte do
fotojornalista, emprestam às atitudes dos actantes um valor de representação que não pode ser confundido com
o seu todo nem com as imagens que cada um tem desse todo.

O valor do instantâneo e da focalização nos gestos e expressões tidas por significativas, enquanto convenções
profissionais, leva-nos também a poder prever que o comportamento dos fotojornalistas se regulará por esses
formatos em situações posteriores.

Fig. 8 — O ex-primeiro-ministro, Cavaco Silva, almoça com os pais e a esposa na festa anual da sua terra,
Boliqueime. Luís Forra, Lusa-Faro, 27/6/94. Mais uma vez, um exemplo de um fait-divers fotojornalisticamente
valorizado nesta feature photo devido à presença de uma figura-pública. Aliás, neste caso, é a presença do (na
altura) primeiro-ministro que valoriza o acontecimento, pois este, de outra maneira, passaria despercebido aos
news media no meio das milhares de festas de Verão que ocorrem por todo o País. Salientamos mais uma vez a
dimensão histórico-cultural desta foto, que também vai beber à candid photography.

Os fotojornalistas aplicam a cada acontecimento um determinado esquema (news schema), ou seja, uma espécie
de plano pré-concebido da "estória", que dentro de um determinado enquadramento contextual (news frame) lhe
outorga significado. Primariamente, o news schema ganha expressão na pré-visualização, algo que manuais
como o de Kerns (1980) aconselham aos fotojornalistas: os editores fotográficos esperam que o fotojornalista
seja capaz de antecipar o que fotografar e quando fotografar, de onde decorre, aliás, parte da ênfase colocada na
experiência profissional.

Fig. 9 — Protestos contra o aumento das portagens na Ponte 25 de Abril, em Lisboa. Manuel Moura, Lusa-
Lisboa, 24/6/94. Esta é, inegavelmente, uma foto com ponto de vista, e na qual o fotojornalista assume
precisamente o ponto de vista da polícia, pelo que os civis parecem ser uma ameaça para a ordem pública e não
cidadãos a exercer um direito constitucional de resistência. Mesmo que possa ser iludido pelo fotojornalista e
"ignorado" pelos leitores (impreparados) da imagem, explicita-se nesta foto o papel "ficcional", de construção
social da realidade, de construção de referentes, que as discursividades fotojornalísticas encerram. Aliás, nesta
foto de Manuel Moura, o conteúdo estético, expresso na obliquidade das linhas de força, contribui para que a
imagem seja mais activa e tensa, apelando nitidamente, portanto, à conotação. Esta imagem vive também da
valoração do news value do conflito e da tensão que dela brota por via dessa valoração. A tensão não pode ser
quantificada e também não pode ser confundida com a representação da acção. Nesta fotografia,
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inclusivamente, não há representações de acção em especial desenvolvimento, mas há tensão. Aliás, com
frequência a acção funciona unicamente como um suporte da tensão. A própria difusão da foto pode gerar
tensão, mas tensão de outro tipo, tensão social.

Num outro prisma, notamos que os jornalistas nem sempre começam a questionar ou a prestar atenção a uma
"estória" ou uma perspectiva da "estória" apenas quando as fontes de elite abordam essas "estórias" ou essas
perspectivas, embora este último seja o comportamento tendencial, de acordo com Hallin (1994). Eles também
prestam atenção, por exemplo, àquilo que os afecta directamente ou aos acontecimentos cujo impacto os torna
difíceis de ignorar, apesar de, no caso da ponte, as "definições primárias" apresentadas pelo ministro Ferreira do
Amaral terem sido colocadas em causa não apenas devido ao protesto público dos cidadãos mas também devido
à (interesseira) intervenção nesse debate de personalidades de elite, como o próprio primeiro-ministro, Cavaco
Silva, que, na ocasião, não se coibiu de dizer que se não fosse primeiro-ministro porventura também buzinaria
na ponte, atacando, assim, o seu ministro. A intervenção dessas personalidades públicas, seguindo Hallin
(1994), terá, porém, levado os jornalistas a reforçar o seu interesse pela "estória" e pelas perspectivas da
"estória" apresentadas pelos agentes de poder (político, económico, sindical, associativo, etc.) externos ao
Governo.

Fig. 10 — Trabalhadores de estaleiros protestam em Lisboa frente à residência oficial do primeiro-ministro.


Inácio Rosa, Lusa-Lisboa, 22/6/94. A utilização dos polícias como enquadramento dos trabalhadores a
manifestarem-se (estética aplicada ao fotojornalismo), pretendida ou não pretendidamente, teve efeitos, já que o
ponto de vista que passa é, mais uma vez, o dos polícias, contribuindo-se, assim, para que os trabalhadores
possam ser vistos por um observador impreparado como ameaça à ordem pública. É ainda de salientar que os
cidadãos comuns tiveram acesso à fotonotícia porque se manifestaram, o que significa que, sendo o acesso aos
media, devido a factores como as rotinas, um bem socialmente estruturado, enquanto as figuras públicas,
nomeadamente os detentores de poder, têm um acesso estável aos meios de Comunicação Social, as restantes
têm de se fazer notar para o conseguirem. Além disso, as figuras não-públicas tendem a ser representadas em
papéis sociais restritos que não dão conta da sua diversidade e riqueza: manifestantes, criminosos, etc. Em
termos de geração de sentidos, as representações fotojornalísticas das figuras não-públicas podem ser
problemáticas, já que os news media tendem a atentar unicamente em comportamentos de excepção,
esquecendo tantas e tão ricas histórias de vida e dando uma imagem globalmemte adulterada daquilo que,
estereotipando, poderíamos denominar de "sociedade civil". Verifica-se também, nesta foto, a simplificação das
representações fotojornalísticas dos acontecimentos, em parte suscitada pelas rotinas: cobrir-se apenas a
manifestação não representa a complexidade das situações vividas pelos trabalhadores. Promover a polivisão do
mundo poderia, neste caso, ter passado, por exemplo, por um foto-ensaio sobre um dia na vida de um deles.

Repare-se também, como salientam Newman et al. (1992), que o conflito de forças polarizadas domina
[frequentemente] as notícias, pois o conflito ajustar-se-ia à interpretação noticiosa do mundo político, entendido
de uma forma vasta, como um mundo de oposições contínuas, do tipo "nós contra eles", que originam
vencedores e vencidos. Para os autores, as notícias do campo político teriam mesmo uma espécie de "face
humana" que forneceria exemplos a seguir ou evitar, podendo haver uma identificação com as acções
representadas. Nas notícias representar-se-iam, consequentemente, valores morais (diríamos mesmo que as
notícias têm uma espécie de "moral oculta", promotora de determinadas cognições e comportamentos
"aceitáveis").

A nível expressivo-compositivo, realce para o facto de o pequeno espaço incluído no enquadramento dar força,
através da concentração, aos actantes representados.

Fig. 11 — Operações de rescaldo num incêndio numa fábrica de tapetes, perto de Espinho. João Miranda, Lusa-
Porto, 27/6/94. Nesta foto é particularmente visível a necessidade que o fotojornalista tem de fazer confluir na
imagem os elementos geradores de sentido, especialmente quando se pretende, como é frequente na Lusa, uma
única foto por assunto. Vêem-se, assim, o bombeiro, a mangueira, a água e os restos da fábrica. Faltariam as
chamas, mas trata-se da representação de uma operação de rescaldo. A foto funciona como um signo
condensado. E esta funcionalidade específica dá-lhe um papel legitimador do trabalho do fotojornalista. De
facto, parece-nos que os signos condensados que são as fotografias validam e legitimam no fotojornalismo-Lusa
o acto fotográfico. Nelas, o fotojornalista procura fazer confluir os elementos que julga representativos,
podendo representá-los, por exemplo, em competição ou em acção mutuamente reforçadora do seu papel na
imagem. O facto de se mostrar a situação sob controle é um elemento susceptível de reforçar a tranquilidade
pública.

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Fig. 12 — Sporting-Juventus. António Cotrim, Lusa-Lisboa, 10/8/94. Os jogos de desportos colectivos que
opõem uma equipa a outra são ocasiões que o fotojornalista tende a abordar fazendo com que as suas fotos
sejam signos condensados. No caso, o elemento identificador do desporto (bola) e os jogadores oponentes
congregam-se num único espaço para gerar sentido (o Sporting venceu). Mais uma vez se verifica que a
representação de acção, podendo ser um critério de noticiabilidade, funciona primeiramente como um suporte
para a tensão que brota da fotografia.

A nível técnico, é conveniente salientar que o uso de teleobjectiva integra aparentemente os actantes por
"compressão", dando coesão à imagem devido à proximidade fictícia da cena. Por seu turno, a travagem do
movimento estende e aguça o nosso sentido da visão (o medium como extensão dos sentidos, na sua formulação
macluhaniana), confere espectacularidade à cena representada, dramatiza-a e sugere acção.

Fig. 13 — Estágio da equipa de futebol do Salgueiros em Esposende. João Miranda, Lusa-Porto, 22/7/94. Uma
fotografia que nasceu de uma intenção informativa ganhou um conteúdo estético que, de certa maneira, a
autonomiza. Os sujeitos actantes, partilhando um plano de conjunto, parecem dançar numa "terra de horizonte e
mar", como o slogan de Matosinhos. Em resumo, mesmo nas agências existe algum espaço criativo susceptível
de promover a desbanalização da actualidade, por exemplo, como aqui, insistindo na função poética que a
fotografia pode ter. O plano de conjunto, porém, parece incrementar a sensação de veracidade. Ora, se esta
veracidade é produzida através dos formatos específicos do discurso fotográfico (fotojornalístico), estamos a
falar de verosimilitude.

Sob o ponto de vista estético-compositivo, registe-se que a composição plana tende a igualar a importância dos
elementos.

Fig. 14 — Espectadores da Volta a Portugal em Bicicleta na Serra da Estrela. João Trindade, Lusa-Lisboa,
10/8/94. As figuras desconhecidas ganham protagonismo mediático quando se tornam notadas, como, neste
caso, devido à sua indumentária imprevista, quase a roçar a excentricidade, e pelo empenho que tiveram em
enfrentar as condições climatéricas para assistir à passagem dos ciclistas.

Fig. 15 — Apresentação da equipa de futebol do Belenenses da época 94/95. Inácio Rosa, Lusa-Lisboa, 3/8/94.
Esta é uma "foto de família", tradicional, isto é, de raízes histórico-culturais que até podemos buscar na pintura,
uma foto posada, conotante, que tem lugar no fotojornalismo de agência como material documental de registo
histórico. Consequentemente, também no desporto se abre espaço à representação fotográfica dos pseudo-
acontecimentos (Boorstin) e dos acontecimentos mediáticos (Katz). Nestas circunstâncias, os foto-repórteres
aproveitam também para fotografar individualmente, com teleobjectiva, cada jogador, com fins de arquivo e
para satisfação de eventuais solicitações posteriores dos clientes. Nas grandes cimeiras políticas, também se
fabricam situações especiais similares em que os políticos posam para fotógrafos e operadores de câmara. Mas,
como as cimeiras ocorreriam mesmo sem a presença dos news media, parece-nos que se inserem na categoria de
acontecimentos mediáticos (Katz), que adquiririam, assim, projecção mediática. A imagem será,
consequentemente, uma pseudo-fotografia jornalística; o exemplo das cimeiras dará lugar a fotografias
mediáticas.

Esta é, por seu turno, uma das raras imagens da Lusa em que se pode falar do cenário quase como um "actante",
pois possui efeitos expressivos (grandiosidade, etc). Por outro lado, o afastamento acentuado pela utilização de
uma grande angular empresta não só uma maior sensação de grandiosidade como também favorece a ideia de
coesão do grupo, embora não chegue à intimidade (a proxémia deve ser levada em linha de conta no
fotojornalismo, tendo em vista os efeitos desejados).

O cenário também dá uma ideia da localização geográfica da cena (estádio de futebol urbano) e permite a
identificação dos protagonistas como uma equipa de futebol, acentuando também a importância relativa do
facto representado (apresentação da equipa).

Fig. 16 — O ministro português dos Negócios Estrangeiros, Durão Barroso, recebe o seu homólogo holandês,
Peter Kooljmans. Manuel Moura, Lusa-Lisboa, 21/6/94. As ocasiões de Estado são, regra geral, acontecimentos
mediáticos em que há sempre lugar para a encenação funcional que é servida a fotojornalistas e operadores de
câmara, como o "tradicional" (raízes histórico-culturais) aperto de mão. Um exemplo, portanto, de uma
fotografia mediática no fotojornalismo de agência.

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Fig. 17 — Brasileiros festejam no Porto o quarto título brasileiro no Campeonato do Mundo de Futebol. João
Miranda, Lusa-Porto, 17/7/94. Determinados acontecimentos podem fazer crescer momentaneamente o
interesse mediático pelas comunidades estrangeiras radicadas em Portugal, que raramente têm acesso aos news
media. De referir também que é uma das raras fotos produzidas durante a noite, já que o fotojornalismo da Lusa
se concentra no dia. Também por aqui se verifica que o fotojornalismo gera e oferece representações da
realidade, mas não é o espelho desta.

Fig. 18 — Conferência de Imprensa do ex-secretário-geral do PS e actual primeiro-ministro, António Guterres.


João Trindade, Lusa-Lisboa, 28/6/94. O fotojornalista escolheu pelo observador e para o observador uma
aparência de realidade —neste caso uma encenação do espectáculo político— que consubstanciou no
enquadramento. Pseudo-acontecimentos como as conferências de Imprensa são ocasiões que testam a
criatividade do fotojornalista em ordem a fugir à monotonia das representações fotográficas desses eventos. O
mesmo sucede, aliás, com o "Portugal sentado". Nesta "pseudo-fotografia jornalística" (foto de um pseudo-
acontecimento), o repórter preferiu representar Guterres a caminho do palanque (ou de "uma nova maioria"),
sem, contudo, fugir à condensação dos elementos significativos numa única imagem: actante (expressão, figura,
rosto visível (o rosto visto como "o espelho da alma"), gesto, etc.), bandeiras, slogan, rosa socialista, palanque e
microfones. Uma imagem de leitura fácil e rápida, que, porém, e, provavelmente, sem intenção especial do
fotojornalista, pode, para quem a explore, trazer conotações imprevistas. De qualquer modo, o tipo de
abordagem fotográfica das conferências de Imprensa representado na foto também é relativamente comum, pelo
menos na Imprensa portuguesa.

Quando o obsevador atenta nos sujeitos das fotos, irá construir, eventualmente, caso já guarde uma ideia dos
sujeitos, reconstruir, a imagem que tem desses sujeitos. A preocupação pelo "congelamento" do gesto
significativo num determinado ambiente demonstra, por seu turno, a intenção do foto-repórter em criar emoção.
Mas, então, existe uma intervenção subjectiva do fotojornalista que desmascara a ideologia da objectividade e o
mito do espelho: a foto está subordinada ao ponto de vista do fotógrafo. A essa intervenção corresponderá uma
reconstrução social da realidade em função dos efeitos de sentido das imagens fotográficas. Uma ideia de
Adriano Duarte Rodrigues tem aqui aplicação: "O (…) realismo fotográfico assim como o conjunto dos hábitos
culturais dos leitores faz esquecer que, para além do seu carácter denotado, a fotografia jornalística veicula
também cargas valorativas específicas. Há por isso uma espécie de circularidade entre as expectativas da
personagem que se deixa fotografar e as expectativas do espectador da fotografia. É esta circularidade, feita de
cumplicidades dos olhares, que confere à fotografia as conotações culturais, definindo-a como testemunho, não
só de uma determinada realidade singular representada, mas dos valores, das preferências, dos hábitos, dos
desejos e dos ódios que circulam num determinado momento numa determinada sociedade."(28)

Há várias outras considerações a fazer a propósito desta foto. Em primeiro lugar, em consonância com Molotch
e Lester (1975), pode verificar-se que o poder (das "fontes") relaciona-se directamente com a (sua) capacidade
de criar acontecimentos públicos (o PS, principal partido da Oposição, teria essa faculdade, seria poderoso).
Quanto mais regular é o acesso dos agentes de poder às organizações noticiosas, maior o poder desses agentes,
especialmente em termos de construção de referentes, enquadramentos e sentidos para as notícias. Em segundo
lugar, é interessante notar que a construção de cenários para fotografia, televisão e sedução dos próprios
jornalistas poderá ter a ver com aquilo que Maltese (1994), em Spin Control (p. 214), chama "tecer o controlo",
neste caso em termos de geração de sentido

Fig. 19 — Reunião da Comissão Parlamentar do Poder Local e Administração do Território da Assembleia da


República. Alberto Frias, Lusa-Lisboa, 24/6/94. O "Portugal sentado" é difícil de cobrir, pelo que os repórteres
procuram recorrer à sua criatividade estética para evitar a similiaridade das fotos, insuflando conotação
(pretendida ou não, iludida ou não) à imagem, como no caso presente (paralelismo e verticalidade das linhas de
força, tampo da mesa rompendo o espaço inferior da foto e levando a uma leitura activa da imagem por parte do
observador, etc.). Todavia, os elementos significantes são mantidos quase inalteráveis (mesa, actantes
identificáveis, concentração nos gestos), facilitando a projecção de estereótipos.

Registe-se ainda que, na nossa óptica, os sujeitos representados nas fotos do "espectáculo político" estão
tendencialmente apostados numa competição, num jogo de influências, numa luta simbólica pelo poder, com
outros agentes de poder político com potencial para surgirem nas fotos. A notoriedade fotojornalística seria um
dos instrumentos de luta pelo poder, porque a fotografia jornalística, em si, não dá qualquer poder. Do confronto
inter pares resulta algum equilíbrio no peso da cobertura das principais vedetas da política. Mas, nos casos de
"frente a frente", como o da presente foto, o equilíbrio entre as partes resulta também do ânimo de neutralidade
do fotojornalista. Será interessante notar ainda que esta ambição de neutralidade e de imparcialidade do

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fotojornalista também poderá favorecer a uniformidade, já que o repórter poderá procurar tratar de igual modo
os diferentes sujeitos, especialmente quando se tratam de forças opostas mas relevantes do campo político.

Sujeitos representados nas fotografias e fotojornalistas estabelecem geralmente, como no caso do espectáculo
político, uma relação simbiótica: os primeiros querem ser fotografados e os segundos querem fotografá-los. De
qualquer modo, parece-nos que a Agência Lusa —até pelos resultados quantitativos— é algo passiva no
relacionamento com as fontes activadoras de cobertura fotojornalística oriundas do poder (latamente
considerado), o que dá vantagem estratégica a esses agentes do poder.

A nível estético-compositivo, há que realçar que o falseamento das proporções da mesa pode funcionar aqui
como um registo irónico, aguçado pela representação da "predação" jornalística sobre os políticos.

Fig 20 — Conferência de Imprensa de agricultores. Marcos Borga, Lusa-Coimbra, 13/8/94. Para terem tido
acesso aos media, estes agricultores tiveram de se fazer notar, manifestando-se e organizando-se. Mas a cultura
mediática que, de uma forma geral, já se instalou na sociedade ocidental e o conhecimento que adquiriram da
cultura mediática levou-os a convocar, posteriormente, a conferência de Imprensa representada na foto. Após as
figuras não-públicas terem obtido o "direito" à cobertura, esta faz-se de forma semelhante às conferências de
Imprensa das figuras públicas com acesso naturalizado aos media: concentração no gesto, na expressão, etc. De
qualquer modo, as fontes "não oficiais" têm de construir uma determinada credibilidade junto dos news media,
recorrendo a determinadas estratégias comunicacionais, como a constância das solicitações, que poderá
corresponder a alguma sistematicidade na cobertura.

Fig. 21 — O candidato vencido às eleições presidenciais guineenses, Kumba Iala, a votar, em Bissau. Manuel
de Moura, Lusa-Lisboa, 7/8/94. A Lusa procura dedicar alguma atenção aos PALOP, mas os recursos
fotojornalísticos que lhes afecta são insuficientes para o trabalho que há a fazer. Daí o destaque dado a temas
muito concretos e limitados no tempo, como a cobertura das eleições presidenciais. Neste caso, ao salientar a
cultura da democracia de importação, o foto-repórter, apesar de ter consciência disso (ver entrevista a Manuel
Moura), não pôde abordar outros temas, incluindo aqueles cuja dimensão cultural fosse especificamente
guineense, para o que, de resto, se teria de preparar especialmente. De resto, mais uma vez a carga histórico-
cultural que o foto-repórter carrega funcionou: atenção dada ao momento em que os candidatos depositam o
voto na urna, a confirmação de que votaram, de que estavam lá, supõe-se que para votar em si próprios; atenção
dada ao gesto. Este, pela nossa leitura, poderá ser de esperança na vitória, mas também poderá ter outras
conotações, em função, até, do maior ou menor conhecimento do contexto da situação, pois a deslocalização
conceptual pode gerar conotações não pretendidas.

Fig. 22 — O ciclista Américo Silva no podium, em Torres Vedras, após ter vencido a primeira etapa do Grande
Prémio Joaquim Agostinho. Nas sociedades contemporâneas permanece vivo o mito do herói. Os media são
influenciados por esse mito e, ao sugerir representações do "heroísmo", particularmente nos espectáculos
desportivos, retroalimentam-no.

Fig. 23 — Embaixador do México em Portugal, Franciso Ochoa. Manuel de Moura, Lusa-Lisboa, 19/8/94. Esta
fotografia foi tirada unicamente para acompanhar um texto do serviço geral, cumprindo essencialmente duas
funções: 1) poder ilustrar o texto; e 2) identificar visualmente o personagem em questão, possibilitando ao
destinatário a construção de uma imagem mental do sujeito representado.

Plano médio, "objectivante", pose, verticalidade, ênfase nas feições, pequena profundidade de campo.
Envereda-se por um realismo "objectivante" (só contrariado pela pequena profundidade de campo) e gera-se
conotação: que sentidos, para o observador, terão o trejeito na face, a pose, a rigidez, a verticalidade, a
focalização no olhar (que facilita a identificação e nos parece transmitir que "quem nos olha nos olhos não
mente—na Lusa é impensável "dar" os sujeitos com os olhos fechados, e esta até é uma das razões pelas quais
os foto-reporteres fazem várias exposições de um motivo)? Fica a dúvida: uma foto pretendida? Ou uma foto de
recurso de quem não pôde explorar a situação, por exemplo através de várias fotos durante a entrevista, devido a
uma eventual sobrecarga de trabalho relacionada com o número de incumbências da agenda?

No que respeita à composição e expressividade, temos ainda a dizer que o plano médio próximo denuncia
alguma intenção de penetração na intimidade da personagem (que ganha maior expressão no grande plano) e
tende a destacar uma versão da sua personalidade. O cenário, por seu turno, permite a localização física
(território mexicano, devido à presença da bandeira do México). O cenário, em conjunto com as roupas, permite
a localização da importância social do sujeito, apreciações em relação a esse sujeito, a qualificação da
personagem, etc.
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Fig. 24 — Descarrilamento de comboio perto do Porto. Francisco Neves, Lusa-Porto, 29/6/94. O verdadeiro
acontecimento, o imprevisto e notável, tem sempre lugar na cobertura fotojornalística, mas perde terreno para os
pseudo-acontecimentos e para os acontecimentos mediáticos, fabricados para serem notícia. Raramente, porém,
os fotojornalistas conseguem imagens do acontecimento. O que oferecem são imagens de substituição, como a
da foto. Não há aqui também qualquer exploração significante da situação. A foto é tendencialmente unívoca,
mas "pelo menos" também não envereda pelo sensacionalismo barato, tal como não cede à estética do horror. E
foge em parte à regra da presença "tranquilizadora" da autoridade e do socorro.

Adriano Duarte Rosrigues tem sobre as fotografias jornalísticas, particularmente as que se reportam a acidentes,
uma intuição interessante: "A fotografia jornalística converte (…) o acontecimento fotografado em
acontecimento notável, em cena emblemática. O amontoado de destroços de um acidente particular (…) é por
antonomásia a representação da categoria ontológica do acidente, é o acidente por excelência (…). Neste
sentido, podemos reconhecer à fotografia jornalística o papel de modelizar a própria realidade, de fabrico de
modelos da realidade."(29)

Registe-se, ainda, que as rotinas promovem a estabilidade organizativa. Daí que os desvios às rotinas, como
parcialmente tende a acontecer nos casos da cobertura de verdadeiros acontecimentos, tendam a ser tratados de
forma a regressar-se à conformação inicial. Daí que existam também abordagens mais ou menos padronizadas
dessas ocorrências, como acidentes, em que se procuram mostrar as consequências, a vítimas, os socorros, a
autoridade, etc., tudo numa única foto (a figura 67, neste campo, é algo atípica).

Do ponto de vista estético-compositivo, oferece-nos chamar a atenção para a composição em profundidade, que
tende a relacionar os elementos, hierarquizando-os pelo plano de profundidade em que surgem (neste caso,
paradoxalmente, a linha férrea, em primeiro plano, embora funcione como uma linha de força que conduz ao
motivo principal, não deixa de ser, por isso, mais privilegiada que o motivo). Por outro lado, o distanciamento
pode reforçar a sensação de desolação, acentuando, assim, o dramatismo da situação.

Fig. 25 — A miss Portugal-Montreal-Quebec, Mónica Borges, de 17 anos, visita Lisboa. Inácio Rosa, Lusa-
Lisboa, 23/6/94. A cedência da Lusa ao glamour, à foto-charme, afinal o produto mais rentável no mercado
fotográfico nos dias que correm.

Registe-se, a propósito desta imagem, que o fotojornalista parece ter-se preocupado minimamente com a pose
do motivo (trata-se de uma soft news). As suas preocupações restantes terão ido para o cenário, identificador do
local e acentuador da beleza, e para a composição (rosto no centro visual do rectângulo-imagem; corpo oblíquo
com a "clássica" rotação da cabeça; composição do cenário paisagístico de acordo com a regra dos terços;
vigilância da linha do horizonte, de forma a que ficasse efectivamente horizontal e que marcasse o terço
horizontal inferior, etc.)

Pelas fotos atrás inseridas, verificamos que o fotojornalismo da Lusa, em Agosto de 1994, era um
fotojornalismo tendencialmente uniforme, homogéneo e padronizado, era mesmo quase um fotojornalismo
pastiche, feito para se parecer com a produção anterior, até porque se destinava a um amplo mercado. Para esta
caracterização global, concorriam ainda as seguintes características particulares:

a) Era um fotojornalismo que se concentrava nos factos, não na contextualização


destes nem nas problemáticas, pouco contribuindo, portanto, para mudanças na
consciência cívica, política e social das pessoas; as fotos eram tendencialmente
unívocas por não explorarem a significação, aparentando auto-suficiência; por outro
lado, as fotonotícias eram personalizadas, centradas nos protagonistas dos
acontecimentos;

b) Independentemente da pluralidade fotográfica resultante da maneira específica com


que cada fotógrafo olhava para o mundo, a fotografia produzida na Lusa era,
principalmente, uma fotografia de semelhanças, de convergências, sem rasgos
diferenciadores que acentuassem uma verdadeira polivisão do mundo;

c) O Serviço de Fotonotícia reportava o imediato, o que tinha importância


relativamente momentânea; não abordava grandes temas de importância mais perene,
intemporal;

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d) O discurso fotonoticioso repetia mais os mitos, as estruturas, as ideologias e valores


dominantes (conforme exclamava Armand Mattelart, em 1997, no XX Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, o grande poder da ideologia é o de ser capaz
de mostrar a sua ordem como a única possível) do que dava pistas para se compreender
e analisar essa sociedade —concorde-se ou não com a sua estrutura— e alargar
horizontes; assim, servia essencialmente uma produção simbólica ligada à
continuidade de conceitos (os desportistas, o Presidente, o primeiro-ministro, etc.);

e) As fotos respondiam, usualmente, às mesmas questões a que tradicionalmente se dá


resposta nas notícias verbalmente enunciadas (o que tem raízes culturais —
recordemo-nos que já na narrativa homérica, no seu modus per incrementa, ou em
Quintiliano, se encontravam ou propunham alguns dos traços da narratividade da
notícia moderna); o acontecimento representado nas fotos era a resposta a "o quê?"; os
actantes, quase sempre muito bem identificados, respondiam a "quem?"; o espaço, a
cena do acontecimento representado respondia a "onde?"; as respostas a "como?" e
"porquê?", que poderiam fundar-se na contextualização, eram as mais ignoradas;
porém, raramente se procurava responder à questão "quando?" através da imagem (ao
contrário do que, por exemplo, fez Koudelka durante a Primavera de Praga): a essa
pergunta respondia-se na legenda, elemento que orienta para o sentido da foto;

f) O fotojornalismo da Lusa alimentava-se de uma retórica do "estávamos lá" como


sinónimo de verdade e da enfaticidade fotográfica (nitidez, exposição "correcta",
contraste figura-fundo, planos médios susceptíveis de impor o motivo ao observador
com maior facilidade, etc.) como sinónimo de objectividade; as imagens produzidas
ancoravam-se, portanto, ao efeito-verdade e tinham êxito na atmosfera de contornos
positivistas de que em parte ainda hoje molda a sociedade; era o mito da foto "espelho
do real" a funcionar, da foto isenta da personalidade, do interesse, do desejo, de
padrões culturais e de códigos, da foto que, julgando perseguir a verdade, perseguia
essencialmente o realismo (pese embora a utilização expressiva e significativa da
pequena profundidade de campo, em alguns casos pouco realista) e a já referida
enfaticidade, camuflando a mediação; a foto da Lusa, altamente legível, passava pela
realidade que não era;

g) A fotonotícia da Lusa aparentava ser perspectivada como uma mercadoria


rapidamente perecível, sujeita a um rápido consumo dentro de um período de validade
em que a data de caducidade surge bastante próxima da data de fabrico; aliás, o fazer
"bem" joga-se, em grande medida, na "imitação", na comparação com o que é
considerado "correcto", no efeito de osmose que o fotojornalista enfrenta ao socializar-
se e aculturar-se na organização e na profissão;

h) A prática fotográfica na Lusa revelava quase unicamente o desejo de capturar o


acontecimento numa imagem que, enquanto signo condensado, o representasse, num
quadro produtivo em que a acção e a velocidade se tornaram critérios preponderantes
de valor-notícia, por vezes, esbatendo a importância da qualidade da imagem enquanto
news value especificamente fotonoticioso;

i) A imagem que o fotonoticiário da Lusa dava da realidade social era a de uma


realidade fragmentada em acontecimentos aparentemente desconexos, cujas
representações fotojornalísticas, ao serem rapidamente difundidas para que a Lusa
tirasse partido da ideia de novidade, acentuavam essa fragmentação; as figuras não-
públicas foram também, essencialmente, representadas assumindo comportamentos de
excepção, o que terá, certamente, os seus efeitos ao nível da construção social da
realidade;

j) Eram pelo menos raras as representações de grupos nacionais minoritários, mas as


vozes críticas ao Governo e aos poderes eram representadas (o ânimo de
independência, neutralidade e isenção que emana das ideologias profissionais e do
universo mítico do jornalismo também tem consequências que pessoalmente
reputamos de "positivas");

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k) Não existia um especial interesse visual nas fotos. A cobertura fotojornalística da


Lusa tendia para a sobriedade, excepto no desporto, em que as representações da acção
caminhavam no sentido do espectáculo. Quando tomadas em conjunto e
sequentemente, poderíamos mesmo conectar as várias fotos fabricadas sobre um
evento desportivo com as narrativas audiovisuais, devido à tensão da acção, ao
progresso da acção e ao ritmo. Por outro lado, não se notaram relevantemente o
recursos a efeitos expressivos como os proporcionados pela exploração dos cenários
(grandiosidade, minimização, opressão, relevância, etc.) ou dos contrastes luz-sombra
(focalização da atenção, contrastes "maniqueístas", rumo em direcção à luz ou às
trevas, etc.).

Em termos de mercado a estreiteza dos limites produtivos na Lusa poderá ter efeitos contraprudecentes, pois,
em princípio, cada vez mais o mercado exigirá a diferenciação, já que ser diferente traz potencialmente maiores
lucros às empresas.

A padronização e homogeneização, por vezes a estereotipização do formato-Lusa(30), mantinham o produto


fotonoticioso dentro de limites que afectavam não apenas a esfera da produção, ao restringir o campo de
actuação, realização e selecção de foto-informação e ao circunscrever formas de actuação (rotinas), mas
também a esfera do consumo, ao promover determinados sentidos (ou um único sentido) em detrimento de
outros. De algum modo, a regularidade mais ou menos estereotipada estampada nas representações fotográficas
tinha um efeito contrário ao da imagem fragmentada da realidade social gerada pelo fotonoticiário, pois parecia
contribuir para a construção de representações unívocas e contínuas do mundo. Haveria, assim, uma espécie de
novidade sem mudança, isto é, as mudanças hipotéticas nunca ocorreriam verdadeiramente, apesar da novidade
de actos como as manifestações contra as portagens na Ponte 25 de Abril ou os protestos de trabalhadores, já
que as representações fotográficas dos acontecimentos davam a sensação de que estes se repetiriam
indefinidamente. Trata-se de uma amplificação da estrutura do sistema, em que o "cheirinho" a novidade
satisfazia um pouco da vontade de mudança sem que pouco ou nada, na realidade, mudasse.

Para o observador desatento, a foto-Lusa dava a sensação de não manipular o tempo ou o espaço, apesar de o
fazer: a foto-Lusa "sacava" do real, representava momentos ou fragmentos de uma realidade percepcionada.
Mostrámos, aliás, que a foto jornalística da Lusa arrancava o acontecimento representado do contexto social em
que ocorreu. Remetia-o, inclusivamente, para o contexto da publicação, isto é, para o contexto discursivo-
comercial dos órgãos de Comunicação Social, onde adquiria o seu "sentido final", fosse ou não o pretendido.
Daí que defendamos para o fotojornalismo a foto exploradora do contexto, portanto, uma foto interpretativa
que, eventualmente, abandone as ambições miméticas com a realidade. A foto interpretativa não só nos parece
ser tendencialmente a mais apta a gerar o sentido pretendido no seio dos media como também salientará a acção
conscientemente mediadora do fotojornalista.

A concentração em determinados tipos de acontecimentos que a Lusa evidenciava torna, por seu turno, mais
clara a concepção hierarquizadora de factos notórios no contexto da realidade social. Além disso,
particularidades das representações fotográficas, como a forma como eram tratadas as figuras não-públicas,
reforçava os princípios estruturais do sistema, sistema esse em que a própria prática fotojornalística da Lusa se
insere. Tal é uma manifestação intrinsecamente ideológica, e não podemos ignorar que:

"Esa ideologia profesional es una de las causas, o quizá uno de los efectos, del
establecimiento de un sistema de valores que consagra un tipo de sociedad basada en
la delegación de los poderes y capacidades individuales; en la homogenización y
uniformidad de los cambios; en la jerarquización de cualquier conducta humana; en
la aunción, en suma, no sólo de un orden social supraindividual sino transnacional, en
el cual todo está definido y formalizado según unos principios de desarrollo social
basados en la productividad y en el control de los espacios y tiempos no productivos."
(31)

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Apesar da sobriedade geral da cobertura, mais atenuada durante acontecimentos explosivos, como os confrontos
na Ponte 25 de Abril, ou eventos desportivos, devido, neste caso, (também) à sua intrínseca natureza
competitiva, a imagem fragmentada que a foto-informação da Lusa dava do real social e a atenção voltada para
detalhes frequentemente algo insignificantes (descontextualizantes) enquanto explicação, interpretação do
acontecimento representado, e a categorização temática limitante ou até "estanque" devido à sua orbitagem em
torno das secções que dividem a redacção da Agência e dos clientes, eram duas características da produção Lusa
que apontavam no sentido não apenas da construção social da realidade mas da construção social de uma
realidade espectacularizada, cheia, por exemplo, de gestos expressivos e dinâmicos. Assim, a verosimilitude das
mensagens fotonoticiosas da Lusa teria uma dupla natureza, pois seria resultado (1) do formato (plano médio ou
de conjunto "objectivantes", alto contraste, etc.) e (2) do seu desempenho referencial em relação às aparências
do acontecimento.

Também se verifica que os fotojornalistas da Lusa-Lisboa não cedem à "estética do ruído" (distorções, etc.).
Pelo contrário, seguem uma via que poderíamos designar por aproximação e fidelização à aparência do real.
Mas o real, paradoxalmente, surge nas fotos como que desrealizado, devido à simplificação, descomplexidade,
clareza e normalidade com que é representado nas fotografias dos foto-repórteres da Lusa.

A fotografia produzida na Lusa não continha, por outro lado, abundante informação visual. Neste sentido, era
uma fotografia empobrecida. Os observadores, porém, ou até por força disso, talvez as percebessem como
evidência ou informação, por duas razões: 1) acompanhavam "estórias" narradas em texto; e 2) os observadores
eventualmente percebiam a imagem como categórica, um episódio de outras imagens similares.

Podemos também verificar que as imagens fotojornalísticas são reais. Podem ser observadas, investigadas,
enquadram-se num determinado processo produtivo e julgamos que terão poder político e efeitos culturais.(32)

No campo do poder político, a credibilidade da foto enlaça política e verosimilitude. Visualiza-se, na fotografia
produzida na Lusa, o domínio público e, por vezes, o próprio público, construído, em parte, por acção dos
media(33). Mas estas relações são problemáticas:

"The sense-making component of this process of social visualization and control (…) is
not reporting, if by that is meant observation and recording of a thing or event; sense-
making is rightly identified (…) as ongoing articulation of the proper bonds of
behavior; it is an exercise in disciplining social activity ('organized behaviour'), by
means of discourse ('constructing', 'defining', 'articulation'). The social function of
journalism has at this general structural level nothing to do with the reality or truth of
pre-discursive events in themselves, but with the diegetic world imagined inside
reporting; a world verified by constant and militant reference to the real, to be sure,
but one in which the real is secondary to the vision, for it is the visualization of
order/disorder that is authenticated by reference to actuality (…). Journalism [um
discurso social], in short, makes sense by inventing the real in the image of vision."
(34)

2.1. ENTREVISTAS AOS FOTOJORNALISTAS

Alberto Frias

Alberto Frias, jornalista do V Grupo, era, em 1994, o editor-fotográfico da Agência (chefe do serviço). Nascido
em Lisboa, em 1958 (36 anos em 1994), Frias desde cedo se ligou sentimental e profissionalmente à fotografia,
tendo colaborado com os jornais O Diabo, A Rua, O País, O Dia, Tal & Qual e Anglo-Portuguese News antes
de ingressar na Lusa. Foi também photo stringer da Associated Press. Em 1994, usava material Nikon.

Em Agosto de 1994, não foi possível realizar uma entrevista pessoal a Alberto Frias, porque este fotojornalista
partiu de férias pouco tempo após a nossa chegada.

João Trindade

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João Trindade era jornalista do II Grupo, em 1994. Ao contrário dos seus companheiros, usava material Canon
(sistema EOS), provavelmente devido à rapidez do autofocus.

Em Agosto de 1994, este fotojornalista estava a cobrir a Volta a Portugal em Bicicleta, pelo que não foi possível
realizar qualquer entrevista com ele.

Fig. 26 —A Bela e o Presidente, Alberto Frias, Lusa-Lisboa. Esta é, provavelmente, a foto mais conhecida de
Alberto Frias e foi aquela que o repórter escolheu para a exposição O Fotojornalismo Hoje. Esta feature photo
de fait-divers, exemplificativa do fotojornalismo de agência no que este tem de atenção às figuras-públicas e de
produtor de objectos comercializáveis não deixa, também, de lembrar certos aspectos da candid photography.

Manuel de Moura

Manuel de Moura, jornalista do VI Grupo, já foi editor-fotográfico da Lusa (chefe do serviço). Nascido em
Oliveira do Hospital, em 1950 (44 anos em 1994), esse fotojornalista veio para Lisboa, aos 16 anos, trabalhar
num escritório. Em Março de 1967, numa altura em que as telefotos ainda eram recebidas em papel fotográfico
comum que necessitava de ser revelado, Manuel de Moura iniciou-se no fotojornalismo, trabalhando no
laboratório de recepção de telefotos da delegação de Lisboa da Agência Europa Press, uma agência gráfica
espanhola, que na actualidade continua a existir, mas em outros moldes. Em princípios de 1969, começou a
fotografar, já usando o 35 mm e não as câmaras de médio formato (6X6) que ainda subsistiam no
fotojornalismo português. Entretanto, em 1970, um grupo português adquiriu a delegação da Europa Press,
formando uma agência fotográfica portuguesa, a TelImprensa, que era a única da época, e na qual Manuel de
Moura também trabalhou. Nesta agência, já se recebiam e enviavam telefotos, através dos serviços de Bruxelas
da UPI. Com o 25 de Abril, a TelImprensa foi à falência, e os seus fotojornalistas —entre os quais Manuel de
Moura— foram admitidos na ANOP.

Na carreira de Manuel de Moura avulta o facto de ter sido um dos primeiros foto-repórteres da Agência Notícias
de Portugal, antes de ingressar na Lusa. Este fotojornalista foi também um dos participantes na exposição
colectiva itinerante da Lusa "125 Anos de Fotografia no Mundo e 25 de Agência em Portugal". Foi ainda
galardoado duas vezes pelo Clube Português de Imprensa e recebeu o Primeiro Prémio de Fotojornalismo da
Notícias de Portugal. Em 1994, usava material Nikon e recorria, no dia a dia, a uma gama de objectivas que ia
dos 20 mm aos 200 mm. Quando o entrevistámos, tinha acabado de regressar de uma reportagem sobre as
eleições para a presidência da Guiné-Bissau.

Jorge Pedro Sousa — Considera-se mais um jornalista ou um fotógrafo?

Manuel de Moura — Essencialmente sou um fotojornalista, alguém que tem que aliar o jornalismo à imagem e
vice versa. Enquanto um redactor conta a "estória" pela escrita, nós contamo-la pela imagem, pelo que temos de
estar perfeitamente inteirados da situação, do acontecimento, da situação nacional e internacional, temos de
saber quem é quem, onde é o quê, como, tirar elementos para depois na redacção se poderem dizer todas essas
coisas.

JPS — Chegou a fazer algum curso de fotografia ou especificamente de fotojornalismo?

MM — Não. Fiz foi um estágio na France Press, em Paris, em 1979.

JPS — Nota a falta de um curso de fotografia ou fotojornalismo no seu exercício profissional?

MM — Não, nem por isso. Aprendi bastante com colegas e li alguns livros.

JPS — Quais —se é que as houve— as grandes modificações que notou na sua obra, desde que começou a
fotografar até hoje?

MM — Hoje há mais liberdade para se trabalharem os temas, embora eu nunca tivesse sentido limitações. Mas
havia sempre o preconceito ou a estética de não ferir. A maneira de trabalhar era mais comedida, mas mais por
motivos pessoais do que pela existência de limitações de qualquer ordem. Claro que nos aspectos técnicos, a
maneira de trabalhar evoluiu bastante. Actualmente, há maior rapidez entre o momento em que se fotografa um
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acontecimento e a divulgação das fotografias, quase que em meia-hora se põe a fotografia nas redacções. A
digitalização das transmissões permite também, além da rapidez, uma maior qualidade na transmissão à
distância…

JPS — Quando começou, quanto tempo demorava o processo de transmissão?

MM — Demorava imenso tempo. Só uma fotografia demorava 14 minutos a transmitir.

JPS — Tem temas fotojornalísticos da sua preferência?

MM — Gosto essencialmente de política, mas gosto também de temas sociais, ao nível das comunidades, das
relações entre as comunidades e o ambiente, do modo de vida das pessoas. Também gosto de retrato. À parte do
fotojornalismo, gosto muito de fazer macrofotografia, de realçar pormenores, de plantas, do ambiente,…

JPS — E há temas que não goste de fotografar e já tenha sido obrigado a fotografar?

MM — Desporto. O desporto raramente me sai bem. Talvez não tenha muita apetência para o tema…

JPS — Os temas a que se dá destaque na Agência Lusa são realmente os temas que considera mais
importantes para serem fotografados?

MM — Basicamente aqui na Lusa só se faz agenda, pelo que fica muita reportagem por fazer, muitos sítios por
fotografar, não só em Lisboa como ao longo do País. Então em África, nos PALOP, havia muitíssimo a explorar,
mas é uma questão da política da Agência. Estamos um bocado restritos à agenda e mesmo quando há saídas
estas são feitas com base na agenda, como ocorre nas visitas de Estado, numas eleições, pouco mais se faz além
disto.

JPS — Nunca propôs à Agência realizar determinados projectos de maior envergadura ou simplesmente
projectos alternativos de reportagem?

MM — Já cheguei, há alguns anos atrás, mas vi pouca abertura e vontade para esse tipo de iniciativas, o que me
desanima e o que é algo que nos leva a nós, fotojornalistas, a controlar mais os nossos actos e a limitarmo-nos
quase a fazer unicamente o que a agenda indica e o sector tem programado.

JPS — Já lhe deve ter sucedido fotografar acontecimentos com algum índice de violência ou
traumaticidade…

MM — Sim, várias vezes… Na vida de fotojornalismo apanha-se de tudo…

JPS — Qual é que acha que deve ser o procedimento de um fotojornalista ao realizar a cobertura desse
tipo de acontecimentos, que tratamento procura dar?

MM — Procurar não chocar a opinião pública. Eu lembro-me de ter fotografado o acidente ferroviário de
Alcafache, há alguns anos atrás… Um ambiente tenebroso… Um cheiro nauseabundo… corpos carbonizados…
Mas penso que consegui evitar as imagens chocantes. "Deram-se" destroços, "deram-se" comboios, "deram-se"
corpos na morgue do hospital de Mangualde, mas já cobertos. O fotojornalista não deve escamotear, mas
também não deve ferir a sensibilidade do público.

JPS — Os fotojornalistas portugueses cumprem o Código Deontológico, nomeadamente na cobertura de


acontecimentos violentos e traumáticos?

MM — Nem todos, uns sim, outros não, mas também depende dos critérios de cada um, da maneira de
interpretar o Código Deontológico, da sensibilidade própria, já que o que é sensível para um pode não o ser para
outro. Na Lusa, de uma forma geral parece-me que cumprimos o Código.

JPS — Já solicitou a pessoas para fazerem poses?

MM — Já tenho pedido para facilitarem, mas para posarem só em casos em que isso não desvirtue o
fotojornalismo. Se é uma assinatura de um protocolo, por exemplo, em vez de estarem com a cabeça baixa
podem levantar um bocadinho a cabeça quando estão a assinar, ou se as pessoas estão de costas podem virar-se
para nós… Não tem qualquer interesse fotografar pessoas de costas ou que não se identifiquem…
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JPS — Qual é o tratamento informático a que sujeita as suas fotos?

MM — Aqui o tratamento que se dá é apenas para melhorar a imagem e nunca para alterar a fotografia ou o seu
sentido. Pode-se realçar o recorte, outras vezes tira-se da imagem um ou outro lixozinho que aparece no
negativo, mas nada que desvirtue o sentido e a imagem.

JPS — Já passou por algumas situações em que tivesse de fotografar subrepticiamente?

MM — Isso acontece de vez em quando. Muito recentemente, na Guiné-Bissau, estava um barco de guerra a
arder numa zona restrita, num cais militar. Eu consegui entrar, com a máquina meia oculta, e consegui
fotografar sem dar nas vistas, sem mostrar que estava a fotografar, sem enquadrar, sem focar, sem nada, mas
com cálculos mentais das imagens que poderia obter. E consegui, mas de um rolo de 36 só aproveitei dois ou
três negativos.

JPS — Prefere objectivas de uma determinada distância focal para cobrir acontecimentos como as
conferências de Imprensa?

MM — Em agência fica um bocado inestético dar de uma conferência de Imprensa um plano geral, não se usa
muito. Deve-se "puxar" pelo acontecimento, realçar o que realmente se passou, e, portanto, numa conferência
de Imprensa, por exemplo, dá-se um grande plano da pessoa que interveio na conferência, ou então se houver
algum interesse adicional, enquadrar a pessoa com o assunto que se adiciona ou então, por exemplo, se há um
mapa, um gráfico, um painel, enquadra-se a pessoa com esse elemento, sempre tentando evitar dar um plano
geral. Tenta-se também não dar um plano horizontal na fotografia, isto é, evita-se compor a fotografia com os
objectos formando linhas paralelas às linhas do negativo. Se se dá um plano geral, de frente, em paralelo à
mesa, a fotografia fica inestética. Portanto, vou mais para o grande plano [plano médio] a 90 graus ou a 45
graus.

JPS — Como é que vê o futuro do fotojornalismo, especialmente em Portugal?

MM — Penso que o fotojornalismo tem sempre futuro. Há sempre novos motivos de interesse, até porque este
mundo está em permanente evolução e ebulição. Além disso aparecem sucessivamente novos títulos, cada vez
mais a Imprensa tem interesse em publicar mais imagens e as novas tecnologias fazem com que a fotografia
evolua, o que poderá levar ao desaparecimento gradual do negativo, algo que aumentará a velocidade de
processamento. A fotografia com uma pequena legenda (fotolegenda) poderá ser um dos géneros com maior
futuro na Imprensa, devido à velocidade a que decorre a vida diária.

Fig. 27 — Glorioso, Manuel de Moura, Lusa-Lisboa (foto integrada na exposição O Fotojornalismo Hoje). A
atenção ao pormenor simbólico demonstra o papel (re)construtor da realidade referencial pró-ficcional que
possui a fotografia jornalística e constitui um exemplo de como, por vezes, a força criativa de um autor, mesmo
no fotojornalismo de agência, se pode sobrepor às rotinas. Esta originalidade, assente na força interior de cada
foto-repórter, devia ser acarinhada e incentivada no fotojornalismo-Lusa.

António Cotrim

António Cotrim, jornalista do IV Grupo, nasceu em 1958, em Lisboa (36 anos em 1994), cidade onde sempre
viveu. Associou-se ao mundo do jornalismo em 1974, ano em que colaborou com a antiga Agência Lusitânia.
Só depois ingressou na ANOP, onde foi responsável pelo sector de compras e aprovisionamento. Foi deste
sector que transitou para o fotojornalismo, quando a Notícias de Portugal se fundou. Na altura, os fotojornalistas
da ANOP foram para a NP e António Cotrim, devido ao seu interesse por fotografia, foi convidado a ingressar
na secção de fotojornalismo da Agência estatal, em 1980. Quando a ANOP e a NP se fundiram, fundando a
Lusa, passou a integrar os quadros do Serviço de Fotonotícia. Em 1994, dizia que não estava nada arrependido
da sua opção profissional.

António Cotrim participou na exposição colectiva itinerante da Lusa "125 Anos de Fotografia no Mundo e 25
de Agência em Portugal". Em 1994, usava material Nikon e recorria, no dia a dia, a uma objectiva zoom 35-
70mm, uma 80-200mm e uma de 24mm.

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Jorge Pedro Sousa — Frequentou algum curso de fotografia ou de fotojornalismo quando ingressou na
profissão ou depois?

António Cotrim — Não. Li muito e tive a sorte de, na ANOP, ter trabalhado com alguns dos grandes
fotojornalistas que há neste País —Alfredo Cunha, Acácio Franco, Eduardo Gageiro, Luís Vasconcelos— que
foram os meus "professores". Mas ainda continuo a aprender.

JPS — Considera-se mais um jornalista ou um fotógrafo?

AC — Nunca cometa o erro de nos chamar fotógrafos, porque fotógrafos é uma coisa e nós somos repórteres
fotográficos. Eu considero-me um repórter, um jornalista. Às vezes até há serviços que fazemos sozinhos e para
os quais temos de redigir um pequeno texto ou de dar informações a um redactor para que este construa um
texto.

JPS — Ao fotografar, preocupa-se mais com o sentido estético ou com o sentido informativo?

AC — Preocupo-me mais com o seguinte: se eu no dia seguinte lesse um jornal, que fotografia sobre o assunto
que fui cobrir é que eu gostaria de ver lá. É com base nisto que eu fotografo.

JPS — Ao cobrir uma conferência de Imprensa, por exemplo, o que é que tenta representar, condensar,
na fotografia?

AC — As conferências de Imprensa geralmente são do tipo Portugal sentado. Temos que criar bastante para não
fazermos fotos muito semelhantes. Mas as possibilidades de variar são reduzidas. Aliás, vê-se que o que sai nos
jornais é tudo o mesmo.

JPS — Que motivos prefere fotografar?

AC — Adoro fotografar crianças. A seguir, gosto de fazer reportagem do dia a dia, ter um assunto para ir
fotografar e saber que tenho ali um pequeno período de tempo para fazer as coisas à minha vontade.

JPS — Considera que fotografa os assuntos que realmente interessam aos cidadãos deste País?

AC — Neste País fotografa-se aquilo que se pode. No dia a dia não conseguimos variar muito. Fazemos uns
clichezitos que são muito bem aproveitados pelos jornais, mas fora isso… Isto é "um País à beira mar plantado"
onde há poucas coisas para fazer, tirando as conferências de Imprensa, o desporto… A Lusa, neste momento,
tem uma possibilidade, que era voltar-se para os PALOP, tentar desenvolver aí um bom trabalho, pois tem
pessoas à altura.

JPS — Então, há poucas alternativas ao trabalho que a Lusa desenvolve hoje?

AC — Há alternativas, desde que a Lusa se vire para outros géneros de actividade. Os PALOP são uma opção,
até porque no País os jornais têm as suas equipas próprias, tentam cobrir aquilo que a Lusa cobre. Acho que o
futuro desta Agência está nos PALOP.

JPS — Há algum assunto que não goste de fotografar e seja ou tenha sido obrigado a fazê-lo.

AC — Detesto quando me mandam fotografar funerais ou velórios. É uma altura de sentimento, em que estão
ali os entes queridos, é um momento que deve ser de intimidade. Se fizessem isso com algum familiar meu, eu
ficaria muito aborrecido e não sei como reagiria. Mas nós temos uma coisa que é às vezes as tristezas dos outros
serem as nossas alegrias. Quando acontece um acidente grande, por exemplo, conseguimos fazer, por vezes,
algumas coisas diferentes…

JPS — Nesses casos, que actuação tem, nomeadamente quando há feridos ou mortos?

AC — Eu tento sempre mostrar aquilo que eu gostaria de ver no dia seguinte. Uma vista geral do local, para as
pessoas localizarem o acontecimento. Imagens que não sejam muito dramáticas, até porque nós fazemos parte
da EPA e na EPA há um acordo de cavalheiros no sentido de não se explorarem sensacionalisticamente
acontecimentos dramáticos.

JPS — Os fotojornalistas da Lusa, nesse aspecto, cumprem o Código Deontológico?


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AC — Cumprem. Este é um país pequeno, mas temos óptimos profissionais.

JPS — Considera-se um profissional bem pago?

AC — Não. Sou mal pago, apesar do subsídio de material que a Lusa atribui, mas que é justo e prática corrente,
pois a Agência teria de investir muitos milhares de contos se quisesse equipar os seus fotojornalistas. A maior
parte dos fotojornalistas portugueses é mal paga, apesar de alguns colegas ganharem muito bem.

JPS — Já teve ocasiões em que necessitou de fotografar subrepticiamente?

AC— Já. Na Arábia, em 1989, fotografei o interior de uma mesquita, mas fui descoberto e tive de entregar o
rolo para o árabe que estava a servir de guia não ir preso. Nos países Islâmicos, a hora da oração é sagrada.

JPS — Já alguma vez pediu às pessoas para encenarem uma situação ou para posarem?

AC — Muitíssimo raramente, mas às vezes os serviços são tão maus que temos de pedir às pessoas, por
exemplo, para não ficarem muito ao sol, pois de outra maneira não se consegue fazer nada.

JPS — Quando fotografa, o que pretende condensar nas imagens?

AC — Pretendo identificar o local e mostrar as pessoas que participam no acontecimento. Por exemplo, se for
uma manifestação em frente à Assembleia da República, tento enquadrar as pessoas e o edifício.

JPS — A que tipo de tratamento informático sujeita as suas imagens?

AC — Às vezes reenquadro para realçar o motivo, por exemplo, se dois presidentes se encontram na rua e há
muita gente à volta a desviar a atenção do que é fundamental, reenquadraria a foto. Mas, geralmente, dou
apenas um pouco de contraste ou apago algum lixo que vem nos negativos, mais nada.

JPS — Como vê o futuro da profissão?

AC — Vai dar um grande salto. Não teremos qualquer desgosto em dizer que somos repórteres fotográficos em
Portugal. Temos muito bons profissionais, embora o dinheiro não chegue para nos equiparmos como
desejaríamos e fazer concorrência aos outros, os que vêm das grandes agências de Inglaterra ou dos Estados
Unidos. Mas, em termos de profissionalismo, estamos ao lado deles. Temos também uma vantagem: como
somos um povo latino, estamos continuamente preparados para "inventar" e para nos "desenrascarmos". Se não
temos dois mil ou três mil contos para comprar uma objectiva que nos permita fotografar uma manifestação de
longe, aproximamo-nos até podermos apanhar com uma pedrada. A tecnologia também está a evoluir
rapidamente, o que proporcionará maior rapidez na transmissão. Inclusivamente, já há planos para se
substituirem as legendas escritas por legendas gravadas em voz "por cima" da foto. No futuro, também é
provável deixarmos de usar papel, o que me dará grande pena, pois uma coisa que me dá grande prazer é
imprimir, sobretudo a preto-e-branco.

Fig. 28 — Português Top-Gun, António Cotrim, Lusa-Lisboa (foto integrada na exposição O Fotojornalismo
Hoje). Mais uma vez as tradições históricas da candid photography reflectem-se no fotojornalismo de agência: a
atenção às figuras públicas, a atenção ao instante em que cai a máscara do espectáculo de Estado. Mas esta foto
representa também a atracção mediática pelas aparições sensacionais dos políticos, que encontrou particular
expressão no antigo presidente brasileiro Collor de Melo.

Inácio Rosa

Inácio Rosa, jornalista do II Grupo, nasceu em Évora, em 1960 (34 anos em 1994), e, antes de ingressar na
Lusa, em 1992, por convite, trabalhou na secção de fotografia da Direcção-Geral da Comunicação Social, onde
se iniciou na fotografia com 18 anos. Começou como técnico de laboratório, foi um auto-didacta, e, cerca de
seis anos depois, começou a fazer fotojornalismo, "por gosto". Para ele, "rapidez" e "qualidade" eram, na altura
em que realizámos a entrevista, os dois atributos principais de um fotojornalista da Lusa.

Em 1994, Inácio Rosa usava material Nikon e preferia a focagem manual à autofocagem, já que, na sua versão,
a primeira é "mais rápida", embora reconheça que o autofocus da Canon era um "importante avanço técnico,
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que diminuirá o número de fotos desfocadas ou até as eliminará". Em conferências de Imprensa individuais, a
teleobjectiva, para "fechar os planos", era o equipamento da sua eleição. Fora isso, era habitual usar uma zoom
35-70mm. Estava prestes a comprar uma teleobjetiva f 2.8 de 300mm, que custava cerca de dois mil contos, o
que é um bom exemplo daquilo que os fotojornalistas que se sentem "profissionais" têm de investir na sua
profissão. E diz: "Com a técnica a evoluir da maneira que está, um profissional quer sempre conseguir mais".

Jorge Pedro Sousa — Considera-se mais um fotógrafo ou um jornalista?

Inácio Rosa — Eu sou um fotojornalista, as duas coisas estão interligadas na profissão, embora talvez me possa
considerar um pouco mais fotógrafo. De qualquer modo, faço o que gosto.

JPS — Quando fotografa, procura valorizar mais o conteúdo estético ou o conteúdo informativo?

IR — Sempre que posso tento conciliar as duas coisas, compor a foto de uma maneira mais bonita. Mas às
vezes isso não é possível.

JPS — Como é que caracterizaria a fotografia que faz?

IR — É fotografia de reportagem, fotojornalismo mesmo, há acção. Não gostaria de fazer fotografia "parada",
muito composta…

JPS — Notou alguma evolução no seu trabalho desde que começou a fotografar?

IR — Sim, com certeza. Aprendi mais, apesar de as situações que fotografamos serem muito similares.

JPS — Chegou a fazer alguns cursos de fotografia?

IR — Sim, além de ler muito. Fiz especialmente um curso nos antigos Serviços Cartográficos do Exército, onde
aprendi muita coisa que nunca tinha aprendido em lado nenhum.

JPS — Que motivos prefere fotografar?

IR — No fotojornalismo não temos de fazer grandes escolhas, é o que é. É o que se quer mostrar na fotonotícia
que se tem de fotografar.

JPS — E temas, tem alguns da sua preferência?

IR — Desporto. Mas não tenho grandes preferências em especial, gosto de fazer de tudo.

JPS — Os temas que se abordam na Lusa são realmente os temas que considera serem mais importantes
para os cidadãos?

IR — Tendo em conta a realidade do nosso País, às vezes não é possível fazer outras coisas. E nós vemos pelos
jornais que "vai tudo ao mesmo". Da forma como as coisas estão organizadas, não há grandes possibilidades de
se variar…

JPS — Já propôs temas de reportagem?

IR — Presentemente não. O tipo de trabalho que aqui se faz não o proporciona muito. Em tempos, quando
estive na Direcção-Geral da Comunicação Social, apresentei projectos. Por exemplo, pretendi fotografar coisas
que estavam a desaparecer…

JPS — O que é que procura representar nas fotografias quando faz serviço de agenda?

IR — Principalmente tentar fazer com que as pessoas percebam o que é que estava a acontecer, a que é que a
foto diz respeito. Mostrar as pessoas, o local, o assunto.

JPS — Já pediu em alguma ocasião às pessoas para posarem ou encenarem uma situação?
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IR — Não, excepto quando vou fotografar individualmente alguém, mas nessas ocasiões sinto-me mais como
um fotógrafo, simplesmente, do que como um fotojornalista. No fotojornalismo devem apanhar-se as pessoas
com naturalidade.

JPS — Já existiram ocasiões em que teve de fotografar subrepticiamente?

IR — Sim. Por exemplo, uma vez, em Mafra, durante a rodagem de um filme estrangeiro, não deixavam
fotografar, mas eu consegui, "à socapa", fazer algumas imagens, procurando esconder a máquina. Mas isso é
muito raro. Aliás, quando tentamos, nem sempre as coisas dão resultado.

JPS — A que tratamento informático costuma sujeitar as suas fotos?

IR — Bem, em papel é uma coisa, no computador é outra. Tento dar sempre o contraste devido, mas isso
também faço quando imprimo em papel. Por vezes também ajusto tonalidades.

JPS — Como procede nas ocasiões em que fotografa assuntos potencialmente traumáticos, como
acidentes ou outros?

IR — Tento sempre mostrar o acontecimento em si. Não é preciso pormenorizar, evidenciando os mortos ou os
feridos, o sangue… Um fotojornalista, nessas alturas, tem de se sentir como se estivesse sozinho, sem ninguém
à volta. Tem de estar suficientemente lúcido para mostrar aquilo a quem não estava lá e de forma a não chocar
muito as pessoas, até porque há pessoas que se chocam com facilidade.

JPS — Os fotojornalistas da Lusa conhecem e cumprem o Código Deontológico?

IR — Sim.

JPS — Como vê o futuro da profissão?

IR — O fotojornalismo tem futuro. Em termos estritamente técnicos, é provável que se venha a deixar de usar
filme, o que, nas agências, aumentará a rapidez e facilidade de processamento e transmissão das fotos.

Algumas considerações sobre as entrevistas e aspectos correlacionados

Uma das primeiras constatações que se depreendem das entrevistas é que os fotojornalistas da Lusa-Lisboa se
identificavam uns com os outros em termos de idade, autodidactismo, mobilidade social (ascendente), sexo
(masculino), socialização profissional mais pela influência de outros profissionais que de outras personalidades,
como os académicos, e até de material utilizado. Tal realidade pode indiciar a existência de facto de uma
comunidade interpretativa fotojornalística em 1994 que, como tal, conformava os padrões de recrutamento (o
recrutamento fazia-se por convite, geralmente do chefe do serviço) em ordem a privilegiar um determinado tipo:
homem jovem ou de meia idade, com experiência anterior e possuidor de equipamento considerado capaz de
atingir os "padrões Lusa". Aliás, questionado sobre a inexistência de mulheres a trabalhar como fotojornalistas
na Lusa, o chefe do serviço, Alberto Frias respondeu: "Era capaz de ser um bocado complicado. Elas costumam
ter obrigações familiares, não podendo, assim, corresponder totalmente às necessidades do serviço de agência,
como as deslocações ou o trabalho praticamente sem folgas." Esta foi, inclusivamente, uma opinião
informalmente repetida por outros foto-repórteres. Talvez por isso, até 1997 apenas uma repórter fotográfica,
Cristina Fernandes, trabalhou alguma vez como fotojornalista na Lusa, onde "se entra por convite, em função
da experiência anterior, do valor do trabalho realizado e do equipamento que se possui. Não há estagiários
entre os nossos fotojornalistas" (Alberto Frias).

Também será, evidentemente, um facto a considerar, o reduzido número de mulheres na profissão, pelo menos
em Portugal, mas é igualmente certo que, durante a chefia de Alberto Frias, para a Lusa-Lisboa só homens
foram recrutados (por Alberto Frias): Inácio Rosa, para Lisboa, e outros foto-repórteres para o Porto, Coimbra,
Faro e Funchal.

Em algumas afirmações que foram proferidas durante os períodos de observação notava-se também a existência
de uma comunidade interpretativa, provavelmente fruto simultâneo da socialização (acção social), da
ideologização (acção ideológica) e da aculturação (acção cultural). As ideias de alguns fotojornalistas sobre os
concursos faziam prova disso. Alberto Frias afirmou: "Não participo em concursos. Sou profissional,
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fotojornalista de agência. O meu trabalho é avaliado diariamente e é para consumo no momento [estéticas da
velocidade e da desaparição em causa], depois perde valor. É ingrato participar em concursos". E, embora num
sentido menos antagónico, Inácio Rosa comentou: "Os avaliadores deveriam observar o trabalho efectuado
num período de tempo e publicado na Imprensa, em vez de pedirem material para análise".

Os fotojornalistas da Lusa punham ênfase nos colegas e nos livros, geralmente escritos por fotógrafos e não por
académicos, como factores privilegiados de socialização profissional. Schwartz, porém, fez notar que os
manuais tipo "como fazer" no fotojornalismo oferecem uma introdução "completa" aos cânones das práticas
profissionais e aos valores, crenças e atitudes que "devem" nortear os fotojornalistas (ideologia do
profissionalismo, ideologia da objectividade, etc.); além disso, fazem inferências sobre as necessidades e
desejos dos leitores (sentido da foto como mercadoria).(35) Isto significa que esta orientação socializadora era
direccionada para determinadas áreas e funcionava, logicamente, como um elemento conformador do produto e
das práticas. Os perigos dessa socialização advêm, quanto a nós, de uma possível visão limitada sobre o real e
de uma integração falsamente naturalizadora nas convenções e nas rotinas (e nos vícios) profissionais.

É interessante notar que, quando foram fotografados, os fotojornalistas posaram, sem que tal lhes fosse pedido,
e, em dois casos (Moura e Rosa), agarraram na sua máquina. Julgamos que, intuitivamente, os fotojornalistas se
tinham apercebido já da força conotativa dos objectos e da pose. Além disso, pareceu-nos que havia uma
identificação do fotojornalista com a sua máquina, da profissão com os seus utensílios, uma ideia de que August
Sander se parece ter apercebido quando fez o seu levantamento dos tipos sociais alemães, que também posavam
com os seus objectos profissionais. A posse de determinado equipamento ("o melhor"), bem como o "afecto" e
os cuidados que lhe dedicavam, pareceram-nos ser, igualmente, marcas de profissionalismo, na perspectiva dos
foto-repórteres da Lusa.

A identificação com a máquina fotográfica denunciava também, por seu lado, a existência de uma comunidade
interpretativa que promovia a eleição de determinado material como "o melhor" e que levava a generalidade
dos fotojornalistas a adquiri-lo. É ainda provável que o relacionamento social e profissional com os
companheiros do exterior da empresa exercesse, de igual modo, a sua influência neste campo, já que, por
exemplo, quando a Nikon lançou o modelo F4, grande parte dos fotojornalistas o adoptaram em todo o mundo,
e quando a Canon lançou os modelos EOS, particularmente a EOS 5 e a EOS 1, os fotógrafos viraram-se para
eles. A cultura profissional dos fotojornalistas e, assim também, as marcas distintivas do profissionalismo, tal
como ele é entendido pelos profissionais, são transnacionais. Haverá também, sob esta perspectiva geral, a
considerar a necessidade de sentimento de pertença a um corpo mais ou menos homogéneo, o dos
fotojornalistas profissionais (que, por o serem, vêem-se a si próprios como os únicos legitimamente capazes de
realizar fotografia jornalística, perspectivando-se, portanto, como um grupo "separado", dentro desta esfera, do
resto da população), como um dos factores que gerou o estado de coisas relatado, embora também seja inegável
que determinado equipamento pode oferecer vantagens técnicas para a obtenção de um produto específico (e, no
fotojornalismo de agência, dominado pela rapidez).

Note-se, porém, que a selecção de determinado equipamento não é neutra e que, em grande medida, pode ser
rotineira, de forma a evitar o que os repórteres têm por "perdas de tempo": a zoom 35-70mm era, por exemplo,
o instrumento de eleição dos fotojornalistas da Lusa-Lisboa. Mas é preciso recordar, para que se perceba o
alcance da nossa asserção, que há fotógrafos-autores que enveredam por outro tipo de material (Cartier-Bresson,
por exemplo, disse numa ocasião que quase só trabalhava com 50mm). A escolha dominante de determinado
equipamento é, portanto, vista como "a correcta", se não a "única", só porque é um gesto repetido quase
unanimemente.

Voltando ao tema da pose, a ideia de que esta é conotativa e pode afectar a "objectividade" da abordagem torna-
se mais evidente pela recusa dos repórteres fotográficos em solicitar aos sujeitos que posem na maioria das
situações. Todavia, quando se posa, já se entra numa modalidade bastante evidente de ficção fotográfica, que,
enquanto tal, passa algo despercebida na sua formulação naturalizada.

O sentido de corpo e a interpretação colectiva de alguns fenómenos que os afectavam levavam os fotojornalistas
da Lusa a diferenciar, por vezes aguerridamente (Cotrim), a sua versão do que é o fotojornalismo de outros tipos
de fotografia, que tendem a rejeitar. Na resposta à questão "considera-se mais um fotógrafo ou um jornalista?",
Manuel de Moura assumia a posição de equilíbrio; a posição de Inácio Rosa também era equilibrada, embora
com um ligeiro pendor para a fotografia; já Cotrim considerava-se um fotojornalista, só e apenas, pelo que se
poderá dizer que a fotografia, para ele, era contingencial, ou, pelo menos, meramente instrumental. A arte e o
fotojornalismo só são associados directamente por Inácio Rosa ("composição" e "beleza" da foto) e,
indirectamente, por Manuel Moura (no cuidado que punha, segundo revelou, em não tornar uma foto inestética).
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De qualquer modo, qualquer formulação estética manifestada sobre o campo fotográfico é, em si, um
mecanismo pró-ficcional e conotativo de construção da realidade, mesmo que passe despercebido na sua forma
naturalizada.

Em Manuel de Moura e António Cotrim, mais do que em Inácio Rosa, notava-se algum desencanto com a
inexistência de alternativas ao trabalho quotidiano. Ambos os fotojornalistas julgavam que a Lusa deveria abrir
o seu leque de cobertura fotojornalística aos PALOP e a outros temas, como os sociais (Moura). No nosso
entender, a Lusa não só deveria acarinhar como também estimular a apresentação e desenvolvimento de
projectos alternativos pelos seus fotojornalistas, mesmo que a par dos serviços de agenda. De facto, a
recuperação da grande tradição fotográfica da foto-reportagem e do foto-ensaio, a preto-e-branco e a cores, por
qualituy papers como o Expresso e o Público, o lançamento de novos fotolivros (como o recente álbum de
Alfredo Cunha) e o êxito que têm tido grandes exposições fotográficas realizadas em Portugal (desde os
encontros de Braga e Coimbra, às exposições de Salgado e do World Press Photo) fazem-nos considerar que há
espaço não apenas social e informativo, mas também comercial, para o fotojornalismo não rotineiro e para o
fotojornalismo de projecto. Contudo, os fotojornalistas da Lusa pareceram-nos ter interiorizado, um pouco
falsamente, a ideia de que não há grandes alternativas ao trabalho que fazem e aos modelos de trabalho
instituídos. Mas, pelas respostas que nos deram, todos eles, directa ou indirectamente, revelavam o desejo de
poder fugir ao que é habitual e banal, de fugir, até, à agenda (ou de a comple(men)tarem), ou seja, revelavam, ao
fim e ao cabo, o desejo de poderem "criar", mesmo que não fosse numa perspectiva artística mas unicamente
temática, pelo que a Lusa só teria a ganhar em aproveitar esta vontade criadora. Pensamos também que todos
percebiam que a excessiva semelhança nas abordagens e nos assuntos (os "clichezitos", na versão de Cotrim),
alargada aos diversos órgãos de Comunicação Social, empobrece mais do que enriquece a profissão e o produto,
o interesse pela profissão e o interesse das fotografias.

A homogeneidade das fotos na Imprensa tem a ver com os traços transorganizacionais, mesmo transnacionais,
da cultura, dos mitos e das ideologias profissionais, talvez mesmo das rotinas. Assim, existe
transorganizacionalmente, nas agências noticiosas e na generalidade dos jornais, um processo estandardizado de
fabrico de fotografias jornalísticas. Em Portugal, porém, como ainda agora fizemos referência, o Público e O
Independente começaram a agitar as águas da estandardização. Depois o Expresso começou a destacar-se
através da publicação de portfolios, foto-ensaios e foto-reportagens. A partir deste fenómeno, julgamos que há
razões para acreditar que os quality papers se estão a abrir a novas formas de expressividade fotojornalística,
podendo talvez mesmo falar-se de um aumento da liberdade de expressão fotojornalística. A fotografia
jornalística não tem, de facto, de servir apenas para ilustrar aspectos das news stories.

A noção de que uma (foto)notícia é, na sua essência, uma "estória", já era um dado adquirido para Manuel de
Moura, mas a consciência de que as fotos têm sentido é comum a todos os foto-repórteres. Assim, para se
compreenderem as origens do facto de as fotonotícias serem como são torna-se, então, necessário recorrer à
História e à cultura: as fotonotícias apoiam-se e fazem uso, voluntária ou involuntariamente, de padrões
culturais pré-existentes para produzir sentidos. Repare-se, por exemplo, que quer Moura, quer Cotrim quer Rosa
pretendiam, ao fotografar, mostrar as pessoas ("quem?"), aliás bem identificadas (fotografá-las de costas, por
exemplo, é raro, pois representa ir contra o que é habitual e, portanto, considerado "verdadeiro" ou, pelo menos,
legítimo), os assuntos ("o quê?") e o local ("onde?"). As respostas a outras questões, como aquelas que nos
parecem mais necessitarem de ser respondidas e que explorariam o contexto, "como?" e "porquê?",
praticamente não eram consideradas na abordagem fotojornalística de agência. Esta forma de trabalhar tratava-
se, portanto, de (a) uma convenção cultural de duplo nível, (um) social (no sentido de sociedade) e (dois)
organizacional, e de (b) uma rotina funcional na abordagem dos assuntos, que permitia a rápida transformação
do acontecimento na fotonotícia aos fotojornalistas sujeitos à tirania do factor tempo. A confluência das
respostas no campo fotográfico levava, por seu turno, a que a fotografia de notícias funcionasse como um signo
condensado, particularmente nas fotos de desporto, em que, usualmente, os fotojornalistas fotografam
desportistas das equipas em confronto, no local do confronto e com os objectos que distinguem o desporto,
como a bola de futebol.

A propósito do factor tempo, foi curioso notar a acentuação, por todos os repórteres entrevistados, da rapidez
como um elemento consubstancial ao fotojornalismo de agência. As novas tecnologias até foram sobre-
identificadas com essa rapidez. Isto vai ao encontro da ideia de Schlesinger, segundo a qual os fotojornalistas
têm uma espécie de "cronomentalidade", inculcada pela socialização osmótica dos fotojornalistas na
organização e na profissão. Desta feita, pelas entrevistas intuímos que a fotonotícia é vista essencialmente como
uma mercadoria de valor rapidamente deteriorável, sujeita a um prazo de validade relativamente curto. Esta
ideia foi, posteriormente, confirmada pelas conversas informais que travámos. Assim sendo, a capacidade de
vencer o tempo, como se verifica pelas entrevistas, acaba por se tornar, aos olhos dos fotojornalistas, uma das
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demonstrações de competência profissional e, portanto, de profissionalismo. A exemplo do que Schlesinger


concluiu, para nós havia, ao nível da Lusa, um enraizamento cultural-organizacional do factor tempo.

Fazer mesmo o que se não gosta e a capacidade de se contornarem as proibições também eram vistas como
demonstrações de profissionalismo, que se enquadram no sentido de missão que a mística profissional e o
modelo de whatchdog journalism alimentam. Mas mecanismos mais comuns de controle dos fotojornalistas,
como os da acreditação ou da proibição de uso de determinadas objectivas, pelo que nos pudemos aperceber nas
conversas informais, não são problematizados, já que, porventura, foram naturalizados devido à sua infiltração
na cultura profissional pela frequência com que são usados.

Em todas as entrevistas, passa a convicção de que, de uma maneira geral, os fotojornalistas cumpriam o Código
Deontológico, e que, especificamente na Lusa, todos os fotojornalistas o conheciam e cumpriam. De facto,
todos os fotojornalistas entrevistados referiram que evitam dramatizar ou explorar sensacionalisticamente os
acontecimentos traumáticos. Mas nisto tivemos algumas dúvidas, embora, como realçou Manuel de Moura, a
interpretação do Código dependa, em grande medida, de cada um, isto é, não haja receitas e opiniões absolutas.
Repare-se, por exemplo, na figura 29. Apesar do plano geral e do afastamento do fotojornalista, apesar da
dificuldade em identificar a vítima, apesar de o repórter não ter descido ao pormenor sanguinolento, o
fotojornalista não hesitou em mostrá-la numa posição que —pelo menos para nós— é algo violadora da
intimidade da senhora morta, o que constituirá, portanto, do nosso ponto de vista, um desvio ao articulado nos
artigos 2 e 7 do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses. Já na figura 30, o foto-repórter esperou, pelo
menos, que cobrissem a vítima, para —então— realizar a foto.

Constata-se também, através das declarações dos foto-repórteres da Lusa, que a manipulação digital de imagens
era, tanto quanto possível, evitada, excepto no que respeitava a ajustes no contraste, na tonalidade e na retirada
das imperfeições decorrentes das pequenas poeiras que se depositam nos negativos. Só António Cotrim assume
que por vezes reenquadrava as suas fotos, para realçar o "motivo principal". Assim, estamos em condições de
prever que os fotojornalistas da Lusa não levarão a cabo práticas de manipulação profunda das imagens
fotográficas, constrangidos como estão pela ética e pela deontologia, bem como pelo profissionalismo, pela
profissionalidade, pelo sentido de missão e pelas ambições mitológicas do jornalismo (neutralidade absoluta,
independência absoluta, objetividade, etc.).

Por um lado, identificámos aqui uma manifestação dupla —mas, quanto a nós, benéfica— da ideologia da
objectividade (a ideologia desvela-se nas práticas quotidianas) e dos mitos profissionais que a ela estão ligados.
Por outro lado, o comportamento descrito levou-nos a prever que, pelas intenções dos fotojornalistas, não
haveria lugar, na Lusa, a manipulações de imagem com intuitos desinformativos, contra-informativos ou
manipuladores. Pelo menos as news photos, mormente as spot news, tenderão a ser respeitadas na sua
integridade, excepto em pormenores que também se fazem na câmara escura: acentuação ou diminuição do
contraste e alterações das tonalidades, reenquadramentos decididos pelo fotojornalista, etc. Evidentemente,
porém, que qualquer prática de manipulação digital de uma fotografia, com destaque para o reenquadramento,
será sempre uma prática de grau dois de (re)construção da realidade (já que a de grau um ocorre aquando do
acto fotográfico).

Gostaríamos ainda de salientar uma expressão curiosa de Cotrim. Este foto-repórter disse que quando
fotografava procurava pensar no que gostaria de ver no dia seguinte no jornal. De alguma maneira, julgamos
que pode dizer-se que o fotojornalista se estava a identificar com a sua audiência hipotética, pelo que tentava
intuir aquilo que esta prefere. Mas a afirmação também poderá corresponder à expressão de uma
individualidade forte, embora não nos pareça que Cotrim tivesse a pretensão de saber mais do que a sua
audiência, podendo dar-lhe o produto que entendesse. Em qualquer caso, tal demonstra a autonomia do
fotojornalista e o seu papel negocial, frequentemente entre posições contraditórias (interesses dos fotografados
vs. interesses do público, responsabilidade social vs. interesses do público, etc.).

Podemos, portanto, concluir, a este nível, isto é, unicamente em função das entrevistas, que o fotojornalismo de
agência (na Lusa) era alimentado e constrangido por (a) uma estética da velocidade, (b) uma ideologia da
objectividade e (c) uma ideologia do profissionalismo.

A) A estética da velocidade era conformada por:

— Equipamento seleccionado;

— Rotinas processuais;
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26/03/2018 FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

— Rotinas de estilo e de abordagem;

— "Cronomentalidade" dos fotojornalistas.

B) A ideologia do profissionalismo revelava-se:

— Em fazer-se mesmo aquilo de que não se gosta;

— Na ultrapassagem do desencanto das rotinas;

— Na diferenciação entre fotojornalismo e outras áreas da fotografia;

— Na auto-identificação como um corpus de profissionais;

— No autodidactismo constante (leituras técnicas não só como forma de alcançar mais


conhecimentos mas também como forma de socialização na profissão);

— Na preferência dada aos colegas como mentores, num contexto de socialização


profissional;

— Na integração de elementos da ideologia da objectividade e da mítica profissional


nas interpretações colectivas dos fenómenos e nas formas de fazer as coisas.

C) A ideologia da objectividade revelava-se:

— Na recusa frequente em aceitar-se a pose e a encenação como instrumento de


expressão fotojornalística;

— Na formulação da fotografia como um signo condensado altamente legível e


compreensível;

— Na identificação clara dos actantes (especialmente quando são figuras-públicas),


dos locais e das acções representadas, bem como noutras semelhanças entre as fotos;

— Na recusa da manipulação digital da imagem como elemento "desvirtuador" do


sentido da foto.

Finalmente, as semelhanças nas respostas e nas formas de abordar fotograficamente o real revelavam a
existência, como vimos, de mecanismos de acção cultural e de uma comunidade interpretativa que baseava uma
acção social de duplo nível, organizacional e trans-organizacional (profissional). Todavia, esses mecanismos
não explicavam as diferenças que também se notavam entre os fotojornalistas, as suas perspectivas do que é e
deve ser o fotojornalismo (mais especificamente na Lusa), a sua forma de estar e a maneira como se sentem na
Agência face ao trabalho que desenvolvem. Estas diferenças só podem ser explicadas pela acção pessoal, que
deriva da expressão da individualidade em qualquer grupo: cada pessoa tem o seu psiquismo, as suas
capacidades de cognição e percepção, os seus afectos, o seu sistema de crenças, valores e expectativas. Cada
pessoa carrega atrás de si uma mundivivência em variados aspectos diferente de qualquer outra. Parafraseando
Agostinho da Silva, cada um de nós é um ser extraordinário, já que é um em muitos milhões.

2.2. ABORDAGEM ÉTICA

Estamos convencidos de que a difusão de representações fotográficas de outros seres humanos tem implicações
morais e pode ser uma das bases de reconhecimento de obrigações morais entre as pessoas.(36) Aliás, segundo
Ignatieff, os media, de uma forma geral, mudaram a compreensão que temos das nossas obrigações perante os
outros.(37)

Porém, é preciso salientar que enquanto autores como Richard Rorty assumem que as representações de outros
podem conter imperativos morais que levem a um conhecimento do outro que está na origem do
reconhecimento de obrigações morais(38), outros teóricos da moral, como Ignatieff e Tester, reclamam que para
essa implicação existir é necessário que a mensagem atinja uma audiência previamente empática: não seria
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possível a irrupção de solidariedade moral em terreno não receptivo.(39) Mesmo na dúvida, parece-nos que
devemos ir pelo que é moralmente mais defensável: procurar estimular a solidariedade moral e reforçar os elos
que unem os seres humanos.

Rorty baseia a conexão entre a estética e a moral na assunção de que a representação imagética do outro
funciona como a superfície de uma mais compulsiva profundidade moral, isto é, como a superfície de
significados de natureza moral mais profundos; existiria, assim, uma identidade entre o significante do outro (a
sua imagem representada) e o significado da solidariedade moral (o reconhecimeno de que o outro é como o ser
em todos os aspectos significativos).(40) Consequentemente, a superfície do significante, que é a imagem em
representação, deverá ser lida e interpretada pelos significados que sustenta (representa).(41)

Fig. 29 — Idosa atropelada na Segunda Circular, em Lisboa. Manuel de Moura, Lusa-Lisboa, 22/6/94. De
alguma forma, as fotos deste tipo podem ser, na interpretação de Teun A. van Dijk (1990, 178), uma expressão
dos nossos próprios receios: o facto de outrem sofrer acidentes possibilita tensão, mas também alívio (são os
outros que sofrem acidentes), constituindo, portanto, um mecanismo do nosso sistema emocional de auto-
defesa.

Repare-se quanto a fotografia de agência necessita de ser reduzida a um signo condensado em que actantes,
objectos identificativos e acção têm de ser conjugados para que a imagem gere sentido. Apesar da ausência
visível de "socorro", a presença da autoridade surge, neste contexto, como o elemento tranquilizador, diríamos
mesmo, como o elemento de apaziguamento social, independentemente do choque, este agudizado pelo
primeiro plano em que se vê a vítima (semi-cedência à estética do horror). A organização composicional da
imagem salienta a aparência de ordem proporionada pela presença da autoridade.

Esta foto poderá equacionar uma questão ética: até que ponto o "direito a ver" da audiência, no qual o fotógrafo,
no seio de uma comunidade interpretativa que evidencia modalidades de groupthink, se escuda, se poderá
sobrepor à reserva de imagem em situações de dor e violência? Até que ponto o "direito a ver" do público
poderá ser uma arma de defesa dos fotojornalistas para a violação, mesmo que ocasional, da deontologia e até
de um certo conceito de ética?

A foto transporta-nos ainda para uma outra qustão: a da existência e força relativa de critérios de
fotonoticiabilidade que respeitem à protecção da audiência em relação a fotos-choque particularmente violentas
(esta não o será, mas poderia sê-lo). Até que ponto é que a força destes critérios se sobreporá aos critérios de
espectacularização da informação e à força (ideológica) do "direito a ver"?

Fig. 30 — Acidente perto de Ourique. Luís Forra, Lusa-Faro, 22/7/94. Mais uma vez, a fotografia funciona
como um signo condensado e mais uma vez também o choque é reforçado pelo primeiro plano da vítima. Em
relação à figura 7, esta foto é mais perturbadora, já que a "autoridade" surge em plano de fundo e praticamente
não se dá conta dela. Do mesmo modo, os "socorros" não estão presentes e os "mirones" acentuam a ideia de
caos, relevada pela posição desordenada dos actantes e dos objectos.

Fig. 31 — Partida de barcos de recreio para Marrocos, Lisboa. Alberto Frias, Lusa-Lisboa, 30/7/94. Uma
fotografia em que os actantes surgem de costas pode ocorrer quando estes não são figuras públicas, pelo que a
resposta a "quem?" seria, em todo o caso, "desconhecidos". De facto, no período de investigação em 1994, não
vimos uma única figura pública ser fotografada de costas.

Seguindo a nossa abordagem ética do produto fotojornalístico da Lusa, devemos atentar em Lynda Sexson, que
afirma que "Behind our ethics are images; preceding ethical consciousness is metephorical counsciousness;
behind the laws are the stories."(42)

Não sendo nosso propósito debater fundamentos da ciência moral face ao fotojornalismo, há pelo menos duas
considerações que nos parece podermos extrair das asserções anteriores: 1) A estética fotojornalística, ao afectar
as representações que se constroem dos outros, tem implicações morais e, portanto, implicações éticas que
devem ganhar expressão deontológica; e 2) Em todo o caso, um conteúdo estético pode criar ou reforçar
empatias, quanto mais não seja nos públicos previamente sensibilizados para as questões fotojornalisticamente
tratadas, pelo que a questão do inter-relacionamento entre a estética e a moral se mantém (aliás, embora a
questão possa ser problemática, parece-nos que, por exemplo, o sofrimento fotograficamente representado tende
a produzir solidariedades, pelo que nos aproximamos mais das considerações de Rorty).

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26/03/2018 FOTOJORNALISMO PERFORMATIVO - O SERVIÇO DE FOTONOTÍCIA DA AGÊNCIA LUSA DE INFORMAÇÃO

Se pensarmos no prescrito no Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, os fotojornalistas da Lusa, por
vezes, divulgam imagens de conteúdo deontologicamente dúbio. A cobertura fotojornalística de acidentes é
exemplo disso (veja-se a figura 29). Procuram golpear-se as retinas do observador.

Ora, assim sendo, parece-nos que a Agência Lusa só teria a ganhar com a concepção de um manual de estilo
fotojornalístico que ponderasse, entre outras questões, as implicações ético-deontológicas do fotojornalismo e
da(s) sua(s) estética(s).

A fotografia, de facto, pode tocar-nos e muitas fotografias da Lusa deveriam tocar-nos, dirigir-se à mente, mas
também ao coração, contribuir para que a vida dos leitores fosse enriquecida não apenas por uma pluralidade de
visões do mundo, mas também por valores estéticos e pelo usufruto da estética fotográfica. A fotografia ganha
quando o fotógrafo encontra as formas adequadas de expressão, passe esta expressão pela beleza ou pelo horror.

2.3. SOCIALIZAÇÃO, PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALISMO ENTRE OS


FOTOJORNALISTAS DA LUSA

Como o domínio técnico não implica, só por si, a aquisição de status profissional pelos fotógrafos (há muitos
amadores), pensamos que a aquisição desse estatuto passa pela assunção do papel social de fotógrafo e pela
subsistência garantida pela fotografia, numa ou em várias das modalidades do medium, no todo ou em parte.

A socialização dos fotojornalistas requerirá a aquisição de um conjunto complexo de ideias, ideologias, atitudes
e comportamentos, vocabulário gestual e linguístico. Mas tem uma particularidade: solicita a aprendizagem do
olhar. O foto-repórter tem de aprender a seleccionar da "paisagem visual" o que é importante para a sua
actividade e tem de encontrar a melhor forma de abordar os assuntos, dentro das mesmas circunstâncias.

"Seeing is socially constructed and acquired through the new comer's interaction with
significant people and it is shaped by various structural factors, such as institutional
and organizational defenitions, constraints and practices. When the neophyte enters
one of the 'worlds' of photography, he generaly knows how to take pictures but he has
not yet learned to 'see'"(43)

Durante um período de contacto, o neófito será, assim, socializado na Lusa. Ele iraá aprendendo, parece-nos
que por acerto/erro, orientação e imitação, os processos de obtenção, selecção e tratamento das imagens. Ao
mesmo tempo, ele interiorizará (mais do que aprenderá ou até apreenderá) os critérios de fotonoticiabilidade e
de selecção de fotografias na Agência. Será também socializado num ritmo de trabalho cujas deadlines são
apertadíssimas e que se podem resumir no seguinte: difundir antes dos outros terem sequer prontas as suas
fotos. Também será socializado na hierarquia e na estrutura normativa da organização (nas "regras" escritas e
não escritas, como, neste último caso, as da "tradição") e aprenderá a forma como o Serviço de Fotonotícia se
insere na Agência Lusa. Ele aprende também, intuitivamente, "o que é notícia" na Agência e as orientações
fotojornalísticas da chefia do serviço e da Direcção de Informação.

Durante a socialização, o foto-repórter construirá uma disposição de lealdade, fidelidade, obediência e


submissão em relação à Agência Lusa e à sua hierarquia.

A primeira saída para o estrangeiro ou a primeira grande "missão solitária" corresponderá, na nossa visão, a
uma espécie de recompensa do neófito por ter aprendido e interiorizado as normas organizacionais e se ter
aculturado na cultura-Lusa.

Quanto aos procedimentos, como os fotojornalistas recrutados para a Lusa já têm, na generalidade, experiência
fotojornalística anterior, já interiorizaram, previamente, as formas de relacionamento com os protagonistas dos
acontecimentos e com os colegas de profissão, tal como já provavelmente se aperceberam que muitos eventos
não se iniciam sem a TV e que o fotojornalista necessita de se adaptar às condições de luminosidade geradas
pela presença da televisão.

A experiência prévia também já os terá levado a descobrir que grande parte dos fotojornalistas fotografa com
câmaras de 35mm, usa grandes-angulares e procura dispensar a iluminação artificial (ou, então, usa iluminação
indirecta). Essa experiência prévia aculturou-os, antes de ingressarem na Lusa, na cultura profissional, e já os
levou a estabelecer contactos que facilitam o seu trabalho (dos políticos aos polícias). Interiorizaram também as

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regras de relacionamento com as fontes de informação e a forma como podem ser usadas, ou não, informações
confidenciais.

O novo fotojornalista da Lusa terá ainda aprendido, no seu trabalho anterior ao ingresso na Agência, a perturbar
o menos possível os acontecimentos que fotografa (colocação num local tacticamente viável, posicionamento,
etc.), pois as possibilidades do equipamento e o número de exposições disponíveis em cada filme permitem-no.
Recorde-se que, antigamente, o número de exposições disponíveis e as características do equipamento
obrigavam frequentemente os foto-repórteres a intervirem directa e propositadamente sobre a realidade,
pedindo, por exemplo, às pessoas para se juntarem ou para se colocarem em determinadas posições.

Foi durante a sua experiência anterior à adesão à Lusa que o fotojornalista terá aprendido a "antecipar a acção" e
o "momento decisivo", o que lhe permite, de algum modo, planear as suas fotos. A frequência com que, no
fotojornalismo quotidiano, se fotografam situações do mesmo tipo, ter-lhe-á dado experiência ("calo")
profissional. E isto era cobrado aos candidatos ao ingresso na Lusa.

O neófito igualmente já deverá saber como seleccionar fotos (para digitalizar) a partir dos negativos, sem
impressão de uma prova de contacto, selecção essa que obedecerá essencialmente às seguintes questões: o que
quererá o cliente? O que quererá o público? Como ficará a foto reproduzida nos jornais?

Apesar de parecerem ultrapassadas, parece-nos que a realização de provas de contacto poderia conferir maior
qualidade à selecção fotográfica na Lusa, embora haja que interpor dois obstáculos: por um lado, os
equipamentos digitais levam o fotojornalista a encarar a prova de contacto quase como uma perda de tempo; por
outro, embora haja tecnologia que o evite (até fotocopiadoras), seria trabalhoso fazer provas de contacto a cores
em laboratório normal — e a verdade é que os fotojornalistas da Lusa, pelo que nos foi dado observar,
trabalham exclusivamente com filme a cor (se existirem excepções, só confirmarão a regra).

É por força da socialização que os fotojornalistas da Lusa se vêem menos como artistas e mais como
profissionais da fotografia de notícias. Por isso, nem sequer gostam que os denominem de "fotógrafos".

Vimos já, através das entrevistas, alguns dos pontos em que se manifestava a ideologia do profissionalismo: a)
fazer-se mesmo aquilo de que não se gosta; b) ultrapassar-se o desencanto das rotinas; c) diferenciar-se
vincadamente o fotojornalismo de outras áreas da fotografia; d) auto-identificação dos fotojornalistas como um
corpus de profissionais, com todas as implicações que isso acarreta; e) integração de elementos da ideologia da
objectividade e da mística profissional nas interpretações colectivas dos fenómenos e nas formas de fazer as
coisas; f) autodidactismo (leituras técnicas não só como forma de alcançar mais conhecimentos mas também
como forma de socialização na profissão); e g) preferência dada aos colegas como mentores num contexto de
socialização profissional. Mas outros elementos há.

Entre esses elementos, verificámos, por exemplo, que os fotojornalistas da Lusa tendiam a disfarçar a falta de
reconhecimento no seio da Agência pela sua visão ideológica do profissionalismo, entendendo aqui ideologia
como formas de interpretação/vivência do real decorrentes de interesses (para o caso, o interesse na
legitimação), como o "(…) consenso que cimenta cada grupo organizado" (44), sendo, portanto, passível de ser
desvelada pelas práticas quotidianas. A capacidade de aceitação, de "encaixe", era, consequentemente,
denotadora de profissionalismo. Demonstra-se, por aqui, que o "profissionalismo" dos fotojornalistas da Lusa
era um refúgio problemático para muitas convicções, comportamentos e atitudes. A exemplo do que afirma
John Soloski, estamos convencidos de que é um instrumento por vezes constrangedor(45), senão mesmo
controlador, do trabalho dos fotojornalistas.

O papel da ideologia do profissionalismo na coesão e autolegitimação do grupo dos fotojornalistas é notório


quando as palavras a que recorreram todos os fotojornalistas para caracterizarem o trabalho uns dos outros (só
não falámos com João Paulo Trindade) foram "trabalho profissional". Ou seja, os foto-repórteres vêem-se a si
próprios e aos colegas como profissionais que realizam um trabalho profissional, trabalho este que os legitima
precisamente porque é profissional, em parte devido à força congregadora e socialmente identificadora da
ideologia do profissionalismo.

A hipotética extinção do Serviço de Fotonotícia devido à sua baixa rentabilidade, acrescida de uma certa
"resistência à fotografia" que nos pareceu notar no seio da Lusa poderá, por seu turno, levar os jornalistas a
evidenciar zelo profissional. Porém, é de colocar a hipótese de que essa pressão possa ter tornado os foto-
repórteres mais dóceis e maleáveis à socialização e aculturação na empresa, e, portanto, mais facilmente
socializáveis dentro das ideologias e mitos profissionais.
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Verificámos igualmente que, em parte por força do profissionalismo, aos fotojornalistas não são, geralmente,
dadas "ordens" directas, mas antes "sugestões" fortes, pois, provavelmente, o profissionalismo e a moral de
grupo tenderiam a rejeitar esses procedimentos. Por força do profissionalismo, portanto, pode dizer-se que cada
fotojornalista guardava uma determinada esfera de autonomia, que é igualmente uma forma de poder.

A ideologia do profissionalismo, confundida com o conceito de profissionalismo pelos fotojornalistas, não é,


assim, um mecanismo linear de controle e constrangimento. Imersos no profissionalismo, porventura nem os
fotojornalistas nem sequer os detentores do poder na Agência Lusa percepcionam com nitidez a natureza
problemática de toda a teia de relações, convicções, comportamentos e atitudes que se escondem por trás do
profissionalismo, não só em matéria de direitos e deveres mas também ao nível da prática profissional e do
próprio produto.

Em primeiro lugar, o profissionalismo constrange a selecção de temas, na medida em que vão ser seleccionados
os temas que se esperam de um profissional da Agência Lusa (política, desporto profissional, etc.) e não outros
(temas documentais, etc.). Depois, constrange as fotografias em si. O domínio, em 1994, das fotos "ao baixo"
sobre as fotos "ao alto" e das "fotos com margem" (destinadas a permitirem reenquadramentos) é sintomático
desta asserção. A produção quase exclusiva de fotos "ao baixo" destinava-se a facilitar quer a sua publicação
"como estava" quer o seu eventual reenquadramento (especialmente "ao alto") pelos editores de imagem dos
órgãos de Comunicação Social clientes da Lusa. Era, assim, um limite à criatividade, à exploração de
conotações, mesmo à contextualização dos temas e acontecimentos fotograficamente representados, mas
também era um factor que impedia o controle do fotojornalista sobre o seu próprio trabalho. Para evitar
adulterações ao seu trabalho motivadas pelo reenquadramento (ou por outros processos), o fotojornalista da
Lusa apenas podia confiar no sentido de justiça e no respeito pela autoria e integridade do trabalho por parte
dos seus colegas de profissão, espalhados pela Imprensa. Mas, quando esse trabalho não era respeitado, o
fotojornalista entendia a ocorrência como uma contingência profissional e não como um atentado à autoria. É
como se transferisse, sem sequer intervir no processo, os direitos de autor de cada foto para as entidades que a
vão publicar. A ideologia do profissionalismo impedia aos fotojornalista a tomada mais activa de medidas
defensoras da integridade da sua obra, porque, devido à socialização e aculturação que sofreram, na sua
empresa todos fazem assim e, portanto, a passividade é o tipo de (não-)comportamento tido por correcto. A
passividade, nesses casos, era tida como uma manifestação de profissionalismo, mesmo que ocorresse uma certa
indignação camuflada.

A prática de fotos "ao baixo" era, assim, entendida pelos fotojornalistas da Lusa como uma necessidade
profissional, algo que denotava profissionalismo, razão pela qual não era questionada e era, sobretudo,
praticada. Era também uma rotina processual performativa, que, evitando ao fotojornalista a necessidade de
avaliar a tipologia do enquadramento no momento do acto fotográfico, isto é, evitando ao fotojornalista ter de
decidir-se —e reflectir— sobre se o melhor enquadramento seria "ao alto", "ao baixo" ou até "oblíquo",
permitia poupar tempo, permitia vencer mais facilmente a pressão tirânica do tempo. Na foto Lusa, o
enquadramento era sempre "ao baixo", excepto nos raros casos em que o enquadramento "ao alto" favoreccesse
o recorte individual das personagens, diríamos mesmo, das figuras públicas (incluindo jogadores de futebol), na
fotografia. A adequação às rotinas mediria a profissionalidade.

O enquadramento "ao baixo" denota ainda que era o que era percebido como o que vende, e, portanto, como o
que era percebido como exigências do mercado, a moldar o produto e a basear o que era entendido como uma
manifestação de profissionalismo. Este transformava-se, desta maneira, numa variável de mercado, que,
enquanto tal, passava mais ou menos despercebida aos olhos dos fotojornalistas e talvez mesmo dos detentores
do poder na Agência Lusa.

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